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Processo N.º 278/05
 Plenário
 Relator: Conselheiro Gil Galvão
 
  
 
  
 Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 I – Relatório
 
  
 
  
 
 1. Requerente e Pedido
 
  
 O Procurador-Geral da República, com a legitimidade que lhe confere a alínea e) 
 do n.º 2 do artigo 281º da Constituição da República Portuguesa, vem requerer a 
 apreciação e declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, 
 de todas as normas (artigos 1º a 25º) do Decreto-Lei n.º 193/2002, de 25 de 
 Setembro. Este diploma, no uso da autorização legislativa concedida pela Lei nº 
 
 16-A/2002, de 31 de Maio, estatui o regime de colocação e de afectação dos 
 funcionários e agentes integrados em serviços e organismos que sejam objecto de 
 extinção, fusão ou reestruturação.
 
  
 
  
 
 2. Fundamentação do Pedido
 
  
 O Procurador-Geral da República fundamentou assim o seu pedido:
 
 “1º O Decreto-Lei n.º 193/2002, de 25 de Setembro, foi aprovado pelo Governo no 
 uso da autorização legislativa concedida pelo artigo 9.º da Lei n.º 16-A/2002, 
 de 31 de Maio, estabelecendo o regime de colocação e afectação dos funcionários 
 e agentes integrados em serviços e organismos que sejam objecto de extinção e 
 fusão ou reestruturação, revogando o Decreto-Lei n.º 535/99, de 13 de Dezembro.
 
 2º Do preâmbulo de tal diploma legal resulta que foram ouvidas “as organizações 
 representativas dos trabalhadores, tendo sido, quanto a estas, observados os 
 procedimentos decorrentes da Lei n.º 23/98, de 26 de Maio, e incorporados no 
 presente diploma diversas propostas formuladas no âmbito das negociações”.
 
 3º E, efectivamente, por parte dos trabalhadores, participaram nas negociações 
 com o Governo – sendo deste modo ouvidas no âmbito do procedimento legislativo 
 que culminou na edição do referido Decreto-Lei – a FESAP - Frente Sindical da 
 Administração Pública, a Frente Comum dos Sindicatos da Administração Pública e 
 o STE - Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado, as duas primeiras entidades 
 dada a sua natureza de federação de sindicatos, globalmente representativas dos 
 interesses dos trabalhadores da Administração Pública e afectas às duas centrais 
 sindicais nacionais, e, no caso do STE, enquanto entidade centrada nos chamados 
 quadros técnicos e nos dirigentes da função, por ser uma organização sindical 
 não federada, representativa de interesses dos trabalhadores transversalmente a 
 toda a administração.[...]
 
 4º Entendeu, porém, o Governo/Ministério das Finanças que se não justificava a 
 audição e participação no procedimento legislativo de outras associações 
 sindicais, por não estar em causa a negociação de matérias de natureza sectorial 
 
 – pelo que não foi, nessa óptica, chamado a participar nas reuniões realizadas 
 no âmbito da negociação colectiva, nomeadamente, o Sindicato Nacional do Ensino 
 Superior – SNESup.
 
 5º A matéria sobre que incide o diploma em causa constitui obviamente 
 
 “legislação de trabalho”, dada a sua incidência nas vicissitudes da relação de 
 emprego e nos regimes de licenças e de recrutamento e selecção dos funcionários 
 
 – sendo, deste modo, necessariamente objecto de negociação colectiva com os 
 sindicatos e implicando a prévia audição das associações sindicais, nos termos 
 impostos pelo artigo 56º, n.º 2, alínea a), da Constituição da República 
 Portuguesa.
 
 6º Por outro lado – e no que respeita à delimitação do universo das entidades 
 que cumpre necessariamente ouvir, no âmbito do procedimento atinente à 
 introdução de regimes inovatórios na “legislação do trabalho” – sendo o direito 
 de participação, previsto naquele preceito constitucional, da titularidade de 
 todas e de cada uma das associações sindicais, individualmente consideradas, o 
 procedimento de audição há-de ser apto a garantir que todas essas associações 
 tenham efectiva possibilidade de intervir, não bastando proceder à convocação e 
 audição de apenas algumas de tais associações sindicais – cfr., entre muitos 
 outros, o Acórdão n.º 64/91 e o recente acórdão n.º 360/03 do Tribunal 
 Constitucional.
 
 7º E determinando a omissão de audição e participação no procedimento 
 legislativo de algumas ou de parte das associações sindicais, representativas de 
 trabalhadores potencialmente atingidos pela legislação em causa, a respectiva 
 inconstitucionalidade formal.
 
 [...]”
 
  
 
  
 
 3. Resposta do órgão autor da norma
 
  
 Notificado para se pronunciar, querendo, sobre o pedido, veio o 
 Primeiro-Ministro oferecer o merecimento dos autos, solicitando apenas, caso o 
 Tribunal conclua pela inconstitucionalidade das normas questionadas, a restrição 
 dos efeitos de tal decisão, nos termos do artigo 282.º, n.º 4, da Constituição, 
 de forma a salvaguardar as colocações e afectações de pessoal realizadas ao 
 abrigo do Decreto-Lei n.º 193/2002, por razões de segurança jurídica 
 relacionadas com a estabilidade dos cargos e carreiras.
 
