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Processo n.º 951/06                                       
 
 1ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
 
  
 
  
 Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 I
 
  
 
  
 
 1.            A. deduziu reclamação do despacho do Desembargador Relator do 
 Tribunal da Relação de Lisboa que não admitiu o recurso que pretendia interpor 
 para o Tribunal Constitucional.
 
  
 
  
 
 2.            Resulta dos autos que:
 
  
 
 2.1.        No Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, B. instaurou acção 
 declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, contra A., pedindo, 
 entre o mais, a resolução de um contrato de arrendamento celebrado com o Réu, 
 com fundamento em falta de residência permanente e em falta de pagamento de 
 rendas, e ainda a condenação do Réu a despejar o imóvel e a pagar as rendas em 
 dívida.
 
  
 
                  A acção foi julgada parcialmente procedente, por sentença em 
 que o Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, na parte que agora importa 
 considerar, declarou a resolução do contrato de arrendamento do imóvel 
 identificado nos autos e condenou o Réu a despejar o mesmo imóvel e a entregá-lo 
 
 à Autora livre de pessoas e bens. 
 
 2.2.        Na motivação do recurso que interpôs para o Tribunal da Relação de 
 Lisboa, o recorrente A. apresentou, entre outras, as seguintes conclusões:
 
  
 
 “[…]
 
 12. […] no arrendado vive C. (…);
 
 13. Que é neto do R. e portanto seu parente na linha recta como se vê dos 
 documentos juntos aos autos (vide n.°s 10, 11 e 12 da matéria considerada 
 provada na sentença); 
 
 14. Sendo assim, o C. tem direito a viver no locado nos termos do n.º 2 al. c) 
 do artigo 64º da Lei do Arrendamento Urbano (RAU). 
 
 15. Ao contrário do que se diz na sentença, não era necessário fazer a prova da 
 dependência económica ou da economia comum entre eles. 
 
 16. Como se sabe, a lei, dita al. c), ao contrário do Código Civil separa para 
 esse efeito o cônjuge e os parentes na linha recta dos outros familiares só em 
 relação a estes se exigindo a convivência com o arrendatário. 
 
 17. Trata-se, como se sabe, de mais uma medida de protecção à família inspirada 
 constitucionalmente pelo que a interpretação – se de interpretação se trata – 
 dada na sentença à dita al. c) seria inconstitucional por violação do artigo 65º 
 da Constituição. 
 
 18. A sentença violou pois o artigo 342º, n.º 1 do Código Civil, a al. i) do n.º 
 
 1 do artigo 64º e al. c) do n.º 2 do mesmo preceito da Lei do Arrendamento 
 Urbano (RAU), e os artigos 646º, n.º 4, 664º, segunda parte, e 668º al. d) do 
 Código de Processo Civil. 
 
 [...].”.
 
  
 
  
 
 2.3.        O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 30 de Março de 2006 
 
 (fls. 13 e seguintes dos presentes autos de reclamação), negou provimento ao 
 recurso. Disse nesse acórdão o Tribunal da Relação: 
 
  
 
 “[…]
 
 […] face ao conteúdo das conclusões do apelante pode resumir-se o objecto do 
 recurso:
 
 – Nulidade da sentença por excesso de pronúncia;
 
 – Verificação ou não dos pressupostos para a procedência da acção com fundamento 
 na falta de residência permanente do R;
 
 – Verificação ou não da excepção a que alude o art. 64 n.º 2 do RAU.
 
 […]
 VIII. 
 Verifica-se ou não o fundamento da falta de residência permanente. 
 Sustenta o recorrente que não se encontra demonstrado o fundamento da falta de 
 residência permanente, porque ... «... da matéria assente e das respostas aos 
 quesitos nem um só facto se provou que demonstrasse que o R. não tem a sua 
 residência no locado (que aqui habitualmente não come, não dorme, não recebe 
 ninguém, nem correspondência...); 
 
