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Processo n.º 39/09
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
  
 
       Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
 
  
 
  
 
                         1. A. apresentou reclamação para a conferência, ao 
 abrigo do n.º 3 do artigo 78.º‑A da Lei de Organização, Funcionamento e 
 Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de 
 Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro 
 
 (LTC), contra a decisão sumária do relator, de 9 de Fevereiro de 2009, que 
 decidiu, no uso da faculdade conferida pelo n.º 1 desse preceito, não 
 conhecer do objecto do recurso de constitucionalidade por ele interposto.
 
  
 
                         1.1. A referida decisão sumária tem a seguinte 
 fundamentação:
 
  
 
             “1. A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo 
 da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da [LTC], contra o acórdão do Supremo 
 Tribunal Administrativo (STA), de 19 de Novembro de 2008, que negou provimento 
 ao recurso jurisdicional por ele interposto da sentença do Tribunal 
 Administrativo e Fiscal (TAF) do Porto, de 19 de Abril de 2008, que rejeitou o 
 recurso contencioso de anulação da deliberação do Conselho Geral da Ordem dos 
 Advogados, de 24 de Setembro de 1993, que suspendeu a sua inscrição na Ordem 
 dos Advogados.
 
             No requerimento de interposição de recurso, o recorrente refere:
 
  
 
             «1) O histórico aresto sub judicio reafirma, passim, a perfeita 
 validade de duas normas do Estatuto da Ordem dos Advogados declaradamente 
 aplicadas no acto administrativo recorrido: as dos artigo 68.º e 69.º,
 
             2) as quais, todavia, haviam sido pelo recorrente, directa e 
 indirectamente, arguidas de violação, aliás múltipla, dos princípios 
 jusconstitucionais da proporcionalidade, do Estado de direito e, inclusive, da 
 reserva de lei, aliás, de lei restritiva, demais a mais de lei restritiva com 
 eficácia retroactiva.»
 
  
 
             O recurso foi admitido pelo Conselheiro Relator do STA, decisão que, 
 como é sabido, não vincula o Tribunal Constitucional (artigo 76.º, n.º 3, da 
 LTC) e, de facto, entende‑se que o recurso em causa é inadmissível, o que 
 possibilita a prolação de decisão sumária de não conhecimento do seu objecto, 
 ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º‑A da LTC.
 
  
 
             2. A admissibilidade de recurso interposto, como o presente, ao 
 abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC depende da verificação 
 cumulativa dos requisitos de a questão de inconstitucionalidade haver sido 
 suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o 
 tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a 
 dela conhecer» (n.º 2 do artigo 72.º da LTC), e de a decisão recorrida ter feito 
 aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de 
 inconstitucionais pelo recorrente.
 
  
 
             2.1. O recorrente sintetizou o conteúdo das suas alegações do 
 recurso jurisdicional interposto para o STA nas seguintes conclusões:
 
  
 
             «A. Tudo visto, licito é extrair epilogativamente, se bem se julga, 
 os seguintes tópicos decisivos:
 
             1. A sentença recorrida viola, flagrantemente, caso julgado formal, 
 porquanto a tempestividade da instauração do recurso contencioso rejeitado (por 
 extemporaneidade) encontra‑se inderrogavelmente atestada, a fls. 8 dos autos, 
 pelo próprio Presidente do Tribunal a quo. Aliás,
 
             2. tendo em devida consideração as datas: do acto definitivo e 
 executório impugnado (10‑XI‑1995); da respectiva publicação oficial 
 
 (26‑VI‑2000); da autuação da providência cautelar requerendo a correlativa 
 suspensão da eficácia (26‑IX‑2000); do trânsito em julgado da decisão judicial 
 decretando a suspensão (2‑VIII‑2001, donde 17‑XI‑2001); da interposição do 
 recurso contencioso em causa (14‑XI‑200l), forçoso será concluir pela 
 inquestionável tempestividade da autuação deste.
 
             3. A fundamentação legal do acto administrativo recorrido publicada 
 oficialmente é em absoluto inválida, porquanto o preceito do artigo 10.º do 
 Regulamento de Inscrição de Advogados ali especificado somente se aplica àquele 
 que passar a exercer funções incompatíveis e a ‘incompatibilidade’ imputada ao 
 advogado recorrente é referente a uma função (ROC) que este, declaradamente, vem 
 exercendo desde antes da sua inscrição mesmo como estagiário. Ademais,
 
             4. a fundamentação legal desse acto declinada pelo seu autor 
 colectivo, no processo administrativo competente, é identicamente inválida, 
 porquanto nenhuma das duas normas regulamentares aí expressamente indicadas (o 
 artigo 68.º e o artigo 70.º do Estatuto da Ordem) se aplica, sequer 
 indirectamente, à factualidade contemplada. E, muito principalmente,
 
             5. a norma estatutária que efectivamente, legalmente, regula a 
 situação de facto observada (a do artigo 69.º) determina, irredutível e 
 irreversivelmente, a nulidade ipso jure do acto administrativo sindicado: por 
 incompetência absoluta do seu autor, assim caçado em flagrante usurpação de 
 funções; por carência absoluta de forma legal, porquanto uma resolução 
 administrativa não é uma lei especial da República; e, em suma, pela falta do 
 elemento essencial do acto que é a norma de direito público habilitando o autor 
 
 à sua prática.
 
             B. Consequentemente, fazendo no caso, como sói, sã e inteira 
 justiça, esse Supremo Tribunal – mediando, eventualmente, reenvio de pertinente 
 questão pré‑judicial ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias – 
 revogará a indouta Sentença recorrida, decretando a sua substituição por 
 decisão emergente a conceder pleno provimento ao recurso contencioso de 
 declaração de nulidade em pendência, com todos os devidos e legais efeitos.»
 
  
 
             2.2. O acórdão recorrido assentou a sua decisão de improvimento do 
 recurso jurisdicional na seguinte fundamentação jurídica:
 
  
 
             «II.2. DO DIREITO
 
             A sentença em apreciação rejeitou o recurso contencioso interposto 
 da Deliberação recorrida por haver julgado procedente a excepção de 
 intempestividade deduzida pela AR [autoridade recorrida] assente no facto de o 
 recurso ter sido interposto para além do prazo de dois meses enunciado no artigo 
 
 28.º da LPTA, e à qual o recorrente opusera estar‑se em presença de acto nulo, 
 nulidade que julgou inverificada.
 
             Atentemos no primeiro fundamento da presente impugnação 
 jurisdicional.
 
