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Processo n.º 205/07
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
  
 
          Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
 
  
 
  
 
                                                1. Relatório
 
                                                A. intentou, no Tribunal 
 Administrativo e Fiscal de Coimbra, acção administrativa especial contra o 
 Instituto de Segurança Social, I. P., impugnando a decisão que, com fundamento 
 em caducidade do respectivo direito (por ultrapassagem do prazo de 90 dias 
 fixado no artigo 61.º, n.º 1, do Decreto‑Lei n.º 119/99, de 14 de Abril), 
 indeferira o seu pedido de concessão de subsídio de desemprego (situação em que 
 se encontrava na sequência de rescisão com justa causa do contrato de trabalho 
 que a ligava à entidade empregadora, ocorrida em 9 de Maio de 2002), formulado 
 em 19 de Novembro de 2002, e peticionando a condenação do réu a praticar o acto 
 devido de atribuição desse subsídio à autora a partir da data em que esta 
 apresentou o referido requerimento.
 
                                                Por acórdão de 9 de Novembro de 
 
 2006 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra foi a acção julgada 
 procedente e o réu condenado a, através do órgão administrativo competente, e no 
 prazo de trinta dias, emitir acto administrativo que decida sobre o mérito do 
 pedido de atribuição de subsídio de desemprego formulado pela autora no seu 
 requerimento de 19 de Novembro de 2002, tendo, para o efeito, sido recusada a 
 aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade, do “segmento da norma do 
 artigo 61.º, n.º 1, do Decreto‑Lei n.º 119/99, de 14 de Abril, que estabelece o 
 prazo de 90 dias para apresentação do requerimento, por violação do direito dos 
 trabalhadores a assistência material em situação de desemprego involuntário 
 consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea e), da CRP”.
 
                                                Para alcançar esta conclusão o 
 referido acórdão desenvolveu a seguinte argumentação jurídica:
 
  
 
 “A questão suscitada pela autora assenta, em suma, no facto de a mesma 
 considerar que deve ser atribuído subsídio de desemprego mesmo quando aquele é 
 requerido para além do prazo de 90 dias previsto no artigo 61.º, n.º 1, do 
 Decreto‑Lei n.º 119/99, de 19 de Abril. Sustenta a autora que a não apresentação 
 do requerimento de concessão das prestações de desemprego no prazo de 90 dias 
 subsequentes à data em que se verificou o desemprego involuntário não pode 
 significar a preclusão do direito à percepção do subsídio, mas apenas que o 
 beneficiário que o tiver requerido em data posterior àqueles 90 dias só terá 
 direito ao subsídio desde a data em que formulou o pedido, contanto que esta se 
 compreenda num dos períodos de concessão referidos no artigo 31.º do Decreto‑Lei 
 n.º 119/99, de 14 de Abril; que a não se entender deste modo haverá que concluir 
 que a interpretação efectuada pelo réu da norma contida no referido artigo 61.º, 
 n.º 1, colide frontalmente não só com o disposto no artigo 59.º, n.º 1, alínea 
 e), da CRP, segundo o qual todos os trabalhadores têm direito a assistência 
 material, quando involuntariamente se encontrem em situação de desemprego, como 
 também com o consagrado nos n.ºs 1 e 3 do artigo 63.º da CRP, nos termos dos 
 quais é garantido o direito à segurança social na vertente da protecção dos 
 cidadãos em situação de desemprego, entre outras; que se o prazo de 90 dias 
 
 ínsito no artigo 61.º, n.º 1, do Decreto‑Lei n.º 119/99, de 14 de Abril, dever 
 ser interpretado como sendo um prazo cuja inobservância terá a virtualidade de 
 precludir o direito à percepção das prestações de desemprego mesmo a partir do 
 momento da entrega do requerimento para além dos 90 dias posteriores à 
 ocorrência da situação de desemprego involuntário, forçoso é concluir que aquela 
 norma é materialmente inconstitucional, por colidir com os artigos 59.º, n.º 1, 
 alínea e), e 63.º, n.ºs 1 e 3, da CRP; que a decisão de indeferimento está 
 ferida de ilegalidade, por violação dos direitos fundamentais da autora, 
 consagrados nos artigos 59.º, n.º 1, alínea e), e 63.º, n.ºs 1 e 3, da CRP, que 
 configura uma nulidade, nos termos do artigo 133.º, n.º 1, alínea d), do Código 
 do Procedimento Administrativo, por ofender o conteúdo essencial daqueles 
 direitos fundamentais da autora.
 
