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Processo n.º 1071/07
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
  
 Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional.
 
  
 
  
 
                         1. Relatório
 
                         O representante do Ministério Público junto dos Juízos 
 Cíveis de Coimbra interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da 
 alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e 
 Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de 
 Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro 
 
 (LTC), contra o despacho de 2 de Outubro de 2007 do Juiz do respectivo 5.º 
 Juízo, que recusou, com fundamento em inconstitucionalidade, por violação do 
 artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), a aplicação 
 da “norma extraída do ponto 1. do Anexo I à Lei n.º 34/2004 [por manifesto lapso 
 refere 43/2004], de 29 de Julho, entendida em conjugação com o disposto nos 
 artigos 6.º a 10.º da Portaria n.º 1085‑A/2004, de 31 de Agosto, na redacção 
 emergente da Portaria n.º 288/2005, de 21 de Março, na parte em que impõe que o 
 rendimento relevante para efeitos de concessão do benefício de apoio judiciário 
 seja necessariamente determinado em função de tais normas”, e, consequentemente, 
 julgou procedente o recurso interposto por A., revogando a impugnada decisão do 
 Centro Distrital de Segurança Social de Coimbra, de 6 de Julho de 2007, que 
 indeferira pedido de concessão de dispensa total do pagamento de taxa de justiça 
 e dos demais encargos do processo e de nomeação e pagamento de honorários de 
 patrono, formulado pelo impugnante com vista a instaurar acção de partilhas 
 judiciais.
 
                         É o seguinte o teor da decisão recorrida, na parte que 
 releva para a apreciação do presente recurso:
 
  
 
             “III – Apreciando:
 
             De acordo com o disposto no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da 
 República Portuguesa, e em concretização do princípio da igualdade consagrado 
 no artigo 13.º da CRP, a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais 
 para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a 
 justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos (neste sentido, cf. 
 Acórdão do STJ, de 21 de Outubro de 1993, Colectânea de Jurisprudência – 
 Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 1993, tomo III, pág. 76).
 
             A legislação ordinária que concretiza e regulamenta o acesso ao 
 direito e à tutela jurisdicional, constitucionalmente consagrado, aplicável no 
 caso, consubstancia‑se actualmente na Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, cujos 
 objectivos constam do seu artigo 1.º, n.º 1, que estabelece «O sistema de 
 acesso ao direito e aos tribunais destina‑se a assegurar que a ninguém seja 
 dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por 
 insuficiência de meios económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos 
 seus direitos».
 
             Com vista à concretização de tais objectivos, foram desenvolvidos no 
 aludido diploma acções e mecanismos sistematizados de informação jurídica e de 
 protecção jurídica.
 
             A protecção jurídica reveste as modalidades de consulta jurídica e 
 de apoio judiciário, sendo certo que têm direito a tal protecção os cidadãos 
 nacionais e da União Europeia que demonstrem não dispor de meios económicos 
 bastantes para suportar os honorários dos profissionais forenses, devidos por 
 efeito da prestação dos seus serviços, e para custear, total ou parcialmente, os 
 encargos normais de uma causa judicial (artigos 6.º e 7.º da aludida Lei).
 
             Na definição apresentada pelo legislador, no seu artigo 8.º: 
 
 «Encontra‑se em situação de insuficiência económica aquele que, tendo em conta 
 factores de natureza económica e a respectiva capacidade contributiva, não tem 
 condições objectivas para suportar pontualmente os custos de um processo» (n.º 
 
 1); «A prova e a apreciação da insuficiência económica devem ser feitas de 
 acordo com os critérios estabelecidos e publicados em anexo à presente lei» 
 
 (n.º 5).
 
             O novo diploma (Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho) eliminou as 
 presunções de insuficiência económica estabelecidas em anteriores regimes, 
 procedendo a alterações profundas no regime de acesso ao direito e aos 
 tribunais com o fito de introduzir um maior rigor na concessão da protecção 
 jurídica.
 