 4. E se na resposta ao quesito primeiro se deu como provado que o R. vive na 
 Casa do Artista, a verdade é que a resposta é irrelevante pois o que importava 
 provar era que o R., habitualmente, não vivia no locado, sendo que o inquilino 
 não está legalmente impedido de viver noutra casa ou local desde que não deixe 
 de ter residência permanente no locado; Ou então a resposta tem que ser tida por 
 não escrita, nos termos do n.º 4 do artigo 646º do Código de Processo Civil, por 
 encerrar uma conclusão ou conceito de direito; 
 A resposta ao quesito primeiro não é um facto mas uma conclusão de factos».
 A lei não define o conceito de «residência permanente».
 Todavia, a doutrina e a jurisprudência têm-na definido, uniformemente, como o 
 local onde o locatário tem a residência habitual, estável e duradoura, 
 envolvendo fixidez e continuidade e constituindo o centro da organização da sua 
 vida familiar e social e da sua economia doméstica, ou seja, o local onde tem 
 instalado o seu lar, onde faz a sua vida normal, onde come, dorme, recebe as 
 suas visitas e o correio, onde permanece nos tempos de lazer e onde guarda as 
 suas roupas e objectos pessoais. 
 Deste modo, podemos dizer que são traços constitutivos e indispensáveis para o 
 preenchimento do conceito de residência permanente a habitualidade, a 
 estabilidade e a circunstância de constituir o centro da organização da vida 
 doméstica. 
 Da matéria de facto provad[a] resulta que ... «... 5- Desde Junho de 2000 o R. 
 vive num lar denominado Casa do Artista. O R. não recebeu no locado alguma 
 correspondência que lhe foi enviada pela A... A Casa do Artista é uma 
 instituição vocacionada para receber, na sua velhice, artistas portugueses, de 
 forma definitiva e não com o intuito médico/clínico. 
 O R. instalou-se na Casa do Artista após ter sido submetido a uma intervenção 
 cirúrgica e ter tido alta hospitalar do Hospital Curry Cabral, onde tinha que 
 receber tratamentos. 
 O R. após se ter instalado na Casa do Artista passou a beneficiar dos serviços 
 médicos e de enfermagem da instituição...» 
 Tais factos não se coadunam com a estabilidade, a habitualidade, a centralidade 
 da vida doméstica do recorrente no local arrendado. 
 Admite-se que, para que determinada habitação possa ser havida por residência do 
 arrendatário, não se impõe que este ali permaneça de modo constante e 
 ininterrupto, sendo apenas necessário que o arrendatário tenha no local 
 arrendado centrada a sua vida familiar e social – e não noutro sítio – e esse 
 local seja o ponto de encontro com a família e com o meio onde habitualmente se 
 move e alberga. 
 Porém, dos factos provados não resulta tal situação. 
 
 É certo que a resposta dada ao quesito 1°: provado que […] «desde Junho de 2000 
 o R. vive num lar denominado Casa do Artista» não traduz com a objectividade 
 factual necessária o rigor da residência permanente. 
 Mas, se se interpretar tal facto com os demais elementos de prova compulsados 
 nos autos, a que atrás se fez referência, dúvidas não podem subsistir de que o 
 R. não tem no local arrendado a sua residência permanente, o que face às normas 
 legais referidas é motivo para resolução do contrato. 
 Improcedem assim as conclusões n.ºs 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7 e 9 das conclusões. 
 IX. 
 E quanto à verificação da situação excepcional a que se alude no art. 64º n.º 2 
 do RAU? 
 Aí se determina que deixará de verificar-se a causa [d]e resolução do contrato 
 por falta de residência permanente se permanecerem no prédio o cônjuge ou 
 parentes em linha recta do arrendatário ou outros familiares dele, desde que, 
 neste último caso, com ele convivessem há mais de um ano. 
 Prevê-se, assim, como causa de exclusão do direito à resolução do contrato de 
 arrendamento a permanência no prédio do «cônjuge ou parentes em linha recta do 
 arrendatário ou outros familiares dele, desde que, neste último caso, com ele 
 convivessem há mais de um ano». 
 Daqui resultam, claramente, três tipos de situações: 
 
 – (a permanência no local arrendado do cônjuge;) 
 
 – a permanência dos parentes em linha recta do arrendatário; 
 
 – e a permanência de outros familiares do arrendatário, desde que com ele 
 convivessem há mais de um ano. 
 Para que se verifique tal excepção, não basta a mera permanência de parentes ou 
 familiares no arrendado. 
 Na realidade, a jurisprudência tem vindo a demonstrar que para a ocorrência 
 dessa situação excepcional é necessário que se verifique […] a existência de 
 elos de dependência económica entre eles, ou com a própria casa/habitação e o 
 arrendatário. 
 O conceito de «economia comum» pressupõe uma comunhão de vida, com base num lar 
 em sentido familiar, moral e social, uma convivência conjunta com especial 
 
