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Processo nº 96/08
 
 3ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral
 
  
 Acordam, em Conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
 
 I
 Relatório
 
  
 
 1.  A Magistrada do Ministério Público junto do 2.º Juízo do Tribunal de Pequena 
 Instância Criminal do Porto vem reclamar para este Tribunal Constitucional, ao 
 abrigo das disposições conjugadas dos artigos 77.º e 78.º-A, n.ºs 3 e 4, ambos 
 da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (Lei Tribunal Constitucional), do despacho 
 da Juiz daquele 2.º Juízo, de 19 de Novembro de 2007, que não lhe admitiu o 
 recurso, interposto para este Tribunal ao abrigo do disposto no artigo “70.º, 
 n.º 1, alíneas a) e/ou c)” da Lei Tribunal Constitucional, do despacho da mesma 
 Juiz, de 5 de Novembro de 2007, com fundamento em que “(…) da análise dos 
 preceitos em causa, não se vislumbra que a decisão em causa nos autos admita 
 recurso para o Tribunal Constitucional, atendendo a que não se subsume a 
 qualquer das alíneas supra referidas. Requisitos de admissibilidade do recurso, 
 nos termos do art.º 70.º, al. a), é a existência de recusa de aplicação de uma 
 norma com fundamento na sua inconstitucionalidade. Ora, isso não acontece, nem 
 explicita nem implicitamente, no despacho em causa nos autos; no mesmo sentido 
 Acórdãos do Tribunal Constitucional disponíveis na página/site do Tribunal 
 Constitucional, com o n.º convencional ACT00000118, ACT00004871 e ACT00000019.”
 O despacho pretendido recorrer para este Tribunal Constitucional tem o seguinte 
 conteúdo:
 Do auto de notícia elaborado pela autoridade policial resulta que o arguido foi 
 detido em flagrante delito e depois restituído à liberdade, tendo sido 
 notificado para comparecer perante o M.P. junto do Tribunal de turno. 
 Resulta também dos autos que não foi deduzida verdadeira acusação escrita contra 
 o arguido. 
 O M.P. apresentou apenas o expediente ao juiz de turno para os efeitos do art° 
 
 387°, nº 2 ali. a) C.P.P., pretensão que foi deferida, adiando-se simplesmente o 
 início da audiência do julgamento. 
 Aberta vista à Digna Magistrada do M.P., pela mesma foi referido que aguardará o 
 início da audiência, para aí requerer a substituição da apresentação da acusação 
 pela leitura do auto de notícia da autoridade que procedeu à detenção. 
 
 É certo que no auto de notícia constam alguns factos. 
 Todavia, tais factos, por si só, não constituem qualquer crime. 
 
 É de ter em conta que a consciência e a vontade de praticar tais factos típicos, 
 bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei – o dolo – constitui 
 elemento típico dos ilícitos criminais, e designadamente do perfunctoriamente 
 indiciado no auto de notícia. 
 O mesmo sucede quanto à negligência, nos termos do disposto nos art°s.13° e 15° 
 do C.P. 
 Tal elemento subjectivo deverá constar da acusação e/ou do auto de notícia — cfr 
 os art°s 243º e 283°, n° 3 ali. b) do C.P.P., e ainda sobre o tema, entre 
 outros, o AC do TRG de 7/04/2003, in CJ, tomo II, pg. 291-294. 
 Qualquer acusação em que se omita este facto – falta dos factos integradores do 
 dolo ou da negligência – deve ser rejeitada, por se encontrar manifestamente 
 infundada, com base no art° 311°, n° 3, al. d) do C.P.P. – quando os demais 
 elementos típicos do crime se encontrarem nela descritos. 
 Do expediente ora em análise não consta qualquer um desses elementos (dolo ou 
 neg1igência). 
 De tal expediente também não se retira a indicação das disposições legais 
 aplicáveis, a chamada qualificação jurídica dos factos, o que é relevante e 
 implica até a rejeição da acusação, nos termos do citado art° 311, n° 3 ali. e) 
 do C.P.P. 
 Dado o teor do auto de notícia, mesmo com sua leitura em audiência nada mais se 
 acrescenta ao que aí consta. 
 