             II.2.1. Afirma o recorrente que terá sido violado o caso julgado 
 formal, pois que a tempestividade da instauração do recurso contencioso terá 
 sido fixada definitivamente no processo quando, a fls. 8 dos autos, pelo próprio 
 Presidente do Tribunal a quo foi exarado despacho de autuação.
 
             No entanto, não assiste razão ao recorrente, pela singela razão de 
 que não existe (nem de resto o recorrente a indica) norma ou princípio que 
 afaste a caducidade do direito ao exercício da acção pela circunstância de o 
 respectivo processo ter sido, com o prazo de caducidade já decorrido, autuado no 
 Tribunal a quo, sede em que foi ordenada a distribuição e autuação como recurso 
 contencioso na sequência do despacho do Ex.mo Relator do TCAS (cf. fls. 8).
 
             De resto, em contrário do que aventa a AR, nem pode qualificar‑se 
 um tal despacho como de admissão liminar do recurso, o qual, inclusive, nem 
 sequer teria que ser proferido.
 
             Na verdade, se o escrivão tivesse levado a petição vinda do TCAS à 
 distribuição sem precedência do referido despacho do M.mo Juiz no TAC um tal 
 processamento não poderia apodar‑se de ilegal, muito menos violador de algum 
 direito ou posição processual do interessado.
 
             Assim, não tendo um tal alcance definidor, o referido despacho não 
 produz caso julgado formal, nomeadamente quanto à tempestividade da 
 impugnação.
 
             II.2.1. O segundo fundamento de impugnação descortina‑se na 
 invocação do recorrente no sentido de que não terá ocorrido ‘preterição do 
 prazo legal de propositura’ do recurso contencioso, deduzida como corolário do 
 historiar das incidências que a sua situação profissional mereceu na OA, ao 
 longo do qual refere a incorrecção de se considerar a deliberação de 24 de 
 Setembro de 1993 como o acto definitivo e executório quando, posteriormente, 
 terão sido proferidas na OA outras decisões, em 10 de Novembro de 1995 e em 2000 
 e em 2001, e que uma outra reacção judicial que intentou contra a referida 
 decisão de 1995, publicada em 2000, foi tempestiva.
 
             Ou seja e em resumo, como para o recorrente é incorrecto 
 considerar‑se a deliberação de 24 de Setembro de 1993 como acto definitivo e 
 executório, pois que posteriormente terão sido proferidas na OA outras decisões 
 
 (com destaque para uma em 10 de Novembro de 1995 e em 2000 e em 2001), e dado 
 que a reacção judicial que intentou contra a referida decisão de 1995 foi 
 tempestiva (por alegadamente intentada no prazo de 2 meses a que se refere o 
 artigo 28.º da LPTA), nunca poderia este meio processual considerar‑se 
 intempestivo.
 
             Efectivamente, na sentença, depois de se ter emitido pronúncia no 
 sentido de que se não estava face a acto inexistente ou nulo, disse‑se que 
 estava há muito ultrapassado o prazo de recurso de actos anuláveis estabelecido 
 no artigo 28.º da LPTA, pelo que cumpre analisar a questão.
 
             E deve começar por dizer‑se que, com o devido respeito, a invocação 
 do recorrente não é logicamente consequente e no seu enunciado encerra, ela 
 mesma, a sua própria improcedência: nunca a tempestividade da impugnação de um 
 dado acto poderá aferir‑se pela tempestividade de um acto que lhe é posterior.
 
             II.2.2. É claro que o recorrente desvaloriza de todo o referido acto 
 de 24 de Setembro de 1993, o que nos conduz a que, não só para responder à 
 arguição em causa como às restantes, deva atentar‑se, antes do mais, nos factos 
 que devem considerar‑se relevantes:
 
             1. O Conselho Geral da Ordem dos Advogados, em 24 de Setembro de 
 
 1993, aprovou o Parecer de fls. 7 a 9 do PA [processo administrativo], onde se 
 propõe ‘... que o Conselho Geral delibere a suspensão do advogado Dr. A., por 
 existir incompatibilidade com as funções de Revisor Oficial de Contas, que 
 exerce’;
 
             2. Por deliberação do Conselho Geral da OA, de 10 de Novembro de 
 
 1995, foi ‘deliberado por unanimidade que os serviços dêem execução à 
 deliberação de suspensão, uma vez que essa deliberação já fez caso resolvido’ 
 
 (fls. 24 do PA);
 
             3. No Diário da República, II Série, de 26 de Junho de 2000 (pág. 10 
 
 765), foi publicado o Edital n.º 449/2000, onde se refere que ‘por deliberação 
 do Conselho Geral de 10 de Novembro de 1995, foi suspensa a inscrição do Dr. A. 
 
 ...’ (fls. 6 do Processo apenso n.º 1107/01);
 
             4. Tendo como referência a deliberação publicada através do aludido 
 Edital n.º 449/2000, decidindo recurso jurisdicional interposto de sentença do 
 TAC do Porto que havia indeferido o pedido de suspensão de eficácia por 
 inverificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 76.º da 
 LPTA, o TCA, entendendo o contrário, julgou verificado tal requisito, assim 
 revogando a sentença;
 
             5. O Edital referido em 3 foi rectificado através da Rectificação 
 n.º 2051/2001, publicada no Diário da República, II Série, de 13 de Setembro de 
 
 2001 (fls. 7 do Processo apenso n.º 1107/01), rectificação essa traduzida no 
 esclarecimento de que em vez de ‘faz saber que, por deliberação do Conselho 
 Geral, de 10 de Novembro de 1995, foi suspensa a inscrição do Dr. A.’, deveria 
 ler‑se ‘faz saber que, por deliberação do Conselho Geral, de 24 de Setembro de 
 
 1993, foi suspensa a inscrição do Dr. A.’.
 
             6. O presente recurso deu entrada no TAC a 6 de Março de 2002.
 
             II.2.3. Só que, o aqui recorrente, tendo vincado na 1.ª p. i. 
 
 [petição inicial] que após o acórdão do TCA referido em II.1.B.1. ter 
 transitado em julgado (após o que o Bastonário da Ordem dos Advogados terá 
 mandado publicar a Rectificação referida em II.1.4), o mesmo Bastonário 
 corrigiu ‘que a deliberação impugnada data, afinal, de 24 de Setembro de 1993 … 
 cuja nulidade deve agora ser completamente decretada’; e, depois de instado 
 pelo Tribunal a quo, por despacho de fls. 141, a dizer ‘por forma clara’ (pese 
 embora a formulação de uma 2.ª p. i.) qual o acto que pretende impugnar nos 
 presentes, reafirmou aquela menção no referido requerimento de fls. 144.
 
