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Processo n.º 1203/07
 
 3ª Secção
 Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
 
  
 Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 I – RELATÓRIO
 
  
 
  
 
 1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é 
 recorrente A., Lda. e recorrido Icor – Instituto para a Construção Rodoviária, a 
 Relatora proferiu a seguinte decisão sumária:
 
  
 
 «I – RELATÓRIO
 
  
 
 1. Nos presentes autos, em que figura como recorrente A., Lda e como recorrido 
 Icor – Instituto para a Construção Rodoviária, vindos do Supremo Tribunal de 
 Justiça, a primeira veio interpor recurso de acórdão proferido por aquele 
 tribunal em 02 de Outubro de 2007 (fls. 469 a 479), ao abrigo da alínea b) do 
 n.º 1 do artigo 70º da LTC, para que seja apreciada a constitucionalidade “dos 
 artºs 70º-1 e 71º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei nº 168/99, de 
 
 18.09, na interpretação que lhes é dada de que a contagem de juros moratórios é 
 dependente da notificação (interpelação) do dito artº 71º” (fls. 502).
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
  
 II – DA FUNDAMENTAÇÃO
 
  
 
 2. Por força do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC, pode ser proferida decisão sumária 
 quando a questão a decidir se revestir de simplicidade. Ora, a questão da 
 inconstitucionalidade da norma extraída da conjugação do n.º 1 do artigo 70º e 
 do n.º 1 do artigo 71º do Código de Expropriações de 1999 [de ora em diante 
 identificado por CExp1999] já foi alvo de jurisprudência deste Tribunal, no 
 sentido da sua não inconstitucionalidade, ainda que a propósito de disposição 
 similar: o então artigo 100º do Código de Expropriações de 1976 [de ora em 
 diante identificado por CExp1976]. 
 
  
 O referido n.º 1 do artigo 100º do CExp1976 determinava que:
 
  
 
 “1. Fixado por trânsito em julgado o valor da indemnização a pagar pelo 
 expropriante, será este notificado para o depositar na Caixa Geral de Depósitos 
 no prazo de dez dias, excepto se já tiver sido decidido, ainda que sem trânsito 
 em julgado, o pagamento em prestações.”
 
  
 A propósito desta norma pronunciou-se este Tribunal, no Acórdão n.º263/98, de 05 
 de Março de 1998 (publicado in «Diário da República», Série II, n.º 157, de 10 
 de Julho de 1998, pp. 9576 e segs), com relevância para os presentes autos, do 
 seguinte modo:
 
  
 
 “Ao contrário do que supõem os recorrentes, os artigos 62º, nº 2, e 13º, nº 1, 
 da Constituição não impõem que, por eles no caso dos autos, ocorresse a 
 constituição em mora da entidade expropriante com a simples prolação da decisão 
 da primeira instância. O acórdão recorrido (tal como o Acórdão do Tribunal da 
 Relação do Porto de 21 de Abril de 1994) entendeu que, com o recurso interposto 
 daquela decisão pelo Município de Felgueiras e pelos expropriados, a mesma não 
 tinha ainda transitado em julgado, acrescentando o mesmo acórdão que a 
 indemnização apenas se tornou líquida com a prolação do Acórdão do Tribunal da 
 Relação do Porto de 25 de Junho de 1991, pelo que antes disso não podia a 
 entidade expropriante ser constituída em mora.
 Fez apelo o acórdão aqui sub judicio à regra constante da primeira parte do nº 3 
 do artigo 805º do Código Civil, segundo a qual 'se o crédito for ilíquido, não 
 há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for 
 imputável ao devedor'. Ou seja: aplicou aquele aresto o princípio 'in illiquidis 
 non fit mora', temperado embora pela possibilidade de o credor alegar e provar 
 que a falta de liquidez se deve a comportamento (acção ou omissão) imputável ao 
 devedor - o que, manifestamente, nestes autos, o recorrente não curou de fazer.
 Aquele preceito da lei civil sempre foi unanimemente entendido na doutrina e 
 jurisprudência como significando que só existe mora depois de fixado, em 
 definitivo, pelo tribunal o quantitativo da indemnização: enquanto durar a 
 acção, não há liquidação da dívida, já que - embora o pedido formulado fosse 
 eventualmente líquido - não o é a indemnização.
 Assim sendo - e em face da regra constante da primeira parte do nº 3 do artigo 
 
