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Processo nº 840/05
 
 1ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria João Antunes
 
  
 
  
 
  
 Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
  
 I. Relatório
 
 1. Nos presentes autos de recurso, vindos do Tribunal Cível de Lisboa, em que é 
 recorrente o Ministério Público, foi interposto recurso para o Tribunal 
 Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1, alínea a), da Lei da 
 Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), da 
 decisão daquele Tribunal, de 16 de Setembro de 2005, que recusou a aplicação do 
 Anexo à Lei nº 34/04, de 29 de Julho, conjugado com os artigos 6º a 10º da 
 Portaria nº 1085-A/04, de 31 de Agosto, na parte em que impõe que seja 
 considerado para efeitos do cálculo do rendimento relevante do requerente de 
 benefício do apoio judiciário, maior, estudante, a quem são prestados alimentos 
 pela avó, o rendimento desta, por violação do direito de acesso ao direito e aos 
 tribunais, consagrado no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa. 
 
 2. A. impugnou judicialmente decisão do Centro Distrital de Segurança Social de 
 Lisboa que indeferiu o pedido por si formulado de apoio judiciário na modalidade 
 de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e 
 pagamento de honorários de patrono.
 Pela sentença agora recorrida, foi concedido provimento à impugnação, nos 
 seguintes termos:
 
 «A., residente na Rua …, …, em Lisboa requereu benefício do apoio judiciário nas 
 modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos do processo, 
 nomeação e pagamento de honorários de patrono, pagamento faseado de taxa de 
 justiça e demais encargos com o processo, de honorários de patrono e de 
 remuneração de solicitador de execução, para a acção declarativa de que os 
 presentes são apenso.
 
 *
 O Instituto de Segurança Social, I P informou o requerente da intenção de 
 indeferir o pedido de apoio judiciário, porquanto “pela aplicação da fórmula 
 constante da Portaria 1085-A/2004, ao que foi documentado pelo requerente, este 
 não comprova uma situação de insuficiência económica de forma a beneficiar de 
 apoio judiciário, na modalidade requerida (dispensa de pagamento de taxa de 
 justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento de honorários de 
 patrono).”
 E informou o requerente que “segundo o documentado por este, apenas terá direito 
 a apoio judiciário, na modalidade “de pagamento faseado” em conformidade com o 
 Anexo II da Lei n.º 34/04, de 29 de Julho, tendo em conta que: o rendimento 
 liquido anula é de € 10 048,00, o rendimento mensal para efeitos de protecção 
 jurídica é de € 398,74, a periodicidade da liquidação será mensal, o valor a 
 liquidar será de €60,00.”
 Consignou ainda que “caso queira beneficiar desta modalidade, deverá enviar uma 
 carta com essa intenção”.
 
 *
 O requerente pronunciou-se dizendo que não auferia os rendimentos referidos, é 
 estudante, não trabalha e sobrevive apenas com o apoio de uma pensão de 
 sobrevivência de € 100,00, não dispondo de meios para suportar o pagamento de 
 taxas de justiça e honorários com patrono, incluindo o pagamento faseado 
 proposto, requerendo a alteração da decisão.
 
 *
 O Instituto de Segurança Social, I P indeferiu o pedido de apoio judiciário na 
 modalidade requerida, considerando que o requerente não aceitou a concessão do 
 benefício do apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado.
 
 *
 Deduziu o requerente impugnação judicial da referida decisão dizendo, em 
 síntese, que não dispõe de rendimentos que lhe permitam suportar a prestação 
 mensal de € 60,00, pois é estudante, não exerce qualquer actividade remunerada, 
 apenas recebendo € 100,00 de pensão de sobrevivência, não correspondendo á 
 verdade que aufira o rendimento liquido anual de € 10 048,00, sobrevive com o 
 apoio da avó, a sua mãe não lhe deixou qualquer património.
 Termina requerendo a alteração da decisão do ISS concedendo-se ao requerente o 
 benefício do apoio judiciário, nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e 
 demais encargos do processo, nomeação e pagamento de honorários de patrono.
 
 *
 O ISS pronuncia-se dizendo que decidiu em conformidade com o que consta da lei, 
 pelo que a decisão deve ser mantida.
 