             Daí que, pelo M.mo Juiz a quo tenha sido (acertadamente, diga‑se) a 
 referida deliberação de 24 de Setembro de 1993 claramente eleita na sentença 
 recorrida como sendo o acto impugnado nos autos.
 
             É que, atentando nas alegações do presente recurso, e concretamente 
 nas respectivas conclusões, a aludida deliberação de 24 de Setembro de 1993 
 praticamente não merece qualquer menção, sendo antes destacado como ‘acto 
 definitivo e executório impugnado’ a já falada deliberação de 10 de Novembro de 
 
 1995, publicada em 26 de Junho de 2000.
 
             E daí que a deliberação de 24 de Setembro de 1993 seja, no mínimo, 
 menosprezada pelo recorrente, quando ela é, iniludivelmente, o acto eleito nos 
 presentes autos como contenciosamente impugnado, pelo que a aludida invocação 
 do recorrente, para além do apontado vício lógico, podendo ser eventualmente 
 idónea a demonstrar a tempestividade de possível acção a intentar 
 relativamente a acto(s) posterior(es) ao de 24 de Setembro de 1993 não o seja 
 quanto a este.
 
             Donde,
 
             – a circunstância de a sentença haver eleito aquela deliberação de 
 
 24 de Setembro de 1993 como o acto impugnado contenciosamente não pode 
 constituir qualquer falsidade;
 
             – e dado que entre aquela data (recte, do seu conhecimento por parte 
 do recorrente, ou sua publicação, tendo como referência as referidas datas de 
 
 26 de Junho de 2000 – cf. II.2.2.3 –, ou de 13 de Setembro de 2001 – cf. 
 II.2.2.5.) e a da instauração do recurso contencioso (6 de Março de 2002) 
 decorreram muito mais de dois meses, a impugnação contenciosa de que tratam os 
 autos excedeu há muito o prazo de recurso de actos anuláveis estabelecido no 
 artigo 28.º da LPTA.
 
             II.2.4. Como se viu, a sentença julgou que o acto impugnado não era 
 inexistente nem nulo.
 
             Recorde‑se que, sendo autor do acto impugnado o Conselho Geral da 
 Ordem dos Advogados, o seu conteúdo dispositivo traduziu‑se em aprovar um 
 parecer no qual se propunha a suspensão do recorrente na Ordem dos Advogados 
 por ali se entender que a profissão de advogado é incompatível com a situação 
 de revisor oficial de contas (ROC).
 
             II.2.4.1. Sustenta o recorrente, no ponto E das suas alegações, que 
 uma tal deliberação padece de nulidade absoluta (falando também em inexistência) 
 em fundamento do que invoca, e em síntese, que logo aquando da sua inscrição na 
 OA, em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de 
 Inscrição (R.I.) na OA, indicou que ROC constituía a sua principal actividade, 
 pelo que nunca poderia ser considerado incurso nas prescrições contidas nos 
 artigos 69.º e 70.º do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA) atinentes a 
 incompatibilidades.
 
             Donde, a deliberação do CGOA que suspendeu a sua inscrição 
 mostrar‑se inquinada de três causas de invalidade radical:
 
             (i) nulidade por falta do elemento essencial do acto que é a norma 
 de direito público habilitando o agente à sua prática (Código do Procedimento 
 Administrativo, artigo 133.º, n.º 1, ex vi do artigo 120.º);
 
             (ii) usurpação de poder (ibidem, artigo 133.º, alínea a) do n.º 2) – 
 do poder legislativo, in concreto, na exacta medida da incompetência absoluta do 
 CGOA para decretar novas incompatibilidades;
 
             (iii) carência absoluta de forma legal (ibidem, alínea f) do n.º 2) 
 
 – porquanto um acórdão administrativo não constitui nem substitui, formalmente, 
 uma lei especial da República.
 
             Vejamos.
 
             II.2.4.2. Para a sentença recorrida, após a entrada em vigor do CPA 
 deixou de ter relevância a distinção entre inexistência e nulidade, e tendo em 
 vista a sua definição doutrinária, considerou no entanto não poder falar‑se numa 
 tal figura jurídica, no caso, pois que o acto de 24 de Setembro de 1993 está 
 perfeitamente identificado, pelo próprio recorrente.
 
             Por outro lado, não poderá falar‑se em falta de elemento essencial 
 do acto administrativo, que seria a falta de norma habilitante, quando essa 
 norma existe, vertida nas disposições contidas no artigo 96.º (sendo referido 
 por lapso o 97.º) do Estatuto dos ROC e nos artigos 68.º e 69.º do EOA.
 
             Prosseguindo.
 
             II.2.4.3. Como este STA vem afirmando, o legislador do CPA definiu 
 em termos amplos o conceito de nulidade em detrimento do conceito de 
 inexistência, apropriando‑se de alguns dos casos que a jurisprudência e a 
 doutrina incluíam neste último conceito (artigo 133.º).
 
             O conceito de inexistência jurídica mantém, no entanto, a sua 
 autonomia, abstendo‑se o legislador de o definir, deixando essa tarefa para a 
 jurisprudência e para a doutrina (do sumário do acórdão do STA, de 3 de Março 
 de 1999, Rec. n.º 41 889).
 
             Podem ver‑se nesse sentido, entre muitos outros, os acórdãos de 16 
 de Maio de 2001 (Recs. n.ºs 34 589 e 32 953), de 7 de Novembro de 2001 (Rec. n.º 
 
 47 857) e de 19 de Dezembro de 2001 (Rec. n.º 46 027).
 
             Pode, porém, continuar a afirmar‑se, sinteticamente, que um acto é 
 inexistente quando estivermos perante uma mera aparência de acto.
 
             Só que de um acto administrativo cujo autor (órgão de uma 
 associação pública) está devidamente identificado (CGOA), que, ao abrigo de 
 normas de direito público, regula iniludivelmente a situação jurídica do 
 interessado também identificado, apto a produzir efeitos na sua situação 
 jurídico‑estatutária (no ponto em que o suspendeu do exercício da actividade de 
 advogado), não pode dizer‑se que seja um acto simplesmente aparente.
 
