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Processo nº  277/2006 
 
 3ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza 
 
  
 
  
 
  
 Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional: 
 
  
 
  
 
 1 .A. propôs contra B., SA uma acção emergente de contrato individual de 
 trabalho que veio a terminar por transacção, junta a fls. 61, homologada pela 
 sentença de fls. 63.
 
  
 Da referida transacção consta uma cláusula segundo a qual “As custas em dívida a 
 juízo serão suportadas a meias”. Assim, a sentença homologatória determinou que 
 as custas ficavam a cargo de ambos os litigantes: “Custas pelas duas partes, nos 
 termos acordados”.
 Tendo sido notificado para efectuar o pagamento da conta de custas, o autor 
 veio, a fls. 89, requerer a respectiva reforma, sustentando que “já pagou ao 
 processo a parte da taxa de justiça que era da sua responsabilidade, pelo que 
 apenas tem a pagar ao Tribunal  o valor devido a título de procuradoria”.
 Em síntese, afirmou que, dado o valor da causa, a taxa de justiça global do 
 processo teria o valor de 11 unidades de conta (979,00€). Todavia, tendo o 
 processo terminado antes da apresentação da oposição e da marcação da audiência 
 final, tal montante foi reduzido a metade (5,5 unidades de conta, 489,50€), não 
 sendo então devida taxa de justiça subsequente, nos termos dos artigos 14º, n.ºs 
 
 1 e 2 do Código das Custas Judiciais.
 Ora, decorrendo da transacção e da lei (artigo 451º, n.º 1, do Código de 
 Processo Civil) que as custas são suportadas em partes iguais, e tendo ele, 
 autor, pago a taxa de justiça inicial, no montante de 2,75 unidades de conta 
 
 (244,75€), faltava apenas, para se haver por paga a taxa global devida, que o 
 réu procedesse ao pagamento de igual quantia, ficando então só por pagar a 
 procuradoria.
 Não lhe cabe assim, segundo entende, pagar metade da taxa de justiça em falta 
 
 (122,38 €), como consta da conta de que foi notificado.
 Sustentou ainda que tal conta se não pode basear no disposto nos artigos 31º, 
 n.º 1, 33º E 33º-A, n.º 1 do Código das Custas Judiciais, na redacção resultante 
 do Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, preceitos, aliás, que, se 
 comportassem uma interpretação que a permitisse, conteriam normas 
 inconstitucionais, por violação do princípio da igualdade, do princípio do 
 processo equitativo e do disposto no n.º 2 do artigo 266º da Constituição.
 O pedido de reforma foi indeferido, pelo despacho de fls. 95, nestes termos:
 
 “A conta foi elaborada de acordo com o disposto no artº 56º do CCJ. Como o A. 
 Não desconhece, as taxas de justiça já pagas são reclamadas pela parte que tem 
 direito a receber custas de parte à parte contrária nos termos do artº 33-A/1 do 
 CCJ (artº 31/1 e 33/1/b do CCJ) para que esta proceda ao seu pagamento.
 E bem sabendo o A. Desta disposição legal que refere expressamente no seu 
 articulado e cuja inconstitucionalidade suscita, poderia ter acordado numa 
 repartição de custas diferente, de modo a que nada mais tivesse que pagar, para 
 evitar ter que pagar ao Tribunal  e reclamar da parte contrária o que adiantou 
 quando instaurou a acção.
 Os artigos 31º, 33º e 33º-A do CCJ não violam o princípio da igualdade previsto 
 na Constituição nem o da equidade. O A. Terá apenas que lançar mão do 
 procedimento previsto neste artigo para ser reembolsado do que adiantou. Haveria 
 sim violação se a lei não tivesse previsto uma forma de o A. Ser ressarcido.
 Ao Tribunal  não cabe criticar as opções do legislador, desde que em 
 conformidade com a Constituição, estando obrigado a aplicar a lei.
 Consequentemente, indefiro o requerido”.
 
  
 
 2. A. veio então recorrer para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto 
 na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, do 
 despacho de fls. 95, pretendendo a apreciação da interpretação com que os 
 artigos 31º, 33º e 33º-A do Código das Custas Judiciais, na redacção decorrente 
 do Decreto-Lei n.º 324/2003, foram aplicados, por serem orgânica e materialmente 
 inconstitucionais.
 A inconstitucionalidade orgânica decorreria de o autor ser colocado perante a 
 necessidade de pagar ao Estado uma quantia que não tinha a natureza de taxa, 
 pois não correspondia a nenhuma contraprestação pelos serviços de justiça de que 
 ele, autor, beneficiou, mas antes ao pagamento de uma dívida do réu. Deveria, 
 pois, ser considerada como o pagamento de um imposto, criado por decreto-lei não 
 autorizado, organicamente inconstitucional (artigo 165º, n.º 1, i) da 
 Constituição).
 Quanto à inconstitucionalidade material, resultaria da violação dos princípios 
 da legalidade tributária (artigo 103º da Constituição), da igualdade (artigo 
 
 13º) e do processo equitativo (n.º 4 do artigo 20º), bem como do artigo 266º da 
 Constituição, que impõe à Administração que conforme a sua actuação com os 
 princípios da igualdade e da proporcionalidade.
 
