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Processo n.º 3/09
 
 3ª Secção
 Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
 
 
 Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
 
 I. Relatório
 
 
 A., preso preventivamente à ordem do processo n.º 4910/08.9TDLSB, requereu ao 
 Procurador da República junto do Departamento Central de Investigação e Acção 
 Penal que, ao abrigo do artigo 86º, n.º s 4 e 5, do Código de Processo Penal, 
 determinasse “imediatamente o levantamento do segredo de justiça imposto nos 
 autos, permitindo a sua consulta integral pelo arguido […], ou quando assim não 
 o entenda, a sua remessa ao Meritíssimo Juiz de Instrução, para decisão”, pelos 
 seguintes fundamentos (cfr. fls. 12 e seguintes):
 
  
 
 “1º O requerente foi detido no passado dia 19 de Novembro, tendo sido ordenada a 
 sua prisão preventiva na sequência do interrogatório judicial efectuado. 
 
 2º Porque não se conforma com tal decisão, dela pretende interpôr recurso que 
 deverá subir imediatamente e em separado nos termos dos arts. 407°, nº 2, al. 
 e), e 406°, n.° 2, do Código de Processo Penal, cabendo exclusivamente ao 
 recorrente o ónus da sua instrução, sem prejuízo do disposto no art.° 414°, n.° 
 
 6, do mesmo Código. 
 
 3º Para tanto, é absolutamente indispensável a consulta dos autos, a qual 
 solicitou verbalmente mas lhe foi recusada, após o que dirigiu a V. Exa. 
 requerimento no mesmo sentido que deu entrada em 24 de Novembro. 
 
 4º Atendendo ao tempo já decorrido desde que se viu privado da sua liberdade e 
 ao curto prazo de que dispõe para recorrer da decisão judicial, motivando e 
 instruindo os autos com as peças que considere necessárias, 
 
 5º E porque qualquer atraso ou impedimento pode prejudicar irremediavelmente o 
 seu inalienável direito a impugnar a decisão que lhe aplicou aquela medida de 
 coacção de prisão preventiva, com conhecimento de causa e em tempo útil, 
 
 6.° Direito que se encontra assegurado pelas disposições conjugadas dos arts. 
 
 32°, n.° 1, e 20°, n.° 5, da Constituição da República Portuguesa, 
 
 7° E que sempre deverá prevalecer sobre o segredo de justiça em hipóteses 
 conflituantes, como poderá ser o caso, 
 
 8º Qualquer aplicação ou interpretação concreta do disposto no art.° 86°, nºs 2, 
 
 3 e 5 do Cód. Proc. Penal, bem como do art.° 407°, n.° 2, al. c), que impeça ou 
 limite o conhecimento dos autos pelo arguido,em ordem a seleccionar as peças que 
 considere úteis à instrução do recurso, ou que simplesmente protele o momento da 
 sua subida, 
 
 9º Viola frontalmente o disposto nos referidos arts. 32°, n.° 1, e 20°, n.° 5, 
 da Constituição da República Portuguesa, 
 
 10.° Pois embora a constitucionalização do segredo de justiça prevista no art.° 
 
 20°, n.° 3, da Constituição possa justificar a restrição pela lei ordinária do 
 conhecimento do processo por parte de interessados, não deve servir para 
 contradizer o exercido dos direitos de defesa (cfr. Gomes Canotilho e Vital 
 Moreira, Const. Rep. Port. Anot., 4.ª ed., , pág. 414 e Ac. Trib. Cons. n.° 
 
 121/97 ali citado; no mesmo sentido, o Ac. Trib. Cons. n.° 417/2003, in D.R. 2ª. 
 série, n.° 83 de 7 de Abril de 2004). 
 
 11º Não obstante, o arguido foi agora notificado do despacho de V. Exa. em que 
 apenas é autorizada a consulta “de todos os documentos utilizados e exibidos em 
 sede do interrogatório judicial”. - 
 
 12.° Salvo o devido respeito, desses já o arguido tomou conhecimento e de outros 
 foi mesmo notificado, tendo-lhe sido fornecidas as devidas cópias, 
 
 13º Tornando inútil e pouco compreensível a autorização concedida, 
 
 14.º Tanto mais que, relativamente ao arguido e pelas razões referidas, não se 
 está nem pode estar aqui perante alguma das excepções à publicidade do processo 
 previstas na lei a que alude o art.° 86°, n.° 1, do Cód. Proc. Penal, com 
 expressa cominação de nulidade”.
 