             II.2.4.4. Constituem causas de nulidade do acto administrativo as 
 que se mostram enunciadas no artigo 133.º do CPA, ou em lei especial. Ou seja, 
 a nulidade, como vício especial em direito administrativo, carece de 
 qualificação expressa em tal sentido.
 
             Para o recorrente, a primeira causa de nulidade traduzia‑se na falta 
 de elemento essencial ao acto, o qual seria a norma de direito público 
 habilitando o agente à sua prática.
 
             Vejamos.
 
             O conceito de «elementos essenciais do acto administrativo», para 
 efeitos do artigo 133.º, n.º 1, do CPA, tem a ver com a densificação desses 
 elementos, que decorre dos tipos de actos em causa ou da gravidade dos vícios 
 que os afecta, podendo pois dizer‑se que são nulos, nos termos daquele 
 normativo, os actos a que falte qualquer dos elementos indispensáveis para que 
 se possa constituir qualquer acto administrativo, incluindo os que caracterizam 
 cada espécie concreta, ou feridos de vícios graves e decisivos equiparáveis 
 
 àquela carência.
 
             Admitindo que o órgão da Administração em causa houvesse proferido 
 o acto sem que estivesse habilitado por lei a fazê‑lo, importa que se refira, à 
 semelhança do que a jurisprudência do STA há muito vem dizendo a propósito de 
 acto administrativo que aplica norma inconstitucional, que o mesmo não pode 
 considerar‑se nulo, mas como estando viciado por erro no pressuposto de direito, 
 que integra violação de lei, causal de mera anulabilidade.
 
             De nulidade apenas poderia falar‑se se, com a falta de habilitação 
 legal, o acto incorresse nalguma das situações que a lei comina de nulidade, 
 nomeadamente por ofender o conteúdo essencial de um direito fundamental, o que 
 não é o caso do acto recorrido, em que se está perante suspensão de inscrição na 
 OA por incompatibilidade com o exercício de outra actividade, suspensão essa a 
 que o interessado poderá, pois, pôr termo. Vejam‑se, a propósito, pelo menos, os 
 acórdãos do STA, de 27 de Junho de 1995 (Rec. n.º 26 483), de 6 de Julho de 1999 
 
 (Rec. n.º 31 304), de 9 de Novembro de 1999 (Rec. n.º 27 859), e de 7 de Maio de 
 
 2008 (Rec. n.º 1034/07‑2.ª Secção).
 
             Só que nem sequer pode falar‑se, por banda da AR, em falta de 
 habilitação legal para a emissão do acto.
 
             O que, no plano substantivo, está em causa é apenas uma simples 
 divergência sobre se a situação em que se encontrava o recorrente – exercendo a 
 actividade de ROC e inscrito na OA – constitui causa de incompatibilidade do 
 exercício de funções e, assim, conducente à suspensão da sua inscrição na OA. 
 Para a OA, uma tal situação fazia incorrer o recorrente no âmbito das 
 disposições combinadas dos citados artigos 68.º e 69.º dos Estatutos da Ordem 
 
 (vigorava à data do acto o Decreto‑Lei n.º 84/84) como fundamento de 
 incompatibilidades.
 
             Ora, se uma divergência sobre a interpretação da lei ao abrigo da 
 qual (ou sob cuja invocação) foi praticada uma decisão administrativa integrasse 
 falta de habilitação legal para a emissão do acto, seguramente que poderia 
 falar‑se sempre na falta de lei.
 
             Concluindo, não pode dizer‑se que o acto impugnado incorreu em 
 nulidade por falta de elemento essencial do acto.
 
             II.2.4.5. Vejamos agora se a descrita situação integra a causa de 
 nulidade enunciada no artigo 133.º, alínea a) do n.º 2, do CPA – usurpação de 
 poder (legislativo) –, pois que, e em resumo, haveria incompetência absoluta do 
 CGOA para decretar novas incompatibilidades.
 
             Crê‑se que do já referido decorre a improcedência desta arguição.
 
             Vejamos pois:
 
             O vício de usurpação de poder assenta no pressuposto da violação de 
 normas que distribuem a competência entre os vários poderes do Estado, 
 traduzindo‑se numa forma de incompetência agravada, por falta de atribuições 
 por um órgão da Administração decidir uma questão que é da competência dos 
 tribunais ou, como também alguns autores entendem, da competência do poder 
 legislativo (cf., v. g., Freitas do Amaral, in Direito Administrativo, III vol., 
 p. 295, e Esteves de Oliveira, in Direito Administrativo, a p. 555. Veja‑se, 
 ainda, a propósito, Marcelo Rebelo de Sousa, in Lições de Direito 
 Administrativo, p. 105). Como este STA vem expendendo, a usurpação de poder 
 constitui uma forma de incompetência agravada, por falta de atribuições (cf., 
 v. g., acórdão de 5 de Maio de 1992 – Rec. n.º 25 349‑P, de 3 de Junho de 2003 – 
 Rec. n.º 45 851, e de 13 de Outubro de 2004, Rec. n.º 47 836‑P). 
 
             Ocorre, pois, tal vício quando a autoridade administrativa invade a 
 esfera de atribuições dos tribunais ou quando pratica um acto do poder 
 legislativo, que é afinal a imputação que o recorrente endereça ao acto 
 impugnado.
 
             Só que, como se viu, não foi isso que operou o acto em causa.
 
             Na verdade, o acto em causa dimanou de órgão de uma associação 
 pública (‘forma de administração mediata, consubstanciando uma devolução de 
 poderes do Estado a uma pessoa autónoma por este constituída’, como se refere no 
 preâmbulo do Decreto‑Lei n.º 84/84) no exercício das atribuições e competências 
 que o Estatuto da Ordem lhe confere, concretamente de regulamentação do 
 exercício da profissão liberal advocacia com o alcance de decretar a suspensão 
 do recorrente na Ordem dos Advogados pelo já referido motivo, ou seja, porque o 
 considerou sob o alcance das normas estatutárias pré‑existentes que regem sobre 
 incompatibilidades e impedimentos.
 
             Não se antolha, deste modo, que uma tal actuação configure invasão 
 da esfera de atribuições do poder legislativo.
 
             II.2.4.6. Indaguemos da arguição de carência absoluta de forma legal 
 
 (alínea f) do n.º 2 do artigo 133.º do CPA), traduzida na invocação, em 
 síntese, de que ‘um acórdão administrativo não constitui nem substitui, 
 formalmente, uma lei especial da República’.
 
             O acto carece em absoluto de forma legal quando falta a forma solene 
 a que a lei sujeita a produção do efeito.
 