                        Atentemos, pois, no Decreto‑Lei n.º 119/99, de 14 de 
 Abril − diploma que estabelece, no âmbito do regime geral de segurança social 
 dos trabalhadores por conta de outrem, o quadro legal da reparação da 
 eventualidade de desemprego.
 De harmonia com o disposto no artigo 12.º, n.º 2, do Decreto‑Lei n.º 119/99, «a 
 titularidade do direito ao subsídio de desemprego é reconhecida aos 
 beneficiários cujo contrato de trabalho tenha cessado nos termos do artigo 7.º 
 daquele diploma e reúnam as respectivas condições de atribuição à data do 
 desemprego».
 E dispõe o artigo 61.º, n.º 1, do Decreto‑Lei n.º 119/99 que «a atribuição das 
 prestações de desemprego depende da apresentação do requerimento à instituição 
 de segurança social que abrange o trabalhador ou àquela em cujo âmbito de 
 competência territorial se situa a sua residência, no prazo de 90 dias 
 consecutivos a contar da data do desemprego», sendo que, em conformidade com o 
 artigo 62.º, n.º 1, do Decreto‑Lei n.º 199/99, é considerada como data do 
 desemprego o dia imediatamente subsequente àquele em que se verificou a 
 cessação do contrato de trabalho.
 Da matéria dada como provada nos presentes autos resulta que a autora rescindiu 
 o contrato de trabalho então em vigor por carta datada de 9 de Maio de 2002 
 invocando justa causa e que em 19 de Novembro de 2002 requereu a concessão de 
 subsídio de desemprego ao Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social 
 de Coimbra, através da apresentação do requerimento em formulário próprio (cf. 
 facto n.º 1 da matéria assente). Pelo que, à luz do disposto no citado artigo 
 
 61.º, n.º 1, do Decreto‑Lei n.º 197/99, a autora apresentou o requerimento para 
 atribuição de subsídio de desemprego para além do prazo de 90 dias ali previsto.
 Vejamos então agora se aquela norma, naquele segmento, é inconstitucional por 
 violação dos artigos 59.º, n.º 1, alínea e), e 63.º, n.º 3, da Constituição da 
 República Portuguesa.
 
                        O artigo 59.º, n.º 1, alínea e), da CRP dispõe o 
 seguinte:
 
  
 
 «1. Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, 
 território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm 
 direito: 
 a) (…)
 b) (…)
 c) (…)
 d) (…)
 e) À assistência material, quando involuntariamente se encontrem em situação de 
 desemprego;
 f) (…).»
 
  
 E o artigo 63.º da CRP dispõe o seguinte:
 
  
 
 «1. Todos têm direito à segurança social.
 
 2. Incumbe ao Estado organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança 
 social unificado e descentralizado, com a participação das associações 
 sindicais, de outras organizações representativas dos trabalhadores e de 
 associações representativas dos demais beneficiários.
 
 3. O sistema de segurança social protege os cidadãos na doença, velhice, 
 invalidez, viuvez e orfandade, bem como no desemprego e em todas as outras 
 situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para 
 o trabalho.
 
 4. Todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das 
 pensões de velhice e invalidez, independentemente do sector de actividade em 
 que tiver sido prestado.
 