 É condição da realização de julgamento em processo sumário e desta forma de 
 processo especial a existência de um crime concreto e devidamente identificado, 
 com indicação dos respectivos factos integradores (objectivos e subjectivos) e 
 de todas as disposições legais aplicáveis. Só assim se podem apreciar os 
 apertados requisitos de admissibilidade do processo sumário, bem como a 
 competência do tribunal. 
 Está em causa a natureza acusatória do processo penal, além das garantias de 
 defesa do arguido e o princípio da vinculação temática do tribunal. 
 Afigura-se-nos, pois, que não se verificam os requisitos que justificam o 
 julgamento em processo sumário, nos termos do disposto no art° 381° do C.P.P., 
 na redacção da Lei n° 48/07, de 29/08. 
 Assim sendo, e por razões de economia processual, e ainda nos termos dos art°s. 
 
 381°, e 390º, al. a) do C.P.P., na actual redacção, determino a remessa dos 
 presentes autos ao Ministério Público para tramitação sob outra forma 
 processual.
 Na reclamação ora em apreço expende a recorrente as seguintes razões:
 
  
 Alega o/a Mmo/a Juiz a quo no douto despacho ora reclamado, por referência ao 
 anteriormente citado art°. 70°, da Lei 28/82, de 15 de Novembro, além do mais 
 que infra se analisará “Ora da análise dos preceitos em causa, não se vislumbra 
 que a decisão em causa nos autos, admita recurso para o tribunal Constitucional, 
 atendendo a que não se subsume a qualquer das alíneas supra referidas.” (sic). 
 Salvo o devido respeito, conforme aliás expressamente consta do requerimento de 
 interposição de recurso ora indeferido, a situação sub judice subsume-se à 
 previsão das al.s a) e/ou c), do citado art°. 70°, se bem que nas respectivas 
 actuais redacções e não nas citadas pelo/a Mmo/a Juiz a quo, sendo a redacção 
 actual daquela al. c) “Que recusem a aplicação de norma constante de acto 
 legislativo com fundamento na sua ilegalidade por violação de lei com valor 
 reforçado”. 
 Com efeito, da leitura integral do douto despacho judicial recorrido e da 
 respectiva integração na antecedente tramitação processual que conduziu à 
 prolacção do mesmo, parece-nos inegável que consubstancia este, de facto, a 
 recusa de aplicação da norma constante do n.º 2, do art°. 389°, do CPP – 
 constante de acto legislativo (L. 48/2007, de 29 de Agosto – 15ª Alteração ao 
 Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n°. 78/87, de 17 de 
 Fevereiro) –, por inconstitucionalidade e/ou ilegalidade. 
 De facto, tendo o MP, nos termos do douto despacho exarado a fls. 9, verificados 
 que se mostravam os pressupostos dos art°.s 381º, n°. 1, al. a), e 387°, n°. 1, 
 do CPP, determinado, nos termos do disposto na 2ª parte, do n°. 2, do art°. 
 
 382°, do CPP, a apresentação do “.../... expediente, ao M°. Juiz de Turno para 
 os efeitos do art°. 387º, n° 2, alínea a) do Código de Processo Penal, …/...” 
 
 (sic) e tendo este – Mmo/a Juiz de turno –, com os fundamentos de facto e de 
 direito que constam do douto despacho judicial de fls. 10 determinado “.../... 
 que o arguido seja notificado para comparecer no próximo dia 29/10/2007, pelas 
 
 10 horas, no Tribunal competente afim de aí ser julgado em processo sumário, 
 art. 387 n° 2, alínea a) do C.P.P.” (sic) e tendo ainda o MP, entretanto e 
 atento o despacho judicial de fls. 13 – “Ao M.P., atenta a falta de acusação.” 
 
 (sic) –, nos termos consignados a fls. 14, reservado para o início da audiência 
 de discussão e julgamento, o eventual uso da faculdade prevista no n°. 2, do 
 art°. 389°, do CPP, a decisão judicial entretanto recorrida, ao decidir 
 
 “.../..., determino a remessa dos presentes autos ao Ministério Público para 
 tramitação sob outra forma processual” (sic), não só nega a aplicação daquela 
 disposição legal, expressamente invocada pelo MP, (ou antes, a possibilidade do 
 exercício, pelo MP, da faculdade p. na mesma), como fundamenta tal posição, 
 alegando, além do mais que, “É certo que no auto de notícia constam alguns 
 factos. 
 Todavia, tais factos, por si só não constituem qualquer crime, 
 
 …/... – o dolo – constitui elemento típico dos ilícitos criminais, .../... 
 O mesmo sucede quanto à negligência, .../... 
 Tal elemento subjectivo deverá constar da acusação e/ou do auto de notícia – 
 