 *
 
 2. Dos factos relevantes
 
 1. O requerente é estudante.
 
 2. Aufere uma pensão de sobrevivência de € 100,00.
 
 3. O requerente vive com a avó, B., que é quem provê ao seu sustento.
 
 4. A referida B. aufere uma pensão de sobrevivência liquida mensal de € 776,59.
 
 *
 
 3. Direito
 A compreensão da impugnação do requerente passa pela convocação das normas 
 legais aplicáveis ao caso.
 Nos termos do art.º 20° n.º 1 da Constituição da República Portuguesa – e que 
 está integrado na parte relativa aos princípios gerais dos direitos e deveres 
 fundamentais – a todos é assegurado o acesso ao Direito e aos tribunais para 
 defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a 
 justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.
 Em termos de lei ordinária, o apoio judiciário é regulado pela Lei n.º 34/2004, 
 de 29 de Julho, em cujo art.º 1 o se dispõe que o sistema de acesso ao direito e 
 aos tribunais destina-se a assegurar que a ninguém seja dificultado ou impedido, 
 em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios 
 económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus direitos.
 E nos termos do art.º 7° n.º 1 da mesma Lei têm direito a protecção jurídica, 
 nos termos da presente lei, os cidadãos nacionais e da União Europeia, bem como 
 os estrangeiros e os apátridas com título de residência válido num Estado membro 
 da União europeia, que demonstrem estar em situação de insuficiência económica.
 Até aqui não há qualquer inovação relativamente ao Direito anterior.
 No entanto a Lei n.º 34/04 implementou uma profunda remodelação no que respeita 
 
 à delimitação/concretização da insuficiência económica como pressuposto da 
 concessão do benefício do apoio judiciário, remodelação que começa com o n.º 1 
 do art.º 8° o qual dispõe que encontra-se em situação de insuficiência económica 
 aquele que, tendo em conta factores de natureza económica e a respectiva 
 capacidade contributiva, não tem condições objectivas para suportar pontualmente 
 os custos de um processo.
 E nos termos do n.º 5 do mesmo preceito, a prova e a apreciação da insuficiência 
 económica devem, ser feitas de acordo com os critérios estabelecidos e 
 publicados em anexo á presente lei.
 O Conselheiro Salvador da Costa, in Apoio Judiciário, pág. 64 entende que a 
 referida regulamentação em anexo não se consubstancia em delimitação do direito 
 fundamental consagrado no art.º 20° n.º1 da CRP (....)
 Salvo melhor opinião, mas como resulta claro do citado n.º 5 do art.º 8° e como 
 resultará claro da simples leitura dos preceitos que a seguir serão citados, 
 outra coisa não se faz que não seja delimitar o direito de acesso ao Direito e 
 aos tribunais, pois tal acesso depende de uma situação de insuficiência 
 económica, cujos critérios de apreciação são fixados/tabelados, inclusive por 
 recurso a uma fórmula matemática.
 Mas continuando a analisar os preceitos relevantes há que considerar o que 
 consta do Anexo e que tem o seguinte teor:
 
 (…)
 Ou seja, a norma que constituía o art.º 7° n.º 1 da Lei n.º 30-E/20 de Dezembro 
 e que era preenchida em face do caso concreto, passou a ser uma norma preenchida 
 legislativamente.
 O que era antes uma norma aberta à ponderação do caso concreto passou a ser uma 
 norma fechada, ponderando estritos aspectos económicos-financeiros, como resulta 
 claro da adopção de uma fórmula matemática.
 Sendo pressuposto da concessão do beneficio do apoio judiciário uma situação de 
 insuficiência económica, ao tabelarem-se os critérios de apreciação dessa 
 situação, inclusive com recurso a uma fórmula matemática como resulta dos 
 artigos 6° a 10° da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto, é manifesto que 
 se procedeu a uma delimitação do direito de acesso ao Direito e aos tribunais.
 Tal delimitação não foi feita na norma que consagra o direito; foi feita ao 
 nível da sua concretização.
 
