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Processo n.º 876/06
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
  
 
  
 
                    Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
 
  
 
  
 
                                  1. A. apresentou reclamação para a 
 conferência, ao abrigo do n.º 3 do artigo 78.º‑A da Lei de Organização, 
 Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 
 
 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 
 de Fevereiro (LTC), contra a decisão sumária do relator, de 18 de Outubro de 
 
 2006, que decidiu, no uso da faculdade conferida pelo n.º 1 desse preceito, 
 não conhecer do objecto do recurso.
 
  
 
                                  1.1. A decisão sumária reclamada tem o seguinte 
 teor:
 
  
 
                  “1. A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao 
 abrigo das alíneas b), f) e i) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, 
 Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei 
 n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, 
 de 26 de Fevereiro (LTC), contra o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 
 
 14 de Setembro de 2006, que, concedendo parcial provimento ao recurso por ele 
 interposto contra acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa – que confirmara a 
 sua condenação, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, na pena 
 de 6 anos de prisão – reduziu a pena aplicada para 5 anos de prisão.
 
                  No requerimento de interposição do recurso de 
 constitucionalidade, o recorrente refere:
 
  
 
 «1 – O douto acórdão ora em recurso enferma dos seguintes vícios:
 a) insuficiência de prova e erro notório na respectiva apreciação, com violação 
 do artigo 410.º, n.º 2, alíneas a) e c), do CPP;
 b) suprimento ilegítimo das imputações genéricas fixadas pelo Tribunal da 
 Relação relativamente aos factos descritos sob os n.ºs 13 a 16; 
 c) afastamento da decisão a proferir na repetição do julgamento quanto ao 
 co‑arguido B., uma vez que é parte interessada nos autos, sendo a fixação da 
 matéria de facto dada como provada e não provada quanto ao mesmo relevante para 
 o processo de convicção do tribunal em relação a todos eles, uma vez que este 
 recorrente invocou o estatuto de arrependido (artigo 31.º do Decreto‑Lei n.º 
 
 15/93, de 22 de Janeiro).
 
 2 – Vícios estes que diminuem as garantias de defesa constitucionalmente 
 consagradas no artigo 32.º da CRP.
 
 3 – De facto, a douta decisão proferida não apreciou devidamente as questões de 
 facto e de direito existentes nos autos.
 Assim, vejamos:
 
 4 – O Venerando Tribunal da Relação de Lisboa julgou improcedente a impugnação 
 da matéria de facto deduzida pelo recorrente sustentando que este não satisfez o 
 
 ónus a que está vinculado nos termos do artigo 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP.
 Ora, este tribunal relevou que o arguido C. adquiriu com frequência, de Junho 
 de 2003 a meados de Janeiro de 2004, cannabis‑resina ao arguido A., em 
 quantidades de cerca de 10g de cada vez;
 O arguido D. enviou, pelo correio, ao A. cannabis‑resina durante cerca de um 
 mês;
 A arguida E. adquiriu ao arguido A. cannabis‑resina em quantidades que variavam 
 entre 6g e 250g, de Junho a Dezembro de 2003;
 O arguido C. encomendou, por telefone, ao A. cannabis‑resina no dia 10 de 
 Novembro de 2003, pelas 15H00.
 
 5 – O Venerando Supremo Tribunal de Justiça sustenta, em seu douto entendimento, 
 que os factos descritos sob os n.ºs 36, 37, 40, 1.ª parte, 42, 57 e 62 bastam 
 para a incriminação do arguido uma vez que de modo algum podem ser qualificados 
 como imputações genéricas.
 Concede, no entanto, que não ficaram concretizadas as quantidades no tocante 
 aos factos descritos sob os n.ºs 13 a 16.
 Suprindo tais insuficiências mediante o critério de um mínimo de 62g à E. e 10g 
 ao C. de cannabis‑resina comprados ao arguido, ora recorrente, pelo menos por 
 uma vez.
 O que, do ponto de vista da defesa, está vedado fixar pelos Tribunais 
 Superiores.
 
 6 – Acresce que o Tribunal a quo considera que a imagem global do quadro 
 fáctico provado aponta para uma situação que já não é a de alguém que actua 
 isoladamente, de um simples dealer de rua, tudo decorrendo já de um elevado grau 
 de organização, atendendo à qualidade e quantidade dos produtos apreendidos, à 
 quantidade dos transaccionados regularmente ao longo de vários meses, e ainda 
 os meios utilizados no contrato com os fornecedores e destinatários dos 
 produtos.
 Concluindo o douto acórdão que não se vêem assim razões para alterar a 
 qualificação do crime imputado ao arguido.
 
