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Processo nº 379/05
 
 1ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria João Antunes
 
  
 
  
 
  
 
                   Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
  
 I. Relatório
 
 1. Nos presentes autos, em que é recorrente o Ministério Público e recorrido A., 
 foi interposto recurso, ao abrigo do disposto nos artigos 280º, nº 1, alínea a), 
 da Constituição da República Portuguesa (CRP) e 70º, nº 1, alínea a), da Lei de 
 Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), de 
 decisão do Tribunal do Trabalho de Lisboa, de 4 de Abril de 2005, mediante 
 requerimento onde se pode ler o seguinte:
 
  
 
 «A douta decisão referida [a de 4 de Abril de 2005] recusou a aplicação do artº 
 
 13º nº2 do C.Custas Judiciais atento o disposto no Exórdio do Dec. Lei 
 nº324/2003 de 27/12, mais precisamente o nº3 e 4 parágrafos, com o fundamento da 
 sua inconstitucionalidade. Pretende-se que o Tribunal Constitucional aprecie a 
 constitucionalidade de tal norma..»
 
  
 
 2. A decisão recorrida, proferida face a reclamação da conta de custas deduzida 
 pelo ora recorrido, tem o seguinte teor:
 
  
 
 «Veio o A. reclamar da conta que faz fls. 88 e 90 porquanto entende que já pagou 
 a taxa de justiça que era da sua responsabilidade uma vez que não é devida taxa 
 de justiça subsequente e a taxa de justiça inicial já paga traduz o valor que 
 cabe ao A. liquidar.
 Na sequência desta reclamação veio o Exmº Sr. Escrivão deste 1° juízo, 2ª secção 
 emitir o douto parecer que faz fls. 103 no qual tece, em síntese, que:
 
                  - à presente acção é aplicável o novo Código das Custas 
 Judiciais (CCJ) aprovado pelo DL n° 324/2003 de 27-12 o qual introduz um novo 
 conceito de taxa de justiça conforme se alcança do n.ºs 13° n° 2;
 
                  - passando a existir uma única taxa de justiça do processo 
 resultante do somatório das taxas de justiça pagas por ambas as partes;
 
                  - uma vez que a taxa de justiça do processo não se encontra 
 garantida o que se encontra em dívida tem de ser suportado por ambas as partes 
 sendo a taxa de justiça que a parte já pagou recuperável extra judicialmente 
 através das custas de parte conforme ora regulado no artº 33° do CCJ.
 A Digna Magistrada do Mº Pº subscreveu o douto parecer do Exmº Sr. Escrivão da 
 secção por, também, no seu douto entendimento, considerar que a conta fora 
 elaborada de acordo com as novas regras introduzidas pelo novo CCJ, embora não 
 deixasse de entender como justa a reclamação do A..
 Analisando e decidindo.
 Diz o artº 13 ° n° 2 do CCJ vigente que “a taxa de justiça do processo 
 corresponde ao somatório das taxas de justiça inicial e subsequente de cada 
 parte.”
 Ora para se compreender este preceito legal e o espírito subjacente ao novo CCJ 
 
 é preciso recorrer ao Exórdio do DL n° 324/2003 de 27-12 o qual diz, entre 
 outras, o seguinte:
 N° 3, 2° parágrafo:
 
 “é adoptada uma tabela mais perceptível e abrangente, caracterizada pela redução 
 do número de escalões relevantes para efeitos de determinação da taxa de justiça 
 do processo. Paralelamente, com a adopção de uma tabela única – por contra 
 posição às duas tabelas (a da taxa de justiça final e a dos pagamentos prévios) 
 actualmente existentes - , restabelece-se a coincidência entre os montantes da 
 taxa de justiça inicial e subsequente pagas durante o processo e a taxa de 
 justiça global devida a final.”
 N° 3, 4° parágrafo:
 
 “De igual forma, põe-se termo à multiplicidade de reduções de taxa de justiça 
 existente, consagrando-se, como regra geral, um único grau de redução da taxa de 
 justiça (redução a metade) a operar mediante dispensa do pagamento da taxa de 
 justiça subsequente (…)”
 N° 4, 1 º, 2° e 3° parágrafos:
 