  
 O recurso foi admitido, por decisão que não vincula este Tribunal (nº 3 do 
 artigo 76º da Lei nº 28/82).
 
  
 
 3. A fls. 115, foi proferido o seguinte despacho:
 
  
 
 “Nos termos do disposto nos n.ºs 1, 5 e 6 do artigo 75º-A da Lei nº 28/82, de 15 
 de Novembro, convido o recorrente a definir as normas, contidas nos preceitos 
 legais que indica no requerimento de interposição de recurso – os artigos 31º, 
 
 33º e 33º- A do Código das Custas Judiciais – cuja inconstitucionalidade 
 pretende que o Tribunal Constitucional aprecie. 
 
   Com efeito, é ao recorrente que incumbe a definição do objecto do recurso; não 
 
 é suficiente, quando se questiona uma determinada interpretação normativa, a 
 afirmação de que é aquela que a decisão recorrida adoptou, assim transferindo 
 para o Tribunal ad quem – no caso o Tribunal Constitucional – o ónus de 
 delimitar o objecto do recurso e impossibilitando-o de verificar o preenchimento 
 de todos os pressupostos de admissibilidade do recurso.”
 
  
 A fls.119, o autor veio responder.
 Relativamente ao artigo 31º, que restringe à parte em que prevê que “as taxas de 
 justiça pagas por cada parte integram as custas de parte”, o autor sustentou que 
 
 “é inconstitucional esta norma na interpretação que permita, não apenas (como 
 seria a interpretação correcta) integrar nas custas de parte as taxas de justiça 
 adiantadas em momento em que não se pode ainda saber qual das partes, a final, 
 será responsável pelo pagamento dessas quantias (única hipótese para a qual faz 
 sentido a previsão legal da posterior devolução dessa quantia, caso a parte que 
 pagou não seja, a final, responsável, e na medida em que não o seja), como 
 também cobrar a uma das partes, a título de taxa de justiça, uma determinada 
 quantia, em momento em que já seja certo que essa parte não é responsável 
 perante o tribunal pelo pagamento dessa quantia, com fundamento na ideia de que, 
 para essa quantia, a mesma, sendo “taxa de justiça paga”, integrará as custas de 
 parte e a parte que a pagou poderá pedir a sua devolução à parte contrária”. 
 Quanto ao artigo 33º, nº1, o recorrente, esclarecendo que apenas impugna na 
 parte a que respeita a respectiva alínea b),“As custas de parte compreendem o 
 que a parte haja despendido com o processo a que se refere a condenação e de que 
 tenha direito a ser compensada em virtude da mesma, designadamente. […] b) As 
 taxas de justiça pagas,” sustenta a inconstitucionalidade enquanto possa ser 
 interpretado com o sentido atrás referido ao artigo 31º e esclarece que “a 
 interpretação que se pretende ver julgada inconstitucional é, pois, aquela 
 segundo a qual possa ser exigido a uma parte o pagamento de quantias pelas quais 
 não é responsável (designadamente, porque o que já pagou a mais, em momento 
 anterior, chega para cobrir todo o montante pelo qual veio, a final, a ser 
 responsável), dando ‘em troca’, a essa parte, o ‘direito’ a exigir à parte 
 contrária a devolução dessas quantias”.
 Finalmente, e quanto ao artigo 33º-A, que apenas impugna enquanto afirma que “a 
 parte que tenha direito a ser compensada das custas de parte remete à parte 
 responsável a respectiva nota discriminativa e justificativa, para que esta 
 proceda ao seu pagamento”, na parte em que “define a quem é que a parte pode 
 exigir o pagamento das custas a que tem direito”. Seria inconstitucional “na 
 medida em que permite que o Estado se subtraia do ónus de cobrança, à parte que 
 
 é a real devedora, das custas que são devidas ao Estado, fazendo sua (e 
 imputando-a àquelas custas devidas) a quantia paga ‘a mais’ pela outra parte, 
 transferindo para esta o ónus de cobrar à parte devedora o que pagou a mais e, 
 pior, transferindo para a parte que pagou ‘a mais’ o risco do não pagamento pela 
 parte devedora. É inconstitucional esta norma na medida em que transfere para o 
 domínio privado, entre dois particulares, os ónus e os riscos inerentes à 
 relação de débito/crédito estabelecida entre o Estado e um particular, obrigando 
 um particular que tenha como credor o Estado a ‘acertarem contas entre si’. Pois 
 que o Estado, já tendo em seu poder a quantia correspondente às custas globais 
 do processo, independentemente da sua proveniência, opta por se demitir dessa 
 função”.
 