 .../... 
 Do expediente ora em análise não consta qualquer um desses elementos (dolo ou 
 negligência). 
 De tal expediente também não se retira a indicação das disposições legais 
 aplicáveis a chamada qualificação jurídica dos factos, .../…” (sic), concluindo 
 com a alegação de que “Está em causa a natureza acusatória do processo penal, 
 além das garantias de defesa do arguido e o princípio da vinculação temática do 
 tribunal.” (sic). 
 Ora, não sendo obviamente de exigir fórmulas sacramentais para afirmar 
 princípios, parece-nos que outra coisa não fez o/a Mmo/a Juiz a quo que não 
 tenha sido recusar a aplicação, in casu, da norma legal expressamente invocada 
 pelo MP (n°. 2, do art°. 389°, do CPP), por entender que tal aplicação, faltando 
 no auto de notícia, “o elemento subjectivo” e “a chamada qualificação jurídica 
 dos factos”, seria inconstitucional, por violação dos, aliás expressamente 
 citados e assim invocados, princípios constitucionais da estrutura/natureza 
 acusatória do processo penal e das garantias de defesa do arguido – art°. 32º, 
 n°.s 1 e 5, da CRP – e/ou ilegal, por violação do, igualmente expressamente 
 citado e invocado, princípio da vinculação temática do tribunal – art°.s 358°, 
 
 359° e 379°, n°. 1, al. b), do CPP. 
 Mais alega o/a Mmo/a Juiz a quo no douto despacho ora reclamado, “Requisito de 
 admissibilidade do recurso, nos termos do art° 70° al. a), é a da existência da 
 recusa de aplicação de uma norma com fundamento na sua inconstitucionalidade. 
 Ora, isso não acontece, nem explicita nem implicitamente no despacho em causa 
 nos autos, …/...”.
 De facto, nos termos da citada al. a), do n°. 1, do art°. 70°, da Lei 28/82, de 
 
 15 de Novembro, ao abrigo da qual, também, mas não só, foi interposto o recurso 
 ora indeferido, o requisito de admissibilidade do recurso é efectivamente a 
 existência de recusa de aplicação de qualquer norma, com fundamento em 
 inconstitucionalidade. 
 Contudo, nos termos da al. c), do nº. 1, do mesmo preceito legal, ao abrigo da 
 qual foi ainda, interposto o recurso em causa, o requisito de admissibilidade do 
 recurso é a existência de recusa de aplicação de norma constante de acto 
 legislativo com fundamento na sua ilegalidade por violação de lei com valor 
 reforçado. 
 Ora, a expressa invocação, no despacho recorrido, dos supra referenciados 
 princípios constitucionais da estrutura/natureza acusatória do processo penal e 
 das garantias de defesa do arguido e do princípio legal da vinculação temática 
 do tribunal, resulta inequívoca e inegavelmente do respectivo texto, supra 
 transcrito, mormente do supra citado segmento da respectiva parte final – “Está 
 em causa a natureza acusatória do processo penal, além das garantias de defesa 
 do arguido e o princípio da vinculação temática do tribunal.” (sic, com 
 sublinhado nosso). 
 Face ao exposto, não pode naturalmente concordar-se com a, além de 
 infundamentada, estranha conclusão, constante do despacho em reclamação, no 
 sentido de que, no mesmo “.../... não acontece, nem explicita nem 
 implicitamente.../...” (sic) a recusa de aplicação de uma norma com fundamento 
 na sua inconstitucionalidade, pois que, manifestamente tal acontece, 
 relativamente à norma constante do nº. 2, do art°. 389°, do CPP, com fundamento, 
 aliás explícito, e portanto, claro e inegável, na respectiva 
 inconstitucionalidade e/ou, na respectiva ilegalidade, por violação dos 
 princípios citados, o que, sendo certo que a norma em referência consta de acto 
 legislativo, também pode fundamentar a admissibilidade do recurso, ora 
 indeferido. 
 Assim sendo, parece-nos forçoso concluir que a decisão em referência não só 
 admite recurso, para o Tribunal Constitucional, nos termos das supra citadas 
 al.s a) e/ou c), do n°. 1, do art°. 70º, da Lei 28/82, de 15 de Novembro, como é 
 o mesmo, aliás, para o MP, atento o prescrito no n°. 3, do art°. 72°, da citada 
 Lei, até obrigatório, por a norma cuja aplicação se mostra recusada, constar de 
 acto legislativo (L. 48/2007, de 29 de Agosto, conforme supra já referido). 
 Concluindo, o que o/a Mmo/a Juiz fez, no/a douto/a despacho/decisão recorrido/a, 
 ao decidir “.../..., determino a remessa dos presentes autos ao Ministério 
 Público para tramitação sob outra forma processual.” (sic), não realizando o 
 requerido pelo MP, nos termos legais e aliás, anteriormente, judicialmente 
 determinado, – tendo sido o/a arguido/a e o/a/s agente/s autuante/s de tal 
 despacho notificado/a/s (cfr. fls. 11) – julgamento do/a arguido/a, em processo 
 sumário e nem sequer iniciando a audiência, cujo início, note-se, havia sido, 
 oportuna e anteriormente, judicialmente adiado, nos termos do disposto na al. 
 a), do n°. 2, do art°. 387°, do CPP, – sem cuidar aqui sequer da questão da 
 eventual violação do princípio do caso julgado formal, na medida em que se 
 pronunciou o/a Mmo/a juiz a quo, sobre questão já ultrapassada processualmente 
 precludida e relativamente à qual se encontrava esgotado o poder jurisdicional 
 com a prolacção do anterior despacho judicial, supra citado, que procedeu ao 
 adiamento do início da audiência de julgamento em processo sumário – foi 
 manifestamente recusar a aplicação da norma constante do n°. 2, do art°. 389°, 
 do CPP, com fundamento em inconstitucionalidade e/ou na sua ilegalidade, por 
 permitir a realização do julgamento em processo sumário, nos casos em que o MP, 
 não tendo deduzido acusação, reserva para o início da audiência, a faculdade de 
 substituir a apresentação da acusação pela leitura do auto de notícia da 
 autoridade que tiver procedido à detenção, quando deste “.../... não consta 
 qualquer um desse elementos (dolo ou negligência).” (sic) e .../... não se 
 retira a indicação das disposições legais aplicáveis, a chamada qualificação 
 jurídica dos factos, .../....” (sic).
 