 805º do Código Civil -, a interpretação dada pelo acórdão recorrido à norma do 
 nº 1 do artigo 100º do Código das Expropriações de 1976 não traduz a fixação de 
 qualquer regime excepcional em desfavor do expropriado: tal como qualquer outro 
 credor, ele só vê o seu devedor constituir--se em mora quando se tornar certo e 
 líquido, por decisão judicial definitiva, o montante indemnizatório em litígio.
 Eis, pois, as razões pelas quais a norma do artigo 100º, nº 1, do Código das 
 Expropriações, aprovado pelo Decreto‑Lei nº 845/76, de 11 de Dezembro, não viola 
 os artigos 62º, nº 2, e 13º, nº 1, da Constituição, nem qualquer outra norma ou 
 princípio constitucional.”. 
 
  
 A actual redacção do n.º 1 do artigo 71º do CExp1999 determina que:
 
  
 
 “1. Transitada em julgado a decisão que fixar o valor da indemnização, o juiz do 
 tribunal de 1ª instância ordena a notificação da entidade expropriante para, no 
 prazo de 10 dias, depositar os montantes em dívida e juntar ao processo nota 
 discriminada, justificativa dos cálculos da liquidação de tais montantes.”
 
  
 Daqui decorre que a actual redacção do preceito legal que corporiza a norma 
 objecto do presente recurso se afigura ainda mais garantística dos direitos dos 
 expropriados, visto que, por um lado, esclarece que cabe ao juiz de 1ª instância 
 a notificação da entidade expropriante e, por outro lado, emprega uma forma 
 verbal do verbo “ordenar” que não deixa sombra de dúvidas sobre a imposição de 
 um dever de notificação, o mais célere possível, do expropriante. 
 
  
 Não tendo havido qualquer inflexão da jurisprudência consagrada no citado 
 acórdão, deve a mesma ser aplicada ao caso presente. Com efeito, por argumento 
 de maioria de razão, se este Tribunal já considerou que a redacção do anterior 
 n.º 1 do artigo 100º do CExp1976 não era inconstitucional por confronto com o 
 princípio da igualdade (artigo 13º da CRP), muito menos será inconstitucional a 
 presente redacção literal do n.º 1 do artigo 71º do CExp1999. 
 
  
 A redacção literal desta norma visa precisamente reforçar o dever de notificação 
 do expropriante pelo juiz de primeira instância, evitando que aquele possa ser 
 alvo de juros moratórios (nos termos do artigo 70º CExp 1999) sem que tenha sido 
 previamente interpelado para proceder ao pagamento do montante indemnizatório. 
 Deste modo, é absolutamente evidente que não se vislumbra que a norma extraída 
 da conjugação entre o n.º 1 do artigo 70º e o n.º 1 do artigo 71º do CExp1999 
 incorra em qualquer violação do princípio da igualdade (artigo 13º da CRP).
 
  
 Em suma, reitera-se a fundamentação e o sentido da jurisprudência anterior deste 
 Tribunal – v.g., do Acórdão n.º 263/98, de 05 de Março de 1998 –, que é 
 integralmente aplicável aos presentes autos, por argumento de maioria de razão.
 
  
 
  
 
             II. DECISÃO
 
  
 
             Nestes termos, e ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da 
 Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 
 
 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se não julgar inconstitucional a norma 
 resultante da conjugação do n.º 1 do artigo 70º e do n.º 1 do artigo 71º do 
 Código de Expropriações de 1999, quer pelos fundamentos constantes do Acórdão 
 n.º 263/98, de 05 de Março de 1998, quer pelos fundamentos supra expostos, 
 retirados, por maioria de razão, daqueloutra jurisprudência.
 
  
 
             Custas devidas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 
 UC´s, nos termos do n.º 2 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de 
 Outubro.»
 