 «affectio» ou ligação entre as pessoas coenvolvidas, convivência essa que não 
 impõe a permanência no sentido físico, antes admitindo eventuais ausências, sem 
 intenção de deixar a habitação, com sujeição a uma economia doméstica comum com 
 a quebra dos laços estabelecidos, verificando-se, assim, apenas uma economia 
 doméstica, contribuindo todos ou só alguns para os gastos comuns. 
 A matéria de facto provada e relevante para tal situação: 
 
 «... C. vive no 1º andar direito do imóvel identificado em 1, há mais de oito 
 anos. 
 
 … D. é filho de A. e de E.. 
 
 12 – C. é filho de F.e de G.». 
 Tais factos mostram-se manifestamente insuficientes para a caracterização de tal 
 situação. 
 Tornar-se-ia necessário que o inquilino tivesse alegado e provado que, no 
 arrendado, teriam permanecido familiares seus do tipo dos legalmente indicados, 
 e sem desintegração do primitivo agregado familiar, por se manterem os vínculos 
 de dependência entre ele e as pessoas que ficaram no prédio, tudo com a intenção 
 
 (por parte do verdadeiro) arrendatário regressar ulteriormente ao locado. 
 Tais pressupostos obviamente que não se verificam e, assim, não pode 
 constatar-se a verificação de tal excepção. 
 Além disso, a verificação de tal situação excepcional só pode operar quanto ao 
 primitivo-originário arrendatário (deste que verificados os pressupostos a que 
 se alude) e não, como é o caso dos autos, relativamente a quem já foi 
 
 «transferido» o respectivo arrendamento. 
 Por todo o exposto improcedem as conclusões das alegações do recorrente o que 
 conduz à improcedência do recurso.
 
 [...].”.
 
  
 
  
 
 2.4.        Tendo sido arguida pelo recorrente a nulidade do acórdão, a 
 reclamação foi indeferida por acórdão de 8 de Junho de 2006 (fls. 24 e 
 seguintes).
 
  
 
 2.5.        A. veio então interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao 
 abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 70° da Lei n.º 28/82, de 15 de 
 Novembro, através de requerimento assim redigido (fls. 28 e seguintes): 
 
  
 
 “[…] 
 Na sua alegação no recurso de Apelação que interpôs para o tribunal ora 
 recorrido, suscitou a questão da inconstitucionalidade da alínea c), do n.º 2, 
 do artigo 64°, do Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro – RAU, na 
 interpretação que lhe foi dada na sentença da primeira instância, que o acórdão 
 sob recurso confirmou, e daí o presente recurso para o tribunal constitucional. 
 Nos termos da referida alínea c), do n.º 2, do artigo 64°, do RAU, não tem 
 aplicação o disposto na alínea i), do mencionado artigo, se permanecerem no 
 prédio o cônjuge ou parentes em linha recta do arrendatário ou outros familiares 
 dele desde que, neste último caso, com ele convivessem [há] mais de um ano. 
 Diferentemente, do que disp[u]nha a alínea c), n.º 2, do artigo 1093º, do Código 
 Civil, a alínea c), do artigo 64° do RAU, distingue dois núcleos de familiares 
 do arrendatário cuja permanência no locado impede a aplicação do disposto na 
 alínea i), do referido artigo do RAU: o cônjuge e parentes em linha recta, por 
 um lado, e outros familiares, por outro.
 Ora, nenhuma exigência ou condição é posta por este preceito legal para que o 
 cônjuge e parentes na linha recta do arrendatário permaneçam no locado impedindo 
 assim a aplicação do disposto na alínea i), do referido artigo do RAU, ao 
 contrário o que sucedem em relação a outros familiares.
 Porém, as instâncias interpretam o preceito no sentido de que, para poderem 
 permanecer no locado haverão também, eles, de demonstrar a existência de um elo 
 ou um vínculo de dependência económica entre eles e o arrendatário e, ainda, que 
 a ausência do locado seja meramente temporária.
 Esta interpretação era, de facto, a dominante, na vigência da correspondente 
 disposição legal no Código Civil. 
 De resto, tal interpretação viola claramente o n.º 2, do artigo 9° do Código 
 Civil, pois se mostra que o pensamento legislativo, segundo ela, não tem o 
 mínimo de correspondência legal na letra da lei. 
 Ora, foi para pôr cobro a dúvidas e até a abusos de interpretação, em matéria 
 tão sensível como a da habitação, que o legislador tomou posição na contenda, 
 vindo a distinguir os dois núcleos de familiares do arrendatário, só em relação 
 ao segundo uma exigência: o da convivência com o arrendatário, por mais de um 
 ano […].
 E, ao actuar, como actuou, procurou o legislador dar cumprimento ao preceito 
 constitucional contido no artigo 65° da Constituição Portuguesa: «... todos têm 
 direito para si e para sua família, a uma habitação de dimensão adequada…». 
 