 *
 O ISS indeferiu o pedido de apoio judiciário ao requerente, considerando para 
 tanto que o seu agregado familiar tinha um rendimento relevante que lhe dava 
 direito ao benefício do apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado e 
 porque o requerente recusou tal modalidade de apoio judiciário.
 O conceito de “economia comum” pressupõe uma comunhão de vida, com base num lar 
 em sentido familiar, moral, e social, uma convivência conjunta com especial 
 
 “affectio” ou ligação entre as pessoas coenvolvidas, com sujeição a uma economia 
 doméstica comum, contribuindo todos ou só alguns para os gastos comuns.
 Neste conspecto não é possível deixar de considerar que o requerente vive em 
 economia comum com a avó, integrando o seu agregado familiar.
 A questão é que a aplicação do Anexo à Lei n.º 34/2004 que remete a apreciação 
 da insuficiência económica para o rendimento relevante do agregado familiar e da 
 fórmula matemática previstas nos artigos 6° a 10° da Portaria n.º 1085-A/04, 
 conduzem, no caso concreto, a um resultado que não se mostra conforme o direito 
 fundamental de acesso ao Direito e aos tribunais, quer por que implica uma 
 restrição intolerável de tal direito – violação do princípio da 
 proporcionalidade em sentido restrito, que significa que os meios legais 
 restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa “justa medida”, impedindo-se 
 a adopção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas, em 
 relação aos fins tidos em vista – quer por que se traduz numa violação do 
 principio da igualdade – que obriga à diferenciação, como forma de compensar a 
 desigualdade de oportunidades, o que pressupõe a eliminação, pelos poderes 
 públicos, de desigualdades fácticas de natureza social, económica ou cultural 
 
 (Gomes Canotilho e Vital Moreira, in CRP Anotada, 3ª edição, pág. 127).
 Na verdade, o rendimento relevante assenta todo ele na pensão de reforma 
 auferida pela avó do requerente, maior, estudante, que, para além de uma pensão 
 de sobrevivência, não tem quaisquer rendimentos.
 Refira-se que os alimentos a que a avó do requerente está obrigada são os 
 necessários á alimentação, saúde, habitação e vestuário.
 Não se incluem nos alimentos, “despesas de demanda” – Moitinho de Almeida, in Os 
 alimentos no Código Civil de 1966, ROA, 1968, pág. 94.
 Ou seja, recusou-se o benefício do apoio judiciário ao requerente não com base 
 na sua insuficiência económica, mas na suficiência económica de um terceiro 
 obrigado a alimentos, alimentos que não incluem despesas de demanda, o que 
 constitui uma clara distorção ao art.º 20° n.º 1 da CRP nas vertentes já 
 referidas: violação dos princípios da proporcionalidade e da igualdade.
 O único rendimento relevante que deve ser considerado é o de € 100,00 que o 
 requerente obtêm de uma pensão de sobrevivência.
 Considerando a alínea a) do Anexo que dispõe que o requerente cujo rendimento 
 relevante para efeitos de protecção jurídica seja igual ou menor do que um 
 quinto do salário mínimo nacional, não tem condições objectivas para suporta 
 qualquer quantia relacionada com os custos de um processo e considerando que 
 
 único rendimento que deve ser considerado relevante é o da pensão de 
 sobrevivência auferida pelo requerente, considerando que essa pensão é de € 
 
 100,00 mensais, impõe-se conceder provimento ao recurso e em consequência 
 conceder ao requerente o benefício do apoio judiciário nas modalidades 
 peticionadas: dispensa total de taxa de justiça e demais encargos com processo, 
 nomeação e pagamento de honorários de patrono.
 
  *
 
 4. Decisão
 Termos em que se decide:
 
 - não aplicar o Anexo à Lei n.º 34/04, de 29 de Julho, conjugado com os artigos 
 
 6° a 10° da Portaria n.º 1085-A/04, de 31 de Agosto, na parte em que impõem seja 
 considerado para efeitos do cálculo do rendimento relevante do requerente do 
 benefício do apoio judiciário, maior, estudante, a quem são prestados alimentos 
 pela avó, o rendimento daquela, por violação do direito de acesso ao Direito e 
 aos tribunais consagrado no art.º 20° da CRP;
 
 - conceder provimento ao recurso e em consequência e pelos fundamentos expostos, 
 conceder ao requerente o benefício do apoio judiciário nas modalidades 
 peticionadas: dispensa total de taxa de justiça e demais encargos com o 
 processo, nomeação e pagamento de honorários de patrono».
 