 “Por força das modificações operadas, e tendo presente os objectivos visados, a 
 tabela da taxa de justiça do processo sofre uma profunda revisão. Introduz-se um 
 novo conceito - o de taxa de justiça de parte - a partir do qual se obtém o 
 valor da taxa de justiça do processo, correspondendo este último ao somatório 
 das taxas de justiça inicial e subsequente de cada uma das partes. (...)
 No entanto, e porque o conceito de parte é distinto do de sujeito processual, 
 consagra-se a regra de que, em caso de pluralidade activa ou passiva, o 
 respectivo conjunto de sujeitos processuais é considerado, para efeitos de 
 cálculo da taxa de justiça, como um única parte. Por essa mesma razão, e de 
 forma a evitar pagamentos em excesso e as consequentes devoluções, consagra-se a 
 regra da dispensa do pagamento de taxa de justiça subsequente, designadamente 
 nos casos em que a taxa de justiça inicial paga pelos sujeitos processuais se 
 revele suficiente para assegurar o pagamento da totalidade da respectiva taxa de 
 justiça de parte.
 No entanto, sempre que, quer neste, quer noutros casos, exista dispensa do 
 pagamento prévio de taxa de justiça, caberá à parte vencida suportar, a final e 
 na medida do seu decaimento, a totalidade da taxa de justiça do processo, ou 
 seja, a sua taxa de justiça de parte e a taxa de justiça da parte contra quem 
 litigou.” (…).
 
 É com base neste último parágrafo acabado de citar que o respectivo programa 
 informática fora, ao que nos é dado compreender, elaborado.
 O sistema informático “pega” no valor depositado nos autos, e ignorando se o 
 mesmo fora depositado por uma ou ambas as partes, assume esse valor e divide-o, 
 no caso de uma transacção, ao meio, imputando metade a cada parte.
 O que significa que tendo o A. pago a totalidade da taxa de justiça da sua 
 responsabilidade, o sistema assume que tenha pago apenas metade, imputando-lhe o 
 pagamento da outra metade, que foi o que claramente ocorreu nos presentes autos.
 Neste sentido, e em termos técnicos, a conta não foi incorrectamente elaborada 
 pelo Exmº Sr. Escrivão da secção que se limitou a cumprir escrupulosamente a 
 elaboração da conta, tendo introduzido correctamente todos os dados os quais 
 foram processados pelo respectivo programa informático.
 
 É o sistema informático que assume o pagamento da taxa de justiça pelo A. como 
 sendo a taxa de justiça do processo e o divide, imputando automaticamente metade 
 na esfera da Ré que, em boa verdade, nada pagou.
 Mas, em última análise, o sistema informático não pode ser directamente 
 responsabilizado uma vez que ele fora criado para seguir a lei.
 Assim, em nosso modesto entendimento, o problema reside com a lei.
 Afigure-se-nos óbvio e de elementar bom senso que a norma em apreço, e em 
 especial, o parágrafo 3° do n° 4 do exórdio do DL n° 324/2003, é manifestamente 
 injusto e mesmo, em nosso modesto entendimento e salvo o devido respeito, 
 imoral.
 Com a preocupação de simplificar ao máximo o processamento das custas de modo a, 
 como se diz no próprio exórdio, tornar mais acessível “a matéria de custas 
 judiciais (que) está actualmente regulada de forma complexa, sendo reconhecida a 
 sua difícil acessibilidade à generalidade dos cidadãos, bem como grande maioria 
 dos operadores judiciais, com evidentes prejuízos para todos os interessados” 
 
 (…), o legislador acabou por criar, ao arrepio dos mais elementares princípios 
 de justiça, boa fé e bom senso, um sistema profundamente injusto, apto a criar 
 desigualdades no tratamento das partes processuais.
 
 É certo que o artº 8° do Código Civil diz que “O dever de obediência à lei não 
 pode ser afastado sob pretexto de ser injusto ou imoral o conteúdo do preceito 
 legislativo” (…).
 No entanto, apesar de, em nosso modesto entendimento, a supra citada norma ser 
 de questionável conformidade com a Constituição da República Portuguesa (CRP), a 
 qual ainda é a lei máxima do País e, portanto, prevalece sobre as restantes 
 