 5. O Estado apoia e fiscaliza, nos termos da lei, a actividade e o funcionamento 
 das instituições particulares de solidariedade social e de outras de reconhecido 
 interesse público sem carácter lucrativo, com vista à prossecução de objectivos 
 de solidariedade social consignados, nomeadamente, neste artigo, na alínea b) do 
 n.º 2 do artigo 67.º, no artigo 69.º, na alínea e) do n.º 1 do artigo 70.º e nos 
 artigos 71.º e 72.º.»
 
 
 
                        O citado artigo 59.º, n.º 1, alínea e), da CRP consagra 
 um direito de cariz económica, conferindo aos trabalhadores um direito positivo 
 a uma prestação do Estado – assistência material – quando involuntariamente se 
 encontrem em situação de desemprego. E aquele direito tem a natureza análoga a 
 direito, liberdade e garantia (cf. artigo 17.º da CRP), atenta a sua 
 densificação constitucional [Vide neste sentido, Gomes Canotilho e Vital 
 Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição, Coimbra 
 Editora, 1993, págs. 141‑142 e 318‑320]. Assim, aquele direito constitucional 
 dos trabalhadores à assistência material na situação de desemprego involuntário 
 aproveita do regime constitucional próprio dos direitos, liberdades e 
 garantias.
 Aquela assistência material é efectivada através do subsídio de desemprego a 
 satisfazer pelo Sistema de Segurança Social, nos termos da Constituição da 
 República Portuguesa (artigo 63.º), da Lei de Bases da Segurança Social aprovada 
 pela Lei n.º 32/2002, de 20 de Dezembro (artigos 4.º, alínea c), 29.º, n.º 1, 
 alínea c), e 33.º, n.º 1) e do Decreto‑Lei n.º 119/99, de 14 de Abril (artigo 
 
 2.º, alínea a)).
 Assim, o subsídio de desemprego visa proteger os trabalhadores (e as suas 
 famílias) na situação de desemprego, através da concessão de prestações 
 pecuniárias (mensais) substitutivas dos rendimentos da actividade profissional 
 perdidos. Trata‑se, por conseguinte, de uma prestação pecuniária continuada que 
 perdura no tempo, e que se mantém enquanto se verificar a situação de desemprego 
 involuntário (e pelo período de concessão legalmente previsto). E destina‑se a 
 assegurar aos trabalhadores colocados em situação de desemprego involuntário os 
 rendimentos que estes deixaram de auferir.
 A Lei (Decreto‑Lei n.º 119/99) faz depender a atribuição do subsídio de 
 desemprego da apresentação de requerimento para o efeito. E estipula (no artigo 
 
 61.º, n.º 1) um prazo (de 90 dias) para a sua apresentação.
 
 É o seguinte o disposto no artigo 61.º, n.º 1, do Decreto‑Lei n.º 119/99:
 
  
 
 «A atribuição das prestações de desemprego depende da apresentação do 
 requerimento à instituição de segurança social que abrange o trabalhador ou 
 
 àquela em cujo âmbito de competência territorial se situa a sua residência, no 
 prazo de 90 dias consecutivos a contar da data do desemprego.»
 
  
 De harmonia com o disposto no artigo 9.º do Código Civil, o intérprete deve, na 
 fixação do sentido e alcance da lei, presumir que o legislador consagrou as 
 soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, e 
 reconstituir, a partir da letra da lei, o pensamento legislativo, tendo 
 sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico e as circunstâncias em que a 
 lei foi elaborada. E na determinação do verdadeiro sentido e alcance das normas 
 legais, o intérprete tem que utilizar sempre conjuntamente o elemento gramatical 
 
 (a letra da lei) e o elemento lógico (o espírito da lei), neste se incluindo o 
 elemento racional ou teleológico, o elemento sistemático e o elemento histórico 
 
 (Baptista Machado, in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 
 Coimbra, 1985, pág. 181).
 A esta luz, o prazo de 90 dias previsto na parte final do artigo 61.º, n.º 1, do 
 Decreto‑Lei n.º 119/99 é um prazo de caducidade, em conformidade com o artigo 
 