  
 
  
 
 3. Recebidos os autos neste Tribunal, alegou o recorrente, sustentando que deve 
 confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade constante da decisão recorrida. 
 Formulou as seguintes conclusões:
 
 «1 - O acesso ao direito e aos tribunais não se configura, no nosso ordenamento 
 jurídico-constitucional, como mero direito a uma prestação social, traduzindo 
 antes um direito fundamental, ligado à efectividade da protecção jurídica e 
 dependente, em termos essenciais, dos critérios que delimitam e condicionam a 
 apreciação da insuficiência económica invocada pelo requerente.
 
 2 - Constitui restrição excessiva e desproporcionada a tal direito fundamental a 
 obrigatória e tabelar ponderação do rendimento global, auferido por todas as 
 pessoas que vivam em economia comum com o interessado, integrando o seu agregado 
 familiar, independentemente da natureza da acção e da sua exclusiva conexão com 
 interesses pessoais do próprio requerente.
 
 3 - As normas constantes dos artigos 6° a 10° da Portaria n° 1085-A/04, de 31 de 
 Agosto, enquanto – em conexão com o Anexo à Lei n° 34/04, de 29 de Julho – 
 estabelecem que o rendimento relevante do requerente do benefício de apoio 
 judiciário é sempre tabelar e rigidamente calculado em função do rendimento 
 líquido completo do respectivo agregado familiar, constitui restrição excessiva 
 e desproporcionada àquele direito fundamental, proclamado pelo artigo 20° da 
 Constituição da República Portuguesa, sendo materialmente inconstitucionais, por 
 violação do disposto no artigo 18° da Constituição».
 
  
 II. Fundamentação
 
 1. A decisão recorrida desaplicou o Anexo à Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, 
 conjugado com os artigos 6º a 10º da Portaria nº 1085-A/04, de 31 de Agosto, na 
 parte em que impõe que seja considerado para efeitos do cálculo do rendimento 
 relevante do requerente de benefício do apoio judiciário, maior, estudante, a 
 quem são prestados alimentos pela avó, o rendimento desta. Segundo esta decisão, 
 a aplicação do Anexo à Lei nº 34/2004, que remete a apreciação da insuficiência 
 económica para o rendimento relevante do agregado familiar, e das fórmulas 
 matemáticas previstas nos artigos 6º a 10º da Portaria nº 1085-A/04 conduzem, no 
 caso concreto, a um resultado que não se mostra conforme o direito fundamental 
 de acesso ao Direito e aos tribunais. 
 Por força do disposto no nº 5 do artigo 8º e no nº 1 do artigo 20º da Lei nº 
 
 34/2004, de 29 de Julho (Altera o regime de acesso ao direito e aos tribunais e 
 transpõe para a ordem jurídica nacional a Directiva nº 2003/8/CE, do Conselho, 
 de 27 de Janeiro, relativa à melhoria do acesso à justiça nos litígios 
 transfonteiriços através do estabelecimento de regras mínimas comuns relativas 
 ao apoio judiciário no âmbito desses litígios), a prova e a apreciação da 
 insuficiência económica do requerente de protecção jurídica deve ser feita de 
 acordo com os critérios estabelecidos e publicados em anexo àquela lei. 
 Compõem o Anexo, para o que agora releva, as seguintes normas:
 
  
 
 «I – Apreciação da insuficiência económica
 
 1 – A insuficiência económica é apreciada da seguinte forma:
 a) O requerente cujo agregado familiar tem um rendimento relevante para efeitos 
 de protecção jurídica igual ou menor do que um quinto do salário mínimo nacional 
 não tem condições objectivas para suportar qualquer quantia relacionada com os 
 custos de um processo;
 b) O requerente cujo agregado familiar tem um rendimento relevante para efeitos 
 de protecção jurídica superior a um quinto e igual ou menor do que metade do 
 valor do salário mínimo nacional considera-se que tem condições objectivas para 
 suportar os custos da consulta jurídica e por conseguinte não deve beneficiar de 
 consulta jurídica gratuita, devendo, todavia, usufruir do benefício de apoio 
 judiciário;
 c) O requerente cujo agregado familiar tem um rendimento relevante para efeitos 
 de protecção jurídica superior a metade e igual ou menor do que duas vezes o 
 valor do salário mínimo nacional tem condições objectivas para suportar os 
 custos da consulta jurídica, mas não tem condições objectivas para suportar 
 pontualmente os custos de um processo e, por esse motivo, deve beneficiar do 
 apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado, previsto na alínea d) do nº 
 
 1 do artigo 16º da presente lei;
 
 2 – (…)
 
 3 – Para os efeitos desta lei, considera-se que pertencem ao mesmo agregado 
 familiar as pessoas que vivam em economia comum com o requerente de protecção 
 jurídica» (itálico aditado).
 
