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Processo n.º 213/09
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
  
 
           Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
 
   
 
                         1. Relatório
 
                         1.1. A., S. A., deduziu reclamação para o Tribunal 
 Constitucional, ao abrigo do artigo 76.º, n.º 4, da Lei de Organização, 
 Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 
 
 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 
 de Fevereiro (LTC), contra o despacho do Conselheiro Relator do Supremo 
 Tribunal de Justiça (STJ), de 5 de Janeiro de 2009, que não admitiu recurso por 
 ela interposto para o Tribunal Constitucional.
 
  
 
                         1.2. O despacho reclamado é do seguinte teor:
 
  
 
             “1. Por acórdão lavrado por este Supremo Tribunal em 8 de Outubro de 
 
 2008 (fls. 686 a 700 dos presentes autos), foi negada a revista interposta por 
 A., S. A., do acórdão proferido em 19 de Novembro de 2007 pelo Tribunal da 
 Relação do Porto.
 
             Na alegação atinente a esse recurso de revista (cf. fls. 644 a 647 e 
 
 671 a 674), a impugnante não suscitou, directa ou indirectamente, expressa ou 
 implicitamente, qualquer questão de desconformidade com a Lei Fundamental por 
 banda de normativo ínsito no ordenamento jurídico infraconstitucional.
 
             Após ter sido tirado o acórdão de 8 de Outubro de 2008, a recorrente 
 veio deduzir o que apelidou de reclamação «para a conferência» (cf. 
 requerimento a fls. 709 e 710), sendo que, no requerimento consubstanciador 
 dessa pretensão, também não suscitou qualquer questão de desarmonia 
 constitucional por parte de norma precipitada no ordenamento jurídico ordinário.
 
             Por acórdão de 3 de Dezembro de 2008 (fls. 718 a 720), foi 
 desatendido o solicitado.
 
             Vem agora a A.  juntar aos autos requerimento com o seguinte teor:
 
  
 
             «A., S. A., recorrente nos autos à margem melhor referenciados,
 
             notificada a fls. … do douto acórdão e não se conformando com o 
 mesmo,
 
             dele vem recorrer para o Tribunal Constitucional.
 
             Invoca desde já como fundamento para o mesmo a violação do disposto 
 no artigo 208.º da CRP, cuja inconstitucionalidade será de novo invocada nas 
 alegações a apresentar. 
 
             Termos em que se requer de V.ª Ex.ª a admissão do recurso, 
 seguindo‑se os ulteriores termos.»
 
  
 
             2. Torna‑se inequívoco que, com o transcrito requerimento, pretende 
 a impugnante interpor recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade 
 para o Tribunal Constitucional.
 
             É também patente que, em tal requerimento, não é identificada qual a 
 decisão, proferida por este Supremo Tribunal, que se deseja ser impugnada 
 perante aquele órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade 
 normativa (já que, nestes autos e por este mesmo Supremo, foram prolatados dois 
 arestos), bem como que esse requerimento não obedece, de todo em todo, aos 
 requisitos constantes do artigo 75.º‑A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro.
 
             Poder‑se‑ia, assim, e à míngua de tais elementos, ser‑se levado à 
 formulação do convite a que alude o n.º 5 do citado artigo 75.º‑A.
 
             Todavia, a formulação de um tal convite representaria um acto inútil 
 
 (e, logo, processualmente inadmissível).
 
             Na verdade, ainda que, eventualmente, viesse a ser indicada 
 concretamente a decisão pretendida recorrer perante o Tribunal Constitucional, 
 e qual a alínea do n.º 1 do artigo 70.º da mencionada Lei n.º 28/82 ao abrigo da 
 qual ela era intentada impugnar, o recurso desejado interpor não poderia ser 
 admitido.
 
             Efectivamente, num e noutro dos acórdãos lavrados por este Supremo 
 não foi «desaplicada», por motivo de inconstitucionalidade ou de ilegalidade, 
 qualquer norma inserta no ordenamento jurídico ordinário, pelo que não podia ser 
 aberta a via de recurso esteada nas alíneas a), c), d), e) e i) daquele n.º 1 do 
 artigo 70.º.
 
             Por outro lado, não se assiste à situação de, em qualquer uma das 
 decisões proferidas, ter sido objecto de aplicação normativo já anteriormente 
 julgado inconstitucional ou ilegal pelo Tribunal Constitucional ou desconforme 
 com a Constituição pela Comissão Constitucional, ou de aplicação de normativo 
 constante de acto legislativo com fundamento na sua contraditoriedade com uma 
 convenção internacional, razão pela qual não pode aqui cobrar o disposto nas 
 alíneas g), h) e i), primeira parte, do mesmo n.º 1 do artigo 70.º.
 
