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Processo n.º 1099/06
 
 1ª Secção
 Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
 
  
 
  
 
  
 Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 
  
 
 1.1 
 A., LDA., impugnou judicialmente a decisão da Inspecção Geral do Trabalho (IGT) 
 que lhe aplicou uma coima no valor de 267 Euros, pela prática do ilícito 
 contra-ordenacional previsto e punido pelos artigos 179.º, n.ºs 1 e 3, 620.º, 
 n.º 1 e 2, al. a) e 5 e 659.º, n.º 2 do Código do Trabalho, em conjugação com o 
 disposto no Despacho Normativo n.º 22/87, de 4 de Março.
 
                   
 Por sentença do 4º Juízo do Tribunal de Trabalho de Lisboa (fls. 78 e ss.) foi o 
 recurso julgado improcedente. Inconformado, o arguido interpôs recurso para a 
 Relação de Lisboa (fls. 95 e ss.).
 
  
 
  
 
 1.2 
 A Relação de Lisboa, por Acórdão de 8 de Novembro de 2006 (fls. 119 e ss.), 
 negou provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida, fundamentando o 
 seu juízo nos seguintes termos:
 
                   
 
 “ (…) O Código do Trabalho procedeu à alteração de diversos dispositivos que o 
 precederam, nuns casos mais radicalmente que noutros, mas em relação a muitos 
 limitou-se a fazer uma mera transposição do regime precedente, 
 sistematizando-os, embora, como não podia deixar de ser, no contexto do próprio 
 Código.
 E se confrontarmos as disposições legais acima transcritas, verificamos que, em 
 relação à publicidade dos mapas de horário de trabalho do pessoal afecto à 
 exploração de veículos automóveis, o regime previsto no art. 44º, n.° s 1 e 2 do 
 DL 409/71, de 27/9, foi transposto para o art. 179°, n.°s 1 e 3 do Código do 
 Trabalho.
 O quadro é o mesmo. A inserção material desse quadro é que foi alterada, pela 
 razão óbvia da codificação da legislação dispersa.
 
 É verdade que o legislador do Código do Trabalho remeteu a regulamentação das 
 condições de publicidade para o formato de portaria da autoria conjunta dos 
 Ministros responsáveis da área laboral e do sector dos transportes. Mas essa 
 alteração de formato não esvazia a referida previsão legal. Ao revogar, no art. 
 
 21°, n.° 1, al. b) da Lei n.º 99/2003, de 27/8, o DL 407/71, de 27/9, o 
 legislador não quis, de modo algum, deixar um vazio legal até à formatação em 
 portaria do conteúdo do Despacho Normativo n.° 22/87, de 4/03.
 No art. 179°, n.° 3 do Código do Trabalho, ao remeter as condições de 
 publicidade dos horários de trabalho para portaria conjunta dos Ministros 
 responsáveis pela área laboral e pelo sector dos transportes, o legislador nada 
 mais faz do que traduzir em linguagem actual a estrutura governativa que se 
 verificava à data da emissão do DL 409/7 1, de 27/9 (Ministro das Corporações e 
 Previdência Social corresponde ao Ministro responsável pela área laboral; 
 Ministro das Comunicações corresponde ao Ministro do sector dos transportes; 
 organismos corporativos interessados corresponde às organizações sindicais e de 
 empregadores interessadas).
 Em substância, a autoria do regulamento e a audição prévia previstas no n.° 2 do 
 art. 44° do DL 409/71, de 27/9, mantêm-se inalteradas, apenas a denominação foi 
 actualizada.
 Não se pode falar sequer em modificação ou em alteração da lei, uma vez que o 
 respectivo dispositivo legal continua igual, tendo-se alterado apenas o 
 enquadramento sistemático.
 Deste modo, com a revogação do DL 409/71, não ficámos nesta matéria, com um 
 vazio legal. 
 
  
 Se bem que revogado, este diploma foi, na parte que ora interessa, reinscrito e 
 para vigorar no Código do Trabalho, seu sucedâneo, sendo de considerar em vigor 
 a regulamentação da norma revogada, uma vez que não contraria a norma 
 actualmente em vigor.
 A tal interpretação não obstam as normas do Código Penal, subsidiariamente 
 aplicáveis, na exacta medida em que o facto punível não foi eliminado pelo 
 actual Código do Trabalho que, bem pelo contrário, o manteve nos exactos termos, 
 sendo de considerar em vigor as condições de publicidade que já antes 
 regulamentavam a previsão do facto.
 Do que se trata aqui não é da aplicação estrita das normas punitivas que, como 
 se viu, se sucederam “ipsis verbis”, mas sim de acto regulamentador não 
 prejudicado pelo conteúdo da norma, que se manteve actual.
 
