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Processo n.º 170/08
 
 3ª Secção
 Relator: Conselheiro Vítor Gomes
 
  
 
                                                                               
 I- Relatório
 
  
 
  
 
 1. O Ministério Público interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao 
 abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, 
 do despacho (proferido em audiência de julgamento do processo comum, com 
 intervenção do Tribunal Colectivo que, sob o n.º 81/07.6GCFAR, corre termos pelo 
 
 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Faro) constante da acta de 26 de 
 Novembro de 2007, que desaplicou, com fundamento em inconstitucionalidade, a 
 norma do artigo 359.º do Código de Processo Penal, na redacção da Lei n.º 
 
 48/2007, de 29 de Agosto.
 
  
 
 2. O despacho recorrido é do seguinte teor:
 
  
 
 «O arguido A. está acusado, entre o mais, da prática de factos susceptíveis de 
 integrar a prática, pelo mesmo, de um crime de furto, previsto e punível pelo 
 artigo 203º, nº 1 do Código Penal (conjunto de factos identificados na acusação 
 sob  nº 1205/06. 6PBFAR). 
 Do depoimento da testemunha B. resultam indícios de que o arguido, para furtar o 
 motociclo, arrancou o canhão da fechadura da garagem comum do prédio 
 identificado na acusação e descarnou os fios da fechadura eléctrica, tendo após, 
 acedido ao interior da garagem e de lá retirado e levado consigo o motociclo. 
 Esta nova factualidade consubstancia a prática de um crime de furto qualificado, 
 previsto e punível pelo pelas disposições conjugadas dos artigos 203º, nº 1, 
 
 204º, nº 2, alínea e) e 202º, alínea d) todos do Código Penal. 
 Este crime é punível com uma penalidade mais gravosa nos seus limites mínimo e 
 máximo do que a penalidade prevista para o crime de furto de que o arguido está 
 acusado. 
 Como tal, a alteração de factos anunciada consiste numa alteração substancial 
 dos factos. 
 Assim, comunica-se ao arguido a falada alteração para que o mesmo diga se se 
 opõe à mesma ou se autoriza a que o Tribunal conheça dos novos factos. 
 Coloca-se, porém, uma questão prévia. 
 Dispunha o artigo 359º do Código de Processo Penal na sua redacção originária 
 que 
 
 1 - Uma alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, 
 se a houver, não pode ser tomada em conta pelo tribunal para o efeito de 
 condenação no processo em curso; mas a comunicação da alteração ao Ministério 
 Público vale como denúncia para que ele proceda pelos novos factos. 
 
 2 - Ressalvam-se do disposto no número anterior os casos em que o Ministério 
 Público, o arguido e o assistente estiverem de acordo com a continuação do 
 julgamento pelos novos factos, se estes não determinarem a incompetência do 
 tribunal. 
 
 3 - Nos casos referidos no número anterior, o presidente concede ao arguido, a 
 requerimento deste, prazo para preparação da defesa não superior a dez dias, com 
 o consequente adiamento da audiência, se necessário. 
 O regime legal assim estabelecido visava conseguidamente evitar que o Tribunal, 
 unilateralmente, pudesse alterar o objecto do processo, passando a conhecer de 
 factos que não tinham sido levados à acusação ou à pronúncia e que conduziam à 
 condenação do arguido por crime punível com pena mais gravosa. Perante uma 
 situação destas, uma de duas: ou os sujeitos processuais da instância criminal 
 autorizavam a que o Tribunal conhecesse da nova factualidade no mesmo processo – 
 e este prosseguiria tendo em conta a nova factualidade indiciada; ou os mesmos 
 sujeitos processuais não manifestavam o acordo no sentido de o Tribunal poder 
 conhecer da nova factualidade e iniciar-se-ia um novo processo, já que a 
 comunicação da alteração substancial dos factos equivalia a denúncia pelos 
 mesmos. 
 Dispõe o artigo 359º do Código de Processo Penal na redacção que lhe foi dada 
 pela [Lei n.º] 48/2007 
 
 1 - Uma alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia 
 não pode ser tomada em conta pelo tribunal para o efeito de condenação no 
 processo em curso, nem implica a extinção da instância. 
 
 2 - A comunicação da alteração substancial dos factos ao Ministério Público vale 
 como denúncia para que ele proceda pelos novos factos, se estes forem 
 autonomizáveis em relação ao objecto do processo. 
 
 3 - Ressalvam-se do disposto nos números anteriores os casos em que o Ministério 
 Público, o arguido e o assistente estiverem de acordo com a continuação do 
 julgamento pelos novos factos, se estes não determinarem a incompetência do 
 tribunal. 
 O novo texto do inciso legal que se acaba de reproduzir introduz uma importante 
 alteração em relação ao texto originário. No caso de a nova factualidade não ser 
 autonomizável em relação ao objecto do processo e uma vez que a instância não 
 pode ser extinta nem dela o Tribunal pode conhecer (salvo acordo do MP, arguido 
 e assistente), deixa a conduta indiciada e provada de ser punível. 
 Vejamos, pois, como proceder nestes casos, isto é, nos casos de alteração 
 substancial de factos não autonomizáveis em que o arguido não dê o seu acordo a 
 que o Tribunal conheça dos factos no próprio processo. 
 Assim, se alguém está acusado de factos que consubstanciam um crime de furto 
 previsto no artigo 203º, nº 1 do Código Penal e se vem a demonstrar, para além 
 dos factos já imputados ao arguido que ele usou, como meio de conseguir o seu 
 intuito, uma arma de fogo (o que consubstancia um crime de roubo agravado), não 
 pode o Tribunal apreciar a sua conduta nem nesse processo nem em processo 
 autónomo. 
 O mesmo se pode passar relativamente a crimes de outra natureza, tais como o 
 crime de ofensa á integridade física e homicídio; entre homicídio privilegiado e 
 qualificado, etc. 
 Nestes casos, os direitos, liberdades e garantias fundamentais das pessoas 
 deixam de ter tutela, não porque assim é opção do legislador (rectius: da lei), 
 mas sim por meras contingências processuais que não são controláveis e que se 
 podem ficar a dever a mero lapso. 
 Ao nível dos direitos liberdades e garantias, tal como o direito à vida, o texto 
 constitucional vincula o próprio Estado a não produzir normas que os 
 desprotejam, incluindo no âmbito do Direito Penal. 
 Cremos que ninguém ousaria, nos dias de hoje, defender que a revogação pura e 
 simples das normas que tipificam criminalmente os crimes de homicídio é 
 aceitável do ponto de vista constitucional: a norma revogatória violaria o 
 disposto no artigo 24º da CRP, o artigo 18º do mesmo diploma e ainda o princípio 
 do Estado de direito democrático. Com efeito, a par de muita legislação que vise 
 proteger a vida humana, a punição do homicídio impõe-se por exigência 
 constitucional já que traduz uma reacção do Estado ao comportamento daquele que 
 conhecendo a proibição, a viola, lesando direitos fundamentais que estão já 
 reconhecidos na constituição. 
 O mesmo se passa, mutatis mutandis, relativamente a outros direitos, liberdades 
 e garantias fundamentais, tais como a integridade pessoal e outros previstos nos 
 artigos 25° e seguinte da CRP. 
 De entre as obrigações do Estado de proibir e reagir criminalmente contra quem 
 atente contra direitos fundamentais se conta, por força do que se dispõe no 
 artigo 17º e 18º da CRP ao direito de propriedade privada, previsto no artigo 
 
 62º da CRP, o qual contempla o direito de ninguém ser privado do direito de 
 propriedade sobre as suas coisas. Cumpre, pois, ao Estado legislador o dever de 
 produzir normas que regulem o direito de propriedade em conformidade com a 
 constituição e de promover, também pela via legislativa, o dever de impor erga 
 omnes o respeito pela propriedade alheia sob pena de, pelo menos nos 
 comportamentos mais gravosos, serem perseguidos criminalmente. 
 