  
 
 4. Tendo em conta a entrada em vigor da Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro de 
 
 2005 (aprova o orçamento de Estado para 2006), em momento posterior à 
 interposição do presente recurso (1 de Janeiro de 2006), foi proferido o 
 seguinte despacho, de fls. 93:
 
  
 
     “Sendo plausível a aplicação, ao caso dos autos, do regime constante do n.º 
 
 1 do artigo 66º da Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro, e tendo em conta as 
 eventuais repercussões quanto ao conhecimento do recurso de constitucionalidade 
 pendente neste Tribunal, remeta os autos à primeira instância, a título 
 devolutivo, para os devidos efeitos.”
 
  
 
          Com efeito, o citado n.º 1 do artigo 66º da referida Lei n.º 60-A/2005, 
 cuja epígrafe é “Incentivos à extinção da instância”, dispõe:
 
  
 
     “1- Nas acções cíveis declarativas e executivas que tenham sido propostas 
 até 30 de Setembro de 2005, ou que resultem da apresentação à distribuição de 
 providências de injunção requeridas até à mesma data, e venham, a terminar por 
 extinção da instância em razão de desistência do pedido, de confissão, de 
 transacção ou de compromisso arbitral apresentados até 31 de Dezembro de 2006, 
 há dispensa do pagamento das custas judiciais que normalmente seriam devidas por 
 autores, réus ou terceiros intervenientes, não havendo lugar à restituição do 
 que já tiver sido pago nem, salvo motivo justificado, à elaboração da respectiva 
 conta”.
 
  
 Em resposta., a fls. 132, o Juiz do tribunal  recorrido pronunciou-se no sentido 
 de que entende que o referido regime não é aplicável ao caso presente, relativo 
 a “transacção homologada por sentença transitada em data anterior à entrada em 
 vigor da Lei 60-A/85, cujo prazo de pagamento voluntário não decorreu até 
 
 30.09.05”.
 
  
 
 5. Assim, determinou-se que as partes fossem notificadas para apresentar 
 alegações, que o recorrente concluiu da seguinte forma:
 
  
 
 «1.º
 As normas legais que suportaram o entendimento sufragado no Despacho recorrido – 
 os artigos 31.º, 33.° e 33.°-A do CCJ – ao admitirem uma interpretação 
 conducente a um resultado como o supra descrito, são organicamente 
 inconstitucionais, por permitirem a criação de um encargo para um particular que 
 não tem a natureza bilateral característica da taxa, tendo antes a natureza 
 unilateral característica do imposto. Sendo a criação de impostos matéria 
 reservada à lei da Assembleia da República, os artigos 31.°, 33.° e 33.°-A do 
 CCJ, por terem sido decretados pelo Governo, sem autorização legislativa, são 
 organicamente inconstitucionais, por violação do artigo 165.°, alínea i), da 
 CRP.
 
 2.°
 As normas em apreço violam, assim, o princípio da legalidade tributária, que se 
 traduz no direito fundamental dos cidadãos plasmado no n.° 3 do artigo 103.° da 
 CRP, segundo o qual “Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam 
 sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja 
 liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei.”. 
 
 3.º
 Os artigos 31.º, 33º e 33.°-A do CCJ, ao permitirem uma diferenciação entre o 
 autor e a ré da acção no que toca aos deveres perante o Estado (sobrecarregando 
 e onerando o autor, por um lado, e favorecendo a ré, por outro), quando nenhuma 
 razão havia para um tratamento diferente e não obstante a lei, a vontade das 
 partes e a sentença judicial determinarem o tratamento igual das partes em 
 matéria de custas, violam o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.° da 
 CRP, na vertente da proibição de discriminação, uma vez que esta não é 
 materialmente fundada em qualquer motivo constitucionalmente legítimo. 
 
 4.º
 As mesmas normas violam, ainda, a garantia do processo equitativo, consagrada no 
 artigo 20.°, n.° 4, da CRP, que se traduz no princípio da igualdade de armas, 
 uma vez que permitem uma diferenciação intolerável entre os intervenientes 
 processuais, obrigando injustificadamente uma das partes a proceder a um 
 pagamento que é da responsabilidade da outra parte, financiando-a e suportando 
 sozinha o risco do insucesso da cobrança à parte que era efectivamente devedora. 
 
