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Processo n.º 102/09
 
 3ª Secção
 Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
 
 
 Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
 
 I – RELATÓRIO
 
  
 
 1. Nos presentes autos, A. reclama (fls. 2 a 6), com fundamento no n.º 4 do 
 artigo 76º da LTC, do despacho de não admissão de recurso para o Tribunal 
 Constitucional proferido pelo Relator junto da 5ª Secção Criminal do Tribunal da 
 Relação de Coimbra, em 19 de Dezembro de 2008 (fls. 30), com fundamento na falta 
 de aplicação efectiva, pela decisão recorrida, da norma extraída do artigo 358º 
 do Código de Processo Penal.
 
  
 
 2. Sintetizando, a reclamação deduzida aduz os seguintes argumentos:
 
  
 
 “Em síntese, o reclamante suscitou, em sede de recurso, a questão da 
 inconstitucionalidade, em termos de o Tribunal recorrendo estar obrigado a dela 
 conhecer.
 
 (…)
 A questão suscitada pelo reclamante é a seguinte: inconstitucionalidade 
 relacionada com a eventual alteração, na decisão condenatória, de factos 
 constantes na Acusação, sem que ao arguido tenha sido concedida a oportunidade 
 de sobre eles apresentar ou manifestar a sua Defesa, ex vi artº. 358º. do Códº. 
 Procº. Penal.
 
 (…)
 O Tribunal da Relação de Coimbra procedeu a uma operação hermenêutica que, 
 partindo dos factos constantes da Acusação e da Sentença, os integrou no artº. 
 
 358º. do Cód.º Proc.º Penal, concluindo que não havia alteração dos factos.
 
 É quanto basta para afirmarmos que aquele Tribunal da Relação aplicou aquela 
 norma, ainda que em sentido contrário às pretensões do reclamante.” (fls. 4 e 5)
 
  
 
 3. Em sede de vista, o Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal pronunciou-se no 
 sentido da improcedência da reclamação ora em apreço, nos seguintes termos:
 
  
 
 “A presente reclamação é manifestamente improcedente.
 
  
 Na verdade – e desde logo – o ora reclamante não suscitou, durante o processo e 
 em termos processualmente adequados – a questão de inconstitucionalidade 
 normativa a que pretende reportar o recurso de fiscalização concreta interposto 
 já que não especificou, em termos claros e inteligíveis, qual a concreta 
 interpretação normativa extraída do art. 358º do CPP, que considerava 
 inconstitucional (cf. conclusão 10ª, a p. 14)” (fls. 32-verso)
 
             
 
 4. Perante a suscitação de questão nova que obstaria à admissão do recurso 
 interposto, ainda que não tenha sido alvo de expresso acolhimento por parte da 
 decisão reclamada, a Relatora ordenou a notificação do reclamante, nos termos do 
 n.º 3 do artigo 3º do CPC, aplicável “ex vi” do artigo 69º da LTC. Notificado 
 para que viesse aos autos pronunciar-se, o reclamante veio aos autos expor o 
 seguinte:
 
  
 
 “Invoca o M°. P°., como fundamento da improcedência da presente Reclamação, o 
 facto de o reclamante não ter suscitado, durante o processo e nos termos 
 processualmente adequados, a questão da inconstitucionalidade normativa, já que 
 não especificou, em termos claros e inteligíveis, qual a concreta interpretação 
 normativa extraída do art°. 358°. CPP que considera inconstitucional. 
 Mas sem razão … 
 Na Verdade …
 O M°. P°., a favor da sua tese, remete para a 10ª conclusão da motivação do 
 recurso para o Tribunal da Relação, ignorando ostensivamente as demais 
 conclusões que a antecedem, maxime as: 
 
 “6ª - O valor individual de cada um dos bens furtados é elemento não substancial 
 mas importante para a efectivação do direito de defesa do arguido 
 
 7ª - In casu a acusação é omissa quanto ao valor individual dos bens furtados, 
 apenas referindo o seu valor global. 
 
 8ª - A sentença determinou o valor individual de cada um dos bens furtados.
 
 9ª- Mais uma vez não foi cumprido o que vai no art°. 358°. do Cód°. Proc°. 
 Penal, pelo que também todo o processado a jusante é nulo, o que se invoca. 
 
 10ª- A interpretação do art°. 358°. à revelia do Ac. TC nº. 674/99, de 
 
 15.DEZ/1999 * in BMJ n°. 492. * ano 2000 * pág°s. 62. e segs. é 
 inconstitucional, o que se invoca” 
 
  
 A latere sempre se dirá que …
 O Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, admitiu e apreciou aquele recurso, 
 e, em momento algum, fundamentou as suas doutas decisões na ininteligibilidade 
 da invocada inconstitucionalidade da interpretação do art°. 358°. CPP dada no 
 processo. 
 Todavia 
 Sempre aquele Tribunal poderia, a verificar-se a invocada falta de clareza do 
 recurso, convidar o reclamante a aperfeiçoar a sua motivação e conclusões 
 respectivas, o que não fez. 
 Uma conclusão é uma conclusão: o termo do raciocínio que foi sendo desenvolvido 
 ao longo da motivação. 
 Ainda que se considere que o reclamante expôs de forma pouco clara a sua 
 pretensão, sempre deverá este Tribunal convidá-lo a aperfeiçoar o seu 
 articulado, ex vi art°. 75º –-A LCT. 
 Ad cavtelam …
 Pretende-se que o Tribunal Constitucional aprecie a inconstitucionalidade do 
 art°. 358°. CPP, quando interpretado no sentido de não se entender como 
 alteração dos factos a consideração, na sentença condenatória, de factos 
 atinentes ao valor individual de cada bem furtado, que não se encontravam 
 especificamente determinados na Acusação, e isto à revelia do Ac. TC no. 674/99, 
 de 15.DEZ/1999, in BMJ nº. 492. * ano 2000 * págªs. 62. e segs. 
 