 É o que ocorre, claramente, nos comportamentos que a própria lei define como 
 sendo altamente censuráveis e que revelam um grande carácter anti-jurídico, como 
 
 é o caso dos crimes de furto qualificado, previstos e puníveis pelos artigos 
 
 203º, nº 1 e 204º, nº 2, alínea e) do Código Penal. 
 O Código Penal cumpre, na perspectiva que se vem referindo, a sua missão. 
 Todavia, tal missão é fortemente atropelada pelo Código de Processo Penal: uma 
 circunstância processual incontrolável (lapso do Ministério Público, ignorância 
 de um determinado meio de prova, falha momentânea de uma testemunha ou OPC) pode 
 determinar que uma pessoa seja acusada de um crime, quando, na verdade se vem a 
 apurar que cometeu, naquelas circunstâncias de tempo, lugar e no âmbito do mesmo 
 fenómeno histórico, um crime mais grave. Neste caso, a conduta do agente nunca 
 poderá ser perseguida criminalmente, apesar de, no julgamento se ter provado o 
 crime mais grave e de serem dadas ao arguido todas as garantias de defesa. 
 A recusa do Estado em punir uma conduta que está obrigado a perseguir 
 criminalmente através de um mecanismo processual que não tem qualquer 
 justificação não pode deixar de traduzir uma violação dos supra citados 
 preceitos constitucionais. 
 A questão da inconstitucionalidade da norma em causa não se queda por aqui. 
 Resulta ele ainda da circunstância de a qualificação de um dado comportamento 
 criminoso ficar dependente de uma decisão unilateral de um órgão do Estado (o 
 Ministério Público) ou, o que é particularmente grave, do mero acaso. Fazendo-se 
 do acaso um legislador e julgador, o Código de Processo Penal não observa o que 
 a CRP impõe ao Estado, já que apenas permite que o direito à vida, à integridade 
 física, à reserva da vida privada, à propriedade privada sejam tutelados 
 criminalmente se... assim calhar. 
 Não é tutela suficiente dos direitos fundamentais. 
 O absurdo da solução que se pretendeu introduzir com o novo texto legal vai mais 
 longe: obriga os Tribunais a condenarem o arguido pelos factos de que já estava 
 acusado. Uma eventual circunstância especial agravante ou um novo facto típico 
 passam a poder ser considerados na sentença apenas com o valor de circunstância 
 geral agravante. 
 Esta solução pode conduzir a soluções chocantes. 
 Tal como acima se referiu, um furto, punível com pena de prisão até 3 anos ou 
 multa, pode “transformar-se” num roubo agravado, punível com pena mínima de 3 
 anos de prisão e máxima até 15 anos de prisão, bastando que na subtracção da 
 coisa alheia o agente use uma arma. 
 Em casos como este, como determinar a espécie e medida da pena: 
 a) um agente primário deverá ser punido com pena de multa, se o crime 
 efectivamente cometido (e fora os casos de atenuação especial da pena) não 
 admite multa (como pena principal ou de substituição)? 
 b) será legítimo, em face do que se disse, pura e simplesmente, aplicar a pena 
 máxima de prisão prevista para o crime de furto? 
 c) A resposta positiva à questão anterior não violará o princípio da culpa como 
 limite da pena? 
 d) A aferição do grau de lesão do bem jurídico protegida pela norma penal 
 incriminadora afere-se pelo crime pelo qual o arguido é condenado ou pelo crime 
 que ele efectivamente cometeu? 
 e) As exigências de prevenção (especial e geral) são aferidas pelo crime 
 efectivamente cometido ou pelo crime pelo qual o arguido irá ser condenado? 
 A resposta a todas estas questões, de acordo com o novo texto do Código de 
 Processo Penal, só pode ser uma: no exemplo citado, o arguido só pode ser 
 responsabilizado pelo crime de furto e não por roubo. A culpa, as exigências de 
 prevenção aferem-se tendo tal por referência. Os tribunais deverão, pois, 
 aplicar uma pena por crime que o arguido não cometeu ou, dito de outra forma, os 
 tribunais devem aplicar uma pena injusta. 
 Esta solução nem traz vantagens para o papel do Estado como primeiro grande 
 promotor dos direitos, liberdades e garantias fundamentais das pessoas, nem para 
 a aplicação justa do direito penal. 
 A solução do artigo 359º do Código de Processo Penal na sua versão originária, 
 além de conferir aquelas vantagens, garante, na íntegra, os direitos de defesa 
 do arguido. 
 Pense-se agora, no outro caso já enunciado, em que o limite máximo da pena 
 aplicável ao crime de que o arguido está acusado não é igual ou limite mínimo do 
 crime que o arguido efectivamente cometeu. Pense-se, por exemplo, no caso de um 
 arguido estar acusado de um crime de homicídio privilegiado (punível com pena de 
 prisão até 5 anos) e se ter demonstrado que o crime efectivamente cometido é um 
 crime de homicídio qualificado, a que corresponde uma penalidade cujo limite 
 mínimo é mais do dobro do limite máximo do crime de que está acusado (12 anos de 
 prisão) sendo o limite máximo igual ao quíntuplo (25 anos de prisão). 
 Em casos destes, como responder às questões enunciadas supra nas 5 alíneas? Como 
 dizer que fica garantida a obrigação do estado em garantir o direito à vida? 
 Como se pode afirmar que a pena a aplicar é justa? Como defender que a aplicação 
 do artigo 359º do Código de Processo Penal na redacção de 2007 não é 
 inconstitucional? 
 Em face de todo o exposto, julga-se inconstitucional o artigo 359º do Código de 
 Processo Penal, na redacção que lhe foi dada pela 48/2007 e em consequência, a 
 comunicação da alteração substancial dos factos feita ao arguido A. é feita ao 
 abrigo da redacção originária daquele preceito legal.»
 
  
 
  
 
             3. O arguido opôs-se à continuação do julgamento pelos novos factos.
 
  
 
 4. Admitido o recurso e notificadas as partes para alegações, apenas o 
 Ministério Público alegou tendo concluído do seguinte modo:
 
  
 
 «1. Não é inconstitucional a norma do artigo 359º do Código de Processo Penal, 
 na redacção da Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, no segmento em que estabelece 
 que a comunicação da alteração substancial dos factos ao Ministério Público 
 apenas vale como denúncia para que ele proceda pelos novos factos, se estes 
 forem autonomizáveis em relação ao objecto do processo. 
 