 
 
 5.º
 Os artigos 31.º, 33.º e 33.°-A do CCJ, ao permitirem que o Estado, no exercício 
 do seu poder de cobrador de custas judicias, abuse desse poder e obrigue uma das 
 partes ao pagamento de uma quantia que não é da sua responsabilidade, 
 transferindo assim para um particular (a parte pagadora) o ónus da cobrança e o 
 risco do não pagamento pela parte devedora, desonerando-se na medida em que vê 
 satisfeita parte do seu crédito, violam o disposto no artigo 266.°, n.° 2, da 
 CRP. De facto, as normas que permitem obrigar “o justo a pagar pelo pecador”, 
 tratando as partes de forma manifestamente desigual, impondo sobre uma delas um 
 sacrifício desnecessário e desproporcionado, consubstanciam uma verdadeira 
 violação da sujeição da Administração Pública ao respeito pelos princípios da 
 igualdade, proporcionalidade, justiça, imparcialidade e boa-fé. 
 
  
 Nestes termos e nos mais de direito, deve ser revogado o Despacho recorrido, que 
 deverá ser substituído por outro que defira a reclamação de conta apresentada 
 pelo ora Recorrente, e declarada a inconstitucionalidade dos artigos 31.°, 33.° 
 e 33.°-A do Código das Custas Judiciais, na interpretação que permita colocar a 
 cargo da parte que já liquidou inteiramente a taxa de justiça por si devida a 
 garantia do pagamento de uma parcela da taxa de justiça que, em termos 
 definitivos, é devida pela parte contrária, com o consequente ónus de reclamar a 
 respectiva restituição a título de custas de parte, correndo o risco (que para 
 si foi transferido pelo Tribunal) do insucesso da cobrança à parte efectivamente 
 devedora das custas, ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA! »
 
  
 Também alegou o Ministério Público, pronunciando-se igualmente no sentido da 
 inconstitucionalidade, e formulando as seguintes conclusões:
 
  
 
 «1.º - Constitui interpretação normativa desproporcionada – e, consequentemente, 
 violadora do princípio do processo equitativo – dos artigos 31º, 33° e 33°-A do 
 Código das Custas Judiciais a que se traduz em colocar a cargo da parte – que já 
 liquidou inteiramente a taxa de justiça por ela devida — a garantia do pagamento 
 de uma parcela da taxa de justiça que, em termos definitivos, é devida pela 
 parte contrária, com o consequente ónus de reclamar a respectiva restituição a 
 título de custas de parte, suportando o risco da possível insolvabilidade do 
 devedor das custas. 
 
 2.° - Termos em que deverá proceder o presente recurso.» 
 
  
 
 6. Cumpre começar por fixar o objecto do recurso.
 Como se viu, o despacho recorrido indeferiu um pedido de reforma da conta de 
 custas de que o autor tinha sido notificado, com o objectivo de obter o 
 pagamento de metade da taxa de justiça cujo pagamento final caberia ao réu,  
 pagamento esse que se traduziria na entrega de uma quantia que o autor ainda não 
 tinha desembolsado.
 Todavia, o referido despacho negou o pedido invocando que “as taxas de justiça 
 já pagas são reclamadas pela parte que tem direito a receber custas de parte à 
 parte contrária nos termos do artº 33-A/1 do CCJ (artº 31/1 e 33/1/b do CCJ) 
 para que esta proceda ao seu pagamento”, e que o autor “poderia ter acordado 
 numa repartição de custas diferente, de modo a que nada mais tivesse que pagar, 
 para evitar ter que pagar ao Tribunal  e reclamar da parte contrária o que 
 adiantou quando instaurou a acção”.
 Ora, uma vez que nenhum adiantamento a mais tinha sido feito quando o autor 
 
 “instaurou a acção”, o Tribunal Constitucional considera que a única conclusão 
 possível é a de entender que, não obstante o texto poder aparentar outro 
 sentido, o despacho recorrido aplicou as normas impugnadas com a interpretação 
 que o recorrente acusa de ser inconstitucional.
 Constitui assim objecto do presente recurso o conjunto normativo resultante dos 
 artigos 31º, n.º 1, 33º, n.º 1, b) e 33º-A, n.º 1 do Código das Custas 
 Judiciais, com a redacção do Decreto-Lei n.º 324/2003, quando interpretado no 
 sentido de que pode ser exigido da parte que já suportou a totalidade da taxa de 
 justiça pela qual é responsável o adiantamento de parte da taxa de justiça de 
 que é responsável a parte contrária, cabendo-lhe depois exigir a esta a 
 devolução da quantia correspondente, nos termos aplicáveis às custas de parte.
 Sendo certo que estas normas foram efectivamente aplicadas com este sentido, mas 
 num caso em que o processo terminou por transacção, nos termos da qual as custas 
 em dívida seriam suportadas a meias, e que a transacção foi homologada antes de 
 o réu ter procedido ao pagamento da (sua) taxa de justiça inicial, é apenas 
 nesta dimensão que as mesmas serão apreciadas.
 