 298.º, n.º 2, do Código Civil. De onde resulta que, não sendo o requerimento 
 apresentado naquele prazo, fica precludido o correspectivo direito. Ora, tal 
 norma, naquele segmento, viola o direito constitucional à assistência material 
 dos trabalhadores em caso de desemprego involuntário. Com efeito, a exigência 
 introduzida pela lei ordinária da apresentação de requerimento dentro de prazo 
 determinado a contar da data da verificação da situação de desemprego 
 involuntário para que o trabalhador possa perceber o subsídio de desemprego 
 colide com o conteúdo do direito constitucional consagrado no artigo 59.º, n.º 
 
 1, alínea e), da CRP. Com efeito, e como já vimos, o subsídio de desemprego visa 
 proteger os trabalhadores (e as suas famílias) na situação de desemprego, 
 através da concessão de prestações pecuniárias substitutivas dos rendimentos da 
 actividade profissional perdidos, satisfeita de forma continuada, perdurando no 
 tempo, e mantendo-se enquanto se verificar a situação de desemprego involuntário 
 
 (e pelo período de concessão legalmente previsto). Ora, conforme assinala Vaz 
 Serra, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 107.º, pág. 24, «a 
 caducidade é estabelecida com o fim de, dentro de certo prazo, se tornar certa, 
 se consolidar, se estabelecer determinada situação jurídica», constituindo, 
 assim, um instrumento ao serviço da segurança jurídica. Nos termos do 
 Decreto‑Lei n.º 119/99, as prestações de desemprego são devidas desde a data do 
 requerimento e o seu período de concessão é estabelecido em função da idade do 
 beneficiário à mesma data (cf. artigos 30.º e 31.º, n.º 1), podendo ir até 30 
 meses (acrescidos ainda de 2 meses por cada grupo de 5 anos com registo de 
 remunerações no âmbito do regime geral, nos últimos 20 anos civis que precedem o 
 do desemprego para os beneficiários que à data do requerimento tenham idade 
 igual ou superior a 45 anos). Assim, a preclusão do direito à percepção das 
 prestações de desemprego decorrente da não apresentação do pedido de atribuição 
 de subsídio no prazo de 90 dias previsto no artigo 61.º, n.º 1, do Decreto‑Lei 
 n.º 119/99 priva os trabalhadores em situação de desemprego involuntário da 
 percepção de prestações pecuniárias substitutivas das remunerações salariais 
 perdidas durante o período em que lhe seriam concedidas (perdurando a situação 
 de desemprego involuntário) se tivessem sido requeridas dentro daquele prazo.
 Aos tribunais é vedada a aplicação de normas que infrinjam o disposto na 
 Constituição ou os princípios nela consignados, devendo recusar a aplicação de 
 qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade (cf. artigos 204.º, 
 
 277.º e 280.º, n.º 1, da CRP).
 Resultando inconstitucional, nos termos supra expostos, o segmento da norma do 
 artigo 61.º, n.º 1, do Decreto‑Lei n.º 119/99, de 14 de Abril, que estabelece o 
 prazo de 90 dias para apresentação do requerimento, por violação do direito dos 
 trabalhadores a assistência material em situação de desemprego involuntário 
 consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea e), da CRP, há que recusar a sua 
 aplicação ao caso concreto – artigos 204.º, 277.º e 280.º, n.º 1, da CRP.
 
                        Aqui chegados, cumpre, neste momento, decidir o caso dos 
 autos desaplicando aquele segmento da norma contida no artigo 61.º, n.º 1, do 
 Decreto‑Lei n.º 119/99, de 14 de Abril.
 