  
 Por seu turno, os artigos 6º a 10º da Portaria nº 1085-A/2004, que procede à 
 concretização dos critérios de prova e de apreciação da insuficiência económica, 
 têm o seguinte conteúdo:
 
  
 
 «SECÇÃO II
 Apreciação do requerimento
 Artigo 6.º
 Rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica
 
 1 — Para efeitos do disposto no anexo da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, o 
 rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica (YAP) é o montante que 
 resulta da diferença entre o valor do rendimento líquido completo do agregado 
 familiar (YC) e o valor da dedução relevante para efeitos de protecção jurídica 
 
 (A), ou seja, YAP = YC–A.
 
 2 — O rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica (YAP) é expresso 
 em múltiplos do salário mínimo nacional.
 Artigo 7.º
 Rendimento líquido completo do agregado familiar
 
 1 — O valor do rendimento líquido completo do agregado familiar (YC) resulta da 
 soma do valor da receita líquida do agregado familiar (Y) com o montante da 
 renda financeira implícita calculada com base nos activos patrimoniais do 
 agregado familiar (YR), ou seja, YC= Y+ YR.
 
 2 — Por receita líquida do agregado familiar (Y) entende-se o rendimento depois 
 da dedução do imposto sobre o rendimento, das contribuições obrigatórias dos 
 empregados para regimes de segurança social e das contribuições dos empregadores 
 para a segurança social.
 
 3 — O cálculo da renda financeira implícita é efectuado nos termos previstos no 
 artigo 10.º da presente portaria.
 Artigo 8.º
 Dedução relevante para efeitos de protecção jurídica
 
 1 — O valor da dedução relevante para efeitos de protecção jurídica (A) resulta 
 da soma do valor da dedução de encargos com necessidades básicas do agregado 
 familiar (D) com o montante da dedução de encargos com a habitação do agregado 
 familiar (H), ou seja, A = D + H.
 
 2 — O valor da dedução de encargos com necessidades básicas do agregado familiar 
 
 (D) resulta da aplicação da seguinte fórmula:
 em que n é o número de elementos do agregado familiar e d é o coeficiente de 
 dedução de despesas com necessidades básicas do agregado familiar, determinado 
 em função dos diversos escalões de rendimento, de acordo com o previsto no anexo 
 I.
 
 3 — O montante da dedução de encargos com a habitação do agregado familiar (H) 
 resulta da aplicação do coeficiente h ao valor do rendimento líquido completo do 
 agregado familiar (YC), ou seja, H = h×YC, em que h é determinado em função dos 
 diversos escalões de rendimento, de acordo com o previsto no anexo II.
 
 4 — O cálculo do montante da dedução de encargos com a habitação do agregado 
 familiar (H) apenas tem lugar se o seu valor for superior ao montante da despesa 
 efectivamente suportada pelo agregado familiar com o pagamento de renda da casa 
 de morada de família ou de prestações para a sua aquisição ou no caso de não ter 
 sido declarada qualquer despesa com a habitação do agregado familiar; caso o 
 valor realmente despendido (B) seja inferior, é este o valor considerado.
 Artigo 9.º
 Fórmula de cálculo do valor do rendimento relevante
 para efeitos de protecção jurídica
 
 1 — Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a fórmula de cálculo do valor 
 do rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica, especificada nos 
 artigos anteriores e no anexo III, é a seguinte:
 
 2 — Se, porém, o montante da despesa efectivamente suportada pelo agregado 
 familiar com o pagamento de renda da casa de morada de família ou de prestações 
 para a sua aquisição (B) for inferior ao montante que resulte da aplicação do 
 coeficiente de dedução de encargos com a habitação do agregado familiar previsto 
 no artigo anterior, a fórmula de cálculo do valor do rendimento relevante para 
 efeitos de protecção jurídica é a seguinte:
 Artigo 10.º
 Cálculo da renda financeira implícita
 
 1 — O montante da renda financeira implícita a que se refere o n.º 1 do artigo 
 
 7.º é calculado mediante a aplicação de uma taxa de juro de referência ao valor 
 dos activos patrimoniais do agregado familiar.
 