  
 O Ministério Público pronunciou-se sobre este requerimento nos seguintes termos 
 
 (cfr. fls. 15 e seguinte):
 
  
 
 “[…]
 Em primeiro lugar, entendemos que não se mostra adequado invocar o art. 86°-5, 
 porquanto o mesmo se reporta ao próprio regime que vigora nos autos, aplicável a 
 todos os intervenientes, implicando a sua substituição por um regime de 
 publicidade, tal como definida no art. 86°-6 do mesmo Código, manifestamente 
 desadequado aos presentes autos, afigurando-se que nem sequer seja o pretendido 
 pelo requerente, uma vez que permitiria o acesso do mesmo ao público em geral. 
 Em segundo lugar, o que o requerente pretende é o acesso aos autos para preparar 
 a sua defesa, tal como se encontra definido no art. 89°-l do Cód. Processo 
 Penal. 
 Ora, preparar a defesa significa tomar conhecimento dos documentos e demais 
 elementos de prova que foram invocados para imputar a prática de factos ao 
 arguido.
 Aliás, na sustentação da medida de coacção aplicada ao arguido não podem mesmo 
 ser invocados outros meios de prova, já existentes à data, que não aqueles 
 exibidos ao arguido no seu interrogatório conforme art. 141°-4 d) do Cód. 
 Processo Penal. 
 A pretensão de conhecimento da totalidade dos autos contende com a identificação 
 de outros temas de prova estranhos ao arguido ou com factos que ainda nem sequer 
 lhe foram imputados, para além de colocar em causa toda a investigação e mesmo 
 fazer perigar a paz merecida por outros participantes processuais. 
 Oferecemos para consulta todos os elementos de prova de onde resulta de forma 
 concludente a referência ao arguido, despacho de folhas 624 e seguinte, sendo 
 certo que são os que, directa ou indirectamente, foram invocados no decurso do 
 interrogatório. 
 A pretensão de conhecer a totalidade do processo, se bem que compreensível, é 
 ilegítima face aos interesses da defesa, indo além das suas necessidades, até 
 porque estão em causa outros factos e outras pessoas para além dos já referidos 
 nos autos e imputados ao arguido. 
 Pelo exposto, manifestamos a nossa oposição à consulta a todos os elementos 
 constantes dos autos, pelo que, nos termos do art. 89°-2 do Cód. Processo Penal, 
 determinamos que sejam os autos presentes ao Exmo Sr. Juiz de Instrução para 
 apreciação e decisão”.
 
  
 Sobre o mencionado requerimento do arguido recaiu o seguinte despacho do Juiz de 
 Instrução Criminal do Tribunal Central de Instrução Criminal (cfr. fls. 17 e 
 seguinte):
 
  
 
 “Vem o arguido A., a douto punho, nos termos e com os fundamentos do 
 requerimento que ora faz fls. 658 a 660, que aqui se dá por integralmente 
 reproduzido, requerer ao titular da acção penal, o imediato levantamento do 
 segredo de justiça imposto nos autos permitindo a sua consulta integral pelo 
 arguido. 
 O M.° P.° opõe-se à consulta de todos os elementos constantes dos autos, nos 
 termos e com os fundamentos constantes da douta promoção de fls. 715/716, que 
 aqui se dá por integralmente requerida. 
 Cumpre decidir: 
 Dispõe o n.° 1 do art.° 89.º do CPP, que: “Durante o inquérito, o arguido, o 
 assistente, o ofendido, o lesado e o responsável civil podem consultar, mediante 
 requerimento, o processo ou elementos dele constantes, bem como obter os 
 correspondentes extractos, cópias ou certidões, salvo quando, tratando-se de 
 processo que se encontre em segredo de justiça, o Ministério Público a isso se 
 opuser por considerar, fundamentadamente, que pode prejudicar a investigação ou 
 os direitos dos participantes processuais ou das vitimas.
 O n.° 2 do citado preceito legal dispõe que: “Se o Ministério Público se opuser 
 