             A concessão do benefício passou agora a depender da apreciação da 
 situação de insuficiência económica do requerente, efectuada de acordo com 
 critérios objectivos previstos no referido diploma.
 
             Procurou‑se restringir a disparidade de resultados na avaliação dos 
 requerimentos e garantir que o benefício seja concedido a todos os que dele 
 carecem, mas só aos que realmente precisam e na medida da sua necessidade.
 
             Em anexo a este diploma, e sob a epígrafe «apreciação de 
 insuficiência económica», estatui o legislador:
 
  
 
             «a) O requerente cujo agregado familiar tem um rendimento relevante 
 para efeitos de protecção jurídica igual ou menor do que um quinto do salário 
 mínimo nacional não tem condições objectivas para suportar qualquer quantia 
 relacionada com os custos de um processo;
 
             b) O requerente cujo agregado familiar tem um rendimento relevante 
 para efeitos de protecção jurídica superior a um quinto e igual ou menor do que 
 metade do valor do salário mínimo nacional considera‑se que tem condições 
 objectivas para suportar os custos da consulta jurídica e por conseguinte não 
 deve beneficiar de consulta jurídica gratuita, devendo, todavia, usufruir do 
 beneficio de apoio judiciário;
 
             c) O requerente cujo agregado familiar tem um rendimento relevante 
 para efeitos de protecção jurídica superior a metade e igual ou menor do que 
 duas vezes o valor do salário mínimo nacional tem condições objectivas para 
 suportar os custos da consulta jurídica, mas não tem condições objectivas para 
 suportar pontualmente os custos de um processo e, por esse motivo, deve 
 beneficiar do apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado, previsto na 
 alínea d) do n.º 1 do artigo 16.º da presente lei;
 
             d) Não se encontra em situação de insuficiência económica o 
 requerente cujo agregado familiar tem um rendimento relevante para efeitos de 
 protecção jurídica superior a duas vezes o valor do salário mínimo nacional.
 
             2 – …
 
             3 – Para os efeitos desta lei, considera‑se que pertencem ao mesmo 
 agregado familiar as pessoas que vivam em economia comum com o requerente de 
 protecção jurídica.»
 
  
 
             A Portaria n.º 1085‑A/2004, de 31 de Agosto, com as alterações 
 resultantes da Declaração de Rectificação n.º 91/2004 e da Portaria n.º 
 
 288/2005, de 21 de Março, procedeu à concretização dos critérios de prova e de 
 apreciação da insuficiência económica, enumerando, por um lado, os documentos 
 que devem acompanhar o requerimento de protecção jurídica e concretizando a 
 fórmula de cálculo do valor do rendimento relevante para efeitos de protecção 
 jurídica a que se refere o critério de avaliação da insuficiência económica do 
 requerente previsto na lei.
 
             Prevê tal Portaria a possibilidade de ser concretamente apreciada a 
 situação económica dos requerentes de protecção jurídica, nos termos previstos 
 no n.º 2 do artigo 20.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho – hipótese em que os 
 serviços de Segurança Social enviam para uma comissão especial a decisão do 
 caso.
 
             Por outro lado, estabelece rígidas fórmulas matemáticas para decisão 
 da atendibilidade da pretensão.
 
             Considerando que o regime jurídico do apoio judiciário se funda no 
 princípio‑base de aplicação a pessoas que não tenham possibilidades económicas 
 para suportar os custos de um processo judicial e/ou os honorários e despesas 
 de um advogado, suportando o Estado tais custos, cabe ao requerente demonstrar a 
 ausência de disponibilidades económicas.
 
             No que diz respeito às provas em geral, a sua função consiste na 
 demonstração da realidade dos factos, sendo que, regra geral, àquele que 
 invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito 
 alegado, competindo a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos 
 do direito invocado àquele contra quem a invocação é feita (cf. artigos 341.º e 
 
 342.ºdo Código Civil).
 