  
 
 2. Inconformado com esta decisão, vem o recorrente reclamar, para a conferência, 
 com os fundamentos que de ora em diante se sintetizam:
 
  
 
 «(…)
 
 2.         Entendeu a douta decisão ora reclamada que o caso era idêntico àquele 
 sobre o qual já se pronunciou o Tribunal Constitucional «a propósito de 
 disposição similar: o então artigo 100° do Código de Expropriações de 1976» — o 
 Ac. TC nº 263/98, de 05.03.1998 (DR. II Série, nº 157, de 10.07.98, págs. 9576 
 segs.) —, 
 
  
 
 3.         entendeu, também e portanto, que as situações de facto e jurídicas 
 naquele aresto como no do Supremo Tribunal de Justiça sob o presente recurso 
 eram semelhantes, 
 
  
 
 4.         e decidiu, então, aqui (tal como ali o fora) — agora já sob a égide 
 do art° 71º do actual C Exp. de 1999 —, «no sentido da sua não 
 inconstitucionalidade», ou seja, que não ocorreria aquele vício, pela 
 interpretação dada a este artigo pelo Tribunal recorrido. 
 
  
 
 5.         Com o maior respeito devemos começar por concluir que tal decisão 
 sumária laborou em equívoco, que convirá desfazer.
 
  
 
 6.         E cremos que não será difícil de verificar que as situações não são 
 em nada idênticas, quer no aspecto factual quer no aspecto jurídico. 
 
                                                                                  
 
                                                                                  
 
    ASSIM:
 
 7.         Baseia-se a decisão reclamada, no essencial, em que aconteceria, aqui 
 
 — tal como no acórdão que traz à colação — que não podia falar-se em juros sobre 
 a quantia de indemnização fixada por só ser lícito falar-se nestes quando o 
 respectivo crédito se tornar certo e líquido, 
 
  
 
 8.         pelo que, no texto daquele aresto ali transcrito, «a interpretação 
 dada pelo acórdão recorrido à norma (..) [na altura o art° 100º CExp. de 76; 
 hoje o art° 71º CExp. de 99] não traduz afixação de qualquer regime excepcional 
 em desfavor do expropriado: tal como qualquer outro credor, ele só vê o seu 
 devedor constituir-se em mora quando se tornar certo e líquido, por decisão 
 judicial definitiva, o montante indemnizatório em litígio» (o destaque é nosso), 
 
 
 
  
 
 9.         e daqui conclui que «Não tendo havido qualquer inflexão da 
 jurisprudência consagrada no citado acórdão, através da nova redacção do art° 
 
 71°-1 CExp. de 99, «deve a mesma ser aplicada ao caso presente». 
 
  
 ORA:
 
 10.       O caso presente é precisamente o oposto daquele a que se reportava o 
 
 “acórdão/fundamento”: 
 
  
 
 10.1.    No CASO DESTE decidiu-se (usando transcrição e destaque):
 
  
 
 *          que não ocorre «a constituição em mora da entidade expropriante com a 
 simples prolação da decisão da primeira instância»; 
 
 *          e antes «que a indemnização apenas se tornou líquida com a prolação 
 do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto (..),pelo que antes disso não podia a 
 entidade expropriante ser constituída em mora», dentro do princípio do art° 
 
 805°-3 CCiv. de “in illiquidis nonfit mora”, isto é, depois disso já ficou 
 constituída em mora (os destaques são nossos) 
 
  
 
 10.2.    No PRESENTE CASO podemos afirmar claramente que, e usando em parte 
 expressões daquele mesmo acórdão, há muito que se tornara «certo e líquido, por 
 decisão judicial definitiva, o montante indemnizatório em litígio». 
 
  
 SEGUE-SE QUE:
 
 11.       O paralelismo suscitado pela douta decisão sumária não existe, 
 
  
 
 12.       e, ao invés, o apelo àquele outro acórdão permite concluir exactamente 
 o contrário. 
 
  
 
 13.1.    Foi proferida decisão definitiva, TORNANDO O CRÉDITO CERTO E LIQUIDO, 
 no Tribunal da Relação de Coimbra, em 22.06.2004, 
 
  
 
 13.2.    esta fixou o valor da indemnização em € 1.210.250,00, «actualizável de 
 acordo com a evolução do índice dos preços do consumidor com exclusão da 
 habitação, publicado no INE relativamente ao local da situação dos bens desde a 
 data da declaração de utilidade pública até à data do trânsito em julgado da 
 decisão». 
 
  
 
 13.3.    Houve o Exp.te por bem requerer a reforma desta decisão, 
 
  
 
 13.4.    pelo que por acórdão tirado em conferência no mesmo Tribunal da Relação 
 de Coimbra, de 26.10.2004, foi aquele pedido de reforma indeferido. 
 