 2.Termos em que deverá proceder o presente recurso.»
 
  
 
  
 II- Fundamentos
 
  
 
             5. Convém, para imediata percepção do problema de processo penal que 
 o despacho recorrido resolveu e, concomitantemente, melhor delimitação do 
 objecto do recurso, pôr em evidência a evolução legislativa que imediatamente 
 lhe está na génese.
 
  
 
             Dispunha o artigo 359.º do Código de Processo Penal, na redacção 
 anterior à Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto:
 
  
 
 “Artigo 359.º
 
 (Alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia)
 
  
 
 1. Uma alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, 
 se a houver, não pode ser tomada em conta pelo tribunal para o efeito de 
 condenação no processo em curso; mas a comunicação da alteração ao Ministério 
 Público vale como denúncia para que ele proceda pelos novos factos.
 
 2. Ressalvam-se do disposto no número anterior os casos em que o Ministério 
 Público, o arguido e o assistente estiveram de acordo com a continuação do 
 julgamento pelos novos factos, se estes não determinarem a incompetência do 
 tribunal.
 
 3. Nos casos referidos no número anterior, o presidente concede ao arguido, a 
 requerimento deste, prazo para preparação da defesa não superior a dez dias, com 
 o consequente adiamento da audiência, se necessário.”
 
  
 
  
 
             Na redacção emergente da Lei n.º 48/2007, o mesmo preceito passou a 
 dispor:
 
  
 
 “Artigo 359.º
 
 (Alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia)
 
  
 
 1. Uma alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia 
 não pode ser tomada em conta pelo tribunal para o efeito de condenação no 
 processo em curso, nem implica a extinção da instância.
 
 2. A comunicação da alteração substancial dos factos ao Ministério Público vale 
 como denúncia para que ele proceda pelos novos factos, se estes forem 
 autonomizáveis em relação ao objecto do processo.
 
 3. Ressalvam-se do disposto no n.º 1 os casos em que o Ministério Público, o 
 arguido e o assistente estiverem de acordo com a continuação do julgamento pelos 
 novos factos, se estes não determinarem a incompetência do tribunal.
 
 4. Nos casos referidos no número anterior, o presidente concede ao arguido, a 
 requerimento deste, prazo para preparação da defesa não superior a 10 dias, com 
 o consequente adiamento da audiência, se necessário.”
 
  
 
  
 
             Apesar de a decisão recorrida não enunciar expressamente a dimensão 
 em que desaplicou o novo regime de modificação do objecto do processo penal em 
 fase de julgamento, parece evidente, face ao teor da decisão, que apenas está em 
 causa a norma extraída dos n.ºs 1 e 2 do artigo 359.º, enquanto prevê que, no 
 caso de se verificar uma alteração substancial dos factos descritos na acusação 
 ou na pronúncia, por virtude de factos novos que não sejam autonomizáveis em 
 relação ao objecto do processo, e que não possa ser tida em conta pelo tribunal 
 para efeito de condenação no processo em curso, por não haver o acordo a que se 
 reporta o n.º 3 do preceito, não pode o tribunal comunicar a alteração ao 
 Ministério Público para que proceda pela totalidade dos factos e extinguir a 
 instância em curso. Ou seja, o que verdadeiramente se questiona é a imposição de 
 proferir decisão de mérito (de absolvição ou de condenação), vinculada aos 
 factos descritos na acusação ou na pronúncia, com definitiva desconsideração do 
 efeito agravativo da responsabilidade criminal que resultaria dos novos factos 
 provados (recte indiciados) em fase de julgamento, quando estes não sejam 
 autonomizáveis em relação ao objecto do processo.
 
  
 
  
 
             6.  O Tribunal Constitucional ainda não apreciou esta concreta 
 questão, que emerge da mais recente alteração do Código de Processo Penal. Mas 
 já decidiu, no acórdão n.º 237/2007, publicado no Diário da República, II Série, 
 de 24 de Maio de 2007, no sentido da não inconstitucionalidade da norma do 
 artigo 359.º, na redacção anterior, enquanto interpretada no sentido de 
 permitir, nas situações em que os novos factos não eram autonomizáveis em 
 relação ao objecto do processo, a absolvição da instância e a comunicação ao 
 Ministério Público para que este procedesse pela totalidade dos factos. 
 
  
 Apesar de a questão que no presente recurso se coloca ser, de algum modo, de 
 sentido inverso da então apreciada – o despacho recorrido repudiou a solução 
 
 (ter que ser proferida sentença de mérito relativamente ao objecto do processo 
 definido pela acusação, com a consequente desconsideração do significado 
 agravativo específico dos factos novos não autonomizáveis) que o recorrente no 
 processo em que foi proferido o referido acórdão defendia como a única que seria 
 compatível com a Constituição –, é útil recordar passagens essenciais desse 
 acórdão, que contém um resumo detalhado da jurisprudência constitucional mais 
 relevante a propósito do regime da alteração do objecto do processo penal, em 
 fase de julgamento, no Código de Processo Penal de 1987.
 
  
 
             Assim, disse-se no referido acórdão n.º 237/2007:
 
  
 
  “2.1. A possibilidade de, em audiência de julgamento, se atender a factos não 
 referidos na acusação pareceria, à primeira vista, pouco compatível com a 
 estrutura acusatória do processo criminal. Como se referiu no Acórdão n.º 130/98 
 
 (com texto integral disponível em www.tribunalconstitucional.pt, tal como todos 
 os outros adiante citados):
 
 “Os factos descritos na acusação normativamente entendidos, isto é, em 
 articulação com as normas consideradas infringidas pela sua prática e também 
 obrigatoriamente indicadas na peça acusatória, definem e fixam o objecto do 
 processo, que, por sua vez, delimita os poderes de cognição do tribunal.
 Segundo Figueiredo Dias (in Direito Processual Penal, Coimbra Editora, 1974, p. 
 
 145) é a este efeito que se chama vinculação temática do tribunal e é nele que 
 se consubstanciam os princípios da identidade, da unidade ou indivisibilidade e 
 da consunção do objecto do processo penal, ou seja, os princípios segundo os 
 quais o objecto do processo deve manter‑se o mesmo, da acusação ao trânsito em 
 julgado da sentença, deve ser conhecido e julgado na sua totalidade (unitária e 
 indivisivelmente); e – mesmo quando o não tenha sido – deve considerar‑se 
 irrepetivelmente decidido.
 Com efeito, um processo penal de estrutura acusatória exige, para assegurar a 
 plenitude das garantias de defesa do arguido, uma necessária correlação entre a 
 acusação e a sentença que, em princípio, implicaria a desconsideração no 
 processo de quaisquer outros factos ou circunstâncias que não constassem do 
 objecto do processo, uma vez definido este pela acusação.”
 