  
 
 7. O recorrente começa por sustentar a inconstitucionalidade orgânica das normas 
 em apreciação no presente recurso, sustentando que delas resultaria, na 
 interpretação com que foram aplicadas, a criação – por decreto-lei não 
 autorizado parlamentarmente – de um encargo que teria a natureza de um imposto, 
 assim sendo violado o disposto na alínea i) do n.º 1 do artigo 165º da 
 Constituição.
 Ora o Tribunal Constitucional já apreciou, por diversas vezes, normas 
 respeitantes à chamada taxa de justiça. Essa apreciação incidiu, sobretudo, no 
 problema da sua caracterização como imposto ou como taxa e no dos critérios de 
 fixação do seu montante, mas também no modo de repartição do correspondente 
 encargo entre as partes de uma acção.
 Assim, e no que respeita à primeira questão, o Tribunal Constitucional tem 
 concluído uniformemente que se trata efectivamente de uma taxa  (cfr., por 
 exemplo, o acórdão n.º 349/2002, Diário da República, II série, de 15 de 
 Novembro de 2002 e a jurisprudência nele citada), já que “é, em geral, a 
 contrapartida que o Estado autoritariamente cobra pela administração da justiça” 
 
 (acórdão n.º 377/94, Diário da República, II série, de 7 de Setembro de 1994).
 No que toca à segunda, tem também o Tribunal Constitucional considerado que o 
 legislador dispõe de uma larga margem de liberdade de conformação, naturalmente 
 limitada por regras constitucionais como a da proporcionalidade (artigo 2º da 
 Constituição) ou a da tutela do direito de acesso à justiça (artigo 20º da 
 Constituição) – cfr. Acórdãos nºs  352/91 (Diário da República, II Série, de 17 
 de Dezembro de 1991), 1182/96 (Diário da República, II Série, de 11 de Fevereiro 
 de 1997), 521/99 (Diário da República, II Série, de 6 de Março de 2000), ou 
 
 349/2002, Diário da República, II série, de 15 de Novembro de 2002).
 Relativamente ao modo de repartição da taxa de justiça, escreveu-se no acórdão 
 n.º 303/2001 (Diário da República, II série, de 14 de Novembro de 2001): “Por 
 diversas vezes o Tribunal Constitucional afirmou que a taxa de justiça é uma 
 prestação pecuniária que os particulares pagam ao Estado como contrapartida pelo 
 serviço que este lhes presta – o serviço da administração da justiça (…).
 
          Ora, em regra, o pagamento do serviço de administração da justiça, isto 
 
 é, o pagamento da taxa de justiça incumbe àquele cuja conduta “deu causa” à 
 intervenção do tribunal – a parte vencida, no processo civil, o arguido 
 condenado, no processo criminal.
 
          Justifica-se que o legislador tenha optado pelo princípio da 
 correspondência entre a responsabilidade pelo pagamento das custas e o resultado 
 da actividade processual dos sujeitos intervenientes no processo. Na verdade, a 
 responsabilidade pelo pagamento das custas assenta na ideia de que um processo 
 não deve causar prejuízos à parte que tem razão, sendo as custas pagas pela 
 parte vencida, e na medida em que o for, ou, não havendo vencimento, pela parte 
 que tirou proveito da demanda. Em geral, não deve impor-se um sacrifício 
 patrimonial à parte em benefício da qual a intervenção do tribunal se realizou, 
 uma vez que é do interesse do Estado que a utilização do processo não cause 
 prejuízo ao litigante que tem razão. Assim, e como regra, a responsabilidade 
 pelo pagamento das custas assenta no princípio da causalidade e, 
 subsidiariamente, no princípio da vantagem ou proveito processual.”
 
          É esta correspondência que o regime aprovado pelo Código das Custas 
 Judiciais de 2003 não considera essencial, com a justificação de que o vencedor 
 ainda “deu causa (em sentido amplo) à acção” .
 