 É certo que ainda não foi publicada a referida portaria. Mas isso não significa 
 que a norma do art. 179° do Código do Trabalho não possa ser aplicada, embora 
 ainda não através da portaria para que remete o seu n.° 3, mas antes através do 
 Despacho Normativo emitido ao abrigo da lei anterior — o já citado Despacho 
 Normativo n.° 22/87, de 4/3, emitido, em execução do n.° 2 do art. 44° do DL 
 
 409/7 1 - pois, apesar de revogada a lei que se destinava a regulamentar, ele 
 não caducou pelo facto daquela lei ter sido substituída por outra, uma vez que o 
 conteúdo do citado regulamento não é contrário à nova lei.
 A doutrina e a jurisprudência entendem que a revogação da lei a que o 
 regulamento sirva de complemento acarreta também, por regra, a revogação deste. 
 Mas se essa lei é substituída por outra lei nova ainda não regulamentada, ela 
 continua a ser regulamentada pelo regulamento antigo em tudo aquilo em que este 
 a não contrariar.
 Também o Prof. Freitas do Amaral ensina que “O regulamento caduca se for 
 revogada a lei que ele veio executar, caso não seja substituída por outra. 
 Portanto, se havia um regulamento em execução ou complementar de uma lei e essa 
 lei foi revogada e não foi substituída por outra, o regulamento caduca; se a lei 
 for substituída por outra, o regulamento manter-se-á em vigor em tudo o que não 
 for contrário à nova lei”.
 Afigura-se-nos, assim, que o entendimento perfilhado na sentença recorrida está 
 em conformidade com a lei e com a doutrina e a jurisprudência existentes sobre 
 esta matéria, dado que, como dissemos atrás, o diploma que regulamentava, nessa 
 matéria, a lei que foi substituída ainda está e continuará em vigor até à 
 publicação do novo regulamento, sendo completamente descabido sustentar, como 
 sustenta a recorrente, que esta tese recorre à interpretação extensiva ou mesmo 
 
 à analogia (ao fazer corresponder “portaria” a “regulamento”) e viola os 
 princípios da legalidade e tipicidade consagrados no art. 2° do RGCO.
 
                
 
                   1.3.
 Novamente inconformado o arguido recorrente interpôs recurso para o Tribunal 
 Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da 
 Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), 
 aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, alterada pela Lei n.º 13-A/98, 
 de 26 de Fevereiro, por ter o Tribunal da Relação “aplicado norma cuja 
 inconstitucionalidade foi suscitada durante o processo”.
 
                   
 Notificado para apresentar alegações, fê-lo o recorrente concluindo nos termos 
 que seguem:
 
  
 
 “(…)
 A) Dever-se-á declarar prescrito o procedimento contra-ordenacional nos termos 
 conjugados dos artigos 27.°, alínea c), 27.°-A e 28.°, n.º 3 do RGCO. 
 B) As normas aplicadas pela decisão recorrida, tais como aí foram definidas, 
 violam o princípio da legalidade e da tipicidade estabelecido no artigo 29.°, 
 n.° 1 da constituição da República Portuguesa. 
 
 - O douto acórdão recorrido interpreta extensivamente a expressão “portaria” 
 constante no artigo 179°, n.° 3 do Código do Trabalho, considerando que a mesma 
 abrange também “regulamentos”, e designadamente o mero “despacho normativo”. 
 
 - A interpretação de que “portaria” abrange “despacho normativo” permite 
 integrar os elementos do tipo sancionatório. 
 
 - Considera a Recorrente que a norma assim obtida ultrapassa o sentido possível 
 das palavras da lei penal, ofendendo o conteúdo essencial do princípio da 
 legalidade na vertente nulla poena sine lege. 
 
 - Devia o artigo 179.°, n.° 3 do Código do Trabalho ser interpretado no sentido 
 de a expressão “portaria” abranger apenas o seu significado literal. 
 
  
 
                   1.4.
 Contra-alegou o representante do Ministério Público no Tribunal Constitucional 
 
 (fls. 143 e ss.), levantando a questão do não conhecimento do objecto do 
 recurso.
 O recorrente respondeu (fls.148), mantendo o seu entendimento de que as normas 
 aplicadas pela decisão recorrida violam o princípio da legalidade e da 
 tipicidade estabelecido no artigo 29.º, n.º 1 da Constituição da República 
 Portuguesa.
 
  
 
 2.1.
 Sendo o presente recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea 
 b) do n.º1 do artigo 70.º da LTC, o seu objecto é delimitado pelo requerimento 
 de interposição de recurso.
 Ora, resulta desse requerimento que o objecto do recurso não consiste numa 
 questão de inconstitucionalidade normativa susceptível de ser conhecida pelo 
 Tribunal Constitucional.
 Vejamos:
 
  
 
 2.2.
 