        Porém, este princípio não deve ser rigidamente entendido. Como o citado 
 Acórdão n.º 130/98 logo acrescentava:
 
 “O processo penal admite, porém, que, sendo a descrição dos factos da acusação 
 uma narração sintética, nem todos os factos ou circunstâncias factuais relativas 
 ao crime acusado possam constar desde logo dessa peça, podendo surgir durante a 
 discussão factos novos que traduzam alteração dos anteriormente descritos.
 A este respeito os artigos 358.º e 359.º do CPP, que regulam esta matéria, 
 distinguem entre «alteração substancial» e «alteração não substancial ou 
 simples» dos factos descritos na acusação ou pronúncia, fazendo, assim, apelo à 
 definição constante do artigo 1.º, n.º 1, alínea f), do CPP. Neste preceito se 
 estabelece que, para efeitos do disposto no presente Código, «(...) considera‑se 
 alteração substancial dos factos: aquela que tiver por efeito a imputação ao 
 arguido de crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções 
 aplicáveis».
 O artigo 359.º rege para esta alteração substancial, determinando que uma tal 
 alteração da factualidade descrita na acusação não pode ser tomada em conta pelo 
 tribunal, para efeito de condenação no processo em curso (n.º 1), salvo se, 
 havendo acordo entre o Ministério Público, o arguido e o assistente na 
 continuação do julgamento e o conhecimento dos factos novos não acarretar a 
 incompetência do tribunal (n.º 2), concedendo‑se então ao arguido, sob 
 requerimento, um prazo para preparação da defesa (n.º 3).
 Ao invés, se a alteração dos factos for simples ou não substancial, isto é, tal 
 que não determine uma alteração do objecto do processo, então o tribunal pode 
 investigar e integrar no processo factos que não constem da acusação e que 
 tenham relevo para a decisão do processo. A lei exige apenas, como condição de 
 admissibilidade, que ao arguido seja comunicada, oficiosamente ou a 
 requerimento, a alteração e que se lhe conceda, se ele o requerer, o tempo 
 estritamente necessário para a preparação da defesa (artigo 358.º, n.º 1, parte 
 final).
 Assim, é uma exigência do princípio da plenitude das garantias de defesa do 
 arguido que os poderes de cognição do tribunal se limitem aos factos constantes 
 da acusação; porém, se, durante a audiência, surgirem factos relevantes para a 
 decisão e que não alterem o crime tipificado na acusação nem levem à agravação 
 dos limites máximos das sanções aplicáveis, respeitados que sejam os direitos de 
 defesa do arguido, pode o tribunal investigar esses factos indiciados ex novo e, 
 se se vierem a provar, integrá‑los no processo, sem violação do preceituado no 
 artigo 32.º, n.ºs 1 e 5, da Constituição.”
 Consequentemente, o citado Acórdão entendeu que não violava os direitos de 
 defesa nem o princípio do contraditório a norma do artigo 358.º do CPP, na parte 
 em que directamente confere ao juiz poderes para oficiosamente seleccionar novos 
 factos surgidos na audiência de julgamento, que não implicavam uma alteração 
 substancial da acusação, desde que, como no caso ocorrera, tenha sido dada aos 
 arguidos a oportunidade processual de organizarem a sua defesa quanto a esses 
 factos então especificados.
 O juízo de não inconstitucionalidade da referida norma foi reiterado no Acórdão 
 n.º 442/99, que, após reproduzir a fundamentação do Acórdão n.º 130/98, encarou 
 a questão – suscitada nos autos em que foi proferido – da violação do princípio 
 da presunção de inocência, consagrado no n.º 2 do artigo 32.º da CRP, 
 julgando‑a, porém, improcedente, já que este princípio, apesar de não ser fácil 
 determinar o seu exacto sentido constitucional (Gomes Canotilho e Vital Moreira, 
 Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição, Coimbra, 1993, p. 
 
 203), “não tem, como pretende o recorrente, o alcance de impedir que se 
 considerem na decisão factos revelados em audiência que, não configurando uma 
 alteração substancial dos descritos na acusação, sejam relevantes para a boa 
 decisão da causa”, acrescentando que “a consideração de tais factos não só não 
 viola o princípio de presunção da inocência como é, pelo contrário, exigida pelo 
 princípio da verdade material”, reconhecendo razão ao Ministério Público quando 
 refere que o princípio da presunção da inocência “não é obviamente susceptível 
 de «apagar» a realidade dos factos, demonstrada efectivamente em audiência, 
 processada com todas as garantias de defesa do arguido”, bem como quando alega 
 que “a circunstância de o tribunal se aperceber de tais factos no decurso da 
 audiência e exercer o poder‑dever de os valorar em nada contende com o princípio 
 da independência e imparcialidade do julgador”.
 A problemática dos limites da alteração do objecto do processo penal foi de novo 
 apreciada no Acórdão n.º 463/2004, agora pondo em contraste as diferenças de 
 regime dos artigos 358.º e 359.º do CPP, preceitos que “não pretendem mais do 
 que expressar os limites da alteração temática do processo penal 
 constitucionalmente admissíveis à face destes princípios do asseguramento de 
 todas as garantias de defesa, da estrutura acusatória do processo e do 
 contraditório, distinguindo as situações de alteração não substancial dos factos 
 descritos na acusação ou na pronúncia da alteração substancial, e, ainda, 
 enunciar os instrumentos jurídicos cuja realização pretende fazer corresponder 
 ao nível de concretização da normatividade constitucional decorrente de tais 
 princípios, em cada uma dessas diferentes situações”. Este Acórdão julgou 
 inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.ºs 1 e 5, da CRP, a norma 
 constante do artigo 359.º do CPP, “quando interpretada no sentido de, em 
 situação em que o tribunal de julgamento comunica ao arguido estar‑se perante 
 uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação, quando a 
 situação é de alteração substancial da acusação, pode o silêncio do arguido ser 
 havido como acordo com a continuação do julgamento”. Para tanto, após 
 salientar serem muito diferentes a extensão e intensidade com que os referidos 
 princípios constitucionais sairiam afectados nas duas situações de alteração 
 temática do processo configuradas nos artigos 358.º e 359.º do CPP, bem como 
 diferentes teriam que ser, e são, as exigências da sua admissibilidade, 
 prossegue:
 
 “Tratando‑se de alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou 
 na pronúncia, que tenha relevo para a decisão da causa, nela se incluindo a mera 
 alteração jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, permite o 
 artigo 358.º do CPP que essa alteração temática do processo possa ser tida em 
 conta pelo tribunal do julgamento no apuramento e na definição da 
 responsabilidade criminal do arguido. No entanto, por mor do respeito devido aos 
 referidos princípios, o preceito impõe que se comunique ao arguido essa 
 alteração e que se lhe conceda o tempo estritamente necessário para a 
 preparação da defesa. A comunicação da alteração temática havida e a concessão 
 do tempo necessário para a preparação da defesa, dispensada por razões 
 evidentes de desnecessidade quando a alteração derive de posição tomada pela 
 própria defesa, apresentam‑se como modos que procuram dar cabal satisfação às 
 exigências postuladas pelos princípios examinados.
 Já no caso de se tratar de alteração substancial dos factos descritos na 
 acusação ou na pronúncia, o n.º 1 do artigo 359.º do CPP impede que ela possa 
 ser tomada em conta pelo tribunal para o efeito de condenação no processo em 
 curso. É um simples postulado dos princípios da estrutura acusatória do 
 processo penal e da sua consequente vinculação temática, do contraditório e do 
 asseguramento das garantias de defesa. Contra o respeito por um tal resultado 
 não valem apenas por si, em tal hipótese, os argumentos do interesse público de 
 celeridade na reparação do mal do crime e do aproveitamento da actividade 
 desenvolvida pelos sujeitos processuais e pelo tribunal que são invocados, na 
 outra situação, para justificar a continuação do julgamento no caso de alteração 
 não substancial dos factos. A situação ofende em tão elevado grau e intensidade 
 aqueles princípios que o legislador, movendo‑se dentro dos critérios dos n.ºs 2 
 e 3 do artigo 18.º da Constituição, não poderia optar por outra solução. Mas 
 existe uma excepção, prevista no n.º 2 daquele artigo 359.º do CPP – a dos 
 