  
 
                        Nos presentes autos, a autora impugna a decisão de 
 indeferimento do requerimento de concessão de subsídio de desemprego vertida no 
 documento de fls. 21 e seguintes do processo administrativo (facto n.º 6 da 
 matéria assente) e mantida por deliberação do Conselho Directivo do Instituto de 
 Segurança Social, de 29 de Julho de 2004, vertida no documento de fls. 56 e 
 seguintes do processo administrativo (facto n.º 9 da matéria assente), em sede 
 de recurso hierárquico, peticionando a decretação da anulação ou da nulidade do 
 acto e a condenação do réu a praticar o acto devido de atribuição de subsídio de 
 desemprego à autora a partir da data em que esta apresentou o requerimento 
 respectivo (19 de Novembro de 2002).
 E como já vimos supra, uma vez que em causa nos autos está uma decisão de 
 indeferimento expresso, o que importa é apreciar e decidir se o réu recusou 
 ilegalmente a prática de acto considerado devido no entender da autora e se se 
 verificam os requisitos legais para a procedência da pretensão material da 
 interessada (já que, atento o objecto do processo, a atenção do Tribunal deve 
 focar‑se na pretensão material do interessado e não no acto que a não deferiu).
 Ora, quanto à primeira questão, atendendo à factualidade dada como provada nos 
 presentes autos – designadamente aos factos n.ºs 4, 6 e 9 – resulta que o 
 Instituto de Segurança Social expressamente recusou a atribuição de subsídio de 
 desemprego requerido pela autora invocando o disposto no artigo 61.º, n.º 1, do 
 Decreto‑Lei n.º 119/99, de 14 de Abril, e considerando, à luz daquela norma, bem 
 como da norma do artigo 63.º, n.º 3, do mesmo diploma, que a autora não tem 
 direito à concessão de subsídio de desemprego por o ter requerido para além do 
 prazo de 90 dias contado da data em que cessou o contrato de trabalho, não se 
 verificando o condicionalismo previsto no n.º 3 do artigo 63.º para a suspensão 
 daquele prazo. Uma vez que, nos termos supra expostos, é de desaplicar o 
 segmento da norma do artigo 61.º, n.º 1, do Decreto‑Lei n.º 119/99, de 14 de 
 Abril, por inconstitucional, resulta ilegal, por violação de lei, a decisão 
 administrativa que, com fundamento naquela norma, recusou a atribuição de 
 subsídio de desemprego à autora.
 
                        E quanto à apreciação do pedido condenatório e uma vez 
 que, tal como resulta da matéria dada como provada dos autos, os serviços do réu 
 não procederam à verificação dos pressupostos para a atribuição do requerido 
 subsídio de desemprego, tendo‑se ficado pela apreciação da tempestividade do 
 pedido, indeferindo‑o com fundamento na sua extemporaneidade, impõe‑se, por 
 conseguinte, que o réu proceda à apreciação do fundo do pedido formulado pela 
 autora no seu requerimento de 19 de Novembro de 2002.
 
                        Pelo que se condena o réu a, através do órgão 
 administrativo competente, e no prazo de trinta dias, emitir acto 
 administrativo que decida sobre o mérito do pedido de atribuição de subsídio de 
 desemprego formulado pela autora no seu requerimento de 19 de Novembro de 2002.”
 
  
 
                                                É deste acórdão que, pelo 
 representante do Ministério Público junto do tribunal recorrido, vem interposto 
 o presente recurso, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de 
 Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada 
 pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 
 
 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), pretendendo‑se ver apreciada a questão da 
 inconstitucionalidade, por violação do direito dos trabalhadores a assistência 
 material em situação de desemprego involuntário, consagrado no artigo 59.º, n.º 
 
 1, alínea e), da Constituição da República Portuguesa (CRP), da norma do artigo 
 
 61.º, n.º 1, do Decreto‑Lei n.º 119/99, de 14 de Abril, no segmento que 
 estabelece o prazo de 90 dias para apresentação do requerimento para a 
 atribuição dos subsídios de desemprego.
 