  
 Tendo-se, porém, suscitado dúvida sobre o modo como foi dado cumprimento ao 
 direito de participação das associações sindicais, foi solicitado esclarecimento 
 adicional ao Primeiro-Ministro, o qual respondeu informando não constar dos 
 arquivos da Secretaria de Estado da Administração Pública qualquer documento que 
 indicie que o Sindicato Nacional do Ensino Superior tenha participado, ainda que 
 informalmente, no processo de elaboração do Decreto-Lei n.º 193/2002. 
 Aproveitou, igualmente, para comunicar que, no quadro de supranumerários 
 aprovado por aquele Decreto-Lei, apenas se encontravam 12 funcionários.
 
  
 
  
 
 4. Memorando e Debate
 
  
 Elaborado pelo Presidente, nos termos do n.º 2 do artigo 39º da Lei do Tribunal 
 Constitucional, o memorando previsto no artigo 63º da referida Lei e entregue a 
 todos os juízes, foi o mesmo submetido a debate e fixada a orientação do 
 Tribunal. Cumpre, assim, decidir de harmonia com o que aí se estabeleceu.
 
  
 
  
 
  
 II – Fundamentação
 
  
 
 5. O presente processo tem como objecto a apreciação e declaração de 
 inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por alegada violação do 
 disposto no artigo  56.º, n.º 2, alínea a), da Constituição, das normas que 
 integram o Decreto-Lei nº 193/2002, de 25 de Setembro, o qual, no uso da 
 autorização legislativa concedida pela Lei nº 16-A/2002, de 31 de Maio, estatui 
 o regime de colocação e afectação do pessoal integrado nos serviços e organismos 
 que sejam objecto de extinção, fusão ou reestruturação.
 
  
 Acontece, porém, que a Assembleia da República aprovou, entretanto, a Lei n.º 
 
 53/2006, de 7 de Dezembro, que estatui o regime comum de mobilidade entre 
 serviços dos funcionários e agentes da Administração Pública visando o seu 
 aproveitamento racional. Este novo diploma revoga expressamente, na alínea d) do 
 artigo 49º, “as disposições ainda vigentes do Decreto-Lei nº 193/2002”, tendo, 
 além disso, objecto e conteúdo que englobam os do diploma ora em causa.
 
  
 Em face da revogação operada, importa então averiguar se existe utilidade no 
 conhecimento do mérito do pedido, uma vez que o “princípio do pedido”, previsto 
 no artigo 51º, n.º 5, da Lei do Tribunal Constitucional, impede a “convolação” 
 do objecto do processo e, com isso, a possibilidade de o Tribunal apreciar a 
 constitucionalidade da nova lei (cfr., a este propósito, por todos, os Acórdãos 
 deste Tribunal n.ºs 531/2000, 404/2003 e 485/2003, publicados nos DR, II Série, 
 de 9 de Janeiro de 2001, 20 de Novembro de 2003 e  4 de Março de 2004, 
 respectivamente). Aliás, a “convolação” nem sequer faria sentido no presente 
 caso, uma vez que o vício que fundamenta o actual pedido de declaração de 
 inconstitucionalidade apenas diz respeito ao procedimento de aprovação do 
 Decreto-Lei nº 193/2002, não sendo susceptível de afectar a Lei n.º 53/2006. 
 
  
 Vejamos.
 
  
 
 6. O Tribunal Constitucional tem entendido que a revogação das normas objecto do 
 pedido não obsta a que deste se conheça, desde que tal se mostre indispensável 
 para corrigir ou eliminar efeitos por elas entretanto produzidos, durante o 
 período da respectiva vigência. Não basta, porém – como também resulta de 
 reiterada jurisprudência do Tribunal –, que a norma revogada tenha produzido um 
 qualquer efeito, sendo exigível que exista um interesse jurídico relevante para 
 que se proceda à referida apreciação.
 
  
 Ora, os casos abrangidos pelas normas do Decreto-Lei em análise reportam-se a 
 situações de colocação e afectação de funcionários e agentes da Administração 
 Pública integrados em serviços que tenham sido objecto de extinção, fusão ou 
 reestruturação, entre 26 de Setembro de 2002 e 8 de Dezembro de 2006, situações 
 essas que não serão, quantitativamente, significativas, sendo certo que, de 
 acordo com a informação prestada, apenas doze funcionários se encontravam 
 afectos ao quadro de supranumerários aprovado pelo Decreto-Lei n.º 193/2002.
 
  
 Nestas circunstâncias, afigura-se excessivo e desproporcionado o prosseguimento 
 do presente processo de fiscalização abstracta, tanto mais que os litígios 
 eventualmente emergentes da aplicação das normas revogadas podem ser objecto de 
 um possível recurso no âmbito da fiscalização concreta da constitucionalidade.
 
  
 Assim sendo, há que concluir que não existe, no presente caso, interesse 
 jurídico relevante no conhecimento do pedido e, consequentemente, que é inútil 
 esse mesmo conhecimento.
 
  
 
  
 
  
 
  
 
  
 III – Decisão
 
  
 Nestes termos, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento, por 
 inutilidade superveniente, do pedido de declaração de inconstitucionalidade, com 
 força obrigatória geral, de todas as normas que integram o Decreto-Lei nº 
 
 193/2002, de 25 de Setembro.
 Lisboa, 16 de Janeiro de 2007
 Gil Galvão
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Maria João Antunes
 Paulo Mota Pinto
 Maria Helena Brito
 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
 Vítor Gomes
 Rui Manuel Moura Ramos
 Benjamim Rodrigues
 Bravo Serra
 Maria Fernanda Palma
 Artur Maurício