 2 — A taxa de juro de referência é a taxa EURIBOR a seis meses correspondente ao 
 valor médio verificado nos meses de Dezembro ou de Junho últimos, consoante o 
 requerimento de protecção jurídica seja apresentado, respectivamente, no 1.º ou 
 no 2.º semestre do ano civil em curso.
 
 3 — Entende-se por valor dos bens imóveis aquele que for mais elevado entre o 
 declarado pelo requerente no pedido de protecção jurídica, o inscrito na matriz 
 predial e o constante do documento que haja titulado a respectiva aquisição.
 
 4 — Quando se trate da casa de morada de família, no cálculo referido no n.º 1 
 apenas se contabiliza o valor daquela se for superior a € 100 000 e na estrita 
 medida desse excesso.
 
 5 — O valor das participações sociais e dos valores mobiliários é aquele que 
 resultar da cotação observada em bolsa no dia anterior ao da apresentação do 
 requerimento de protecção jurídica ou, na falta deste, o seu valor nominal.
 
 6 — Entende-se por valor dos veículos automóveis o respectivo valor de mercado».
 
  
 A norma que integra o objecto do presente recurso foi desaplicada pelo Tribunal 
 Cível de Lisboa, por violação do artigo 20º, nº 1, da Constituição da República 
 Portuguesa, que dispõe o seguinte:
 
  
 
 “A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus 
 direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada 
 por insuficiência de meios económicos” (itálico aditado).
 
  
 
 2. Sobre a modalidade de protecção jurídica que está em causa nos presentes 
 autos, pode ler-se no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 98/2004 (Diário da 
 República, II Série, de 1 de Abril de 2004) o seguinte: 
 
  
 
 «O instituto do apoio judiciário visa obstar a que, por insuficiência económica, 
 seja denegada justiça aos cidadãos que pretendam fazer valer os seus direitos 
 nos tribunais, decorrendo, assim, a sua criação do imperativo plasmado no artigo 
 
 20º nº 1, da Constituição.
 Não basta, obviamente, para cumprir tal imperativo, a mera existência do 
 referido instituto no nosso ordenamento; impõe-se que a sua modelação seja 
 adequada à defesa dos direitos, ao acesso à Justiça, por parte daqueles que 
 carecem dos meios económicos suficientes para suportar os encargos que são 
 inerentes à instauração e desenvolvimento de um processo judicial, 
 designadamente custas e honorários forenses». 
 
  
 O que cumpre decidir nos presentes autos é, precisamente, se a modelação do 
 instituto do apoio judiciário dada pela norma desaplicada, extraída do Anexo que 
 integra a Lei nº 34/2004, em conjugação com aos artigos 6º a 10º da Portaria nº 
 
 1085-A/2004, garante o acesso ao direito e aos tribunais por parte daquele que 
 carece de meios económicos suficientes para suportar os encargos que são 
 inerentes ao desenvolvimento de um processo judicial, designadamente custas e 
 honorários forenses. Por outras palavras, decidir se tal norma dá cumprimento à 
 dimensão “prestacional” da garantia fundamental do acesso ao direito e aos 
 tribunais, que se concretiza no “dever de o Estado assegurar meios (como o apoio 
 judiciário) tendentes a evitar a denegação da justiça por insuficiência de meios 
 económicos” (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 467/91, Diário da República, 
 II Série, de 2 de Abril de 1992. Assim também, Gomes Canotilho, Direito 
 Constitucional e Teoria da Constituição7, Almedina, p. 501, e Jorge Miranda/Rui 
 Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, Coimbra Editora, anotação ao 
 artigo 20º, ponto VI).
 