          Isso não significa, todavia, que se possa concluir que das normas em 
 apreciação resulte a criação de um imposto e não de uma taxa. Na verdade, não se 
 pode afirmar que não tenha sido prestado também ao autor um serviço 
 suficientemente individualizado para afastar a qualificação como taxa da 
 contrapartida a pagar globalmente pelas partes, independentemente do critério de 
 repartição que vier a ser aplicado para determinar quem o suporta 
 definitivamente (cfr. N.º 2 do artigo 4º da Lei geral tributária, aprovada pelo 
 Decreto-Lei n.º 398/98, de17 de Dezembro) 
 
          Improcede, assim, a alegada inconstitucionalidade orgânica. E, pelo 
 mesmo motivo, fica também afastada a acusação de inconstitucionalidade material 
 por violação do princípio da legalidade tributária (artigo 103º da 
 Constituição), nos termos apontados pelo recorrente.
 
  
 
 8. O recorrente acusa ainda as normas em causa de inconstitucionalidade material 
 por violação do princípio da igualdade, “na medida em que dão ao que é igual – a 
 situação das partes no processo judicial – um tratamento desigual (onerando uma 
 das partes com a correspondente desoneração da outra)”.
 Entende-se, todavia, que não é nesse plano que a conformidade constitucional da 
 norma deve ser analisada, já que se poderia, justamente, encontrar na 
 diversidade de posição processual das partes e no momento da homologação da 
 transacção a justificação para a diferença de solução. 
 Quanto à alegação de violação da “garantia do processo equitativo”, a 
 justificação apresentada pelo recorrente não tem autonomia relativamente à que 
 utiliza para sustentar os outros motivos de inconstitucionalidade que aponta.
 E a verdade é que o Tribunal entende que é com o princípio da proporcionalidade 
 que as normas em apreciação devem ser confrontadas.
 
  
 
 9. Como se explica no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 324/2003, uma das inovações 
 trazidas com a aprovação do novo Código das Custas Judiciais consistiu em 
 eliminar “a restituição antecipada (independentemente de o vencido proceder ao 
 pagamento das custas de sua responsabilidade), pelo Cofre Geral dos Tribunais, 
 da taxa de justiça paga pelo vencedor no decurso da acção” (ponto 5.), 
 transferindo para o vencedor o ónus de reaver do vencido o que adiantou através 
 do mecanismo de custas de parte. 
 Este mecanismo, desenhado pelos artigos 31º, n.º 1, 32º, n.ºs 1 e 2, 33º, n.º 1 
 e 33º-A do Código das Custas Judiciais, e que começa por se traduzir numa 
 garantia de que a taxa é efectivamente paga, pode levar a que o vencedor, não 
 obstante ter ganho a lide, suporte o respectivo custo, por não conseguir o 
 respectivo pagamento pelo vencido, nem voluntariamente, nem em via de execução.
 Diz-se no mesmo preâmbulo que com esta inovação no regime da taxa de justiça se 
 pretende, “sem colocar em causa o princípio da tendencial gratuitidade da 
 justiça para o vencedor”, que o “custo efectivo” do processo “não opere à custa 
 da comunidade e do Estado, mas sim de quem deu causa (em sentido amplo) à 
 acção”, bem como “introduzir um factor de racionalização e moralização no 
 recurso aos tribunais, desincentivando-o por parte de quem já saiba de antemão 
 que não irá obter quaisquer benefícios reais com o processo”.
 
  
 
 10. Sucede, todavia, que o regime acabado de referir só vale – só tem sentido, 
 aliás, e com esta afirmação não vai implícito qualquer juízo de conformidade ou 
 desconformidade constitucional das normas que o compõem – quando há reembolsos a 
 fazer, pois que a garantia de pagamento das custas em dívida consegue-se, nesta 
 lógica, retendo o que foi pago a mais pela parte vencedora e impondo-lhe o ónus 
 de, pelo mecanismo das custas de parte, o reaver da parte contrária.
 De nenhum preceito do Código das Custas Judiciais resulta que, tendo uma das 
 partes pago a totalidade da quantia que, a título definitivo, lhe incumbiria 
 pagar, e não tendo a parte contrária pago ainda nada, se deva cobrar a quantia 
 que a esta última cabe determinando o pagamento de metade por cada uma. 
 Tal solução seria, aliás, desde logo, contraditória com as razões que levaram à 
 definição do novo regime. 
 Em primeiro lugar, porque, não havendo qualquer quantia paga a mais e, portanto, 
 a reter, não alcançaria o objectivo da garantia. 
 Em segundo lugar, porque, contrariando a simplificação proclamada igualmente no 
 preâmbulo do Decreto-Lei n.º 324/2003, conduziria a uma maior complexidade de 
 regime: em vez de notificar uma parte para pagar a taxa que (exclusivamente) lhe 
 competia, notificavam-se as duas, cada uma para pagar metade; se a que já pagou 
 viesse efectivamente adiantar a parte que cabia à outra, haveria depois que 
 desencadear o mecanismo conducente ao reembolso das custas de parte; se não 
 viesse, e para além de se tornar necessário julgar uma eventual reclamação da 
 parte – como sucedeu no caso presente –, ainda se abriria a eventualidade de uma 
 execução por falta de pagamento… para depois o executado ir reaver da outra 
 parte o que foi obrigado a desembolsar.
 Basta ver, por exemplo, o regime definido pelo n.º 2 do artigo 25º do mesmo 
 Código para verificar que o legislador quer evitar pagamentos de taxa de justiça 
 que previsivelmente depois tenham de ser reembolsados. Com efeito, o referido 
 n.º 2 do artigo 25º do Código prevê que, em caso de pluralidade activa ou 
 passiva, se o montante pago pela “parte” se revelar suficiente para cobrir o 
 valor correspondente à taxa de justiça subsequente, é dispensado o pagamento 
 deste última. 
 