             Entrando no caso em apreço, é apenas uma a questão suscitada:
 
             a) a da conformidade constitucional do regime do apoio judiciário, 
 considerando o caso concreto.
 
             O mérito da impugnação deve ser aferido pelos factos relativos à 
 situação económico financeira. E aos encargos prováveis da demanda, se for caso 
 disso, tendo em conta o disposto no artigo 8.º da Lei e seu Anexo, bem como o 
 disposto na Portaria n.º 1085‑A/2004, de 31 de Agosto, na redacção da Portaria 
 n.º 288/2005.
 
             Tendo em conta as fórmulas legais de determinação da insuficiência 
 económica, fica à partida reduzida (ou mesmo eliminada) a margem de apreciação 
 dos órgãos administrativos decisores.
 
             Compulsados os autos, partimos dos seguintes factos:
 
             – O requerente aufere mensalmente o valor aproximado de € 698,83;
 
             – O agregado familiar é constituído pelo requerente, a esposa 
 doméstica e seis filhos, quatro dos quais estudantes.
 
             Com fundamento nos factos acima exarados, teremos de concluir que os 
 critérios e fórmulas decorrentes dos diplomas enunciados produzem resultado 
 miserabilista, considerando os valores de referência, sendo certo que mais uma 
 vez se penaliza quem tem a sua situação fiscal contributiva, laboral ou 
 assistencial regularizada, não sendo o concreto juízo de insuficiência 
 efectivamente consentâneo com o custo de vida.
 
             Mas mais. Em aresto do Tribunal Constitucional n.º 654/2006, de 28 
 de Novembro de 2006, sublinhou‑se: «(…) a norma que constituía o artigo 7.º, n.º 
 
 1, da Lei n.º 30‑E/2000, de 20 de Dezembro, e que era preenchida em face do caso 
 concreto, passou a ser uma norma preenchida legislativamente. O que era antes 
 uma norma aberta à ponderação do caso concreto passou a ser uma norma fechada, 
 ponderando estritos aspectos económico‑financeiros, como resulta claro da 
 adopção de uma fórmula matemática. Sendo pressuposto da concessão do beneficio 
 do apoio judiciário uma situação de insuficiência económica, ao tabelarem‑se os 
 critérios de apreciação dessa situação, inclusive com recurso a uma fórmula 
 matemática como resulta dos artigos 6.º a 10.º da Portaria n.º 1085‑A/2004, de 
 
 31 de Agosto, é manifesto que se procedeu a uma delimitação do direito de acesso 
 ao direito e aos tribunais. Tal delimitação não foi feita na norma que consagra 
 o direito; foi feita ao nível da sua concretização … A questão é que a 
 aplicação do Anexo à Lei n.º 34/2004 que remete a apreciação da insuficiência 
 económica para o rendimento relevante do agregado familiar e da fórmula 
 matemática previstas nos artigos 6.º a 10.º da Portaria n.º 1085‑A/2004, 
 conduzem, no caso concreto, a um resultado que não se mostra conforme ao direito 
 fundamental de acesso ao direito e aos tribunais, quer porque implica uma 
 restrição intolerável de tal direito – violação do principio da 
 proporciona/idade em sentido restrito, que significa que os meios legais 
 restritivos e os fins obtidos devem situar‑se numa ‘justa medida’, impedindo‑se 
 a adopção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas, em 
 relação aos fins tidos em vista – quer porque se traduz numa violação do 
 principio da igualdade – que obriga à diferenciação, como forma de compensar a 
 desigualdade de oportunidades, o que pressupõe a eliminação, pelos poderes 
 públicos, de desigualdades fácticas de natureza social, económica ou cultural 
 
 (Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa 
 Anotada, 3.ª edição, pág. 127).»
 