 (artºs 204° e 277° do CRP) ela não traduz a plenitude da ciência jurídica ou 
 seja, do Direito.
 E, assim, conforme refere Menezes Cordeiro (…) “o controlo, com referência a 
 critérios superiores, das normas legisladas, imperfeitas porque humanas, é tão 
 velho como o Direito. (…) A lei não se confunde com o Direito. Uma dogmática 
 jurídica, radicada na cultura que a suporte e na segurança das convicções 
 científicas dos juristas que a sirvam, coloca, entre a fonte e a solução do caso 
 concreto, um percurso que nenhuma lei pode dispensar e que o legislador não pode 
 corromper. Reside aqui, o «Direito natural» dos finais do nosso século: suprindo 
 a inactividade legislativa, harmonizando as soluções desavindas ou disfuncionais 
 dentro do espaço jurídico, complementando as mensagens apenas esboçadas pelo 
 legislador e limando, no concreto, as saídas injustas, inconvenientes ou 
 paradoxais, a Ciência do Direito afirma-se (...) o motor fundamental de qualquer 
 evolução jurídica.”
 Ora, aplicando a ciência de direito em toda a sua plenitude, e considerando os 
 princípios consagrados na mais alta lei na Nação, constata-se, em nosso modesto 
 entendimento, que os princípios orientadores do novo CCJ, nos quais assentam o 
 sistema informático, que produziu as contas de fls. 88 e 90, são, para além de 
 injustos e imorais, manifestamente inconstitucionais, porquanto violam um dos 
 mais básicos e essenciais princípios do nosso direito: o princípio da igualdade, 
 plasmado no artº 13° da CRP.
 Se o A. já pagou “à cabeça” a taxa de justiça que é de sua responsabilidade 
 porque motivo é responsabilizado por uma dívida da outra parte que nada pagou, 
 acabando, desta forma por ser tratado de forma igual perante uma situação 
 desigual.
 Ou se preferirem, o A. é tratado de forma desigual em relação à Ré quando não há 
 motivos objectivos ou sequer legais que permitam essa distinção.
 Porque motivo deve a Ré pagar menos do que o A. se as custas são suportadas em 
 partes iguais?
 Aonde está a igualdade das custas conforme acordado e homologado por sentença?
 Repare-se que o sistema de cálculo da taxa de justiça da responsabilidade das 
 partes processuais do novo CCJ, ao fim e ao cabo, permite a violação da sentença 
 homologatória pois não respeita o que ficou decidido: custas em partes iguais.
 Pelo que se nos afigure que o sistema em si mesmo é duplamente ilegal, porquanto 
 acaba por violar outras normas jurídicas, para além das constitucionais.
 E ao transferir o ónus de recuperar as custas de parte – entenda-se a taxa de 
 justiça que era da responsabilidade do outro e que o A. pagou – precisamente 
 para a parte processual que as pagou, com o intuito de “simplificar” a conta não 
 