                                                No Tribunal Constitucional, o 
 representante do Ministério Público apresentou alegações, que culminam com a 
 formulação das seguintes conclusões:
 
  
 
 “1.º – É materialmente inconstitucional, por violação do princípio da 
 proporcionalidade conjugado com o «direito social» previsto nos artigos 59.º, 
 n.º 1, alínea e), e 63.º, n.º 3, da Constituição, a norma constante do artigo 
 
 61.º, n.º 1, do Decreto‑Lei n.º 119/99, de 14 de Abril, enquanto estabelece um 
 prazo de caducidade de 90 dias para o interessado requerer à Segurança Social a 
 atribuição das prestações de desemprego, contado da data em que tal situação se 
 verificou, determinando qualquer «mora» do trabalhador desempregado na 
 respectiva formulação a irremediável preclusão do direito global a todas as 
 prestações a que teria direito, substitutivas das remunerações salariais 
 perdidas durante todo o período de desemprego involuntário.
 
 2.º – Termos em que deverá confirmar‑se o juízo de inconstitucionalidade 
 formulado pela decisão recorrida.”
 
  
 
                                                A recorrida, notificada para 
 contra‑alegar, veio declarar que dava por integralmente reproduzidas, para 
 todos os efeitos legais, as alegações apresentadas pelo Ministério Público.
 
                                                Tudo visto, cumpre apreciar e 
 decidir:
 
  
 
  
 
  
 
                                                2. Fundamentação.
 
                                                2.1. Em termos constitucionais, a 
 situação de desemprego não é apenas uma daquelas “situações de falta ou 
 diminuição de meios de subsistência” em que incumbe ao “sistema de segurança 
 social” a protecção dos “cidadãos” (artigo 63.º, n.º 3, da CRP, inserido no 
 capítulo dedicado aos Direitos e deveres sociais). Especificamente quanto aos 
 trabalhadores que “involuntariamente se encontrem em situação de desemprego”, o 
 artigo 59.º, n.º 1, alínea e), da CRP (inserido no capítulo dedicado aos 
 Direitos e deveres económicos) confere expressa e directamente a esses 
 trabalhadores o direito a “assistência material”.
 
                                                O direito a assistência material 
 nas situações de desemprego involuntário constitui, assim, um direito 
 fundamental dos trabalhadores, com amplo âmbito de aplicação (abrangendo os 
 trabalhadores da Administração Pública, como se decidiu no Acórdão n.º 474/2002, 
 e os trabalhadores independentes), embora a sua plena concretização dependa das 
 disponibilidades financeiras e materiais do Estado (Jorge Miranda e Rui 
 Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, Coimbra, 2005, pp. 609‑610). 
 Para J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa 
 Anotada, 4.ª edição, vol. I, Coimbra, 2007, p. 774), o direito ao subsídio de 
 desemprego consiste numa espécie de compensação ou indemnização por não 
 satisfação do direito ao trabalho (proclamado no artigo 58.º, n.º 1), pelo que, 
 nesta perspectiva, ele deveria satisfazer os seguintes requisitos: (a) ser 
 universal, abrangendo todos os desempregados, independentemente de já terem tido 
 um emprego ou não; (b) manter‑se enquanto persistir a situação de desemprego, 
 não podendo, portanto, ter um limite temporal definido; (c) permitir ao 
 desempregado uma existência condigna, não podendo portanto ficar muito aquém do 
 salário mínimo garantido. Reconhecendo embora que a realização deste direito 
 prestacional, de natureza positiva, depende do legislador e da sua implementação 
 administrativa e financeira, entendem os referidos autores que o regime legal 
 actual (Decreto‑Lei n.º 119/99) não dá resposta aos apontados requisitos.
 
                                                No citado Acórdão n.º 474/2002, 
 em que se deu por verificado o não cumprimento da Constituição, por omissão das 
 medidas legislativas necessárias para tornar exequível o direito previsto na 
 alínea e) do n.º 1 do seu artigo 59.º, relativamente a trabalhadores da 
 Administração Pública, o Tribunal Constitucional entendeu não ser relevante, 
 para a tarefa então em causa (apuramento de uma situação de 
 inconstitucionalidade por omissão), a adopção de uma posição expressa quanto à 
 qualificação – sustentada pelo requerente (Provedor de Justiça) – do direito à 
 assistência material em situação involuntária de desemprego como um direito de 
 natureza análoga à dos denominados direitos, liberdades e garantias, pois para a 
 ocorrência de uma situação de inconstitucionalidade por omissão basta que o 
 legislador não tenha executado, ou tenha executado apenas parcialmente, uma 
 imposição constitucional concreta, mesmo que o direito em causa seja um direito 
 social e não deva ser tido como análogo aos direitos, liberdades e garantias.
 