 «casos em que o Ministério Público, o arguido e o assistente estiverem de acordo 
 com a continuação do julgamento pelos novos factos, se estes não determinarem a 
 incompetência do tribunal», sendo que nestes casos «o presidente concede ao 
 arguido, a requerimento deste, prazo para a preparação da defesa não superior a 
 dez dias, com o consequente adiamento da audiência, se necessário». Note‑se, no 
 entanto, que, sendo exigido o acordo de todos os titulares dos interesses 
 contrapostos que se digladiam em processo penal para que o julgamento possa 
 prosseguir com o novo thema, a situação continua a ser de inteiro respeito pelos 
 direitos e garantias constitucionais de cada um. 
 Vale isto por dizer que os preceitos dos artigos 358.º e 359.º do CPP surgem 
 como disposições referentes ao estatuto substantivo do arguido em processo 
 penal, na fase de julgamento, demandando o enquadramento da situação em um ou em 
 outro desses preceitos por parte do tribunal a satisfação de diferentes 
 exigências cuja configuração está informada directamente pela axiologia 
 transportada pelos referidos princípios e o exercício de diferentes direitos de 
 defesa.
 Sendo assim, a comunicação ao arguido de que a alteração temática do processo 
 tem a natureza de alteração não substancial quando, em boa verdade, ela tem a 
 natureza de substancial corresponde a dar‑lhe conhecimento de um estatuto 
 substantivo diferente relativo à sua posição processual de arguido em uma tal 
 situação, estatuto esse que comporta, mesmo à face do direito 
 infra‑constitucional, uma diminuição dos seus direitos de defesa e, 
 consequentemente, não pode deixar de considerar‑se como violando o n.º 1 do 
 artigo 32.º da CRP. Na verdade, o estatuto comunicado não exige que o julgamento 
 apenas possa continuar se ele der o seu acordo a essa continuação e o mesmo 
 fizerem o Ministério Público e o assistente. Por outro lado, são também 
 diferentes as condições de que o arguido goza para poder preparar a sua defesa: 
 enquanto no caso do artigo 358.º do CPP, ele apenas dispõe do tempo que o juiz 
 considerar estritamente necessário, no caso do artigo 359.º do CPP, ele poderá 
 reclamar um prazo até 10 dias.”
 
  
 
  
 
             7.  Da redacção anterior do artigo 359.º do Código de Processo Penal 
 resultava, com suficiente clareza, o procedimento a adoptar quando se 
 verificasse consenso no sentido da continuação do julgamento pelos novos factos 
 revelados em audiência, ou seja, acordo para a reformulação ou redefinição do 
 objecto do processo. Mas já o mesmo não ocorria quando se verificasse falta de 
 acordo, designadamente por oposição do arguido. A falta de explícita previsão 
 legislativa quanto ao procedimento a adoptar nesta última hipótese, sobretudo 
 quando os factos que impliquem a modificação não sejam, por si, susceptíveis de 
 qualificação criminal autónoma ou formem com os constantes da acusação (ou da 
 pronúncia) uma unidade de sentido que não permita a sua autonomização, deu lugar 
 a diferenciadas soluções doutrinais e jurisprudenciais (cf. frederico isaasca, 
 Alteração Substancial dos Factos e sua Relevância no Processo Penal Português, 
 págs. 194-210; teresa pizarro beleza, Apontamentos de Direito Processual Penal, 
 III Vol., AAFDL, 1995, págs. 102 -106; marques ferreira, Da Alteração 
 Substancial dos Factos Objecto do Processo Penal, in Revista Portuguesa de 
 Ciência Criminal, Ano I, n.º 2, pág. 234-237; António Quirino Duarte Soares, 
 
 “Convolações”, Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de 
 Justiça, ano II, 1994, tomo III, pp. 13‑28, em especial p. 26).
 
   
 Retomando as indicações do acórdão n.º 237/2007, como exemplo dessas posições 
 contrastantes (e sem considerar a possibilidade de o Ministério Público 
 reformular ou complementar o acto acusatório que, de jure condendo e com alguma 
 semelhança com o direito italiano, também era sugerida, designadamente por 
 MARQUES FERREIRA, “Da Alteração dos Factos Objecto do Processo Penal”, Revista 
 Portuguesa de Ciência Criminal, Ano I, n.º 2, pag. 239) podem referir-se:
 
             – o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), de 28 de Novembro 
 de 1990, proc. n.º 40 909 (Boletim do Ministério da Justiça, n.º 401, p. 443, e 
 Colectânea de Jurisprudência, ano XV, 1990, tomo V, p. 12), que decidiu que, 
 encerrada a discussão da causa, tem que ser proferida sentença (nomeadamente, 
 absolutória ou condenatória) relativamente ao objecto da acusação, mesmo que 
 anteriormente o tribunal tenha verificado situação de alteração substancial dos 
 factos descritos na acusação e a haja comunicado ao arguido, desde que este se 
 tenha oposto à continuação do julgamento pelos factos novos;
 
             – o acórdão do STJ, de 28 de Janeiro de 1993, proc. n.º 43 395 
 
 (Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano I, 
 
 1993, tomo I, p. 178), que decidiu que, comunicada ao arguido alteração 
 substancial dos factos e opondo‑se este à continuação do julgamento pelos 
 factos novos, o tribunal deve proceder à comunicação desses factos ao Ministério 
 Público para abertura de inquérito quanto a todos os factos (e não somente 
 quanto aos factos novos), e não havendo lugar a prolação de sentença quanto ao 
 facto por que o arguido estava acusado, devendo ser declarada a suspensão (e não 
 a extinção) da instância;
 
             – o acórdão do STJ, de 17 de Dezembro de 1997, proc. n.º 1347/97 
 
 (Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano V, 
 
 1997, tomo III, p. 257), que decidiu que, no caso de oposição, pelo arguido, ao 
 prosseguimento pelo julgamento depois de indiciada alteração substancial dos 
 factos da acusação, nos termos do n.º 1 do artigo 359.º do CPP, deve o tribunal 
 determinar a extracção de certidão de todo o processado para remessa ao 
 Ministério Público e ordenar o arquivamento do processo em curso, por se tratar 
 de “situação inequivocamente configuradora de excepção dilatória inominada”, 
 sendo “óbvio que a posição, legitimamente assumida pelo arguido, de não aceitar 
 a continuação do julgamento pelos novos factos, impossibilitaria – como 
 impossibilita – o julgamento imediato não só no que concerne aos factos novos 
 como também quanto aos da actual acusação, por estes serem elementos essenciais 
 comuns a ambos os tipos de crimes, que se apresentam deste modo numa relação de 
 interferência”; mais acrescentando o mesmo acórdão que esta solução não 
 beliscava os direitos do arguido constitucionalmente garantidos, pois ela “não 
 corresponde a recusa de decisão, mas tão‑só a protelamento da decisão final 
 
 (sobre a factualidade que vier a ser definitivamente apurada e que poderá 
 eventualmente coincidir com os factos da actual acusação); e este protelamento 
 tem em vista, como é de todo evidente, tão‑só a real eficácia das garantias de 
 defesa do arguido, possibilitando‑lhe exercer cabalmente os seus direitos de 
 defesa”.
 