 à consulta ou à obtenção dos elementos previstos no número anterior, o 
 requerimento é presente ao juiz, que decide por despacho irrecorrível”. 
 Nos presentes autos, o M.° P.° determinou a aplicação aos presentes autos; do 
 segredo de justiça, tendo tal decisão sido validada pelo JIC, por despacho 
 proferido no passado dia 19 do corrente mês de Novembro. 
 Assim, vigorando nos presentes autos o regime do segredo de justiça concordando 
 inteiramente com a fundamentação aduzida pelo M.° P°, na douta promoção que 
 antecede, que aqui se dá, mais uma vez por reproduzida, indefere-se a consulta 
 integral do processo, pelo arguido, bem como o requerido levantamento do segredo 
 de justiça. 
 Sem embargo e, conforme já disponibilizado pelo detentor da acção penal, o 
 arguido A., terá acesso, para sua defesa, aos elementos constantes dos autos 
 onde resulta de forma concludente a referência ao arguido, conforme despacho de 
 fls. 624 e seguinte e que foram os invocados, directa ou indirectamente no 
 decurso do primeiro interrogatório. […]”.
 
  
 A.  interpôs recurso deste despacho para o Tribunal Constitucional, nos 
 seguintes termos (cfr. fls. 19):
 
  
 
 “[…] notificado do aliás douto Despacho proferido por V. Exa. que, nos termos do 
 artigo 86°, nº 5 do Código de Processo Penal, confirmou a recusa pelo Ministério 
 Público do levantamento do segredo de justiça vigente nos autos, indeferindo em 
 definitivo o pedido da sua consulta integral formulado pelo Arguido, assim 
 impedindo e limitando o acesso a elementos contidos nos autos, com vista a 
 instruir o recurso de impugnação da decisão que lhe aplicou a medida de coacção 
 de prisão preventiva, cuja selecção e eventual relevância cabe exclusivamente ao 
 Arguido Recorrente (sem prejuízo do disposto no artigo 414°, n. ° 6, do C.P.P.), 
 desta forma aplicando e interpretando expressa e concretamente o disposto no 
 artigo 86°, n.°s 2, 3 e 5 do C.P.P. em termos que violam directamente o disposto 
 nos artigos 32°, nº 1, 20°, nº 5 e 18º. n.° 1 da Constituição da República 
 Portuguesa, como aliás violaria qualquer interpretação ou aplicação do artigo 
 
 407°, n.° 2, alínea e), do referido Código que protelasse a subida do recurso, 
 questões cautelar e preventivamente suscitadas pelo Arguido já no seu 
 requerimento agora indeferido pelo Despacho de V. Exa., dele vem interpor 
 recurso directo para o Tribunal Constitucional, ao abrigo dos artigos 70°, nº 1, 
 alínea b) e n.° 2, 71°, n.° 1 e 2, 75°, n.° 1, 75°-A, n. 1 e 2 da Lei n.° 28/82, 
 de 15 de Novembro, com fundamento na violação dos aludidos artigos 18°, nº. 1, 
 
 20°, n.° 5, e 32°, n.° 1, todos da Constituição da República Portuguesa, para 
 subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo, nos termos do 
 artigo 78°, n.° 4 da referida Lei n° 28/82”.
 
  
 O recurso de constitucionalidade não foi admitido, por despacho do Juiz de 
 Instrução Criminal do Tribunal Central de Instrução Criminal, do seguinte teor 
 
 (cfr. fls. 20 e seguinte):
 
  
 