             A improcedência de uma tal arguição resulta de tudo o que já antes 
 se disse, donde decorre que a Administração, através do acto impugnado, apenas 
 agiu no cumprimento das atribuições que lhe estão conferidas por lei, 
 concretamente regulamentando o exercício da profissão de advocacia (cf., desde 
 logo, o artigo 1.º do citado Decreto‑Lei n.º 84/84, de 16 de Março), no 
 cumprimento do que se encontra legalmente prescrito, e embora a lei, que de 
 resto o recorrente não invoca, não sujeite a produção do efeito que visa a 
 qualquer forma, veio a ser publicitado por edital publicado em Diário da 
 República, como acima se viu.
 
             II.2.4.7. Resta indagar da arguição de que ocorre motivo de reenvio 
 de questão prejudicial ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, 
 traduzida em indagar, à luz da jurisprudência deste corpo jurisdicional, e em 
 resumo, ‘se a deliberação de suspensão da inscrição do advogado signatário 
 tomada pelo Conselho Geral da Ordem dos Advogados constitui um acto 
 administrativo: (i) perfeitamente válido, ou (ii) absolutamente inválido’.
 
             Ou seja, saber se, à luz daquela jurisprudência, a Ordem dos 
 Advogados (através de órgão previsto na sua orgânica interna) pode produzir 
 actos administrativos com o referido conteúdo.
 
             Só que, da alegação para o efeito produzida, constata‑se que o 
 recorrente não só não invoca qualquer disposição de direito comunitário cujo 
 sentido e alcance haja sido posto em dúvida, quer por si, quer pela decisão 
 recorrida, aludindo em vez disso a uma abstracta violação dos princípios 
 contidos na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, do processo equitativo 
 
 (artigo 6.º) e da não discriminação (artigo 14.º), normas que não têm qualquer 
 relação com a decisão administrativa em causa, muito menos com a decisão 
 jurisdicional dos autos que não conheceu ou aplicou qualquer norma de direito 
 comunitário.
 
             Na verdade, nos termos do artigo 234.º do Tratado de Roma – 
 Comunidade Europeia – o Tribunal de Justiça é competente para decidir, a 
 título prejudicial ‘sobre a interpretação do presente Tratado’. Nos termos 
 desse mesmo artigo, ‘sempre que uma questão desta natureza seja suscitada 
 perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados‑Membros, esse órgão 
 pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao 
 julgamento da causa, pedir ao Tribunal de Justiça que sobre ela se pronuncie’. 
 Conforme ainda esclarece o aludido preceito, o reenvio prejudicial é 
 obrigatório, quando a questão seja colocada num órgão jurisdicional cujas 
 decisões sejam irrecorríveis no direito interno.
 
             De resto, sempre se dirá que a possibilidade de as associações 
 públicas produzirem actos administrativos (contenciosamente recorríveis e, 
 portanto, com a submissão ao regime do acto administrativo regulado pela CRP – 
 artigo 268.º –, e pela lei ordinária – Secções II a III do Capítulo I do CPA) 
 constitui questão pacífica no actual regime jurídico‑administrativo.
 
             Assim sendo, não assiste qualquer fundamento ao pedido de reenvio.»
 
  
 
             3. Como resulta das precedentes transcrições, o acórdão recorrido 
 não contém, como ratio decidendi, quer explícita quer implicitamente, qualquer 
 juízo de validade constitucional das normas dos artigos 68.º e 69.º do Estatuto 
 da Ordem dos Advogados, nem assenta na efectiva aplicação destas normas.
 
             A questão que integrava o objecto do recurso jurisdicional decidido 
 pelo acórdão recorrido era a da tempestividade do recurso contencioso de 
 anulação da deliberação do Conselho Geral da Ordem dos Advogados, de 24 de 
 Setembro de 1993, interposto pelo recorrente somente em 6 de Março de 2002, 
 através da invocação de vícios que, no entender das instâncias, eram geradores 
 de mera anulabilidade, e não de nulidade ou de inexistência, pelo que a 
 interposição do recurso estava sujeita ao prazo de dois meses estabelecido no 
 artigo 28.º da LPTA.
 
             Consequentemente, as únicas normas aplicadas na decisão recorrida, 
 como sua ratio decidendi, foram as do artigo 28.º da LPTA e as normas do CPA que 
 indicam os casos de nulidade do acto administrativo invocadas pelo recorrente 
 mas que se entendeu não ocorrerem no caso: artigos 133.º, n.º 1, ex vi artigo 
 
 120.º, por pretensa falta de elemento essencial do acto; 133.º, n.º 2, alínea 
 a), por pretensa usurpação de poder; e 133.º, n.º 2, alínea f), por pretensa 
 carência absoluta de forma legal. Só estas normas foram relevantes para a 
 apreciação e decisão da questão colocada no recurso jurisdicional: a 
 tempestividade do recurso contencioso.
 
             Não tendo, obviamente, entrado na apreciação do mérito do recurso 
 contencioso, consistente no apuramento da existência, ou não, de situação de 
 incompatibilidade, o acórdão recorrido não só não fez aplicação das normas dos 
 artigos 68.º e 69.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, como em parte alguma 
 emite juízo sobre a sua validade, e muito menos sobre a sua 
 constitucionalidade, tendo‑se limitado a constatar o entendimento 
 jurisprudencial pacífico de que a eventual inconstitucionalidade de uma norma 
 não torna, só por si, nulo o acto administrativo nela baseado, o qual, à falta 
 de disposição legal expressa a cominar a nulidade, segue a regra geral de que 
 padecerá de vício de violação de lei gerador de mera anulabilidade.
 
             Assim, não tendo o acórdão recorrido feito qualquer aplicação 
 efectiva das normas identificadas no requerimento de interposição do presente 
 recurso, este surge como inadmissível, o que determina o não conhecimento do seu 
 objecto.”
 
             
 
                         1.2. A reclamação apresentada pelo recorrente assenta 
 nos seguintes fundamentos:
 
  
 
             “B. A decisão reclamada: sua fundamentação.
 