             Ainda por outro lado, precedentemente às decisões tomadas por este 
 Supremo, não foi, pela ora recorrente e como já se disse, suscitada a 
 desarmonia constitucional de qualquer norma com fundamento na sua 
 inconstitucionalidade, ilegalidade ou contrariedade com uma convenção 
 internacional e em desconformidade com o anteriormente decidido sobre a questão 
 pelo Tribunal Constitucional, motivo pelo qual não se trata de um caso 
 subsumível às alíneas b), f) e i), parte final, do referido n.º 1.
 
             Não é o requerimento ora em apreço muito claro ao referir «violação 
 do disposto no artigo 208.º da CRP, cuja inconstitucionalidade será de novo 
 invocada nas alegações a apresentar», pois que, dado o modo como essa asserção 
 se encontra escrita, poderia, inclusivamente, levar a que se considerasse que, 
 afinal, a impugnante desejava obter veredicto do Tribunal Constitucional sobre 
 uma desconformidade constitucional por parte daquele artigo 208.º, o que, a ser 
 assim, era algo absolutamente imperceptível, uma vez que, num recurso de 
 fiscalização concreta da constitucionalidade, não faria qualquer sentido a 
 pretensão de ver analisada a compatibilidade constitucional de uma norma do 
 próprio Diploma Básico.
 
             Mas, admitindo que, com o ali consignado, aquilo que a recorrente 
 deseja dizer é que o acórdão deste Supremo (recte, um dos acórdãos tirados por 
 este Supremo) violou aquele artigo 208.º, então também por aí não é o recurso 
 admissível.
 
             É que, como sabido é, o objecto dos recursos de fiscalização 
 concreta da constitucionalidade ou ilegalidade é constituído por normas do 
 ordenamento jurídico infraconstitucional e não por outros actos do poder público 
 tais como, verbi gratia, as decisões judiciais qua tale consideradas.
 
             Perante o que se deixa dito, e por manifesta carência de 
 pressupostos, não admito o recurso querido interpor.”
 
  
 
                         1.3. O referido despacho foi notificado à recorrente por 
 carta registada expedida em 6 de Janeiro de 2009, tendo, por fax transmitido em 
 
 21 de Janeiro de 2009, a mesma apresentado reclamação, endereçada ao Presidente 
 do STJ, “nos termos do artigo 688.º do Código de Processo Civil”.
 
                         Por despacho de 17 de Fevereiro de 2009, um dos 
 Vice‑Presidentes do STJ decidiu não tomar conhecimento da reclamação, por ser 
 inaplicável o disposto naquele artigo 688.º, que só pode incidir sobre um 
 despacho do tribunal a quo que não admita ou retenha o recurso, sendo dirigida 
 ao presidente do tribunal ad quem, e, no caso, estava em causa o despacho do 
 Conselheiro Relator de uma Secção do STJ que não admitira recurso para o 
 Tribunal Constitucional, sendo a única via utilizável para o impugnar a 
 reclamação para o Tribunal Constitucional, prevista no artigo 76.º, n.º 4, da 
 LTC.
 
  
 
                         1.4. Tendo este despacho sido notificado à reclamante 
 por carta registada expedida em 17 de Fevereiro de 2009, veio a mesma, por fax 
 transmitido em 3 de Março de 2009, apresentar reclamação para o Tribunal 
 Constitucional, nos termos do artigo 76.º, n.º 4, da LTC, com a seguinte 
 fundamentação:
 
  
 
             “1.º – A recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional 
 do douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça por, no seu entendimento, ter 
 sido violado o disposto no artigo 208.º da Constituição da República 
 Portuguesa.
 
             2.º – Em 6 de Janeiro de 2009, a título de questão prévia, o Ex.mo 
 Senhor Juiz Conselheiro Relator entendeu que o recurso não era admissível, o que 
 veio a ser notificado logo de seguida.
 
             3.º – No entanto, salvo o devido respeito, que é desde logo 
 manifesto, impunha‑se a admissão do recurso, tanto mais que, conforme já 
 exposto, a violação da constitucionalidade iria ser invocada em sede de 
 alegações.
 