 É, pois, a protecção da família através da protecção da estabilidade da 
 habitação que o legislador teve em vista ao formular o preceito da alínea c), do 
 n.º 2, do artigo 64°, do RAU, não exigindo condições para que os familiares mais 
 próximos do arrendatário possam permanecer no locado em obediência, portanto, ao 
 sobredito preceito constitucional. 
 Daí, portanto, que a interpretação pelas instâncias, dada a dita alínea c), do 
 n.º 2, do disposto no artigo 64º, da RAU, viole aquele preceito constitucional. 
 
 […].”.
 
  
 
  
 
 2.6.        O Desembargador Relator, no Tribunal da Relação de Lisboa, decidiu 
 não admitir o recurso para o Tribunal Constitucional (despacho de 6 de Julho de 
 
 2006, a fls. 32):
 
  
 
 “[…]
 Os parâmetros de admissão do recurso para o Tribunal Constitucional estão 
 estabelecidos no art. 70º da referida Lei n.º 28/82. 
 Contrariamente ao que invoca o R. o recurso de apelação não suscitou qualquer 
 questão de constitucionalidade (ou não) de qualquer norma, pois, como foi 
 referido no objecto do recurso no acórdão em questão, o mesmo tinha como 
 objecto: 
 
 – Nulidade da sentença por excesso de pronúncia; 
 
 – Verificação ou não dos pressupostos para a procedência da acção com fundamento 
 na falta de residência permanente do R; 
 
 – Verificação ou não da excepção a que alude o art. 64 n.º 2 do RAU. 
 Assim sendo, não existe fundamento para a referida pretensão sendo inadmissível. 
 
 
 Termos em que não se admite o recurso para o tribunal Constitucional. 
 
 [...].”.
 
  
 
  
 
 2.7.        Invocando o disposto nos artigos 76º, n.º 4, e 77º da Lei do 
 Tribunal Constitucional, A. deduziu reclamação do despacho de não admissão do 
 recurso para o Tribunal Constitucional, através do requerimento de fls. 2 e 
 seguintes, em que se lê:
 
  
 
 “[…]
 
 – O recurso não foi admitido com o fundamento – disse no despacho – «não ter 
 sido suscitada qualquer questão de constitucionalidade na alegação de recuso 
 para a Relação»; 
 
 – Ora, o requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional só pode ser 
 indeferido com fundamento em qualquer dos casos previstos, no artigo 77°, n.º 2, 
 do acima citado diploma legal, entre os quais, manifestamente, se não enquadra o 
 invocado no despacho reclamado; 
 
 – No entanto, se a alegação do ora reclamante, no recurso que interpôs para o 
 Tribunal da Relação, tivesse sido lido melhor, semelhante fundamento nem teria 
 sido invocado para a rejeição do recurso; 
 
 – Na verdade, como se vê da conclusão dezassete, da dita alegação, foi, 
 efectivamente suscitada a questão da constitucionalidade da norma aplicada nos 
 autos, nos termos da al. c), n.º 2, do artigo 64°, da Lei do RAU, na 
 interpretação que lhe fora dada pelo Tribunal de Primeira Instância, por 
 violadora do artigo 65°, da Constituição Portuguesa; 
 
 – A questão da constitucionalidade da interpretação da norma em causa foi, 
 assim, devidamente suscitada. Se essa interpretação ofende ou não o dispositivo 
 constitucional, já é matéria que escapa à apreciação da admissão do recuso. 
 Termos, assim, em que a presente reclamação deve ser atendida e, em 
 consequência, revogar-se o despacho reclamado.
 
 [...].”.
 