             Impugnado é pelo presente acto processual a recente Decisão Sumária 
 do Relator, datada de 9 de Fevereiro último, na qual se decide «não tomar (sic) 
 do objecto do recurso» sob a argumentação, principalmente, de que:
 
             i) «o acórdão recorrido não contém, como ratio decidendi, quer 
 explícita quer implicitamente qualquer juízo de validade constitucional das 
 normas dos artigos 68.º e 69.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, nem assenta 
 na efectiva aplicação destas normas»;
 
             ii) «as únicas normas aplicadas na decisão recorrida, como sua ratio 
 decidendi, foram as do artigo 28.º da LPTA e as normas do CPA que indicam os 
 casos de nulidade do acto administrativo invocadas pelo recorrente mas que se 
 entendeu não ocorrerem no caso: artigos 133.º, n.º 1, ex vi artigo 120.º, por 
 pretenso falta de elemento essencial do acto; 133.º, n.º 2, alínea a), por 
 pretensa usurpação de poder; e 133.º, n.º 2, alínea f), por pretensa carência 
 absoluta de forma legal» (sic; sublinhados do recorrente),
 
             tal resultando, declaradamente, «das precedentes transcrições» da 
 conclusão das alegações do signatário no seu recurso jurisdicional para o 
 Supremo Tribunal Administrativo e da fundamentação jurídica da decisão de 
 improvimento desse recurso conclusiva do acórdão acolá lavrado.
 
  
 
             C. Fundamento da presente reclamação.
 
             1) O erro, manifesto, da douta Decisão reclamada radica, 
 essencialmente, na conclusão, decisiva, de que o acórdão recorrido nem sequer 
 implicitamente contém, como ratio decidendi, qualquer juízo de validade 
 constitucional, nem assenta na efectiva aplicação, das normas dos artigos 68.º 
 e 69.º do Estatuto da Ordem dos Advogados (o «EOA»). E resulta tal conclusão 
 errada do facto, transparecente, de as duas peças processuais transcritas na 
 Decisão ora sob impugnação, as alegações do recorrente e o próprio acórdão do 
 Colectivo judicante, terem nessa sede sido meramente lidas, mas não devidamente 
 interpretadas (e que «As decisões (como os contratos, como as leis) devem ser 
 interpretadas, no seu contexto legal e processual, na sua lógica, e não apenas 
 lidas» é, consabidamente, o que dita a doutrina jurisprudencial do douto 
 Acórdão de 28 de Junho de 1994 do Supremo Tribunal de Justiça, no Rec. n.º 85 
 
 826: in Colectânea de Jurisprudência, ano XX, tomo II, pp. 165 e seguintes). Na 
 verdade,
 
             2) um labor interpretativo mínimo aplicado já ao segundo trecho do 
 acórdão recorrido supratranscrito levaria desde logo a questionar‑se a razão 
 por que o recorrente invocou aí determinadas «normas do CPA que indicam os casos 
 de nulidade do acto administrativo», ou seja: a do n.º 1 do artigo 133.º, ex vi 
 artigo 120.º; a da alínea a) do n.º 2 do mesmo artigo, e a da alínea f) do mesmo 
 número do mesmo artigo. Assim se apuraria, realmente, através da necessária 
 exegese da conclusão n.º 5 das alegações do signatário referidas, que essa 
 tripla «nulidade ipso jure do acto administrativo sindicado» – a saber, 
 respectivamente: i) «falta de elemento essencial do acto»; ii) «usurpação de 
 poder»; e iii) «carência absoluta de forma legal» – é, «irredutível e 
 irreversivelmente», determinada pela «norma estatutária que efectivamente, 
 legalmente, regula a situação de facto observada (a do artigo 69.º [do EOA])», 
 numa aplicação constitucionalmente conforme, segundo resulta, outrossim 
 textualmente, das alegações de recurso citadas: in II‑E.16‑17,
 
             3) para daí se concluir, irrefutavelmente, que, sendo embora as 
 normas dos artigos 120.º e 133.º do CPA referidas que no acórdão recorrido se 
 dizem explicitamente aplicadas, é, afinal, a norma do artigo 69.º do EOA 
 
 (noutras partes do aresto, passim, a do artigo 68.º) aquela efectivamente 
 aplicada, nela necessariamente assentando, sem o dizer, a decisão proferida. Com 
 efeito,
 
             4) sendo certo e sabido que o recorrente deixou in casu formalmente 
 
 «arguida a inconstitucionalidade das, a priori sufragadas, normas do artigo 68.º 
 e do artigo 69.º do EOA, com evidenciado fundamento em violação do princípio 
 jusconstitucional da proporcionalidade em sentido amplo, ou proibição do 
 excesso» (cf. II‑F.2), é não menos incontroverso que para essas mesmas normas 
 estatutárias, precisamente, remete de modo expresso o acórdão recorrido ao 
 fundamentar a decisão de não verificação das nulidades apontadas: de facto,
 
             5) no ponto II.2.4.2, ao alegar que «não poderá falar‑se em falta de 
 elemento essencial do acto administrativo, que seria a falta de norma 
 habilitante», aquele Colectivo justifica‑se afirmando que «essa norma existe 
 
 (…) nos artigos 68.º e 69.º do EOA»; e, logo adiante, no ponto II.2.4.5, para 
 defender que tampouco se verificará no caso o vício de usurpação de poder, 
 afirma que «a suspensão do recorrente na Ordem dos Advogados» sucedeu porque um 
 seu «órgão» (não especificado) «o [ao recorrente] considerou sob o alcance das 
 normas estatutárias pré‑existentes (sic) que regem sobre incompatibilidades e 
 impedimentos», isto é, implícita mas inequivocamente: as normas dos artigos 
 
 68.º, 69.º e 70.º do EOA. E ainda, vendo bem: por que razão há‑de no acórdão 
 recorrido discutir‑se, aí a seguir, se a deliberação do CGOA controvertida 
 configura «invasão da esfera de atribuições do poder legislativo» (sic: pág. 
 