             4.º – Ora, salvo melhor opinião, ainda que assim não se entendesse, 
 então sempre o Ex.mo Senhor Juiz Conselheiro Relator deveria ter formulado o 
 convite a que se alude o n.º 5 do artigo 75.º‑A da Lei n.º 28/82, de 15 de 
 Novembro.
 
             5.º – Sucede que a formulação de tal convite não constituía um acto 
 inútil, mas sim uma obrigação plasmada na lei. A omissão de um acto ou 
 formalidade que a lei prescreve leva à sua nulidade – cf. artigo 201.º do 
 Código de Processo Civil.
 
             6.º – A recorrente, caso tal convite venha a ser efectuado, não 
 deixará, como lhe compete, [de identificar] qual a decisão tomada por este 
 Supremo Tribunal que entende violar as normas constitucionais.
 
             7.º – Logo, o recurso para o Tribunal Constitucional deve ser 
 mantido e aceite, evitando‑se assim que a recorrente se veja impossibilitada de 
 ver o recurso por si interposto julgado superiormente, limitando‑se os seus 
 direitos e legítimas expectativas e a sua defesa.”
 
  
 
                         1.5. O Conselheiro Relator do STJ admitiu a reclamação, 
 com a advertência de que o fazia por entender que a apreciação da questão 
 atinente à sua tempestividade devia caber ao Tribunal Constitucional.
 
  
 
                         1.6. Neste Tribunal, o representante do Ministério 
 Público emitiu o seguinte parecer:
 
  
 
             “A presente reclamação é, desde logo, intempestiva.
 
             Na verdade, confrontada a recorrente com o despacho que rejeitou o 
 recurso de fiscalização concreta interposto, deduziu reclamação para o Ex.mo 
 Conselheiro Presidente do STJ que – naturalmente – se considerou incompetente 
 para dirimir tal reclamação, obviamente sujeita ao regime vigente em processo 
 constitucional. E só após tal decisão lhe ter sido notificada veio deduzir a 
 
 «reclamação» a que alude o artigo 77.º da Lei do Tribunal Constitucional.
 
             Como está perfeitamente sedimentado na jurisprudência 
 constitucional, é intempestiva a reclamação apresentada na sequência de um 
 anterior procedimento anómalo, suscitado pela parte em consequência de um erro 
 grave e indesculpável sobre o âmbito dos meios impugnatórios existentes em cada 
 ordenamento adjectivo.
 
             A entidade reclamante e o respectivo mandatário tinham naturalmente 
 a obrigação de saber que a rejeição de um recurso de fiscalização concreta só 
 pode ser atacada pela reclamação deduzida para o Tribunal Constitucional, não 
 lhe aproveitando o uso de um meio procedimental inexistente: a reclamação para 
 o Presidente do STJ de um despacho proferido por um Juiz Conselheiro, em 
 processo aí pendente.”
 
  
 
                         1.7. Determinada a notificação da reclamante para se 
 pronunciar, querendo, sobre a questão da intempestividade da reclamação, 
 suscitada no parecer do Ministério Público, foi apresentada resposta, na qual 
 refere:
 
  
 
             “Contrariamente ao que alega o Digno Magistrado do Ministério 
 Público, não houve qualquer erro grave ou indesculpável por parte da entidade 
 reclamante ou do ilustre mandatário, ora signatário.
 
             O que ocorreu foi uma rejeição do recurso, por parte do Ex.mo Senhor 
 Juiz Conselheiro Relator, e uma reclamação para o Ex.mo Senhor Juiz Conselheiro 
 Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.
 
             No entanto, salvo o devido respeito, que é desde logo manifesto, 
 impunha‑se a admissão do recurso tanto mais que, conforme já exposto, a 
 violação da constitucionalidade iria ser invocada em sede de alegações.
 
             Ora, salvo melhor opinião, ainda que assim não se entendesse, então 
 sempre o Ex.mo Senhor Juiz Conselheiro Relator deveria ter formulado o convite 
 a que se alude o n.º 5 do artigo 75.º‑A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro.
 
             Logo, o recurso para o Tribunal Constitucional deve ser mantido e 
 aceite, evitando‑se assim que a recorrente se veja impossibilitada de ver o 
 recurso por si interposto julgado superiormente, limitando‑se os seus direitos e 
 legítimas expectativas e a sua defesa.
 
             Ora, a presente reclamação surge na sequência da resposta 
 apresentada pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça e como tal, salvo 
 melhor opinião, não é intempestiva.”
 