 É tão somente isto que o reclamante pretende ver sindicado pelo Tribunal 
 Constitucional. 
 Nestes termos, deve ser doutamente atendida a presente reclamação e, em 
 consequência, ser admitido o recurso.” (fls. 35 a 37)
 
  
 
             Cumpre agora apreciar e decidir.
 
  
 
  
 II - FUNDAMENTAÇÃO
 
  
 
 5. Antes de mais, importa corroborar o teor do despacho ora alvo de reclamação, 
 quanto à não aplicação efectiva da interpretação normativa reputada de 
 inconstitucional pelo recorrente, que constitui pressuposto indispensável de 
 conhecimento de qualquer recurso de constitucionalidade (artigo 79º-C, da LTC).
 
  
 Independentemente de determinar se o juízo hermenêutico que conduziu à exclusão 
 da subsunção dos factos concretamente dados como provados na previsão da norma 
 extraída do artigo 358º do CPP constitui uma aplicação daquela mesma norma, 
 afigura-se manifesto que a interpretação normativa reputada de inconstitucional 
 pelo recorrente, através do respectivo requerimento de interposição de recurso, 
 não foi efectivamente aplicada pela decisão recorrida.
 
  
 Quando interpôs o recurso, o recorrente fixou como objecto do mesmo a norma 
 extraída do artigo 358º do CPP, “quando interpretado no sentido de não se 
 entender como alteração dos factos a consideração, na sentença condenatória, de 
 factos atinentes ao valor individual de cada bem furtado, que não se encontravam 
 especificamente determinados na Acusação (…)” (fls. 28).
 
  
 Ora, analisada a decisão recorrida, verifica-se que esta apenas ponderou a 
 aplicação do artigo 358º do CPP (para depois o desaplicar), quanto a uma alegada 
 alteração de factos relativos à determinação do período de tempo durante o qual 
 foram praticados os factos típicos do crime de furto qualificado. Senão, 
 veja-se:
 
  
 
 “Por aqui se vê que não houve alargamento do prazo mas tão só uma redacção 
 diferente. Enquanto na acusação se refere «após o óbito do marido da lesada» na 
 sentença «após o falecimento de Joaquim Amaro Lopes»”. (fls. 25)
 
             
 Daqui decorre que a interpretação normativa que o recorrente pretende ver ser 
 apreciada por este Tribunal – ou seja, a de que não constitui alteração de 
 factos a consideração numa decisão condenatória de factos atinentes ao valor 
 individual de cada bem furtado, que não constavam da acusação – não foi 
 efectivamente aplicada pela decisão recorrida. Como tal, por força do artigo 
 
 79º-C, da LTC, nunca seria possível conhecer do objecto do presente recurso.
 
  
 
 6. Além disso, frisa-se ainda a subsistência de outro motivo que sempre obstaria 
 ao conhecimento do objecto do presente recurso. Conforme aludido pelo 
 Procurador-Geral Adjunto a exercer funções junto deste Tribunal, o recorrente 
 não cumpriu o ónus de adequada suscitação da questão de constitucionalidade que 
 pretende ver agora apreciada, em sede de recurso (artigo 72º, n.º 2, da LTC).
 
  
 Com efeito, nas suas conclusões da motivação de recurso para o tribunal “a quo”, 
 o recorrente limitou-se a pugnar pela aplicação do artigo 358º do CPP, mas sem 
 nunca especificar qual a concreta interpretação normativa por si considerada 
 inconstitucional. Atente-se então:
 
  
 
 “6. O valor individual de cada um dos bens furtados é elemento não substancial 
 mas importante para a efectivação do direito de defesa do arguido.
 
 7. In casu a acusação é omissa quanto ao valor individual dos bens furtados 
 apenas referindo o seu valor global.
 
 8. A sentença determinou o valor individual de cada um dos bens furtados.
 
 9. Mais uma vez não foi cumprido o que vai no artº 358º do CPP pelo que também 
 todo o processado a jusante é nulo, o que se invoca.
 
 10. A interpretação do artº 358º à revelia do AC. TC nº 674/99 de 15/12/99 in 
 BMJ nº 492, pag. 62 e segs, é inconstitucional, o que se invoca.” (fls. 14)
 
  
 
             A única conclusão passível de ser extraída é a de que o recorrente 
 se limitou a afirmar que uma interpretação normativa (alegadamente) aplicada 
 pelo tribunal de primeira instância seria inconstitucional, mas não confrontou 
 efectivamente o Tribunal da Relação de Coimbra com a especificação da concreta 
 interpretação normativa reputada de inconstitucional.
 
  
 
             Assim, também por preterição do ónus processual de adequada 
 suscitação do incidente de inconstitucionalidade normativa, poderia ter o 
 tribunal “a quo” recusado o conhecimento do objecto do recurso perante si 
 interposto, em estrito cumprimento do artigo 72º, n.º 2, da LTC. 
 
  
 III – DECISÃO
 
             
 Nestes termos, pelos fundamentos supra expostos e ao abrigo do disposto no n.º 3 
 do artigo 77º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada 
 pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se indeferir a presente 
 reclamação.
 
  
 Fixam-se as custas devidas pelo reclamante em 20 UC´s, nos termos do artigo 7º 
 do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
 
  
 Lisboa, 24 de Março de 2009
 Ana Maria Guerra Martins
 Vítor Gomes
 Gil Galvão