 “A douto punho, a defesa do arguido A. apresentou neste TCIC requerimento de 
 interposição de recurso para o Tribunal Constitucional da decisão de fls. 723 e 
 seguintes, na qual o JIC recusou o acesso a todos os elementos constantes dos 
 autos, àquele arguido, permitindo apenas a consulta dos elementos que se 
 reportam a actos alegadamente praticados pelo arguido e com os quais foi 
 confrontado em sede de primeiro interrogatório judicial, a final do qual lhe foi 
 aplicada a medida de coacção de prisão preventiva. 
 O arguido veio pedir tal acesso, alegando que pretende recorrer de tal decisão 
 impositiva da medida de coacção que lhe foi imposta por despacho de 21/11/08. 
 Conforme se alcança de fls. 723, a decisão de recusa do acesso a todos os 
 elementos constantes dos autos que, aliás, se encontram em segredo de justiça, 
 foi tomada com base em interpretação dos n°s 1 e 2 do art.° 89.° do CPP, sendo 
 que, é a própria Lei Processual Penal que estatui que tal decisão é 
 irrecorrível, razão pela qual passa a redundância dela não cabe qualquer recurso 
 ordinário. 
 Daí que, a defesa pretenda interpor recurso para o Tribunal Constitucional com 
 base no disposto no art.° 70.° - 1 e 2 b) da Lei 28/82, de 15 de Novembro, 
 invocando a inconstitucionalidade da recusa do acesso integral aos autos. 
 Neste requerimento ora apresentado, a mesma defesa vem referir que invocou em 
 devido tempo a inconstitucionalidade de tal recusa de acesso integral já no seu 
 requerimento a fls. 658 e seguintes. 
 Ora, a verdade é que, nesse requerimento, a defesa de A., veio efectivamente 
 alegar a inconstitucionalidade das normas dos art.°s 86.° n.°s 2, 3 e 5 e do 
 art° 407.° n.° 2 c) ambos do CPP acaso fossem interpretadas como impedindo o 
 acesso total aos autos pelo arguido.
 Só que, a decisão recorrida não se fundamentou em qualquer interpretação de tais 
 preceitos, mas sim, e apenas no art.° 89.° n.°s 1 e 2 do CPP. 
 Foi só sobre este inciso que despacho emitiu uma interpretação, aliás, começando 
 por ser literal, para depois fazer apelo na hermenêutica jurídica alcançável aos 
 restantes princípios de interpretação das leis. 
 Somos assim a considerar que, não está em causa na decisão recorrida uma norma 
 cuja inconstitucionalidade tivesse já sido suscitada durante o processo como se 
 encontra plasmado ser requisito habilitante para se poder lançar mão do disposto 
 no art.° 70.° n.° 1 al. b) da Lei 28/82, de 15 de Novembro. 
 Não podemos pois, neste quadro, admitir o recurso agora interposto, pois na 
 nossa decisão, não fizemos referência a qualquer norma cuja constitucionalidade 
 a defesa do Sr. A. tenha previamente suscitado nos autos. 
 
 À luz do disposto no art.° 76.° n.°s 1 e 2 da Lei 28/82, de 15 de Novembro, não 
 admitimos o recurso. 
 Tudo, sem prejuízo de eventual reclamação que caiba, para o Venerável Tribunal 
 Constitucional, à luz do inciso do n.° 4 do art.° 76º precedentemente citado”
 
  
 Notificado do despacho que não lhe admitiu o recurso de constitucionalidade, A. 
 dele reclamou para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto nos artigos 
 
 76º, n.º 4, 77º, n.º 1, e 78º-A, n.º 3, todos da Lei do Tribunal Constitucional, 
 nos seguintes termos:
 
  
 
 “1º Por decisão proferida em 21/11/08, na sequência do interrogatório judicial 
 efectuado, foi decretada a prisão preventiva do ora reclamante. 
 
 2.° Por não se conformar com tal decisão e dela pretender interpor recurso, o 
 ora reclamante, em 24/11/08, requereu ao Exmo. Procurador da República titular 
 do inquérito que lhe fosse facultada a consulta dos autos. 
 
 3º Por despacho, datado de 25/11/2008, o Exmo, Procurador apenas facultou a 
 consulta “ao abrigo do art. 89° n.°1 do C. P. P., de todos os documentos 
 utilizados e exibidos em sede de interrogatório judicial”, justificando tal 
 decisão no regime do segredo de justiça. 
 
 4° Por considerar que o regime do segredo de justiça estatuído no art. 86°, n.°s 
 
 2, 3 e 5 do C.P.P. não pode prevalecer sobre o exercício dos direitos de defesa 
 do arguido preso preventivamente, o ora reclamante deu entrada, em 26/11/2008, 
 de novo requerimento dirigido ao Exmo. Procurador, solicitando o levantamento do 
 segredo e a respectiva consulta integral dos autos, ou, quando assim não fosse 
 entendido, a remessa para competente decisão judicial. 
 