  
 Notificado da apresentação desta reclamação, o arguido A.  não respondeu.
 Sobre a reclamação pronunciou-se o Magistrado Ministério Público em funções 
 neste Tribunal Constitucional, emitindo o seguinte parecer:
 
  
 Importa notar liminarmente que – sendo o recurso, interposto pelo Ministério 
 Público e rejeitado no Tribunal a quo, – exclusivamente fundado na alínea a) do 
 n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, apenas poderá reportar-se à recusa de 
 aplicação da norma identificada no respectivo requerimento de interposição – e 
 não a quaisquer outros preceitos legais, eventualmente aplicados no despacho 
 reclamado, já que tal implicaria a ampliação do respectivo objecto de modo a 
 incluir estes últimos, bem como a invocação, como base recursória, da alínea b) 
 daquele artigo 70.º, n.º 1, o que se afigura inviável face à regra de que a 
 delimitação do objecto do recurso decorre irremediavelmente (no que se refere ao 
 seu máximo âmbito) do teor daquele requerimento.
 A sorte da presente reclamação dependerá, deste modo, da determinação da 
 existência de uma «verdadeira» recusa de aplicação normativa, reportada ao 
 artigo 389.º, n.º 2, do Código de Processo Penal fundada em violação dos 
 princípios constitucionais da estrutura acusatória do processo penal e das 
 garantias de defesa.
 Qual a interpretação normativa feita pelo juiz a quo de tal preceito legal?
 A nosso ver, considerou-se ser inviável a substituição da apresentação de 
 acusação pelo Ministério Público em processo sumário pela simples leitura do 
 auto de notícia, no início da audiência, sem qualquer «aditamento», num caso em 
 que o referido auto omitiria elementos essenciais a qualquer acusação, nos 
 planos fáctico (estruturantes do elemento subjectivo do crime imputado ao 
 arguido), da qualificação jurídica (especificação das disposições legais 
 aplicáveis) e probatório (indicação das provas que fundamentam tal imputação ao 
 arguido).
 