  
 
             Foi esta última solução, de extinção da instância no processo em 
 curso sem pronúncia de mérito sobre os factos pelos quais o arguido vinha 
 acusado e extracção de certidão para que o Ministério Público possa proceder 
 pela totalidade dos factos (os constantes da acusação e os factos novos não 
 autonomizáveis), que o acórdão n.º 237/2007 julgou não violar o princípio ne bis 
 in idem, nem o princípio do acusatório ou o direito a um processo equitativo. 
 Entendeu-se que a sujeição a 'novo julgamento', recaindo quer sobre os 'factos 
 novos' quer sobre os já constantes da acusação, não violaria o princípio ne bis 
 in idem desde logo por não ter chegado a ser proferida decisão sobre o mérito 
 
 (absolutória ou condenatória) e muito menos definitiva, estando necessariamente 
 aberta a possibilidade de os mesmos factos acabarem por ser julgados não 
 provados. E entendeu-se que, não questionando o então recorrente a 
 constitucionalidade da possibilidade de o tribunal estender o seu poder de 
 cognição a factos que resultem da prova produzida em audiência, mesmo que não 
 constantes da acusação ou da defesa, a solução que consiste em determinar a 
 abertura de inquérito pelos factos novos a cargo do Ministério Público que, a 
 final, deduzirá, ou não, acusação, respeitava integralmente o princípio do 
 acusatório, com diferenciação das entidades acusadora e julgadora.
 
             Foi esta a solução que, repristinando o regime anterior na sequência 
 da desaplicação do actual, o despacho recorrido perfilhou.
 
  
 
  
 
             8. A Lei n.º 48/2007 pretendeu resolver expressamente este “problema 
 prático crucial” do destino do processo quando em audiência se indiciam factos 
 novos que alterem substancialmente a acusação, mas que não sejam autonomizáveis 
 em relação aos da acusação ou da pronúncia. Rejeitou – pelo menos é essa a 
 interpretação que o despacho recorrido confere aos n.ºs 1 e 2 do artigo 359.º – 
 a solução da absolvição da instância ou outra de efeito similar que não consista 
 no conhecimento de mérito com base na vinculação temática aos factos da acusação 
 ou da pronúncia (Cf., tb. neste sentido, Paulo Pinto de albuquerque, Comentário 
 do Código de Processo Penal, pag. 897 e segs).
 
             Como já acontecia no regime anterior, na falta de acordo dos 
 sujeitos processuais, o juiz não pode ter em conta factos que impliquem 
 alteração substancial dos factos descritos na acusação e na pronúncia. Mas agora 
 passou a ser-lhe também vedada qualquer solução de “extinção da instância”. 
 Assim, não podendo os factos novos dar origem a novo processo se não forem 
 susceptíveis de relevância criminal autónoma (cfr. n.º 2 do artigo 359.º), tem 
 de aceitar-se que o legislador optou por admitir a impunidade (pelo menos a não 
 consideração da sua qualificação criminal típica ou relevância qualificativa 
 específica; faz-se esta ressalva porque o despacho recorrido admitiu que esses 
 factos possam ser valorados na sentença “com o valor de circunstância geral 
 agravante”, aspecto que não cumpre aqui apreciar) de factos que podem ter por 
 efeito, segundo a noção legal de “alteração substancial dos factos”, a imputação 
 ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das penas 
 aplicáveis (cfr. alínea f) do artigo 1.º do CPP). 
 
  
 As razões desta opção do legislador pelo prosseguimento do julgamento, com a 
 vinculação temática resultante da acusação (ou da pronúncia) e consequente 
 sacrifício parcial do conhecimento da verdade material, são expostas na 
 exposição de motivos da proposta de Lei n.º 109/X, elaborada pela Unidade de 
 Missão, ao consignar que: «[n]o âmbito da alteração substancial de factos, 
 introduz-se a distinção entre factos novos autonomizáveis e não autonomizáveis, 
 estipulando-se que só os primeiros originam a abertura de novo processo (artigo 
 
 359º). Trata-se de uma decorrência dos princípios non bis in idem e do 
 acusatório, que impõem, no caso de factos novos não autonomizáveis, a 
 continuação do processo sem alteração do respectivo objecto …». 
 
  
 
              Posto isto, vejamos a questão de constitucionalidade colocada. 
 
             
 
             9. O despacho recorrido não tratou de identificar o parâmetro 
 constitucional com que confrontou o novo regime jurídico a que recusou 
 aplicação, isto é, a fundamentação da recusa não contém uma precisa referência 
 
 às disposições da Constituição ou aos princípios nela consignados que se 
 consideraram violados. No despacho mobiliza-se um discurso globalizante que, 
 quanto aos bens jurídicos supostamente desprotegidos pelo novo regime legal (v. 
 gr. o direito à vida, à integridade física, à reserva da vida privada), excede 
 manifestamente o âmbito de aplicação da norma à situação processual concreta, em 
 que somente entra em crise a qualificação de um crime contra o património. 
 
  
 
             Com efeito, o arguido A. estava acusado, entre o mais, da prática de 
 factos susceptíveis de integrar a prática de um crime de furto, previsto e 
 punível pelo artigo 203.º, n.º 1 do Código Penal (conjunto de factos 
 identificados na acusação sob nº 1205/06. 6PBFAR). Em audiência, de acordo com o 
 despacho recorrido, terão surgido indícios de que, para furtar o motociclo, o 
 arguido arrancou o canhão da fechadura da garagem e descarnou os fios da 
 fechadura eléctrica, tendo acedido ao interior da garagem e da lá retirado e 
 levado consigo o motociclo. Esta nova factualidade conduziria a que a conduta do 
 arguido consubstanciasse, segundo o mesmo despacho, a prática de um crime de 
 furto qualificado, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 
 
 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, alínea e) e 202.º, alínea d) todos do Código Penal, 
 crime punível com uma penalidade mais gravosa, nos seus limites mínimo e máximo 
 do que a pena prevista para o crime de furto de que o arguido estava acusado. 
 