 5º Decisão judicial que veio efectivamente a ser proferida em 27/11/2008, 
 indeferindo o pedido de consulta integral do processo ao ora reclamante. 
 
 6º Por ser essa decisão judicial legalmente insusceptível de recurso ordinário, 
 o ora reclamante interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, o qual, pelo 
 despacho objecto da presente reclamação, não foi admitido. 
 
 7º Tendo sido aí entendido que “a decisão recorrida não se fundamentou em 
 qualquer interpretação dos arts. 86°, n.°s 2, 3 e 5 e do art. 407°, n.°2, al. c) 
 do C.P.P. mas sim e apenas do art. 89°, nº. 1 e 2 do mesmo Código“.
 
 8º Só que, salvo o devido respeito, não é assim, pois a proibição da consulta 
 dos autos pelo arguido preso — que, sublinhe-se, pretende defender-se das 
 imputações que lhe são feitas e que motivam a manutenção da prisão — pressupõe 
 necessariamente uma prevalência do eventual prejuízo para a investigação ou dos 
 direitos dos vários participantes processuais sobre o direito à defesa. 
 
 9º Ou seja, o que está em causa não é a forma como o titular da acção penal se 
 pode opor à consulta dos autos, prevista no art. 89.° do C.P.P., mas sim o 
 próprio regime do segredo de justiça estatuído no art. 86°.
 
 10.º E que, em qualquer caso e na interpretação acolhida, impede o cabal 
 exercício da defesa em nome da eficácia da investigação. 
 
 11.° Prevendo já que essa poderia vir a ser a interpretação do Tribunal, o ora 
 reclamante, logo no requerimento entrado em 26/21/08, arguiu a 
 inconstitucionalidade do regime de segredo imposto nos autos, quando entendido 
 em termos que pudessem prejudicar a livre interposição e motivação do recurso e 
 o cabal exercício da sua defesa, enquanto arguido preso preventivamente, 
 
 12.° Invocando expressamente e além do mais que “qualquer aplicação ou 
 interpretação concreta do disposto no art. 86. n.°s 2, 3 e 5 do C. P. P., bem 
 como do art. 407°, n.º 2, al. c) que impeça ou limite o conhecimento dos autos 
 pelo arguido, em ordem o seleccionar as peças que considere úteis à instrução do 
 recurso, ou que simplesmente protele o momento da sua subida, viola frontalmente 
 o disposto nos arts. 32º, nº 1 e 20.°, nº 5 da Constituição da República 
 Portuguesa”. 
 
 13.° Esta era, então, uma invocação puramente preventiva e cautelar, antecipando 
 a eventualidade de lhe ser recusada a consulta integral dos autos, essencial à 
 selecção dos elementos que, em seu entender, se mostrassem úteis à motivação e 
 instrução do recurso do despacho que determinou a sua prisão preventiva, 
 
 14.° Como de facto veio a suceder em 27/11/08, com um despacho judicial 
 insusceptível de recurso ordinário, no qual o Exmo. Juiz de Instrução Criminal, 
 para além de transcrever o disposto no art. 89°, nºs 1 e 2 do C.P.P., fundamenta 
 expressamente a sua decisão nos seguintes termos: 
 
 “Assim, vigorando nos autos o regime do segredo de justiça e concordando 
 inteiramente com a fundamentação aduzida pelo M° P.° (...) indefere-se a 
 consulta integral do processo pelo arguido bem como o requerido levantamento do 
 segredo de justiça”. 
 
 15.º De passagem, cabe aqui referir que o ora reclamante não pretendeu nunca, 
 nem pretende agora, o puro e simples levantamento do segredo de justiça, como 
 aliás nota o próprio M.° Pº na promoção de fls. 715, mas apenas o levantamento 
 do segredo internamente e relativamente ao próprio requerente que a ele 
 permaneceria vinculado.
 
 16.° Mas o que verdadeiramente interessa agora ao reclamante é salientar que, ao 
 contrário do afirmado no despacho reclamado, a recusa do acesso aos autos se 
 fundamentou expressamente “no regime do segredo de justiça” que vigora nos 
 presentes autos, e não apenas numa interpretação do disposto no art. 89.º, nºs 1 
 e 2 do C.P.P. 
 