 é, em nosso modesto entendimento, uma solução adequada aos princípios 
 constitucionais pelos mesmos: motivos: onera uma das partes de forma desigual.
 Aliás, conforme manda o artº 9° do Código Civil a interpretação de qualquer 
 norma tem de fazer-se com respeito pela letra da mesma, mas principalmente 
 através de elementos históricos, teleológicos e sistemáticos.
 Em termos históricos não se encontra qualquer fundamento para o tratamento 
 desigual das partes nas custas.
 Havendo acordo quanto à responsabilidade das mesmas, a conta era pura e 
 simplesmente dividida ao meio imputando-se a cada parte a sua respectiva 
 responsabilidade, abatendo-se o que já pudesse ter sido depositado nos autos.
 Aliás, no referido exórdio, é assumido pelo legislador que o conceito subjacente 
 ao CCJ, e principalmente à taxa de justiça, é completamente novo, resultando o 
 novo CCJ de “uma profunda, mas ponderada (?), revisão” (…).
 Pelo que, historicamente, não temos qualquer base para a solução ora propugnada 
 pelo legislador.
 Em termos teleológicos, também, se regista uma total ausência de elementos aptos 
 a justificar a orientação do actual CCJ.
 Os elementos teleológicos traduzem a ratio da norma ou do sistema legal onde uma 
 série de normas se inserem.
 Ora, em nosso modesto entendimento, e salvo o devido respeito, não há uma 
 qualquer razão lógica, um fundamento científico, social, económico, cultural ou 
 outro que possa explicar a dupla imputação de taxa de justiça, num fundo uma 
 dupla tributação, em desfavor de uma das partes enquanto se beneficia a outra.
 Qual o motivo que possa levar a que se impute ao A., que tenha pago a sua taxa 
 de justiça por completo, o pagamento da taxa de justiça da outra parte, que nada 
 pagou, fundamentando essa acção com uma aparente, e artificial, falta de 
 pagamento da taxa de justiça do processo, da total responsabilidade da Ré?
 Se o sistema pode assumir um valor a favor da Ré porque não o assume a favor do 
 A.?
 Não há um único argumento lógico e são que nos leve a concluir que, só através 
 do pagamento por uma das partes da taxa de justiça, que é da sua 
 responsabilidade, e da taxa de justiça da parte contrária, é que se consegue 
 assegurar um sistema eficaz e célere das custas.
 Antes, pelo contrário: se uma das partes já liquidou a totalidade das custas da 
 sua responsabilidade apenas há que exigir o pagamento à outra parte, a qual, se 
 não pagar voluntariamente, implicará uma única execução; o que, em termos de 
 esforços processuais, tempo e dinheiro é mais vantajoso do que duas execuções 
 por custas.
 Por fim, também através de uma interpretação sistemática não se vislumbra a 
 justeza e correição da norma em referência.
 Vejamos.
 Estamos no âmbito do direito laboral onde a esmagadora maioria de acções 
 declarativas de condenação são propostas pelo trabalhador.
 No direito laboral substantivo existe o princípio basilar e orientador do 
 tratamento mais favorável do trabalhador, o qual, inclusive, pode socorrer-se do 
 patrocínio gratuito e qualificado do Ministério Público.
 Como, então, se justifica onerar precisamente a parte mais fraca, esse 
 trabalhador, no momento das custas, deixando entrar pela janela o que o 
 legislador laboral não quis que entrasse pela porta?
 Pois, sendo a esmagadora maioria das acções propostas por trabalhadores, e sendo 
 que a taxa de justiça é por estes logo paga, havendo um acordo na audiência de 
 partes ou antes da junção aos autos da respectiva contestação, como tanta vezes 
 acontece, o processo vai à conta com apenas uma única taxa de justiça depositada 
 nos autos: precisamente a taxa de justiça do trabalhador.
 Pegar nessa taxa de justiça e ficcionar um pagamento de metade pela Ré é não só 
 defraudar o trabalhador, e todo e qualquer cidadão no mesmo lugar, como é violar 
 um dos princípios mais basilares do direito laboral substancial.
 Sendo, inclusive, altamente nocivo para a promoção de acordos pois, uma vez que 
 os trabalhadores começarem a compreender como o novo sistema de custas funciona, 
 não vão, de certeza, fazer um acordo, ou, pelo menos, não o farão enquanto o 
 processo não estiver mais adiantado e já com uma taxa de justiça paga pela Ré.
 Tudo isto levando a um maior esforço por parte do Tribunal que vê, assim, menos 
 processos a terminarem com acordos e, menos processos a terminarem com acordos 
 logo 1 no início do processamento (…).
 O que até gera uma situação paradoxal pois, por um lado, premeia-se o acordo com 
 a redução da taxa de justiça mas, por outro lado, onera-se injustamente uma das 
 partes que acaba por pagar a taxa de justiça na totalidade.
 Em flagrante violação do princípio da igualdade.
 Assim, constatando-se a existência de norma inconstitucional, e no caso em 
 apreço, materialmente inconstitucional, deve o juiz recusar a aplicação da 
 respectiva norma (artºs 277° e 280° CRP).
 No entanto, embora de momento, e enquanto o programa informático não for 
 alterado, não é possível reformar a conta nem recompilá-la.
 Todavia, recusa-se a aplicação dos princípios constantes do DL nº 324/2004 por 
 manifestamente inconstitucionais e, assim, dando razão ao A. e deferindo à douta 
 reclamação, determina-se a inexigibilidade da parte das custas que não são da 
 responsabilidade do mesmo.
 Assim tendo o A. pago já a totalidade da taxa de justiça da sua responsabilidade 
 apenas deve a ar a sua quota parte da Procuradoria, ou seja, € 31,15, nada mais 
 lhe devendo ser exigido».
 