  
 
 13.5.    Então, o Exp.te houve por bem interpor ainda um recurso proibido — o 
 que nada tem a ver com recurso improcedente — dito de agravo de 2 Instância, 
 para o Supremo Tribunal de Justiça, 
 
  
 
 13.6.    o qual, precisamente por ser proibido, não foi admitido por despacho do 
 Senhor Desembargador-Relator de 07.01.2005. 
 
  
 
                         (…)
 
  
 OU SEJA: 
 
 13.17.  Desde que transitou em julgado a decisão definitiva, CERTA E LÍQUIDA, de 
 fixação da indemnização o Exp.do logrou, ele mesmo, fazer demorar a baixa do 
 processo à 1ª instância, para que pudesse ser cumprida notificação a que se 
 refere o art° 71º CExp. nada menos do que 299 dias.
 
  
 
 13.18.  Acresce que, para além dos já referidos 299 dias, sobre o trânsito em 
 julgado da decisão definitiva, que também foram os de tramitação extemporânea do 
 processo, este reentrou na Secretaria da 1ª Instância em 22.03.2006.
 
  
 
 13.19.  Foi só então proferido despacho nos termos do art° 71° CExp. em 
 
 24.03.2006, 
 
  
 
 13.20.  o qual foi notificado ao Exp.do por registo de 24.03.2006. 
 
  
 
 13.21. Ficou a saber-se, só então, que o Exp.te procedera, afinal e porém, ao 
 depósito em 17.03.2006, do que deu conhecimento no processo e à Exp.da em 
 
 27.03.2006, dez dias depois 
 
  
 EM SUMA: 
 
 13.22.  Desde que a dívida se tornou certa e líquida tinham passado 330 dias até 
 
 à data do respectivo cumprimento. 
 
  
 O DIREITO:
 
 13.23.  Salta os olhos com enorme evidência, quer pela realidade jurídica do 
 Direitos das Obrigações, quer pela “prova dos nove” que ocorre no caso concreto, 
 que a contagem de juros moratórios não pode ficar dependente de circunstâncias 
 alheias ao devedor, desde que ocorreu o vencimento da obrigação, 
 
  
 
 13.24.  e isso independentemente do tipo dessas circunstâncias — que, por acaso, 
 na situação concreta, tiveram base no procedimento escandaloso (o qualificativo 
 
 é mera constatação) do devedor, o Exp.do, mas que podem provir, como é muito 
 frequente, de atrasos dentro do(s) próprio(s) Tribunal(is), bastando a demora de 
 
 “baixa”, de tramitação, etc.. 
 
  
 
 (…)
 
  
 
 13.33.  Deste modo, a notificação a que se refere o citado art° 71° CExp. foi 
 estabelecida, apenas, para que a Exp.da pudesse beneficiar, no próprio processo 
 e sem necessidade de intentar acção autónoma, de um mecanismo processual 
 expedito, incluindo o valor dos juros moratórios. 
 
  
 
 13.34.  Se assim não fosse, ou seja, se não for essa a interpretação daquela 
 norma, a Exp.da seria tratada como uma credora diferente de qualquer outra, 
 
  
 
 13.35.  com perda do seu direito ao pagamento pontual por parte do devedor, o 
 Exp.te, 
 
  
 
 13.36.  ficando, designadamente, como se viu, na dependência de circunstâncias — 
 no caso, em especial, do procedimento concreto do devedor, o Exp.te — sobre as 
 quais não tem qualquer comando ou controlo. 
 
  
 
 13.37.  Quer dizer, uma interpretação do art° 71° que, por ligação com o art° 
 
 70°, ambos do CExp., estabelecesse que a mora do devedor, o Exp.te, da dívida de 
 indemnização já certa e líquida por decisão com trânsito em julgado, ficava 
 dependente da notificação (pretendida como “interpelação” — que não é) a que a 
 norma alude, seria manifestamente inconstitucional, 
 
  
 
 13.38.  pois que seria contrária ao principio da igualdade, garantida esta pelo 
 art° 13° CRP., disposição que seria, como foi, violada. 
 