  
 
 3. Tendo como referência a Constituição da República Portuguesa vigente, o 
 Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro, editado ao abrigo da Lei nº 41/87, 
 de 23 de Dezembro, que autorizou o Governo a legislar sobre o estabelecimento do 
 regime do acesso ao direito e aos tribunais judiciais, foi o primeiro diploma 
 regulador do sistema de acesso ao direito e aos tribunais, configurando-o a 
 partir de acções e mecanismos sistematizados de informação jurídica e de 
 protecção jurídica, revestindo esta última as modalidades de consulta jurídica e 
 de apoio judiciário (artigos 1º, nºs 1 e 2, e 6º).
 Muito embora esta configuração se tenha mantido até ao presente (cf. artigos 1º, 
 nºs 1 e 2, e 6º da Lei nº 30-E/2000, de 20 de Dezembro, e 1º, nºs 1 e 2, e 6º da 
 Lei nº 34/2004, de 29 de Julho), foram introduzidas alterações significativas 
 através da Lei nº 30-E/2000, que atribuiu aos serviços de segurança social, 
 retirando tal competência aos tribunais, a apreciação dos pedidos de concessão 
 de apoio judiciário (artigo 21º), e da Lei nº 34/2004, que inovou em matéria de 
 determinação da insuficiência económica do requerente de protecção jurídica.
 Na sequência deste diploma, a concessão de protecção jurídica a quem, tendo em 
 conta factores de natureza económica e a respectiva capacidade contributiva, não 
 tem condições objectivas para suportar pontualmente os custos de um processo 
 
 (cf. artigo 8º, nº 1, da Lei nº 34/2004) passou a depender do valor do 
 rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica (artigos 8º, nº 5, e 
 
 20º, nº 1, e ponto 1. do Anexo da Lei nº 34/2004), determinado a partir do 
 rendimento do agregado familiar – ou seja, também a partir do rendimento das 
 pessoas que vivam em economia comum com o requerente de protecção jurídica (nºs 
 
 1 e 3 do ponto 1. deste Anexo) – e das fórmulas previstas nos artigos 6º a 10º 
 da Portaria nº 1085-A/2004, de 31 de Agosto. 
 A apreciação em concreto da situação de insuficiência económica do requerente de 
 protecção jurídica passou a ter lugar a título excepcional (cf. artigos 20º, nº 
 
 2, da Lei de 2004 e 2º da referida Portaria), diferentemente do que sucedia no 
 direito anterior (cf. artigos 7º, nº 1, 20º, nºs 1 e 2, e 23º, nº 2, do 
 Decreto-Lei nº 387-B/87, artigos 7º, nº 1, e 20º, nºs 1 e 2, da Lei nº 30-E/2000 
 e modelo de requerimento de apoio judiciário para pessoas singulares aprovado 
 pela Portaria nº 1223-A/2000, de 29 de Dezembro), relativamente ao qual é de 
 salientar, a título exemplificativo, que o afastamento da presunção de 
 insuficiência económica, legalmente estabelecida, dependia da circunstância de o 
 requerente fruir outros rendimentos, próprios ou de terceiros.
 Face a esta alteração, a sentença recorrida conclui que «a norma que constituía 
 o art.º 7º n.º 1 da Lei n.º 30-E/20 de Dezembro e que era preenchida em face do 
 caso concreto, passou a ser uma norma preenchida legislativamente. O que era 
 antes uma norma aberta à ponderação do caso concreto passou a ser uma norma 
 fechada, ponderando estritos aspectos económicos-financeiros, como resulta claro 
 da adopção de uma fórmula matemática»; assinalando o Ministério Público junto 
 deste Tribunal que aquela decisão recusa a aplicação das «normas delimitadoras e 
 reguladoras do âmbito do apoio judiciário, na versão actualmente vigente, 
 enquanto consideram rendimento relevante para aferir da invocada situação de 
 insuficiência económica todos os rendimentos auferidos pelo “agregado familiar” 
 do interessado – ou seja, pelo conjunto das pessoas que vivem em “economia 
 comum” com o requerente de protecção jurídica, sendo tal insuficiência económica 
 valorada, de modo rígido e tabelar, através da “fórmula matemática” contida nos 
 artigos 6° a 10° da Portaria nº 1085-A/2004, de 31 de Agosto» (fl. 56 e s. dos 
 autos).
 