  
 
 3. Notificado para alegar, o Ministério Público junto deste Tribunal concluiu 
 que:
 
  
 
 «1° - Constitui interpretação normativa desproporcionada – e, consequentemente, 
 violadora do princípio do processo equitativo – do conceito de taxa de justiça 
 do processo, prevista no artigo 13°, n° 2, do CCJ, a que se traduz em colocar a 
 cargo da parte – que já liquidou inteiramente a taxa de justiça por ela devida - 
 a garantia do pagamento de uma parcela da taxa de justiça que, em termos 
 definitivos, é devida pela parte contrária, com o consequente ónus de reclamar a 
 respectiva restituição a título de custas de parte, suportando o risco da 
 possível insolvabilidade do devedor das custas.
 
 2° - Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade 
 formulado pela decisão recorrida».
 
  
 
 4. Notificado o recorrido, formulou as seguintes conclusões, quando alegou:
 
  
 
 «1.º
 A norma legal cuja inconstitucionalidade foi suscitada no despacho recorrido – o 
 artigo 13.º, n.º 2, do CCJ – a admitir uma interpretação conducente a um 
 resultado como o supra descrito, é organicamente inconstitucional, por permitir 
 a criação de um encargo para um particular que não tem a natureza bilateral 
 característica da taxa, tendo antes a natureza unilateral característica do 
 imposto. Sendo a criação de impostos matéria reservada à lei da Assembleia da 
 República, o artigo 13.º, n.º 2, do CCJ, por ter sido decretado pelo Governo, 
 sem autorização legislativa, é organicamente inconstitucional, por violação do 
 artigo 165.º, alínea i), da CRP.
 
 2.º
 A norma em apreço viola, assim, o princípio da legalidade tributária, que se 
 traduz no direito fundamental dos cidadãos plasmado no n.º 3 do artigo 103.º da 
 CRP, segundo o qual “Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam 
 sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja 
 liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei.”.
 
 3.º
 O artigo 13.º, n.º 2, do CCJ, ao permitir uma diferenciação entre o autor e a ré 
 da acção no que toca aos deveres perante o Estado (sobrecarregando e onerando o 
 autor, por um lado, e favorecendo a ré, por outro), quando nenhuma razão havia 
 para um tratamento diferente, não obstante a lei, a vontade das partes e a 
 sentença judicial determinarem o tratamento igual das partes em matéria de 
 custas, viola o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP, na 
 vertente da proibição de discriminação, uma vez que esta não é materialmente 
 fundada em qualquer motivo constitucionalmente legítimo.
 
 4.º
 A mesma norma viola, ainda, a garantia do processo equitativo, consagrada no 
 artigo 20.º, n.º 4, da CRP, que se traduz no princípio da igualdade de armas, 
 uma vez que permite uma diferenciação intolerável entre os intervenientes 
 processuais, obrigando injustificadamente uma das partes a proceder a um 
 pagamento que é da responsabilidade da outra parte e a suportar sozinha o risco 
 do insucesso da cobrança à parte que era efectivamente devedora.
 
 5.º
 O artigo 13.º, n.º 2, do CCJ, ao permitir que o Estado, no exercício do seu 
 poder de cobrador de custas judicias, abuse desse poder e obrigue uma das partes 
 ao pagamento de uma quantia que não é da sua responsabilidade, transferindo 
 assim para um particular (a parte pagadora) o ónus da cobrança e o risco do não 
 pagamento pela parte devedora, desonerando-se na medida em que vê satisfeita 
 parte do seu crédito, viola o disposto no artigo 266.º, n.º 2, da CRP . De 
 facto, obrigar “o justo a pagar pelo pecador”, tratando as partes de forma 
 manifestamente desigual, impondo sobre uma delas um sacrifício desnecessário e 
 desproporcionado, consubstancia uma verdadeira violação da sujeição da 
 Administração Pública ao respeito pelos princípios da igualdade, 
 proporcionalidade, justiça, imparcialidade e boa-fé».
 
  
 
 5. Por despacho da relatora de 22 de Fevereiro de 2006, os autos foram remetidos 
 ao Tribunal de Trabalho de Lisboa, a título devolutivo, a fim de ser apreciada a 
 dispensa do pagamento das custas em dívida, prevista no artigo 66º da Lei nº 
 
 60-A/2005, de 30 de Dezembro.
 
  
 
 6. Em 13 de Março de 2006, foi proferido despacho no sentido de os autos serem 
 remetidos ao Tribunal Constitucional “a fim de tomar conhecimento do recurso em 
 apreço ou determinar o que houver por conveniente”, podendo ler-se na nota de 
 rodapé 1, com relevo para a presente decisão, que o artigo 66º “nem sequer tem 
 aplicação ao caso dos autos pois o acordo judicial foi realizado em momento em 
 que esse incentivo não existia”.
 