  
 FINALMENTE: 
 
 14.       Observa a mesma decisão ora reclamada — aí já com autonomia 
 argumentativa — que «A redacção literal desta norma [a do art° 71°-1 CExp. de 
 
 99] visa precisamente reforçar o dever de notificação do expropriante pelo juiz 
 de primeira instância, evitando que aquele [o Exp.te] possa ser alvo de juros 
 moratórios (nos termos do artigo 70º CExp. 1999) sem que tenha sido previamente 
 interpelado para proceder ao pagamento do montante indemnizatório». 
 
  
 
 15.       Mas, com a consideração devida, esta afirmação é, face precisamente ao 
 problema que vem posto à consideração e decisão do Venerando Tribunal 
 Constitucional, uma petição de princípio, 
 
  
 
 16.       pois que precisamente o que se pretende saber é se é lícita uma 
 interpretação daquela norma que confira ao Exp.te, devedor de indemnização 
 tornada certa e líquida com o trânsito em julgado da decisão que a fixou, um 
 verdadeiro privilégio face a qualquer outro credor, 
 
  
 
 17.       com o gravame de poder “comandar” a data dessa pretendida 
 
 “interpelação” (que, como se sabe dos princípios gerais e já se disse, não é 
 precisa), 
 
  
 
 18.       e, por tudo isso mesmo, uma interpretação criadora de desigualdade 
 chocante do credor ... que só teria o “azar” de ser Exp.do!, 
 
  
 
 19.       isto é — e usando de novo por paralelismo a transcrição “mutatis 
 mutandis” do acórdão deste TC invocado pela decisão reclamada (supra 8.) —, o 
 que já «traduz [traduziria] a fixação de» um «regime excepcional em desfavor do 
 expropriado», pois que, ao contrário de «qualquer outro credor, ele» não «vê o 
 seu devedor constituir-se em mora quando se tornar certo e líquido, por decisão 
 judicial definitiva, o montante indemnizatório em litígio». 
 
  
 
 20.       Desta feita, a esta questão — a de saber se tal interpretação 
 normativa ofende, ou não, o princípio da igualdade — a douta decisão não 
 responde, senão através daquela asserção (supra 14.), atrás transcrita, seguida 
 da conclusão (mera conclusão) negativa.»
 
  
 
 3. Notificado da reclamação, o recorrido deixou expirar o prazo para resposta 
 sem que viesse aos autos pronunciar-se.
 
  
 Cumpre apreciar e decidir. 
 
  
 
  
 
  
 II – FUNDAMENTAÇÃO
 
  
 
 4. O principal fundamento da reclamação ora deduzida reside na circunstância de, 
 segundo a reclamante, não existir paralelismo de situações entre o Acórdão n.º 
 
 263/98, de 05 de Março, e o caso em apreço nos presentes autos. Segundo esta, 
 naquele Acórdão ter-se-ia decidido questão relativa a decisão que fixava o 
 
 “quantum” indemnizatório de expropriação, de modo não definitivo, por ainda 
 estar sujeito a recurso para a competente Relação, enquanto que, no caso dos 
 autos, já teria sido proferida – segundo o seu entendimento, repita-se – decisão 
 transitada em julgada por parte do Tribunal da Relação de Coimbra.
 Ainda de acordo com a reclamante, a conduta processual da ora reclamada, nos 
 autos recorridos, teria provocado um protelamento ilícito da lide, pelo que, 
 tendo aquela recorrido a meios processuais inidóneos, se deveria ter por 
 verificado o trânsito em julgado do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, 
 proferido em 22 de Junho de 2004, nos termos do qual a reclamada foi condenada 
 ao pagamento de quantia certa e líquida.
 Sucede, porém, que este Tribunal não pode deixar de relembrar aquilo que já 
 havia decidido em relação aos autos de recurso (então interposto pela ora 
 reclamada), que correram termos precisamente no âmbito destes mesmos autos 
 recorridos e que teve como partes as ora reclamante e reclamada. Dessa feita, 
 apreciando recurso interposto pela ora reclamada (então reclamante), este 
 Tribunal teve a oportunidade de tomar clara posição quanto ao momento processual 
 que é apto a gerar a definitividade da decisão recorrida. Através do Acórdão n.º 
 
 80/2006, de 31 de Janeiro de 2006 (in 
 
 www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), foi dito:
 