                                                Seja como for, a inegável 
 fundamentalidade do direito dos trabalhadores à assistência material em 
 situação de desemprego involuntário implica – obviamente sem questionar a 
 liberdade de conformação do legislador na concretização material desse direito – 
 que a regulação do correspondente procedimento administrativo fique subordinada 
 ao princípio da proporcionalidade, no sentido de que as exigências 
 procedimentais devem ser necessárias e adequadas e de que as consequências do 
 seu incumprimento devem ser razoáveis.
 
  
 
                                                2.2. O Decreto‑Lei n.º 119/99, 
 editado em desenvolvimento do regime jurídico estabelecido na Lei n.º 28/84, de 
 
 14 de Agosto, após regular substantivamente as medidas de reparação do 
 desemprego, designadamente de natureza prestacional e respectivas condições de 
 atribuição, montantes e duração, insere, no plano procedimental ou adjectivo, 
 regras relativas ao processamento e gestão de tais prestações, resultando do 
 artigo 61.º, n.º 1, na interpretação desaplicada pela decisão recorrida, a 
 fixação de um prazo de caducidade da totalidade das prestações que integram o 
 subsídio de desemprego se o interessado não requerer a sua atribuição nos “90 
 dias consecutivos a contar da data do desemprego”.
 
                                                O subsequente artigo 63.º prevê 
 diversas situações de suspensão deste prazo, entre elas a de incapacidade por 
 doença (alínea a) do n.º 1), mas, quanto a esta causa de suspensão, o n.º 3 do 
 preceito exige que, quando a incapacidade se prolongue por mais de 30 dias, 
 seguidos ou interpolados, só determina a suspensão “se confirmada pelo sistema 
 de verificação de incapacidades, após comunicação do facto pelo interessado”. 
 No presente caso, embora a requerente tenha invocado uma situação de doença, 
 susceptível de funcionar como “justo impedimento” da tempestiva formulação do 
 requerimento, apresentando atestado médico (cf. fls. 14 do processo 
 administrativo anexo), não cumpriu o ónus de provocar a “confirmação” de tal 
 incapacidade pelo “sistema de verificação” instituído e, por isso, não foi 
 considerada qualquer suspensão do aludido prazo de 90 dias.
 
                                                Como resulta da decisão 
 recorrida, não se questiona a constitucionalidade da exigência de formulação 
 pelo próprio interessado de pedido de concessão de subsídio de desemprego, nem 
 sequer do estabelecimento de um prazo para tal formulação.
 
                                                O que está em causa – como se 
 salienta nas alegações do Ministério Público, convocando o princípio da 
 proporcionalidade – não é, porém, o estabelecimento de tal prazo, ou mesmo a sua 
 normal suficiência para a dedução do pedido pelo trabalhador em situação de 
 desemprego involuntário, mas antes a razoabilidade das consequências associadas 
 ao incumprimento desse prazo. É que importa distinguir o direito global ou 
 complexo às prestações emergentes da verificação de uma situação de desemprego 
 relevante, podendo o período de concessão do subsídio de desemprego alcançar, 
 nos termos do artigo 31.º, n.º 2, do Decreto‑Lei n.º 119/99, 30 meses (ainda 
 susceptíveis dos acréscimos previstos no subsequente n.º 3) para os 
 beneficiários com idade igual ou superior a 45 anos de idade (como era o caso da 
 requerente, nascida em 14 de Setembro de 1948 – cf. fls. 1 do processo 
 administrativo anexo); e o direito a cada uma das prestações parcelares que 
 sucessivamente se vão vencendo, a partir da data do requerimento.
 