  
 
 7. Em cumprimento do disposto no artigo 704º, nº 1, do Código de Processo Civil, 
 aplicável por força do artigo 69º da LTC, o recorrente e o recorrido foram 
 notificados sobre a possibilidade de ser proferida decisão de não conhecimento 
 do objecto do recurso.
 
  
 
 8. O recorrente respondeu sustentando o seguinte:
 
  
 
 «1 – Como se deu conta na alegação apresentada, é discutível que a solução 
 acolhida na decisão recorrida pode considerar-se consagrada, numa interpretação 
 correcta e adequada, na norma desaplicada e que constitui objecto do recurso.
 
 2 – O que é facto, porém, é que a decisão recorrida precipitou efectivamente na 
 dita norma, constante do n° 2 do artigo 13º do CCJ, os reflexos e consequências 
 que extraiu dos “princípios orientadores” do novo CCJ, constantes do “exôrdio do 
 Decreto-Lei n° 324/03” (cfr., o afirmado a fls. 68).
 
 3 – Ora, tendo em conta que, conforme jurisprudência uniforme e reiterada, não 
 compete a este Tribunal Constitucional sindicar a interpretação que os tribunais 
 judiciais fazem do direito infraconstitucional (salvo na medida em que isso se 
 revele absolutamente indispensável à dirimição da questão de 
 inconstitucionalidade normativa suscitada) não parece possível – salvo melhor 
 opinião – concluir que (bem ou mal) a “ratio decidendi” do despacho recorrido 
 assentou numa dada interpretação do n°2 do artigo 13º do CCJ.
 
 4 – Pelo que se afigura estarem preenchidos os pressupostos de admissibilidade 
 do recurso interposto pelo Ministério Público».
 
  
 
 9. O recorrido respondeu, declarando
 
                                      
 
 «nada ter a opor a que esse Tribunal decida pelo não conhecimento do objecto do 
 recurso, pois que o despacho recorrido (de deferimento da reclamação da conta de 
 custas) lhe é favorável e o interesse do Recorrido é o de que esse mesmo 
 despacho recorrido transite em julgado».
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 II. Fundamentação
 Nos presentes autos levanta-se a questão prévia de saber se podem dar-se como 
 verificados os pressupostos do recurso previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 
 
 70º da LTC. Sobre esta questão, nos precisos termos em que ela é posta nestes 
 autos, escreveu-se no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 530/2006 (não 
 publicado) o seguinte:
 
  
 
 «(…) o despacho agora sob impugnação operou a «recusa» de “aplicação dos 
 princípios constantes do DL nº 324/2004 por manifestamente inconstitucionais”. 
 E, por muito que se leia e releia tal despacho, o único ponto em que, no mesmo, 
 se refere um preceito legal é justamente aquele em que se escreveu: “Diz o artº 
 
 13º nº 2 do CCJ vigente que ‘a taxa de justiça do processo corresponde ao 
 somatório das taxas de justiça inicial e subsequente de cada parte’.
 Por outro lado, no dito despacho não se surpreende uma qualquer outra asserção 
 da qual decorra, directa e especificamente, a recusa de aplicação daquele 
 preceito. 
 
 É que, mesmo quando nele se diz que “em nosso modesto entendimento, o problema 
 reside com a lei” e que “Afigur[a]-se-nos óbvio e de elementar bom senso que a 
 norma em apreço, e em especial, o parágrafo 3º do nº 4 do exórdio do DL nº 
 