  
 
 11. Está portanto em causa no presente recurso, como se viu e pelas razões já 
 apontadas,  o conjunto normativo resultante dos artigos 31º, n.º 1, 33º, n.º 1, 
 b) e 33º-A, n.º 1 do Código das Custas Judiciais, quando interpretado no sentido 
 de que pode ser exigida da parte que já suportou a totalidade da taxa de justiça 
 pela qual é responsável o adiantamento de parte da taxa de justiça pela qual é 
 responsável a parte contrária, cabendo-lhe depois exigir a esta a devolução da 
 quantia correspondente nos termos aplicáveis às custas de parte, quando o 
 processo terminou por transacção, nos termos da qual as custas em dívida seriam 
 suportadas a meias, homologada antes de o réu ter procedido ao pagamento da 
 
 (sua) taxa de justiça inicial.
 Ora, das considerações constantes dos pontos anteriores resulta que, se tal 
 regime decorre do conjunto das normas que integram o objecto do presente 
 recurso, quando interpretadas no sentido em apreciação, o Tribunal 
 Constitucional não pode deixar de as julgar inconstitucionais, por violação do 
 princípio da proporcionalidade.
 Como se sabe, o significado e as exigências decorrentes do princípio da 
 proporcionalidade, enquanto princípio decorrente do Estado de Direito (artigo 2º 
 da Constituição) e, assim, imposto, em geral, como limite à liberdade de 
 conformação do legislador ordinário (e é nesta dimensão que este princípio está 
 agora em causa, naturalmente), foi já objecto de inúmeras considerações pelo 
 Tribunal Constitucional. 
 Recorrendo, a título de exemplo, ao acórdão n.º 187/2001 (Diário da República, 
 II série, de 26 de Junho de 2001), cabe recordar que
 
  «o princípio da proporcionalidade, em sentido lato, pode (…) desdobrar-se 
 analiticamente em três exigências da relação entre as medidas e os fins 
 prosseguidos: a adequação das medidas aos fins; a necessidade ou exigibilidade 
 das medidas e a proporcionalidade em sentido estrito, ou “justa medida”. Como se 
 escreveu no (…) Acórdão n.º 634/93, invocando a doutrina:
 
 “o princípio da proporcionalidade desdobra-se em três subprincípios: princípio 
 da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem 
 revelar-se como um meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de 
 outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); princípio da 
 exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os 
 fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos 
 para alcançar o mesmo desiderato); princípio da justa medida, ou 
 proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adoptar-se medidas excessivas, 
 desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos).”»
 
  
 A interpretação normativa de que nos ocupamos não é compatível com nenhuma 
 destas exigências, como resulta do que se disse atrás: não é adequada a alcançar 
 os objectivos de garantia e de celeridade do novo regime, não é necessária para 
 o mesmo efeito e traduz-se na imposição ao autor que já pagou a totalidade da 
 taxa de justiça que, definitivamente, lhe competia, de um ónus de desembolsar 
 parte do que cabe ao réu e de, posteriormente, ter de lançar mão das vias 
 previstas para obter o reembolso.
 
 É, portanto, inconstitucional, por infracção do princípio da proporcionalidade.
 
  
 
 12. Aqui chegados, e porque a interpretação analisada, bem vistas as coisas, não 
 decorre dos preceitos de onde foi extraída, os artigos 31º, n.º 1, 33º, n.º1, b) 
 e 33º-A, n.º 1, do Código das Custas Judiciais, entende o Tribunal  recorrer ao 
 mecanismo previsto no n.º 3 do artigo 80º da Lei nº 28/82.
 