  
 
  
 
 2.8.        O Desembargador Relator, no Tribunal da Relação de Lisboa, sustentou 
 o despacho reclamado, nos seguintes termos (despacho fls. 5 e 5 v.º):
 
  
 
 “Mantêm-se todos os pressupostos que conduziram à conclusão de, no caso, não ser 
 admissível recurso.
 De facto, continuamos a entender não ter sido suscitada inconstitucionalidade de 
 qualquer norma que tenha sido objecto de fundamentação no acórdão em causa, não 
 obstante o invocado conteúdo do n.º 17 das alegações de recurso que, para o 
 efeito, não se nos afigura terem qualquer relevância jurídico-constitucional.
 Por conseguinte, considera-se manifestamente infundado o requerimento de 
 recurso, razão por que se mantém o despacho de não admissão.
 Remeta-se oportunamente ao Tribunal Constitucional, logo que cumpridos as 
 pertinentes formalidades legais.”.
 
  
 
  
 
 2.9.        Notificada, no Tribunal da Relação de Lisboa, para se pronunciar 
 sobre a reclamação apresentada, B. sustentou que tal reclamação deve ser 
 indeferida “uma vez que, para além de o requerente carecer de legitimidade, o 
 recurso é manifestamente infundado” (fls. 6 e seguintes).
 
  
 
  
 
 3.            O representante do Ministério Público junto do Tribunal 
 Constitucional emitiu parecer, do seguinte teor (fls. 33 v.º): 
 
  
 
 “A presente reclamação é manifestamente improcedente.
 Na verdade, a vaga e genérica imputação de «inconstitucionalidade», referenciada 
 na conclusão 17ª do recurso interposto para a Relação, não traduz suscitação em 
 termos processualmente adequados de uma questão de inconstitucionalidade 
 normativa, susceptível de integrar objecto idóneo de um recurso de fiscalização 
 concreta: para tal, teria o recorrente de ter cumprido adequadamente o ónus de 
 delinear, de forma inteligível, qual o critério normativo, assente no preceito 
 legal indicado, que considerava violador da Lei Fundamental, e definindo, de 
 forma clara, qual a interpretação normativa que considerava realizada na decisão 
 recorrida.”. 
 
  
 
  
 
                  Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
  
 II
 
  
 
  
 
 4.            O ora reclamante pretendeu interpor recurso para o Tribunal 
 Constitucional por entender que “a interpretação pelas instâncias dada a dita 
 alínea c) do n.º 2 do disposto no artigo 64º do RAU” viola o artigo 65° da 
 Constituição (supra, 2.5.).
 
  
 
                  O Desembargador Relator, no Tribunal da Relação de Lisboa, não 
 admitiu o recurso por entender que “o recurso de apelação não suscitou qualquer 
 questão de constitucionalidade (ou não) de qualquer norma”, pois que o recurso 
 interposto pelo recorrente perante a Relação tinha como objecto exclusivamente a 
 apreciação das seguintes questões: a nulidade da sentença por excesso de 
 pronúncia, a verificação ou não dos pressupostos para a procedência da acção com 
 fundamento na falta de residência permanente do Réu e a verificação ou não da 
 excepção a que alude o artigo 64º, n.º 2, do RAU (supra, 2.6.).
 
  
 
                  Na reclamação agora deduzida, a reclamante vem afirmar, em 
 síntese, que na conclusão 17ª da alegação apresentada no recurso de apelação 
 perante o Tribunal da Relação de Lisboa “foi, efectivamente suscitada a questão 
 da constitucionalidade da norma aplicada nos autos, nos termos da al. c), n.º 2, 
 do artigo 64°, da Lei do RAU, na interpretação que lhe fora dada pelo Tribunal 
 de Primeira Instância, por violadora do artigo 65°, da Constituição Portuguesa” 
 
 (supra, 2.7.).
 
  
 
  
 
 5.            O recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do 
 Tribunal Constitucional – a disposição mencionada pelo ora reclamante no 
 requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional – é o 
 recurso que cabe das decisões dos tribunais “que apliquem norma cuja 
 inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo”.
 
  
 
                  Para que o Tribunal Constitucional possa conhecer de um recurso 
 fundado nessa disposição, exige-se que o recorrente suscite, durante o processo, 
 a inconstitucionalidade da norma (ou da interpretação normativa) que pretende 
 que este Tribunal aprecie e que tal norma (ou tal norma, com essa interpretação) 
 seja aplicada no julgamento da causa, não obstante a acusação de 
 inconstitucionalidade que lhe foi dirigida.
 