 324/2003, é manifestamente injusto e mesmo, em nosso modesto entender e salvo o 
 devido respeito, imoral”, daí não resulta que se esteja a fazer uma referência 
 específica ao artº 13º, nº 2, do Código das Custas Judiciais, já que, segundo a 
 decisão em crise, seria com fundamento no parágrafo do preâmbulo do diploma que 
 aprovou aquele corpo de leis (e em que é referido que “No entanto, sempre que, 
 quer neste, quer noutros casos, exista dispensa do pagamento prévio de taxa de 
 justiça, caberá à parte vencida suportar, a final e na medida do seu decaimento, 
 a totalidade da taxa de justiça do processo, ou seja, a sua taxa de justiça de 
 parte e a taxa de justiça da parte contra quem litigou”) que foi criado o 
 programa informático com base no qual a conta dos autos fora elaborada, programa 
 esse que «assume que» quem tenha pago a totalidade da taxa de justiça da sua 
 responsabilidade e verificando-se, a final, ter sido paga metade da taxa do 
 processo, é imputada a quem já efectuou o pagamento da taxa de justiça inicial a 
 responsabilidade pelo pagamento da metade em falta.
 Aliás, e como se disse acima, a recusa, com base num juízo de 
 inconstitucionalidade por si formulado, da Juíza a quo, incidiu somente sobre os 
 princípios constantes do Decreto-Lei nº 324/2004.
 
 É por demais sabido que o objecto dos recursos visando a fiscalização concreta 
 da constitucionalidade normativa é constituído por normas precipitadas no 
 ordenamento jurídico infra-constitucional.
 Não obstante o que é dito nos relatórios preambulares dos diplomas legislativos, 
 e ainda que, no entendimento de uma dada decisão judicial, o desiderato que aí 
 se colhe se poste como contrário à Lei Fundamental, para que se possa abrir o 
 recurso de constitucionalidade, haverá nela de ser realizado um juízo que 
 repouse ou tenha directo reflexo num determinado preceito desse diploma, 
 preceito esse que, em abstracto, seria convocável para reger o decidido.
 Ora, não foi isso que sucedeu na situação em espécie.
 Aduz a entidade impugnante que a decisão em causa “precipitou na dita norma, 
 constante do nº 2 do artigo 13º do CCJ, os reflexos e consequências que extraiu 
 dos ‘princípios orientadores’ do novo CCJ, constantes do ‘exórdio do Decreto-Lei 
 nº 324/03’ – o que, na óptica de tal entidade, se retiraria do que é escrito 
 naquele despacho a fls. 133 [107] (crê-se que, por lapso se refere “fls.68”) –, 
 motivo pelo qual a razão do decidido repousou numa dada interpretação daquele 
 preceito.
 Supondo-se que o Ex.mo Representante do Ministério Público se quer reportar à 
 asserção ínsita nesse despacho que refere “Ora para se compreender este preceito 
 legal e o espírito subjacente ao novo CCJ é preciso recorrer ao Exórdio do DL nº 
 
 324/2003 de 27-12 o qual diz, entre outras, o seguinte:”, e sendo certo que este 
 Tribunal tem seguido uma jurisprudência uniforme e reiterada segundo a qual não 
 compete a ele sindicar a interpretação que os tribunais das várias ordens fazem 
 do direito ordinário, o que é facto é que, como se referiu já, não se lobriga 
 naquele despacho o mínimo «rasto» de intento desaplicativo do preceito em 
 questão, não defluindo, por outra banda, que seria dele mesmo que se extrairia 
 um sentido interpretativo conducente a uma solução normativa de onde resultasse 
 que, tendo ocorrido uma transacção devidamente homologada, em que ficou acordado 
 que as custas seriam suportadas a meias, e, não tendo uma «parte» procedido ao 
 pagamento da taxa de justiça inicial (ou das taxas de justiça inicial e 
 subsequentes), recai sobre outra «parte», que já procedeu ao pagamento daquela 
 taxa (ou daquelas taxas) o encargo de pagar o restante quantitativo de taxa de 
 justiça do processo que ainda se encontre por saldar. Neste contexto, e por não 
 se verificar o pressuposto do recurso ancorado a alínea a) do nº 1 do artº 70º 
 da Lei nº 28/82, não se toma conhecimento do objecto do vertente recurso».
 
  
 
 É esta jurisprudência – para cuja fundamentação se remete – que agora se 
 reitera. 
 
  
 III. Decisão
 Pelo exposto, decide-se não tomar conhecimento do objecto do presente recurso.
 Sem custas.
 
  
 Lisboa, 28 de Novembro de 2006
 
  
 Maria João Antunes
 Maria Helena Brito
 Carlos Pamplona de Oliveira – vencido, pois conheceria do recurso.
 Rui Manuel Moura Ramos. Vencido. Conheceria do recurso nos termos e pelas razões 
 expostas na declaração de voto da Senhora Conselheira Maria dos Prazeres Beleza, 
 aposta ao acórdão n.º 530/2006.
 Artur Maurício