 “1.A primeira questão que importa decidir nos presentes autos de reclamação é a 
 da tempestividade da apresentação do recurso de constitucionalidade. Na verdade, 
 a reclamante pretendeu interpor recurso de constitucionalidade do acórdão do 
 Tribunal da Relação de Coimbra de 22 de Junho de 2004, ao abrigo da alínea g) do 
 n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal 
 Constitucional (Lei do Tribunal Constitucional), através de um requerimento 
 apresentado em 17 de Junho de 2005. Tal pretensão foi indeferida no Tribunal da 
 Relação de Coimbra em 23 de Junho de 2005, fundando-se o despacho de não 
 admissão do recurso de constitucionalidade na intempestividade da sua 
 interposição.
 A norma que regula o prazo de interposição do recurso de constitucionalidade é o 
 artigo 75.º da Lei do Tribunal Constitucional. Dispõe essa norma:
 
 “Artigo 75.º
 
 (Prazo)
 
 1.    O prazo de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional é de 10 
 dias e interrompe os prazos para a interposição de outros que porventura caibam 
 da decisão, os quais só podem ser interpostos depois de cessada a interrupção.
 
 2.    Interposto recurso ordinário, mesmo que para uniformização de 
 jurisprudência, que não seja admitido com fundamento em irrecorribilidade da 
 decisão, o prazo para recorrer para o Tribunal Constitucional conta-se do 
 momento em que se torna definitiva a decisão que não admite recurso.”
 São relevantes para a apreciação da questão da tempestividade do recurso os 
 factos que seguidamente se elencam e que resultam dos autos:
 
 §         o acórdão recorrido foi proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra 
 em 22 de Junho de 2004 (fls. 517);
 
 §         a reclamante foi notificada desse acórdão em 25 de Junho de 2004 (fls. 
 
 518);
 
 §         em 5 de Julho de 2004 a reclamante requereu a reforma do referido 
 acórdão (fls. 519);
 
 §         em 26 de Outubro esse pedido de reforma foi indeferido pelo Tribunal 
 da Relação de Coimbra (fls. 542);
 
 §         em 10 de Novembro de 2004 a reclamante interpôs recurso da decisão do 
 Tribunal da Relação de Coimbra, que deveria ser aceite como agravo em 2.ª 
 instância (fls. 544);
 
 §         em 7 de Janeiro de 2005 foi proferido despacho de não admissão desse 
 recurso (fls. 563), de que a reclamante foi notificada em 13 de Janeiro (fls. 
 
 564);
 
 §         em 27 de Janeiro de 2005 a reclamante requereu a reforma, quanto a 
 custas, dos acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 22 de Junho de 2004 e 
 de 26 de Outubro de 2004, e, ainda, do despacho de não admissão do recurso de 7 
 de Janeiro de 2005 (fls. 566);
 
 §         tal pedido foi deferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 5 de 
 Abril de 2005 (fls. 575);
 
 §         ainda em 27 de Janeiro de 2005, a reclamante apresentara reclamação 
 para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça do despacho de não admissão do 
 recurso de agravo em 2.ª instância proferido em 7 de Janeiro de 2005 (fls. 603);
 
 §         essa reclamação foi indeferida no Supremo Tribunal de Justiça, por 
 despacho de 25 de Maio de 2005 (fls. 663);
 
 §         a reclamante foi notificada dessa decisão por carta registada expedida 
 em 27 de Maio de 2005 (fls. 664);
 
 §         a reclamante requereu a reforma dessa decisão quanto a custas, em 6 de 
 Junho de 2005 (fls. 665);
 
 §         esse pedido de reforma foi deferido no Supremo Tribunal de Justiça, 
 por despacho de 7 de Junho de 2005 (fls. 668);
 
 §         a reclamante foi notificada desse despacho por cartas enviadas em 8 de 
 Junho de 2005 (fls. 669)
 
 §         a reclamante interpôs em 17 de Junho de 2005 recurso para o Tribunal 
 Constitucional (fls. 585);
 
 §         por despacho de 23 de Junho de 2005, não foi esse recurso admitido no 
 Tribunal da Relação de Coimbra (fls. 676).
 Ora, o presente caso insere-se na previsão do n.º 2 do artigo 75.º da Lei do 
 Tribunal Constitucional, pois esta norma aplica-se precisamente aos casos em 
 que, interposto recurso ordinário da decisão, este vem a não ser admitido por 
 aquela decisão ser já irrecorrível, sendo que, como correctamente nota o 
 representante do Ministério Público, essa irrecorribilidade apenas se torna 
 definitiva com o indeferimento da reclamação que tenha sido endereçada ao 
 Presidente do tribunal superior.
 Assim, tendo o recurso, nos presentes autos, sido interposto no prazo previsto, 
 de 10 dias a contar da prolação da decisão de indeferimento da reclamação para 
 tribunal superior, complementada pelo deferimento do pedido de reforma quanto a 
 custas, é de considerar tempestivo.” (com sublinhado e realce nosso)
 