 É feita, no despacho reclamado, a seguinte leitura da norma constante do artigo 
 
 389.º, n.º 2, do Código de Processo Penal:
 Em processo sumário, pode o Ministério Público substituir a apresentação da 
 acusação pela leitura do auto de notícia da autoridade que tiver procedido à 
 detenção, salvo se de tal auto não constarem todos os elementos – fácticos, de 
 qualificação jurídica e probatório – que obrigatoriamente – por força das 
 disposições gerais – devem constar de qualquer acusação.
 Ou seja: não se considerou inviável, de modo genérico, a actuação processual ali 
 consentida ao Ministério Público, procedendo-se antes a uma leitura conjugada de 
 tal preceito legal com as disposições que regulam os requisitos da acusação, só 
 consentindo a «substituição» da acusação pela leitura do auto quando este 
 satisfaça minimamente tais requisitos gerais.
 Procedeu, deste modo, o despacho recorrido a uma leitura conjugada da norma que 
 integra o objecto do presente recurso (a do artigo 389.º, n.º 2, do Código de 
 Processo Penal) com outras disposições que regem sobre os requisitos da acusação 
 
 (artigos 283.º, n.º 3, e 311.º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Penal) para 
 concluir que a possibilidade de mera leitura do auto de notícia, no início da 
 audiência, pressupõe a suficiência deste, na óptica das exigências formuladas 
 por aqueles preceitos legais.
 Sendo duvidosa a definição da precisa «linha de fronteira» entre a verdadeira 
 
 «recusa de aplicação» normativa, enquadrável na alínea a) do n.º 1 do artigo 
 
 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, e a mera interpretação de preceitos 
 legais «em conformidade com a Constituição» (cf., v. g., os Acórdãos n.ºs 
 
 170/85, 425/89, 137/89, 636/94 e 1020/96), afigura-se que – no caso dos autos – 
 o juízo de inaplicabilidade de certa interpretação que – a ser feito – violaria 
 determinados princípios constitucionais se não fundou «única ou primacialmente» 
 
 (para utilizar a expressão de Rui Medeiros, A Decisão de Inconstitucionalidade, 
 pp. 331 e seguintes) no princípio da interpretação conforme à Lei Fundamental, 
 mais não desempenhando «o apelo à Constituição (princípio do acusatório e das 
 garantias de defesa) em sede hermenêutica, uma função de apoio ou de confirmação 
 de um sentido da norma já sugerido pelos restantes elementos de interpretação» 
 
 (cf. ainda o Acórdão n.º 285/2002).
 Assim, por se afigurar que o Tribunal a quo, no despacho recorrido, se limitou a 
 proceder a uma leitura conjugada de diversos regimes processuais penais, 
 referentes aos requisitos da acusação, articulando-os com a possibilidade de 
 mera «leitura» pelo Ministério Público do auto de notícia no início da audiência 
 em processo sumário, não será a circunstância de se considerar que a 
 imperatividade de tal aplicação conjugada dos regimes legais decorre dos 
 princípios constitucionais do acusatório e das garantias de defesa que traduz a 
 ocorrência de uma verdadeira «recusa de aplicação normativa», enquadrável no 
 tipo recursório previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82.
 
  
 
  
 Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
  
 II
 Fundamentos
 
  
 
 2.  Sobre reclamações idênticas à ora em análise recaíram os Acórdãos n.ºs 
 
 8/2008, 12/2008, 15/2008, 16/2008, 31/2008, 48/2008, 49/2008, 56/2008, 58/2008, 
 
 60/2008, 61/2008, 65/2008, 73/2008, 74/2008, 79/2008, 88/2008, 89/2008 e 
 
 121/2008, todos disponíveis no sítio da Internet www.tribunalconstitucional.pt. 
 No primeiro aresto referido, o Tribunal Constitucional decidiu manter despacho 
 com argumentação muito próxima da do despacho ora pretendido recorrer. Pode 
 ler-se nesse aresto:
 
  
 
 2. Face ao teor do requerimento de interposição de recurso, o respectivo objecto 
 era integrado por alegada decisão de recusa de aplicação da norma do artigo 
 
 389.º, n.º 2, do CPP, com fundamento em inconstitucionalidade.
 Tem este Tribunal entendido que a recusa de aplicação de norma com fundamento em 
 inconstitucionalidade, para abrir via ao recurso previsto na alínea a) do n.º 1 
 do artigo 70.º da LTC, tanto pode consistir numa recusa explícita, como numa 
 recusa implícita, e que são equiparáveis a recusas determinadas decisões de 
 aplicação da norma interpretada em conformidade com a Constituição, “sempre que 
 se esteja perante uma clara rejeição de certa interpretação, mormente da 
 interpretação literal ou «natural», com fundamento na sua inconstitucionalidade” 
 