 17.º Ora, é precisamente este “regime do segredo de justiça”, previsto e 
 regulado no art. 86°, nºs 2, 3 e 5 do C.P.P., que o reclamante havia considerado 
 violar directamente o disposto nos arts. 32°, n.° 1, 20°, n.° 5 e 1 8.° da 
 Constituição da República Portuguesa, se interpretado e aplicado concretamente, 
 como veio a ser, em termos de impedir a consulta integral dos autos pelo 
 arguido, requerida com vista a instruir o recurso de impugnação da decisão que o 
 colocou em situação de prisão preventiva. 
 
 18.ºDe resto, os fundamentos ou a razão de ser da proibição do acesso aos autos 
 são exactamente os mesmos, quer se invoque o disposto no art. 89°. n.° 1, quer 
 se invoque o disposto no art. 86.º, n.° 2 e 3, do C.P.P.: prejuízo para a 
 investigação ou para os direitos dos sujeitos processuais, 
 
 19.° Pelo que, não pode dizer-se, como no despacho reclamado, que “não está em 
 causa na decisão recorrida uma norma cuja inconstitucionalidade tivesse já sido 
 suscitada durante o processo”; pelo contrário, foi essa mesma norma, na 
 interpretação acolhida, que foi posta em causa, 
 
 20.° Estando, por isso, preenchido o requisito previsto no art. 70.°, n.°1, al. 
 b) da Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro, para a admissibilidade do recurso. 
 
 21.° Parafraseando o recente e lapidar Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 
 
 428/2008, de 12 de Agosto, “está em causa o acesso do arguido a elementos 
 constantes do processo que sejam necessários para a adequada defesa dos seus 
 direito designadamente para contrariar ou impugnar a aplicação de medidas de 
 coacção, hipótese em que a jurisprudência deste Tribunal tem considerado não ser 
 oponível o segredo de justiça, mesmo durante o decurso normal do inquérito”. 
 
 22.° É esta a questão que está posta e foi esta a questão suscitada, antes mesmo 
 de proferida a decisão recorrida: a não admissão do recurso, estando o arguido 
 preso, traduz-se substancialmente na violação dos mais elementares princípios em 
 que o Estado de Direito se alicerça, dos quais o M.° Pº deve ser o primeiro 
 defensor e o Juiz o último garante, 
 
 23.º Tanto mais que se ignora e em momento algum foi invocada a existência nos 
 autos de elementos conflituantes com os direitos de defesa do arguido, 
 designadamente respeitantes à reserva da vida privada de terceiros. 
 Em Conclusão: 
 A) A decisão objecto de recurso para o Tribunal Constitucional fundamentou-se no 
 regime de segredo de justiça vigente nos autos; 
 B) Este regime, previsto no art. 86°, n.°s 2 e 3 do C.P.P. é inaplicável ao 
 arguido preso que pretende a consulta integral dos autos para seleccionar 
 elementos que, segundo o seu critério, sejam úteis para instruir o recurso de 
 impugnação da decisão que determinou a sua prisão preventiva, por violar o 
 disposto nos arts. 32°, n.° 1, 20º, n.° 5, e 18.° da Constituição da República 
 Portuguesa;
 C) Esta questão foi suscitada cautelarmente pelo reclamante, antes de proferido 
 o despacho que indeferiu aquela consulta; 
 D) Pelo que se encontra preenchido o requisito de aplicação de norma cu)a 
 inconstitucionalidade foi suscitada durante o processo, em conformidade com o 
 art. 70°, n.° 1, al. b), da Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro; 
 E) Devendo, em consequência, ser dado provimento à presente reclamação e 
 admitido o recurso interposto pelo arguido, ora reclamante“.
 