  
 
                         Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                         2.1. Como se sustentou no parecer do Ministério Público, 
 a presente reclamação é intempestiva por, considerando‑se a notificação do 
 despacho de não admissão do recurso para o Tribunal Constitucional efectivada em 
 
 9 de Janeiro de 2009 (terceiro dia posterior à expedição da carta registada – 
 artigo 254.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), o prazo de 10 dias para a 
 dedução da reclamação encontrava‑se há muito esgotado quanto esta foi expedida, 
 em 3 de Março de 2009, e sendo certo que a errónea e indesculpável dedução de um 
 incidente legalmente inexistente (reclamação para o Presidente do STJ de 
 despacho de um Conselheiro Relator de uma das Secções do STJ que não admitiu 
 recurso para o Tribunal Constitucional) não tem a virtualidade de interromper 
 ou suspender aquele prazo. O efeito interruptivo do prazo de impugnação de 
 decisões judiciais apenas está legalmente previsto para os pedidos de 
 rectificação, aclaração ou reforma dessas decisões, como dispõe o artigo 686.º, 
 n.º 1, do Código de Processo Civil (devendo atribuir‑se o mesmo efeito 
 interruptivo, quanto ao prazo de interposição de recurso para o Tribunal 
 Constitucional, às arguições de nulidade da decisão recorrida, por esse recurso 
 não poder ter por fundamento a nulidade da decisão recorrida e, assim, ser 
 inaplicável o regime da parte final do primeiro período do n.º 3 do artigo 668.º 
 do citado Código – cf., entre outros, os Acórdãos n.ºs 79/2000, 43/2003 e 
 
 64/2007).
 
                         Como é entendimento jurisprudencial corrente, 
 designadamente deste Tribunal Constitucional (cf., entre outros, os Acórdãos 
 n.ºs 511/93, 641/97, 459/98, 1/2004, 278/2005, 64/2007, 173/2007, 279/2007, 
 
 463/2007, 80/2008, 210/2008 e 178/2009), a dedução de incidentes processuais 
 anómalos, designadamente pós‑decisórios, não previstos no ordenamento jurídico, 
 não tem a virtualidade de suspender ou interromper o prazo de impugnação de 
 decisões judiciais.
 
  
 
                         2.2. Mas mesmo que a presente reclamação pudesse ser 
 considerada tempestiva, ela estaria inexoravelmente condenada ao insucesso, uma 
 vez que, como demonstrou o despacho reclamado, no caso não se verifica o 
 preenchimento dos requisitos de nenhuma das espécies de recurso para o Tribunal 
 Constitucional previstas nas diversas alíneas do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, 
 conclusão a que se chega, sem lugar a dúvidas, pela mera leitura das peças 
 processuais produzidas pela reclamante perante o STJ (nas quais não se suscita 
 qualquer questão de inconstitucionalidade ou de ilegalidade normativas) e dos 
 dois acórdãos por este proferidos (nos quais não se recusa a aplicação de 
 qualquer norma com fundamento em inconstitucionalidade, ilegalidade ou 
 contrariedade com convenção internacional, nem se aplica norma anteriormente 
 julgada inconstitucional pela Comissão Constitucional ou anteriormente julgada 
 inconstitucional, ilegal ou contrária a convenção internacional pelo Tribunal 
 Constitucional). E a falta destes requisitos de admissibilidade do recurso, que 
 respeitam, por um lado, à conduta processual da recorrente anterior à prolação 
 dos acórdãos do STJ e, por outro lado, ao teor destes acórdãos, é, por natureza, 
 insusceptível de ser suprida no requerimento de interposição de recurso de 
 constitucionalidade, pelo que não faria qualquer sentido a formulação de convite 
 ao aperfeiçoamento de tal requerimento (que, de facto, não contém uma única das 
 indicações exigidas pelo artigo 75.º‑A da LTC), e, muito menos, de ser apenas 
 suprida nas alegações do recurso de constitucionalidade (alegações a cuja 
 produção só há lugar se o recurso se mostrar admissível, o que, no presente 
 caso, manifestamente não ocorre).
 
  
 
                         3. Em face do exposto, acordam em não conhecer da 
 presente reclamação.
 
                         Custas pela reclamante, fixando‑se a taxa de justiça em 
 
 20 (vinte) unidades de conta.
 Lisboa, 28 de Abril de 2009.
 Mário José de Araújo Torres 
 João Cura Mariano
 Rui Manuel de Moura Ramos