 17) ou se «carece em absoluto de forma legal» (ibid.), se não, unicamente, 
 porque o comando da alínea p) do artigo 69.º em questão estabelece que só «por 
 lei especial» possam ser consideradas incompatíveis com o exercício da advocacia 
 quaisquer outras actividades ou funções além das ali taxativamente enumeradas 
 nas catorze alíneas antecedentes? Portanto,
 
             6) contra o sumarissimamente concluído na decisão singular 
 reclamada, como está bem à vista, são as normas quer do artigo 68.º quer do 
 artigo 69.º do EOA, ora explícita ora implicitamente, efectivamente, que 
 integram a ratio decidendi, como ultima ratio, de qualquer dos fundamentos da 
 decisão colegial recorrida – atinentes, todos e cada um, à arguida nulidade de 
 pleno direito da deliberação administrativa impugnada –, constituindo os 
 preceitos do artigo 120.º e do artigo 133.º do CPA explicitamente indicados, 
 objectivamente, segmentos normativos integrantes, por extensão hermenêutica, 
 daquelas normas estatutárias in concreto aplicadas. Por consequência,
 
             7) da demonstração, criteriosamente peticionada, da 
 inconstitucionalidade material da dimensão hermenêutica das normas do EOA 
 concretamente aplicadas, como principal base decisória, no aresto recorrido 
 resultará, forçosamente, a comprovação da nulidade de pleno direito de tal 
 normativo – e, ipso facto et ipso jure, da deliberação administrativa e das 
 decisões judiciais nele em sucessão estribadas – por verificação, simul, da 
 multímoda situação de facto tipificada na fattispecie das normas do CPA, 
 sancionatórias dessa invalidade, na própria alegação de recurso pertinentemente 
 especificadas. Aliás,
 
             8) caberá judiciosamente perguntar, em epílogo: como seria, na 
 realidade, possível uma decisão jurisdicional julgando recurso impugnativo de 
 sentença proferida sobre recurso contencioso de declaração da nulidade de 
 deliberação administrativa de suspensão da inscrição dum advogado por alegada 
 incompatibilidade de funções cujo fundamento segundo (da sentença referida: cf. 
 alegações cit., I‑C) reza assim:
 
  
 
             «essa deliberação não é um acto nulo, resulta da aprovação de um 
 parecer, em que se fundamenta, e que refere que existe, no caso concreto, 
 incompatibilidade de funções, quer de acordo com o disposto no artigo 97.º do 
 Estatuto dos Revisores Oficiais de Contas, quer nos termos dos artigos 68.º e 
 
 69.º do Estatuto da Ordem dos Advogados», ou seja: «baseou‑se nos referidos 
 normativos referindo o artigo 68.º do EOA que ‘o exercido da advocacia é 
 incompatível com qualquer actividade ou função que diminua a independência e a 
 dignidade da profissão’, referindo o artigo 69.º, n.º 1, as actividades e 
 funções que se considera incompatíveis com o exercício da advocacia», ou seja, 
 ainda: «dúvidas não há que estamos perante urna deliberação que se fundamentou 
 em determinadas normas, norma habilitante», pelo que «temos que concluir que não 
 lhe falta qualquer elemento essencial (…), pelo que a mesma não poderá estar 
 ferida de qualquer vicio que acarrete a sua nulidade»,
 
             emitir pronúncia – o aresto nesta sede recorrido – sobre, 
 necessariamente, a parte das alegações do recorrente reafirmativa, contra este 
 sentenciado, da «Nulidade absoluta do acto administrativo sub judice» (ibid., 
 II‑E) ... sem, nem sequer implicitamente, conter algum juízo de valor, nem 
 tampouco assentar na efectiva aplicação, de qualquer das normas do Estatuto da 
 Ordem dos Advogados em questão, a do artigo 68.º e, ou, a do artigo 69.º?!
 
  
 
             D. Conclusão: o reclamado.
 
             1) Alegando no recurso jurisdicional sub judice, o signatário arguiu 
 formalmente a inconstitucionalidade das normas dos artigos 68.º e 69.º do 
 Estatuto da Ordem dos Advogados, mais precisando que da aplicação desse 
 normativo segundo uma dimensão interpretativa não constitucionalmente conforme 
 resultava a nulidade da deliberação administrativa sob impugnação, aliás a mais 
 do que um título: falta do elemento essencial do acto que é a própria norma 
 habilitando à sua prática, usurpação de poder pelo autor e carência absoluta de 
 forma legal do acto preceituado;
 
             2) O de resto douto aresto que julgou o recurso, nesta sede 
 recorrido, pronunciou‑se sistematicamente sobre cada uma dessas causas de 
 invalidade do acto alegadas, seguindo a ordem dos preceitos do Código do 
 Procedimento Administrativo que respectivamente as cominam, referenciando estes, 
 porém remetendo sempre em abono da sua tese, explícita ou implicitamente, para 
 as duas normas estatutárias supramencionadas,
 
             3) de tal forma que não será possível se decrete a arguida 
 inconstitucionalidade material das normas estatutárias in concreto sindicadas 
 sem se declarar, simul, a verificação das invocadas causas de invalidade do acto 
 administrativo impugnado, daí corolariamente se extraindo a certeza jurídica da 
 tempestividade da interposição do recurso contencioso em causa. 
 Consequentemente,
 
             4) tudo visto, esse Alto Tribunal ad quem, fazendo agora, como lhe 
 cumpre, sã e inteira justiça, julgará em ordem a que, de harmonia com o 
 preceituado no artigo 78.º‑A, n.º 5, da Lei do Tribunal Constitucional, seja o 
 advogado signatário notificado para apresentar no caso as suas competentes 
 alegações de direito.”
 
  
 
                         1.3. O recorrido Conselho Geral da Ordem dos Advogados 
 respondeu, propugnando a improcedência da reclamação, por, “ao contrário do que 
 o reclamante alega, o acórdão recorrido não contém, nem implicitamente, qualquer 
 juízo de validade constitucional das normas dos artigos 68.º e 69.º do anterior 
 EOA, tendo o processo sido considerado improcedente por força da aplicação de 
 normas jurídicas que nada têm a ver com as que o reclamante pretende colocar ao 
 crivo deste Tribunal Constitucional”.
 
                         Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                         2. A decisão sumária ora reclamada assentou o não 
 conhecimento do recurso na constatação de o acórdão recorrido não ter feito 
 aplicação efectiva das normas identificadas no respectivo requerimento de 
 interposição, não contendo, como ratio decidendi, quer explícita quer 
 implicitamente, qualquer juízo de validade constitucional das normas dos 
 artigos 68.º e 69.º do EOA. Na verdade, consistindo a questão objecto do recurso 
 jurisdicional decidido pelo acórdão recorrido tão‑só na tempestividade do 
 recurso contencioso de anulação da deliberação do Conselho Geral da Ordem dos 
 Advogados, de 24 de Setembro de 1993, interposto pelo recorrente somente em 6 
 de Março de 2002, através da invocação de vícios que, no entender das 
 instâncias, eram geradores de mera anulabilidade, e não de nulidade ou de 
 inexistência, pelo que a interposição do recurso estava sujeita ao prazo de 
 dois meses estabelecido no artigo 28.º da LPTA, as únicas normas aplicadas na 
 decisão recorrida, como sua ratio decidendi, foram as do artigo 28.º da LPTA e 
 as normas do CPA que indicam os casos de nulidade do acto administrativo 
 invocadas pelo recorrente mas que se entendeu não ocorrerem no caso: artigos 
 
 133.º, n.º 1, ex vi artigo 120.º, por pretensa falta de elemento essencial do 
 acto; 133.º, n.º 2, alínea a), por pretensa usurpação de poder; e 133.º, n.º 2, 
 alínea f), por pretensa carência absoluta de forma legal.
 