  
 
                  Decorre claramente dos autos que o ora reclamante não suscitou, 
 durante o processo, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa 
 susceptível de constituir objecto idóneo de um recurso de fiscalização concreta.
 
  
 
                  Observem-se as conclusões das alegações do recurso para o 
 Tribunal da Relação de Lisboa (supra, 2.2.) – a peça processual a ter em conta, 
 atento o disposto no artigo 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional.
 
  
 
                  Nessa peça processual sustentou o ora reclamante, na conclusão 
 
 17ª – precisamente aquela em que afirma ter invocado a questão de 
 inconstitucionalidade:
 
  
 
 “[…]
 
 17. Trata-se, como se sabe, de mais uma medida de protecção à família inspirada 
 constitucionalmente pelo que a interpretação – se de interpretação se trata – 
 dada na sentença à dita al. c) seria inconstitucional por violação do artigo 65º 
 da Constituição. 
 
 […].”.
 
  
 
  
 
                  Na conclusão transcrita não foi identificada a interpretação 
 perfilhada pelo tribunal de 1ª instância quanto ao artigo 64°, n.º 2, alínea c), 
 do RAU, considerada pelo ora reclamante contrária à Constituição, nem tão pouco 
 foi imputado o vício de inconstitucionalidade a uma concreta interpretação 
 normativa que tivesse constituído o fundamento da decisão então recorrida. Nesse 
 ponto das alegações apenas pode ver-se uma vaga e genérica referência de 
 inconstitucionalidade dirigida à própria decisão então recorrida, que não 
 preenche os requisitos exigidos pela Constituição e pela lei, pois que nem 
 sequer menciona o critério normativo a que se dirige.
 
  
 
                  Observa-se, aliás, que nas alegações do recurso para o Tribunal 
 da Relação de Lisboa o ora reclamante, de modo expresso, se limitou a imputar à 
 sentença recorrida o vício de violação de lei (concretamente, violação do artigo 
 
 342º, n.º 1, do Código Civil e do artigo 64º, n.º 1, alínea i), e n.º 2, alínea 
 c), do RAU, bem como violação de normas do Código de Processo Civil).
 
  
 
                  Com efeito, acrescentou o ora reclamante na conclusão 18ª 
 dessas alegações:
 
  
 
 “[…]
 
 18. A sentença violou pois o artigo 342º, n.º 1 do Código Civil, a al. i) do n.º 
 
 1 do artigo 64º e al. c) do n.º 2 do mesmo preceito da Lei do Arrendamento 
 Urbano (RAU), e os artigos 646º, n.º 4, 664º, segunda parte, e 668º al. d) do 
 Código de Processo Civil. 
 
 […].”.
 
  
 
  
 
                  O recorrente não suscitou portanto qualquer questão de 
 inconstitucionalidade reportada à disposição legal mencionada no requerimento de 
 interposição do recurso para este Tribunal. Não pode, por isso, dar-se como 
 cumprido o ónus a que se referem os artigos 70º, n.º 1, alínea b), e 72º, n.º 2, 
 da Lei do Tribunal Constitucional.
 
  
 
                  Sublinhe-se de resto que nem no requerimento de interposição do 
 recurso para o Tribunal Constitucional (supra, 2.5.), nem na reclamação do 
 despacho de não admissão de tal recurso (supra, 2.7.) – que, de todo o modo, não 
 poderiam ser considerados momentos adequados para dar como cumprido o ónus de 
 invocação da questão de inconstitucionalidade “durante o processo” perante o 
 tribunal que proferiu a decisão recorrida – o ora reclamante identificou qual a 
 interpretação normativa perfilhada pelo tribunal recorrido que considera 
 inconstitucional e que pretende submeter ao julgamento deste Tribunal. 
 
  
 
                  Tanto basta para concluir que o recurso não podia ser admitido 
 e que a presente reclamação tem de ser indeferida. Não merece pois qualquer 
 censura o despacho reclamado.
 
  
 III
 
  
 
  
 
 6.            Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal 
 Constitucional decide indeferir a presente reclamação.
 
  
 
             Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça  em  20  ( 
 vinte )  unidades  de conta.
 
  
 Lisboa, 28 de Novembro de 2006
 Maria Helena Brito
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Rui Manuel Moura Ramos