 7 – Salvo o devido respeito por tão douta opinião e no que tange à medida da 
 pena o douto acórdão relevou as razões de prevenção geral que se fazem sentir, 
 já que o tráfico de droga é o maior flagelo que atinge a sociedade actual a par 
 do terrorismo, mormente os danos na saúde física e psíquica dos cidadãos 
 especialmente jovens e as sequelas que tal actividade provoca no seio das 
 famílias e no tecido social, devido aos comportamentos desviantes e conexos.
 Ora, o recorrente também foi vítima desse comportamento desviante conexo, já 
 que:
 
 – está desempregado, não tem dinheiro para adquirir produto e, por isso, 
 trafica;
 
 – adquire o produto e parte dele consome‑o.
 Estando provado nos autos que exerceu a função de auxiliar de acção médica no 
 Hospital Curry Cabral durante 6 anos, até ao limite permitido por lei, não tendo 
 conseguido entrar para o quadro.
 Ficou desempregado em Novembro de 2002, tendo nessa altura recorrido ao 
 subsídio de desemprego.
 Era toxicodependente, encontrando‑se presentemente sem consumir.
 Com estes pressupostos, e uma vez que desde Abril de 2004 trabalha como 
 segurança, levando uma vida regrada e afastada do tráfico de droga, deveria ter 
 sido contemplado pelo espírito da lei ínsito no artigo 31.º do Decreto‑Lei n.º 
 
 15/93, de 22 de Janeiro.
 EM CONCLUSÃO:
 O douto acórdão proferido viola expressamente o artigo 205.º, n.º 1, da 
 Constituição da República Portuguesa, diminui as garantias de defesa 
 consagradas no artigo 32.º do mesmo diploma, sendo o presente recurso 
 interposto ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, da Lei n.º 28/82, de 15 
 de Novembro, alíneas b), f) e i).»
 
  
 
                  O recurso foi admitido pelo Conselheiro Relator do STJ, decisão 
 que, como é sabido, não vincula o Tribunal Constitucional (artigo 76.º, n.º 3, 
 da LTC), e, de facto, entende‑se que o recurso em causa é inadmissível, o que 
 possibilita a prolação de decisão sumária de não conhecimento, ao abrigo do 
 disposto no n.º 1 do artigo 78.º‑A da LTC.
 
  
 
                  2. No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, 
 a competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge‑se ao controlo da 
 inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade 
 constitucional imputada a normas jurídicas (ou a interpretações normativas, 
 hipótese em que o recorrente deve indicar, com clareza e precisão, qual o 
 sentido da interpretação que reputa inconstitucional), e já não das questões de 
 inconstitucionalidade imputadas directamente a decisões judiciais, em si 
 mesmas consideradas, ou a condutas ou omissões processuais. A distinção entre 
 os casos em que a inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa 
 daqueles em que é imputada directamente a decisão judicial radica em que na 
 primeira hipótese é discernível na decisão recorrida a adopção de um critério 
 normativo (ao qual depois se subsume o caso concreto em apreço), com carácter 
 de generalidade, e, por isso, susceptível de aplicação a outras situações, 
 enquanto na segunda hipótese está em causa a aplicação dos critérios 
 normativos tidos por relevantes às particularidades do caso concreto.
 
                  O presente recurso vem interposto ao abrigo das alíneas b), f) 
 e i) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
 
                  A admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea b) 
 depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de 
 inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo 
 processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão 
 recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2 do artigo 
 
 72.º da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio 
 decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo 
 recorrente.
 
                  Por seu turno, a admissibilidade do recurso interposto ao 
 abrigo da alínea f) pressupõe que a decisão recorrida aplicou norma cuja 
 ilegalidade haja sido suscitada pelo recorrente perante o tribunal recorrido, 
 com fundamento em: (i) violação de lei com valor reforçado, tratando‑se de norma 
 constante de acto legislativo; (ii) violação de estatuto de região autónoma ou 
 de lei geral da República, tratando‑se de norma constante de diploma regional; 
 ou (iii) violação de estatuto de região autónoma, tratando‑se de norma emanada 
 de um órgão de soberania.
 