                         Tendo sido exclusivamente essas as normas relevantes 
 para a apreciação e decisão da questão colocada no recurso jurisdicional – a 
 tempestividade do recurso contencioso – e não tendo, por isso, entrado na 
 apreciação do mérito do recurso contencioso, consistente no apuramento da 
 existência, ou não, de situação de incompatibilidade, entendeu‑se na Decisão 
 Sumária ora reclamada que o acórdão recorrido não só não fez aplicação das 
 normas dos artigos 68.º e 69.º do EOA, como em parte alguma emite juízo sobre a 
 sua validade, e muito menos sobre a sua constitucionalidade, tendo‑se limitado 
 a constatar o entendimento jurisprudencial pacífico de que a eventual 
 inconstitucionalidade de uma norma não torna, só por si, nulo o acto 
 administrativo nela baseado, o qual, à falta de disposição legal expressa a 
 cominar a nulidade, segue a regra geral de que padecerá de vício de violação de 
 lei gerador de mera anulabilidade.
 
                         Este entendimento é inteiramente de manter, apenas se 
 recordando, de novo, a fundamentação desenvolvida no acórdão recorrido a 
 propósito da improcedência da tese da nulidade do acto por falta do “elemento 
 essencial” que derivaria da falta (no sentido de inexistência) de norma legal 
 habilitante para a sua prática (tendo sido exclusivamente a propósito deste 
 hipotético fundamento de nulidade do acto – e não dos outros dois a seguir 
 invocados –, que o recorrente, na alegação do recurso jurisdicional, suscitou a 
 questão da inconstitucionalidade dos artigos 68.º e 69.º do EOA):
 
  
 
             “II.2.4.4. Constituem causas de nulidade do acto administrativo as 
 que se mostram enunciadas no artigo 133.º do CPA, ou em lei especial. Ou seja, 
 a nulidade, como vício especial em direito administrativo, carece de 
 qualificação expressa em tal sentido.
 
             Para o recorrente, a primeira causa de nulidade traduzia‑se na falta 
 de elemento essencial ao acto, o qual seria a norma de direito público 
 habilitando o agente à sua prática.
 
             Vejamos.
 
             O conceito de «elementos essenciais do acto administrativo», para 
 efeitos do artigo 133.º, n.º 1, do CPA, tem a ver com a densificação desses 
 elementos, que decorre dos tipos de actos em causa ou da gravidade dos vícios 
 que os afecta, podendo pois dizer‑se que são nulos, nos termos daquele 
 normativo, os actos a que falte qualquer dos elementos indispensáveis para que 
 se possa constituir qualquer acto administrativo, incluindo os que caracterizam 
 cada espécie concreta, ou feridos de vícios graves e decisivos equiparáveis 
 
 àquela carência.
 
             Admitindo que o órgão da Administração em causa houvesse proferido 
 o acto sem que estivesse habilitado por lei a fazê‑lo, importa que se refira, à 
 semelhança do que a jurisprudência do STA há muito vem dizendo a propósito de 
 acto administrativo que aplica norma inconstitucional, que o mesmo não pode 
 considerar‑se nulo, mas como estando viciado por erro no pressuposto de direito, 
 que integra violação de lei, causal de mera anulabilidade. [sublinhado agora 
 acrescentado]
 
             De nulidade apenas poderia falar‑se se, com a falta de habilitação 
 legal, o acto incorresse nalguma das situações que a lei comina de nulidade, 
 nomeadamente por ofender o conteúdo essencial de um direito fundamental, o que 
 não é o caso do acto recorrido [sublinhado agora acrescentado], em que se está 
 perante suspensão de inscrição na OA por incompatibilidade com o exercício de 
 outra actividade, suspensão essa a que o interessado poderá, pois, por termo. 
 Vejam‑se, a propósito, pelo menos, os acórdãos do STA, de 27 de Junho de 1995 
 
 (Rec. n.º 26 483), de 6 de Julho de 1999 (Rec. n.º 31 304), de 9 de Novembro de 
 
 1999 (Rec. n.º 27 859), e de 7 de Maio de 2008 (Rec. n.º 1034/07‑2.ª Secção).
 
             Só que nem sequer pode falar‑se, por banda da AR, em falta de 
 habilitação legal para a emissão do acto.
 
             O que, no plano substantivo, está em causa é apenas uma simples 
 divergência sobre se a situação em que se encontrava o recorrente – exercendo a 
 actividade de ROC e inscrito na OA – constitui causa de incompatibilidade do 
 exercício de funções e, assim, conducente à suspensão da sua inscrição na OA. 
 Para a OA, uma tal situação fazia incorrer o recorrente no âmbito das 
 disposições combinadas dos citados artigos 68.º e 69.º dos Estatutos da Ordem 
 
 (vigorava à data do acto o Decreto‑Lei n.º 84/84) como fundamento de 
 incompatibilidades.
 
             Ora, se uma divergência sobre a interpretação da lei ao abrigo da 
 qual (ou sob cuja invocação) foi praticada uma decisão administrativa integrasse 
 falta de habilitação legal para a emissão do acto, seguramente que poderia 
 falar‑se sempre na falta de lei.
 
             Concluindo, não pode dizer‑se que o acto impugnado incorreu em 
 nulidade por falta de elemento essencial do acto.”
 
  
 
                         Concluindo‑se, assim, que o acórdão recorrido não fez 
 qualquer aplicação efectiva das normas identificadas no requerimento de 
 interposição do presente recurso, este surge como inadmissível, o que 
 determinava o não conhecimento do seu objecto, como correctamente se decidiu na 
 Decisão Sumária ora reclamada.
 
  
 
                         3. Termos em que, sem necessidade de considerações 
 suplementares, acordam em indeferir a presente reclamação, confirmando a 
 decisão sumária reclamada.
 
                         Custas pelo recorrente, fixando‑se a taxa de justiça em 
 
 20 (vinte) unidades de conta.
 Lisboa, 1 de Abril de 2009.
 Mário José de Araújo Torres 
 João Cura Mariano
 Rui Manuel Moura Ramos