  
 Acresce ainda que o tribunal de primeira instância – Tribunal Judicial da 
 Comarca da Guarda –, por despacho de 24 de Abril de 2006, entendeu expressamente 
 que:
 
  
 
             “É certo que nos autos a decisão do Tribunal da Relação transitou no 
 dia 5/7/2005 (assim o decidiu o mesmo Tribunal, o STJ, bem como o Tribunal 
 Constitucional).
 
             Acontece, porém, que até ao processo baixar à 1ª instância não se 
 pode dizer que exista atraso imputável (no sentido da responsabilidade) à 
 entidade expropriante no andamento do processo. O que resulta é que a mesma 
 pretendeu fazer valer judicialmente a sua pretensão sem sede de recurso, não o 
 tendo conseguido.” (fls. 6)
 
  
 Confirmando aquele entendimento, o Tribunal da Relação de Coimbra pronunciou-se 
 no mesmo sentido, entendendo expressamente que no artigo 70º do Código de 
 Expropriações de 1999:
 
  
 
             “(…) não podem caber os meios legais ainda que improcedentes que 
 tiverem protelado a descida do processo à primeira instância; Tanto mais que não 
 foram objecto de um juízo de censura de litigância de má fé… e a mera 
 improcedência das razões apresentadas não basta por si para emitir um juízo de 
 censurabilidade ainda que a título de negligência.
 
             É bem certo que a agravante [a ora reclamada] defende que com o 
 trânsito em julgado da sentença/acórdão que fixa a indemnização, ocorre o 
 vencimento da obrigação, não sendo necessária qualquer outra interpelação já que 
 esta é a que resulta da notificação da decisão judicial. Mas com o devido 
 respeito não é assim. Na verdade a liquidação da indemnização só surge a partir 
 do momento em que estão arrumados todos os incidentes que podem surgir face à 
 sentença ou acórdão que arbitre a indemnização – e como é óbvio o legislador não 
 pretendeu eliminar – tendo o seu momento dentro do prazo de 10 dias a contar da 
 notificação da entidade expropriante para juntar ao processo nota discriminada 
 justificativa da liquidação dos montantes em dívida. E o facto de esta 
 notificação abrir porta à possibilidade de impugnação do montante em dívida nos 
 termos do nº 3 do artigo 71º confirma uma vez mais que a problemática da 
 indemnização não se queda unicamente na respectiva fixação da sentença ou 
 acórdão. Ao contrário do que a agravante sustenta, o Legislador nos artigos 71º 
 e ss não se limitou a criar uma expedita execução da indemnização, já que 
 implicitamente fixou o momento que marca o início da mora eventual das partes, 
 nomeadamente do expropriante.
 
             (…) para além de lembrar-se uma vez mais que o princípio da 
 igualdade só impõe tratamento igual para aquilo que é igual, deveremos referir 
 que cada processo tem a sua especificidade própria, num podendo surgir problemas 
 que outros não suscitam e que têm de ser resolvidos, sob pena de não o fazendo, 
 se cair numa lesão aqui efectiva e grave dos princípios constitucionais 
 nomeadamente do artigo 20º da CRP. Sustentar o contrário seria acalentar uma 
 utopia que não seria concretizável nem ao nível do ordenamento jurídico ideal.” 
 
 (fls. 322 a 324)
 
  
 Daqui decorre que a tese da ora reclamante, segundo a qual a decisão do Tribunal 
 de Relação de Coimbra, de 22 de Junho de 2004, nos termos da qual foi fixado o 
 
 “quantum” indemnizatório da expropriação já teria transitado em julgado não foi 
 acolhida pelas instâncias recorridas. Questão essa que não pode agora ser 
 reaberta por este Tribunal, visto não dispor de poderes para tal.
 