  
 
 4. Como o valor do rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica, 
 determinado a partir do rendimento do requerente e da avó, com quem vive e de 
 quem recebe alimentos, e das fórmulas previstas na Portaria que fixa os 
 critérios de prova e de apreciação da insuficiência económica para a concessão 
 daquela protecção, levava à inserção do caso em apreço nos presentes autos na 
 alínea c) do nº1 do ponto I do Anexo à Lei 34/2004 – concessão de apoio 
 judiciário na modalidade de pagamento faseado previsto na alínea d) do nº1 do 
 artigo 16º desta Lei – o tribunal recorrido desaplicou o Anexo à Lei nº 34/2004, 
 conjugado com os artigos 6º a 10º da Portaria nº 1085-A/04, por violação do 
 artigo 20º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.
 Com efeito, a aplicação conjugada deste Anexo e destes artigos não garante o 
 acesso ao direito e aos tribunais, consentindo a possibilidade de ser denegado 
 este acesso por insuficiência de meios económicos, na medida em que o rendimento 
 relevante para efeitos de concessão de apoio judiciário é determinado a partir 
 do rendimento do agregado familiar, independentemente de o requerente fruir o 
 rendimento do terceiro que integra a economia comum. Devendo destacar-se que 
 facilmente se poderá verificar a hipótese de o requerente de protecção jurídica 
 não fruir, de facto, o rendimento do terceiro que integra a economia comum. Para 
 além de poder haver interesses conflituantes entre os membros da economia comum, 
 designadamente quanto ao objecto do processo, e de o requerente de protecção 
 jurídica poder querer exercer o direito de reserva sobre a defesa dos seus 
 direitos e interesses legalmente protegidos, o terceiro em causa pode não estar 
 juridicamente obrigado a contribuir para as despesas do requerente de apoio 
 judiciário.
 Nos presentes autos, uma vez que o dever de prestar alimentos não compreende 
 despesas relativas a taxa de justiça e honorários forenses (cf. artigos 2003º e 
 
 2005º do Código Civil e 399º, nº 2, do Código de Processo Civil e o que sobre 
 isto se diz na decisão recorrida e nas alegações do recorrente, a fl. 59 e s.), 
 não se pode assumir que o requerente de apoio judiciário dispõe, efectivamente, 
 de parte do rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica – a parte 
 correspondente ao rendimento de quem lhe presta alimentos (a avó) –, o que 
 consente a possibilidade de ser denegado o acesso ao direito e aos tribunais por 
 insuficiência de meios económicos. Podendo ainda invocar-se, neste mesmo 
 sentido, o artigo 116º, nº 1, do Código das Custas Judiciais, uma vez que em 
 caso de execução por custas respondem apenas os bens penhoráveis do requerente 
 de protecção jurídica e não também os bens daquele que com ele vive em economia 
 comum; e o regime de protecção das pessoas que vivam em economia comum, previsto 
 na Lei nº 6/2001, de 11 de Maio, já que as pessoas que integram esta economia 
 não estão obrigadas a contribuir para despesas como as que estão em causa nos 
 presentes autos. 
 
  
 Pelo que se expôs, é de concluir que a norma desaplicada pela decisão recorrida, 
 extraída do Anexo que integra a Lei nº 34/2004, em conjugação com aos artigos 6º 
 a 10º da Portaria nº 1085-A/2004, não garante o acesso ao direito e aos 
 tribunais por parte daquele que carece de meios económicos suficientes para 
 suportar os encargos que são inerentes ao desenvolvimento de um processo 
 judicial, designadamente custas e honorários forenses.
 
  
 III. Decisão
 Pelo exposto, decide-se:
 a) Julgar inconstitucional, por violação do nº 1 do artigo 20º da Constituição 
 da República Portuguesa, o Anexo à Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, conjugado com 
 os artigos 6º a 10º da Portaria nº 1085-A/04, de 31 de Agosto, na parte em que 
 impõe que o rendimento relevante para efeitos de concessão do benefício do apoio 
 judiciário seja necessariamente determinado a partir do rendimento do agregado 
 familiar, independentemente  de o requerente de protecção jurídica fruir tal 
 rendimento; 
 b) Negar provimento ao recurso, confirmando o juízo de inconstitucionalidade 
 formulado na decisão recorrida.
 Sem custas.
 Lisboa, 28 de Novembro de 2006
 Maria João Antunes
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Maria Helena Brito
 Rui Manuel Moura Ramos
 Artur Maurício