                                                Nem a decisão recorrida nem o 
 recorrente questionam que o retardamento injustificado na apresentação do 
 requerimento pelo interessado – iniciando ou impulsionando o procedimento de 
 verificação pela Segurança Social dos pressupostos ou condições da atribuição 
 das prestações – possa fazer caducar ou precludir as prestações parcelares que 
 entretanto se poderiam ter vencido. O que se reputa inconstitucional, por 
 desproporcionado, é o entendimento segundo o qual qualquer atraso no cumprimento 
 do referido prazo peremptório de 90 dias dita a irremediável caducidade do 
 direito global a todas as prestações.
 
                                                Como refere o recorrente, não se 
 vê que as razões de segurança jurídica, subjacentes ao estabelecimento de 
 prazos de caducidade, sejam suficientes para – com base em qualquer “mora” do 
 trabalhador desempregado – o privar, na totalidade, da percepção de todas as 
 prestações pecuniárias substitutivas das remunerações salariais perdidas durante 
 o período em que lhe deveriam ser concedidas, perdurando a situação de 
 desemprego involuntário: a circunstância de a autora ter formulado a sua 
 pretensão perante a Segurança Social apenas em 19 de Novembro de 2002 (quando o 
 deveria ter feito até 9 de Agosto de 2002) não é susceptível de dificultar, de 
 modo relevante, a actividade procedimental cometida à Segurança Social no âmbito 
 do procedimento em causa, destinada essencialmente a ajuizar da existência dos 
 pressupostos e condições do direito às prestações de desemprego e calcular a 
 respectiva duração e montante – sendo certo que tal “mora” dos trabalhadores 
 sempre ditará a preclusão ou caducidade das prestações parcelares que se teriam 
 vencido até à referida data de apresentação do requerimento.
 
                                                A estas considerações – que se 
 sufragam – apenas se aditará que, tendo o subsídio de desemprego uma função 
 sucedânea da remuneração salarial de que o trabalhador se viu privado e sendo a 
 situação de desemprego, geradora do direito àquele subsídio, por natureza uma 
 situação permanente e não instantânea, que se prolonga e renova no tempo, é de 
 todo desrazoável fulminar com a perda definitiva e irreversível do direito ao 
 subsídio de desemprego, por todo o tempo (futuro) em que o trabalhador a ele 
 teria direito (que se pode prolongar por anos), por qualquer atraso na 
 formulação inicial do pedido. A situação de desemprego involuntário, em que se 
 funda o direito ao subsídio de desemprego, persistia no momento em que o pedido 
 da sua concessão foi formulado e ter‑se‑á prolongado para além dessa data. Negar 
 este direito, embora limitado ao período temporal em que se pode considerar ter 
 sido tempestivamente exercitado, significa, em termos substanciais, uma 
 negação, sem motivo adequado, do próprio direito dos trabalhadores, 
 constitucionalmente garantido, à assistência material em situação de desemprego 
 involuntário.
 
  
 
  
 
                                                3. Decisão
 
                                                Em face do exposto, acordam em:
 
                                                a) Julgar inconstitucional, por 
 violação do princípio da proporcionalidade conjugado com o artigo 59.º, n.º 1, 
 alínea e), da Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 61.º, n.º 
 
 1, do Decreto‑Lei n.º 119/99, de 14 de Abril, interpretado no sentido de que o 
 incumprimento do prazo de 90 dias consecutivos a contar da data do desemprego 
 para o interessado requerer à Segurança Social a atribuição do subsídio de 
 desemprego determina a irremediável preclusão do direito global a todas as 
 prestações a que teria direito durante todo o período de desemprego 
 involuntário; e, consequentemente,
 
                                                b) Confirmar o acórdão recorrido, 
 na parte impugnada.
 
                                                Sem custas.
 Lisboa, 2 de Maio de 2007.
 Mário José de Araújo Torres 
 Benjamim Silva Rodrigues
 João Cura Mariano
 Rui Carlos Pereira
 Rui Manuel Moura Ramos