  
 Aliás, ainda que na sua reclamação – à semelhança do que fez nas instâncias 
 recorridas – a ora reclamante venha reclamar a inadmissibilidade legal dos actos 
 processuais praticados pela reclamada, acusando-a de litigância de má fé –, 
 certo é que em momento algum as instâncias recorridas entenderam condenar aquela 
 como litigante de má fé (ver, a título de exemplo, fls. 233: “Não há elementos 
 seguros de litigância de má fé”).
 
  
 Em suma, conclui-se que, apesar de a reclamada alegar o contrário, o caso em 
 apreço nos presentes autos se reveste de manifesto paralelismo com aquele 
 apreciado no âmbito dos autos que deram lugar ao Acórdão n.º 263/98, de 05 de 
 Março.
 
  
 Como tal, conforme aliás bem expresso pela decisão reclamada, por identidade de 
 razão o raciocínio judicativo levado a cabo pelo Acórdão n.º 263/98, de 05 de 
 Março, a propósito do (então) n.º 1 do artigo 100º do CExp/1976, é absolutamente 
 transponível para o caso em apreço nos presentes autos, em que se pretendia 
 apreciar a constitucionalidade do actual n.º 1 do artigo 71º do CExp/1999. Tal 
 paralelismo já fora igualmente notado pela própria decisão recorrida, proferida 
 pelo tribunal “a quo”, pelo que nada há a reparar na decisão ora reclamada, 
 mantendo-se o entendimento de que a interpretação conferida pelo Supremo 
 Tribunal de Justiça àquela norma não padece de inconstitucionalidade, pelos 
 fundamentos já expostos no Acórdão n.º 263/98, que ora se reiteram.
 
  
 
 5. A finalizar, quanto à alegada falta de fundamentação relativa à violação do 
 princípio da igualdade, resta expressar que a decisão reclamada é manifestamente 
 clara, ao remeter para a fundamentação do Acórdão n.º 263/98 que, a este 
 propósito, já afirmara:
 
  
 
 “O problema do ressarcimento dos prejuízos suportados pelo expropriado em 
 consequência do atraso do pagamento da indemnização por parte da entidade 
 expropriante não apresenta quaisquer especificidades relativamente às 
 consequências jurídicas do não cumprimento pontual de qualquer outra obrigação 
 de conteúdo patrimonial. Não se vê, na realidade, qualquer razão válida para, 
 com fundamento nos princípios constitucionais da 'justa indemnização' por 
 expropriação e da igualdade, privilegiar o expropriado no que toca ao eventual 
 atraso na satisfação pontual da indemnização relativamente ao regime que, no 
 direito civil, vigora relativamente a qualquer outra pretensão creditória 
 insatisfeita.
 Ao contrário do que supõem os recorrentes, os artigos 62º, nº 2, e 13º, nº 1, da 
 Constituição não impõem que, por eles no caso dos autos, ocorresse a 
 constituição em mora da entidade expropriante com a simples prolação da decisão 
 da primeira instância.
 
             (…)
 Assim sendo - e em face da regra constante da primeira parte do nº 3 do artigo 
 
 805º do Código Civil -, a interpretação dada pelo acórdão recorrido à norma do 
 nº 1 do artigo 100º do Código das Expropriações de 1976 não traduz a fixação de 
 qualquer regime excepcional em desfavor do expropriado: tal como qualquer outro 
 credor, ele só vê o seu devedor constituir--se em mora quando se tornar certo e 
 líquido, por decisão judicial definitiva, o montante indemnizatório em litígio.”
 
  
 Deste modo, não subsiste fundamento para alteração da decisão reclamada, na 
 medida em que a interpretação conferida pelo Supremo Tribunal de Justiça ao n.º 
 
 1 do artigo 70º do CExp/1999 não é apta a colocar em causa o princípio da 
 igualdade (artigo 13º da CRP), antes visando evitar que os expropriados sejam 
 tratados de forma injustificadamente mais favoráveis do que os demais credores.
 
  
 
  
 III – DECISÃO
 
  
 Neste termos, pelos fundamentos supra expostos, e ao abrigo do disposto no n.º 3 
 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi 
 dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se indeferir a presente 
 reclamação. 
 
  
 Custas devidas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC’s, nos 
 termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
 Lisboa, 13 de Março de 2008
 Ana Maria Guerra Martins
 Vítor Gomes
 Gil Galvão