             Consequentemente – sempre de acordo com a apreciação dos factos e do 
 direito ordinário constante do despacho recorrido, matéria em que não cabe a 
 este Tribunal interferir – o que estava em causa era uma acusação por crime de 
 furto simples (punível com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa) que, 
 por virtude da alteração substancial dos factos ocorrida em audiência de 
 julgamento, poderia ser reconduzida a uma situação de furto qualificado (punível 
 com pena de prisão de 2 a 8 anos). 
 
  
 
             É esta realidade ou dimensão aplicativa concreta - e apenas ela - 
 que se terá em consideração na ponderação subsequente.
 
                                                                        
 
             10. Como as referências contidas na transcrição do acórdão n.º 
 
 237/2007 deixam entrever, o problema da alteração, em fase de julgamento, dos 
 factos descritos na acusação ou na pronúncia é um ponto de convergência e tensão 
 entre os princípios do acusatório e do contraditório, por um lado, e os 
 princípios da legalidade da acção penal, da verdade material e da celeridade 
 processual, por outro. Mediante o novo regime, o legislador optou por conferir 
 mais intensa realização ao princípio do acusatório, com possível sacrifício da 
 verdade material e da legalidade. Factos que, se incluídos no objecto do 
 processo, teriam como consequência a agravação da responsabilidade do arguido, 
 mas que não constam da acusação ou da pronúncia, ficam definitivamente excluídos 
 de perseguição penal, pelo menos quanto à sua relevância criminal específica de 
 agravação abstracta dos limites da pena.
 
  
 
             Não pode, todavia, dizer-se que isso conduza à desprotecção penal 
 dos correspondentes bens jurídicos. Por definição, não se trata de factos 
 susceptíveis, por si só, de fundamentar um incriminação autónoma em face do 
 objecto do processo. Pelo contrário, estes factos que ficarão definitivamente 
 impunes formam com os constantes da acusação (ou da pronúncia, quando a houver) 
 uma tal unidade de sentido que não permitiria a sua autonomização. Dito de outro 
 modo, o que fica fora do âmbito de consideração na sentença e, por essa via, 
 escapa definitivamente à sanção penal, são circunstâncias modificativas 
 especiais que nunca teriam relevância suficiente para sustentar um processo à 
 parte. O que só pode significar que o bem jurídico nuclear susceptível de 
 justificar a incriminação encontra ainda o mínimo de protecção penal, sendo 
 apenas escamoteados alguns concretos factores de intensificação dessa protecção.
 
             Ora, no Estado de direito democrático, a busca da verdade material e 
 a realização do programa punitivo constante das normas incriminadoras só pode 
 ter lugar com respeito pelas regras e princípios do processo penal. Mesmo que se 
 entenda, como no acórdão n.º 237/2007 se entendeu, que ainda seria compatível 
 com as exigências constitucionais decorrentes do princípio do acusatório e da 
 proibição do princípio ne bis in idem uma solução normativa que, perante o 
 impasse decorrente da oposição do arguido à extensão do objecto do processo aos 
 factos novos não autonomizáveis, permitisse a extinção da instância e o retomar 
 do processo, de modo a possibilitar a submissão do arguido a julgamento pela 
 totalidade da conduta penalmente relevante, sempre caberá na discricionariedade 
 legislativa a opção pela solução mais exigente para a acusação ou mais 
 protectora da segurança ou da paz jurídica do arguido, que é também aquela que 
 realiza de modo mais intenso os princípios inscritos no n.º 5 do artigo 29.º e 
 no n.º 5 do artigo 32.º da Constituição.
 
  
 
              Efectivamente, o problema central do objecto do processo penal é o 
 da procura do equilíbrio entre o interesse público da aplicação do direito 
 criminal, mediante a eficaz perseguição dos delitos cometidos, e o direito 
 impostergável do arguido a um processo penal que assegure todas as garantias de 
 defesa. Assim, “a identidade do objecto do processo não poderá definir-se tão 
 rígida e estreitamente que impeça um esclarecimento suficientemente amplo e 
 adequado da infracção imputada e da correlativa responsabilidade, mas não deverá 
 também ter limites tão largos ou tão indeterminados que anule a garantia 
 implicada pelo princípio acusatório e que a definição do objecto do processo se 
 propõe justamente realizar” (castanheira neves, Sumários Criminais, apud M. 
 simas santos e m. leal henriques, Código de Processo Penal, II vol., pag. 413). 
 Ora, ao privilegiar as máximas da identidade (o objecto do processo deve 
 manter-se idêntico da acusação à sentença definitiva) e da consunção (a decisão 
 sobre o objecto do processo deve considerar-se como tendo definido 
 jurídico-criminalmente a situação em tudo o que podia e devia ser conhecido) e a 
 celeridade, sobrelevando a segurança e a paz jurídica do arguido relativamente à 
 busca da verdade material, o legislador ordinário não rompeu de modo manifesto 
 esse equilíbrio, movendo-se no espaço de discricionariedade legislativa 
 constitucionalmente consentido. 
 
  
 
             Aliás, importa notar que só poderia colocar-se de modo sustentável a 
 hipótese de a norma em causa ser censurada por violação das normas 
 constitucionais invocadas no despacho recorrido, designadamente dos artigos 
 
 17.º, 18.º e 62.º da Constituição, se da Constituição decorresse, não só uma 
 imposição de criminalização que tutele penalmente o direito de propriedade, mas 
 também uma imposição de assegurar a punição agravada em função das 
 circunstâncias qualificativas do ilícito correspondente. Violação ainda assim 
 indirecta, pois que a desprotecção não resultaria do direito substantivo mas do 
 regime processual relativo a anomalias ou vicissitudes que conduzam à não 
 realização integral do programa punitivo por aquele definido. 
 
             Ora, mesmo para quem entenda que, do princípio do Estado de direito 
 ou, mais imediatamente, do dever de protecção dos direitos e liberdades 
 fundamentais como tarefa fundamental do Estado [alínea b) do artigo 9.º da 
 Constituição], pode decorrer a imposição de criminalização daquelas condutas que 
 atentem contra os valores essenciais à ordem comunitária constitucionalmente 
 estabelecida, sempre haverá uma ampla margem de liberdade na concretização dessa 
 tutela penal pelo legislador e na conformação dos instrumentos processuais para 
 lhe assegurar efectividade. O âmbito da legitimidade criminalizadora e o de 
 imposição de criminalização, embora sendo questões relacionadas e tendo que 
 decorrer dos mesmos princípios constitucionais, não se sobrepõem. Os deveres de 
 protecção são sempre mediatizados pela lei, tendo o legislador uma larga margem 
 de liberdade de avaliação, de modo que só casos de 'más avaliações patentes' 
 podem ser alvo de censura pelos tribunais (Maria conceição ferreira da cunha, 
 
 «Constituição e Crime» - Uma Perspectiva da Criminalização e da 
 Descriminalização, pág. 299). E, como salienta o Ministério Público, no contexto 
 da decisão recorrida não poderá dizer-se que a norma recusada implicaria 
 ausência total de tutela penal do direito de propriedade uma vez que sempre 
 subsistiria a possibilidade de condenação pela prática do furto simples, forma 
 menos grave mas mesmo assim protectora do aludido direito. 
 