                  Por último, a admissibilidade do recurso interposto ao abrigo 
 da alínea i) depende de a decisão recorrida haver recusado a aplicação de norma 
 constante de acto legislativo, com fundamento na sua contrariedade com uma 
 convenção internacional, ou de a mesma decisão haver aplicado norma constante 
 de acto legislativo em desconformidade com o anteriormente decidido sobre a 
 questão (a questão da contrariedade dessa norma com uma convenção 
 internacional) pelo Tribunal Constitucional.
 
  
 
                  3. Nenhum dos apontados requisitos de admissibilidade dos 
 recursos se verifica no presente caso.
 
                  O recorrente não suscitou, perante o tribunal recorrido, 
 qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, nem de ilegalidade (por 
 violação de lei com valor reforçado, de lei geral da República ou de estatuto de 
 região autónoma) nem de contrariedade de norma legal com convenção 
 internacional, nem a decisão recorrida recusou a aplicação de qualquer norma com 
 este último fundamento ou aplicou norma em desconformidade com o decidido sobre 
 esta questão pelo Tribunal Constitucional.
 
                  Nem sequer no requerimento de interposição de recurso para o 
 Tribunal Constitucional o recorrente identificou qualquer questão de 
 inconstitucionalidade ou de ilegalidade normativa – isto é: não imputou a 
 qualquer norma ou interpretação normativa violação directa de normas ou 
 princípios constitucionais ou de normas legais ou convencionais de superior 
 valor –, limitando‑se a acusar directamente a decisão judicial impugnada, em si 
 mesma considerada, de violar normas constitucionais, o que, como se assinalou, 
 não constitui objecto idóneo de recurso de constitucionalidade.
 
  
 
                  4. Em face do exposto, decide‑se, ao abrigo do n.º 1 do artigo 
 
 78.º‑A da LTC, não conhecer do objecto do recurso.
 
                  
 
                                  1.2. A reclamação apresentada pelo recorrente 
 limita‑se a suscitar a intervenção da conferência, sem enunciar qualquer 
 fundamento tendente a demonstrar o desacerto da decisão sumária.
 
  
 
                                  1.3. Notificado da interposição desta 
 reclamação, o representante do Ministério Público neste Tribunal apresentou a 
 seguinte resposta:
 
  
 
                  “1 – A presente reclamação – deduzida sem que o reclamante cure 
 sequer de enunciar as razões por que discorda da decisão reclamada – é 
 manifestamente improcedente.
 
                  2 – Pelo que deverá tal decisão ser inteiramente confirmada.”   
 
     
 
  
 Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                                  2. Como se ponderou no Acórdão n.º 514/2003 
 
 (entendimento que foi reiterado nos Acórdãos n.ºs 87/2005, 93/2005, 714/2005 e 
 
 216/2006):
 
  
 
                  “A natureza colegial dos tribunais superiores implica que, em 
 regra, a formação de julgamento integre, no mínimo, três juízes e a tomada de 
 decisão exija, também no mínimo, dois votos conformes. Admitindo, porém, a lei, 
 por óbvias razões de economia e celeridade processuais, que certas decisões 
 sejam tomadas individualmente pelo relator, esta possibilidade não podia deixar 
 de ser acompanhada pela outorga à parte que se sinta prejudicada com tais 
 decisões da faculdade de as fazer reexaminar pela conferência, de composição 
 colegial. Assim sendo, a circunstância de o reclamante não ter explicitado as 
 razões pelas quais discorda do despacho reclamado não conduz inexoravelmente ao 
 indeferimento da reclamação (e muito menos ao seu não conhecimento), antes se 
 impõe que a conferência repondere a questão, bem podendo acontecer que, mesmo 
 na ausência de críticas do reclamante ao despacho reclamado, no colectivo de 
 juízes acabe por prevalecer entendimento diverso do inicialmente assumido pelo 
 relator.”
 
  
 
                                  Porém, no presente caso, procedendo‑se a essa 
 reponderação, entende‑se que, pelas razões indicadas na decisão sumária 
 reclamada, o presente recurso é inadmissível.
 
  
 
                                  3. Em face do exposto, acordam em indeferir a 
 presente reclamação.
 
                                  Custas pelo recorrente, fixando‑se a taxa de 
 justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
 
                                  Lisboa, 28 de Novembro de 2006.
 Mário José de Araújo Torres
 Paulo Mota Pinto
 Rui Manuel Moura Ramos