 É recorrido o acórdão proferido pela Relação de Lisboa, que julgou improcedente 
 o recurso do recorrente essencialmente por entender que o despacho normativo n.º 
 
 22/87 não caducou com a entrada em vigor do Código do Trabalho, apesar da 
 expressa revogação do Decreto-Lei n.º 409/71, de 27 de Setembro, por o conteúdo 
 de tal regulamento não ser contrário à nova lei.
 Para o recorrente não existiria quadro legal conformador de acto ou conduta 
 ilícita, por força do regime de sucessão de leis no tempo e da caducidade das 
 normas revogadas. Na óptica do recorrente, a decisão recorrida permitiria a 
 integração de elementos de tipo sancionatório em apreço, ofendendo o conteúdo 
 essencial do princípio da legalidade na vertente nulla poena sine lege 
 consagrado no artigo 29.º da Constituição.                
 
  
 
 2.3.
 Na realidade, porém, não foi este o entendimento perfilhado pela Relação 
 
 (fls.119 e ss.):
 Pode ler-se no texto do Acórdão recorrido, no que à pretensa questão de 
 constitucionalidade diz respeito, o seguinte: 
 
 “(…) Afigura-se-nos, assim, que o entendimento perfilhado na sentença recorrida 
 está em conformidade com a lei e com a doutrina e a jurisprudência existentes 
 sobre esta matéria, dado que, como dissemos atrás, o diploma que regulamentava, 
 nessa matéria, a lei que foi substituída ainda está e continuará em vigor até à 
 publicação do novo regulamento, sendo completamente descabido sustentar, como 
 sustenta a recorrente, que esta tese recorre à interpretação extensiva ou mesmo 
 
 à analogia (ao fazer corresponder “portaria” a “regulamento”) e viola os 
 princípios da legalidade e tipicidade consagrados no art. 2° do RGCO.”
 Da fundamentação do aresto resulta que o diploma regulamentar está e continuará 
 em vigor até à publicação do novo regulamento, ou seja, o acórdão parte da 
 consideração de que existe quadro legal de suporte para aplicação da coima em 
 questão. 
 Ao fazer este raciocínio, a decisão recorrida aplicou um regime que considerou 
 metodologicamente sustentado no quadro legal em vigor pelo que, ao contrário da 
 alegação do recorrente, não procedeu a nenhuma interpretação – extensiva ou 
 analógica – violadora do princípio constitucional ínsito no artigo 29.º da Lei 
 Fundamental. Para aplicar os n.ºs 1 e 3 do artigo 179.º do Código do Trabalho 
 não teve a decisão recorrida necessidade de interpretar extensivamente qualquer 
 comando, na medida em que – como resulta do texto da decisão recorrida – o 
 regime das normas punitivas aplicado pela decisão é o mesmo e o quadro legal 
 disciplinador da sua aplicação mantém-se em vigor.
 Em suma, a decisão recorrida não aplicou a norma recorrida. 
 
  
 
 3.1.
 Por último, e sendo novamente parâmetro definidor das questões a analisar por 
 banda deste Tribunal as que constam no requerimento de interposição de recurso, 
 nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, e tendo em conta, 
 igualmente, o que comanda a Lei do Tribunal Constitucional e a própria 
 Constituição – cfr. artigos  277.º e ss. da CRP e 6.º da LTC – quanto à 
 competência deste órgão de fiscalização concreta da constitucionalidade em razão 
 da matéria (ao qual cabe em último grau determinar a existência e dimensão das 
 questões que lhe são colocadas como condição da sua própria competência em razão 
 da matéria, bem como dizer se as questões que até ele sobem são ou não questões 
 de inconstitucionalidade ou ilegalidade – qualificação do vício arguido – uma 
 vez que o Tribunal Constitucional não está vinculado nem à qualificação operada 
 pelas instâncias recorridas, nem à admissão de recursos por estas efectuadas), 
 resta acrescentar que não é  da competência deste Tribunal apreciar e decidir a 
 questão invocada relativa à prescrição do procedimento contra-ordenacional (a 
 avaliar nos termos do disposto nos artigos 27.º e 28.º do Regime Geral das 
 Contra-Ordenações, contido no Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro), cuja 
 apreciação e correspondente decisão compete, em exclusivo, aos tribunais 
 judiciais.
 Não pode, pois, o Tribunal Constitucional conhecer desta questão.
 
  
 
  
 
 4.
 Em face do que acima se deixou dito, decide o Tribunal Constitucional não tomar 
 conhecimento do objecto do presente recurso.
 
  
 Custas pelo recorrente em 12 unidades de conta.
 
  
 
  
 
  
 Lisboa, 15 de Maio de 2007
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Maria João Antunes
 José Borges Soeiro
 Gil Galvão
 Rui Manuel Moura Ramos