             
 
             Por outro lado, também não pode afirmar-se que, com a solução 
 normativa em causa, a “qualificação de um dado comportamento criminoso fica 
 dependente de uma decisão unilateral de um órgão do Estado (o Ministério 
 Público) ou, o que é particularmente grave, do mero acaso”. Pelo menos, essa 
 será uma contingência inerente ao sistema processual penal que não se vê que 
 normas ou princípios constitucionais viole.
 
              A circunstância de os factos novos não autonomizáveis surgirem para 
 o processo apenas na fase de julgamento tanto poderá resultar de opção ou de 
 incúria do titular da acção penal ou dos órgãos de polícia criminal, como de 
 vicissitudes da investigação que estes não tenham podido dominar (confissão do 
 arguido, novas declarações de testemunhas ou do ofendido, meios de prova até 
 então desconhecidos, etc.). O inexorável sacrifício parcial do conhecimento da 
 verdade material que daí decorre é consequência comportável – embora não 
 necessária ou inevitável – da 'orientação para a defesa' do processo penal e da 
 posição diferenciada dos sujeitos processuais, designadamente a que decorre da 
 estrutura acusatória do processo. Que o consequente deficit de realização do 
 direito penal substantivo seja o resultado de opções ou contingências da 
 actuação do Ministério Público (e dos órgãos de polícia criminal na fase em que 
 o Ministério Público dirige o processo) é inerente ao modelo de processo penal e 
 de separação funcional das magistraturas que decorre da Constituição. É certo 
 que em audiência se revelarão factos, relevantes sob a perspectiva da 
 prossecução das finalidades do processo penal da verdade material e da defesa 
 dos interesses colectivos, cuja desconsideração definitiva poderá comportar 
 desvio objectivo ao princípio da legalidade da promoção da acção penal. Mas só 
 um repudiado modelo inquisitório, que deixasse até ao último momento em aberto o 
 objecto do processo, seria eficaz para evitar totalmente esse risco. No processo 
 de estrutura acusatória, as funções de acusador e de julgador haverão de ser 
 exercidas por órgãos diferenciados e autónomos, e o julgador, nos quadros da 
 dialéctica processual decorrente do próprio princípio do acusatório, sempre 
 haverá de estar confinado ao solucionamento da questão penal tal como ela lhe é 
 proposta pelo Ministério Público ou pela parte acusadora privada. A opção do 
 legislador que está em análise, ainda que não fosse a única compatível com a 
 Constituição (recorde-se o acórdão n.º 237/2007), coaduna-se com a qualidade do 
 Ministério Público como titular da acção penal, ao qual compete deduzir a 
 pretensão punitiva do Estado e assumir a correspondente responsabilidade 
 funcional pelos termos desse exercício (artigo 219.º, n.º1, da Constituição). 
 
  
 
             Improcedem, pois, tendo em conta o objecto do recurso tal como foi 
 delimitado, os fundamentos com base nos quais o despacho recorrido recusou a 
 aplicação da norma em causa, pelo que se conclui pela não inconstitucionalidade 
 da norma do artigo 359.º do Código e Processo Penal, na redacção resultante da 
 Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, interpretada no sentido de que, perante uma 
 alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, 
 resultante de factos novos que não sejam autonomizáveis em relação ao objecto do 
 processo – opondo-se o arguido à continuação do julgamento pelos novos factos –, 
 o tribunal não pode proferir decisão de extinção da instância em curso e 
 determinar a comunicação ao Ministério Público para que este proceda pela 
 totalidade dos factos.
 
  
 III- Decisão
 
  
 
             Pelo exposto, decide-se conceder provimento ao recurso, devendo a 
 decisão recorrida ser reformada de acordo com o juízo de não 
 inconstitucionalidade agora formulado. 
 Sem custas.
 Lisboa, 21 de Abril de 2008
 Vítor Gomes
 Ana Maria Guerra Martins
 Carlos Fernandes Cadilha
 Maria Lúcia Amaral (com declaração)
 Gil Galvão
 
                                                                        
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
  
 
 1.  Votei a decisão, embora com dúvidas só supríveis por um melhor estudo que a 
 pressão do tempo me impediu de realizar.
 Tenho, antes do mais, dúvidas quanto a metodologia seguida na delimitação do 
 objecto do recurso.
 Diz‑se, a este propósito, que o despacho recorrido não tratou de identificar o 
 parâmetro constitucional com que confrontou o novo regime jurídico (…) 
 
 [mobilizando antes] um discurso globalizante (…) quanto aos bens jurídicos 
 supostamente desprotegidos pelo novo regime legal” pelo que excedeu – quanto à 
 invocação do mesmo parâmetro – “manifestamente o âmbito de aplicação da norma à 
 situação processual concreta, em que somente entra em crise a qualificação de um 
 crime contra o património”.
 Esta delimitação do objecto do recurso é determinante para a obtenção do juízo 
 visto que ele surge fundado, como também se diz, apenas “na realidade ou 
 dimensão aplicativa concreta” do parâmetro a aplicar.
 Duvido, porém, que ainda aqui se esteja perante uma delimitação do objecto do 
 recurso. Que tal delimitação deva operar sobre o objecto do juízo é 
 evidentemente inquestionável; mas o que me parece de questionar é que se entenda 
 que ela pode (também e ainda) abranger o parâmetro do juízo, de modo a que o 
 Tribunal possa reduzir tal parâmetro à sua “realidade ou dimensão aplicativa 
 concreta”.
 A Constituição é só uma e é sempre a mesma, tanto em fiscalização concreta 
 quanto em fiscalização abstracta; e o Tribunal existe para a interpretar, ou 
 seja, para administrar a justiça em matérias jurídico‑constitucionais. Como 
 compatibilizar a unidade da Constituição (e a integridade do seu sistema de 
 normas) com uma metodologia de delimitação do objecto do recurso que inclui 
 também a redução do parâmetro de juízo à “sua dimensão aplicativa concreta”?
 
  
 
  
 
 2.  Depois, tenho dúvidas quanto ao juízo de não inconstitucionalidade que foi 
 proferido.
 
 É certo que a pergunta que a decisão recorrida colocava ao Tribunal – por vaga e 
 imprecisa que fosse a sua formulação – dizia respeito ao deficit de protecção de 
 direitos e liberdades pessoais. Pretendia‑se saber, afinal, se a norma 
 processual em juízo assegurava suficientemente a protecção necessária de bens 
 jurídicos constitucionalmente tutelados.
 Creio, porém, que além deste problema (cuja complexidade é reduzida pela 
 delimitação do objecto do recurso) se colocava ainda um outro, com ele conexo.
 A doutrina aborda este segundo problema quando fala de um “mandado 
 
 [constitucional] de esgotante apreciação de toda a matéria tipicamente ilícita 
 submetida à cognição do Tribunal num certo processo penal”, mandado esse 
 decorrente do princípio ne bis in idem, que torna afinal decisiva a determinação 
 do que seja “o mesmo crime” (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte 
 Geral, Tomo I, 2ª ed., p. 978).
 Tenho pois dúvidas quanto à questão – central – de saber se, no caso, se cumpriu 
 este mandado constitucional.
 Maria Lúcia Amaral