  
 Com efeito, é o seguinte o texto estes preceitos:
 
  
 Artigo 31º
 
 (Reembolso e devolução da taxa de justiça)
 Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as taxas de justiça pagas por 
 cada parte integram as custas de parte, nos termos do artigo 33º.
 
 (…)
 
  
 Artigo 33º
 
 (Custas de parte)
 
 1. As custas de parte compreendem o que a parte haja dispendido com o processo a 
 que se refere a condenação e de que tenha direito a ser compensada em virtude da 
 mesma, designadamente:
 
 (…)
 b) As taxas de justiça pagas;
 
 (…)
 
  
 Artigo 33º-A
 
 (Pagamento das custas de parte) 
 Sem prejuízo da sua cobrança em execução de sentença, no prazo de 60 dias a 
 contar do trânsito em julgado da mesma, a parte que tenha direito a ser 
 compensada das custas de parte remete à parte responsável a respectiva nota 
 discriminativa e justificativa, para que esta proceda ao seu pagamento.
 
 (…)
 
  
 Não decorre manifestamente destes preceitos, interpretados isoladamente ou em 
 conjunto, e conjugados com os demais preceitos do Código das Custas Judiciais 
 que, quando aplicados a uma acção que termine por transacção, homologada antes 
 de o réu ter procedido ao pagamento da taxa de justiça inicial, nos termos do 
 disposto nos artigos 22º, 23º e 24º, n.º 1, b) do Código, ambas as partes devam 
 ser notificadas, cada uma, para pagar metade da taxa de justiça devida pelo réu.
 Segundo o disposto no n.º 2 do artigo 13º do Código das Custas Judiciais, “a 
 taxa de justiça do processo corresponde ao somatório das taxas de justiça 
 inicial e subsequente de cada parte”, sendo o respectivo cálculo efectuado de 
 acordo com o n.º 1 do mesmo preceito.
 Resulta ainda do no n.º 1 do artigo 25º que são iguais os valores das taxas de 
 justiça inicial e subsequente; e da alínea b) do n.º 1 do artigo 14º que, caso a 
 acção termine”antes de oferecida a oposição”, a taxa (do processo) será reduzida 
 a metade, razão pela qual não é devida a taxa de justiça subsequente. 
 Assim sendo, em caso de transacção homologada antes de ser oferecida a 
 contestação e paga a taxa de justiça inicial do réu, mas, naturalmente, depois 
 de ter sido paga a taxa de justiça inicial do autor, falta para completar a taxa 
 de justiça do processo um valor igual ao que o autor já pagou; e, tendo sido 
 convencionado que as custas são suportadas em partes iguais, esse valor em falta 
 
 é da total e definitiva responsabilidade do réu, porque é a taxa de justiça (de 
 parte) que lhe incumbe suportar.
 Nestes termos, fixa-se para o conjunto normativo resultante da interpretação 
 conjugada das normas dos artigos 31º, n.º 1,  33º, n.º 1, b) e 33º-A, n.º 1, do 
 Código das Custas Judiciais, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 
 
 324/2003, quando aplicadas em caso de transacção homologada antes de o réu ter 
 procedido ao pagamento da taxa de justiça inicial, a seguinte interpretação: 
 
  
 Em caso de transacção homologada judicialmente antes de o réu ter pago a sua 
 taxa de justiça inicial, segundo a qual as custas em dívida são suportadas em 
 partes iguais, tendo o autor suportado integralmente a taxa de justiça que lhe 
 compete, por ter pago a sua taxa de justiça inicial, deverá o réu ser notificado 
 para pagar o remanescente da taxa de justiça do processo. 
 
  
 
 13. Nestes termos, concede-se provimento ao recurso, devendo o despacho 
 recorrido ser reformulado de acordo com a interpretação fixada.
 
  
 Lisboa, 28 de Novembro de 2006
 
  
 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
 Vítor Gomes
 
                                                           Bravo Serra (vencido, 
 pois que entendo que o juízo, efectuado no presente aresto, de desconformidade 
 constitucional dos normativos em causa e que conduziram ao juízo de 
 interpretação conforme, não tem a minha anuência; efectivamente, embora entenda 
 que as normas, da forma que foram interpretadas no despacho recorrido, não 
 constituam “bom direito”, perfilho a óptica que essa “deficiência” não atinge 
 proporção que conduza a se ter por violado o artigo 18.º da Lei Fundamental)
 
  
 
                                                         Gil Galvão (vencido 
 pelas razões constantes da declaração supra do Ex.mo Conselheiro Bravo Serra, 
 para a qual, com vénia, remeto).
 
  
 Artur Maurício