  
 O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional respondeu 
 
 à reclamação, sustentando o seguinte (cfr. fls. 28 v.º e seguinte):
 
  
 
 “A presente reclamação é manifestamente improcedente.
 Na verdade, confrontado com a decisão reproduzida a fls 17 dos autos, em que – 
 por expressa referência e aplicação do preceituado no artº 89º, nº 1, do CPP – 
 se delimitou o âmbito do acesso aos autos pelo arguido, com vista à preparação 
 da sua defesa, relativamente à medida de coacção que lhe foi aplicada, interpôs 
 o arguido o recurso de fiscalização concreta de fls 19, em que controverte uma 
 diferente “base normativa”, suscitando a inconstitucionalidade de uma 
 interpretação assente nos arts. 86º, nºs 2, 3 e 5, e 407º, nº 2, alínea c) do 
 CPP.
 A “norma” escolhida pelo recorrente como objecto do recurso – e que é 
 naturalmente, identificado, em primeira linha, pela especificação dos preceitos 
 legais que constituem “fonte” ou “base normativa” da interpretação ou dimensão 
 normativa questionada pelo recorrente – não coincide manifestamente com a norma 
 que constituí efectiva “ratio decidendi” da decisão impugnada, o que, só por si, 
 inviabiliza o recurso interposto”.
 
  
 Cumpre apreciar.
 
  
 
  
 II. Fundamentação
 
  
 Tendo o presente recurso sido interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do 
 artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, constitui seu pressuposto 
 processual, entre outros, a aplicação, na decisão recorrida, da norma ou 
 interpretação normativa cuja conformidade constitucional se pretende que o 
 Tribunal Constitucional aprecie.
 
  
 Decorre do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade que o 
 objecto do presente recurso é constituído por uma interpretação normativa, que o 
 recorrente não explicita mas que reporta ao artigo 86º, n.º s 2, 3 e 5, do 
 Código de Processo Penal.
 
  
 Já da presente reclamação, resulta que o objecto do recurso de 
 constitucionalidade é definido, ora como integrando o regime do artigo 86º, n.º 
 s 2 e 3, do Código de Processo Penal, enquanto aplicável ao “arguido preso que 
 pretende a consulta integral dos autos para seleccionar elementos que, segundo o 
 seu critério, sejam úteis para instruir o recurso de impugnação da decisão que 
 determinou a sua prisão preventiva” (cfr. fls. 6, conclusão B)).
 
  
 Admitindo que o objecto do recurso se encontra, na sequência da presente 
 reclamação, e apesar da flutuação terminológica desta, suficientemente 
 delimitado (o que, não ocorrendo, determinaria a impossibilidade do seu 
 conhecimento), cumpre aferir se a decisão recorrida aplicou a interpretação 
 normativa que vem identificado.
 
  
 A resposta não pode deixar de ser negativa.
 
  
 Na verdade, não só a decisão recorrida expressamente menciona o artigo 89º, n.º 
 s 1 e 2, do Código de Processo Penal como o preceito legal ao abrigo do qual a 
 própria decisão foi proferida, como também não tratou da questão de saber se o 
 processo devia ou não estar sujeito a segredo de justiça, mas apenas a de saber 
 se o arguido podia consultar todos os elementos dos autos para preparar a sua 
 defesa: ora, a esta questão responde o artigo 89º, n.º s 1 e 2 do Código de 
 Processo Penal e não o artigo 86º, n.º s 2 e 3, do mesmo Código, não sendo tal 
 conclusão contrariada pela circunstância de o artigo 89º, n.º 1, ao aludir à 
 eventualidade de o processo se encontrar em segredo de justiça, pressupor que o 
 decretamento deste regime pode influir no regime da consulta do processo.
 
  
 Não tendo a decisão recorrida aplicado o artigo 86º, n.º s 2 e 3, do Código de 
 Processo Penal, mas sim o artigo 89º, n.º s 1 e 2, do mesmo Código, há que 
 concluir também que a interpretação normativa censurada pelo recorrente e que 
 constitui o objecto do presente recurso não foi aplicada. E é assim porque, como 
 refere o Ministério Público na resposta à reclamação, essa interpretação é 
 identificada, em primeira linha, pelos preceitos legais a que se reporta e que 
 constituem a respectiva fonte.
 
  
 Não tendo a interpretação normativa que constitui o objecto do presente sido 
 aplicada na decisão recorrida, não pode dele conhecer-se, por não se mostrar 
 preenchido um dos seus pressupostos processuais.
 
 
 III. Decisão
 
  
 Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, desatende-se a presente reclamação, 
 mantendo-se a decisão reclamada que não admitiu o recurso de 
 constitucionalidade.
 
  
 Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
 
  
 Lisboa, 14 de Janeiro de 2009
 Carlos Fernandes Cadilha
 Maria Lúcia Amaral
 Gil Galvão