 (José Manuel M. Cardoso da Costa, A Jurisdição Constitucional em Portugal, 3.ª 
 edição revista e actualizada, Coimbra, 2007, p. 73, nota 93). Necessário é 
 sempre, porém, que o juízo de inconstitucionalidade (ou de desconformidade 
 constitucional) constitua uma verdadeira ratio decidendi, e não um mero obiter 
 dictum, da decisão recorrida.
 No presente caso, resulta da leitura da decisão recorrida que o elemento 
 primordial e determinante do entendimento da inadmissibilidade, no caso, de o 
 Ministério Público “substituir a apresentação da acusação pela leitura do auto 
 de notícia da autoridade que tiver procedido à detenção”, prevista no n.º 2 do 
 artigo 389.º do CPP, resultou da leitura conjugada desse preceito com as 
 disposições dos artigos 283.º, n.º 3, alíneas b) a d), e 311.º, n.ºs 2, alínea 
 a), e 3, alíneas b), c) e d), do mesmo Código, que, respectivamente, determinam 
 que a acusação do Ministério Público, sob pena de nulidade, deve conter a 
 narração dos factos, a indicação das disposições legais aplicáveis e a prova, e 
 que o presidente do tribunal, se o processo tiver sido remetido para julgamento, 
 sem ter havido instrução, deve rejeitar a acusação se a considerar 
 manifestamente infundada, sendo tida como tal a acusação que não contenha a 
 narração dos factos, a indicação das disposições legais aplicáveis ou das provas 
 que a fundamentam, ou se os factos não constituírem crime.
 Isto é: foi com base na interpretação do direito ordinário que a decisão 
 recorrida entendeu só ser admissível a substituição da acusação pela leitura do 
 auto de notícia quando este auto contenha todos os elementos legalmente 
 exigíveis para a validade de qualquer acusação.
 A posterior referência a que violaria a estrutura acusatória do processo 
 criminal e poria em causa as garantias de defesa do arguido a realização da 
 audiência, em processo sumário, tendo por acusação apenas o que consta de um 
 auto de notícia, que não possibilitava ao arguido a conhecimento da totalidade 
 dos factos necessários ao preenchimento do tipo legal, a sua qualificação 
 jurídica e a prova, constituiu um mero argumento de conforto da justeza do 
 entendimento a que anteriormente se chegou quanto à interpretação tida por 
 correcta, ao nível da interpretação do direito ordinário aplicável, da 
 possibilidade de substituição da acusação pelo Ministério Público pela leitura 
 do auto de notícia.
 Só existiria recusa de aplicação de norma com fundamento em 
 inconstitucionalidade se o tribunal tivesse interpretado o artigo 389.º, n.º 2, 
 do CPP no sentido de permitir essa substituição mesmo quando o auto de notícia 
 não contivesse os elementos exigidos para a validade da acusação, e, depois, 
 sustentasse que, assim interpretada, tal norma violaria princípios 
 constitucionais. Mas não foi esse, como se evidenciou, o caminho seguido pela 
 decisão recorrida.
 Não encerrando esta, sequer implicitamente, uma recusa de aplicação de norma com 
 fundamento em inconstitucionalidade, o presente recurso surge como inadmissível, 
 sendo de todo irrelevante, para o efeito, a menção a eventual violação de caso 
 julgado.
 
  
 Se é assim, sendo que nenhuma razão se vislumbra para divergir desta análise ou 
 acrescentar algo, conclui-se que também no presente caso a decisão pretendida 
 recorrer não desaplicou efectivamente a norma impugnada pelo recorrente, antes 
 tendo procedido a uma interpretação desta em conformidade com outras normas de 
 Direito infra-constitucional, designadamente aquelas que regulam os requisitos 
 da acusação e a tramitação processual sob a forma sumária, não estando 
 preenchido o pressuposto da citada alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do 
 Tribunal Constitucional, nem, obviamente, o da alínea c) do mesmo n.º, artigo e 
 Lei, que pressupõe sempre uma desaplicação de norma com fundamento na sua 
 contraditoriedade com um comando paramétrico constante de lei de valor 
 reforçado.
 
  
 
  
 III
 Decisão
 
  
 Nestes termos, acordam em indeferir a presente reclamação. Sem custas.
 
  
 
  
 Lisboa,12 de Março de 2008
 Maria Lúcia Amaral
 Carlos Fernandes Cadilha
 Gil Galvão