             No caso concreto, e nunca é demais sublinhá‑lo, o agregado familiar 
 
 é composto por oito pessoas, das quais quatro crianças em frequência escolar… 
 Assim, e mesmo considerando o referido valor mensal de € 698,83 (rendimento 
 líquido anual de € 9783,66), choca por certo a nossa consciência ético‑jurídica 
 a denegação do benefício. Leia‑se a declaração emanada pela Junta de Freguesia: 
 
 «vivem numas casas sem as mínimas condições de higiene e limpeza, não têm casa 
 de banho e quando chove têm de aparar a água com baldes e cobrirem a cama com 
 plásticos ... É um caso que se encontra referenciado na CLAS – Comissão Local de 
 Acção Social e Caritas Diocesana».
 
             Assim, e porque no caso concreto conduz a resultados inaceitáveis, 
 porquanto viola flagrantemente o artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da 
 República Portuguesa, não deverá aplicar‑se a referida Portaria e Anexo, na 
 redacção anterior à Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto.
 
             E é efectivamente um caso manifesto a submeter à válvula de escape 
 do n.º 2 do artigo 20.º da LAJ (a ter‑se concretizado ...).
 
             A presente decisão não viola o princípio da igualdade, argumento 
 tecido pela entidade administrativa na sua decisão de manutenção de 
 indeferimento. São antes de lamentar todas as situações em que foi negado o 
 direito constitucional de acesso ao direito e aos tribunais a cidadãos que 
 efectivamente dele careciam.
 
             Por tal razão, o regime em referência foi recentemente alterado (cf. 
 n.º 8 do artigo 89.º‑A, aditado pelo artigo 32.º da Lei n.º 47/2007, de 28 de 
 Agosto).
 
             (…)
 
             IV – Nestes termos, com fundamento no supra exposto juízo de 
 inconstitucionalidade, decide‑se revogar a decisão administrativa e como tal, 
 nos termos do artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa 
 substitui‑la por outra, de concessão do peticionado benefício, na modalidade de 
 dispensa total de taxa de justiça e demais encargos com o processo e bem assim 
 de nomeação e pagamento de honorários a patrono.”
 
  
 
                         O representante do Ministério Público no Tribunal 
 Constitucional apresentou alegações, no termo das quais formulou as seguintes 
 conclusões:
 
  
 
             “1.º – O acesso ao direito e aos tribunais não se configura, no 
 nosso ordenamento jurídico‑constitucional, como mero direito a uma prestação 
 social, traduzindo antes um direito fundamental, ligado à efectividade da 
 protecção jurídica e dependente, em termos essenciais, dos critérios que 
 delimitam e condicionam a apreciação da insuficiência económica invocada pelo 
 requerente.
 
             2.º – Constitui restrição excessiva e desproporcionada a tal direito 
 fundamental a obrigatória, tabelar e rígida ponderação do «rendimento 
 relevante» do agregado familiar, exclusivamente em função dos índices e 
 coeficientes estabelecidos nos artigos 6.º a 10.º da Portaria n.º 1085‑A/2004, 
 em conexão com o Anexo à Lei n.º 34/2004, nomeadamente para a determinação dos 
 valores adequados à satisfação das «necessidades básicas» do agregado familiar, 
 conduzindo à possibilidade de denegação administrativa do apoio judiciário, na 
 modalidade pretendida, mesmo quando uma apreciação, casuística e prudencial, 
 das circunstâncias do caso revela manifestamente a existência de uma situação de 
 carência económica, inibidora do acesso ao direito e aos tribunais.
 
             3.º – Termos em que deverá confirmar‑se o juízo de 
 inconstitucionalidade formulado pela decisão recorrida.”
 
  
 
                         O recorrido não contra‑alegou.
 
                         Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                         2. Fundamentação
 
                         2.1. Questão similar à que constitui objecto do presente 
 foi apreciada no recente Acórdão n.º 46/2008, proc. n.º 1055/2007, desta 2.ª 
 Secção, que “julg[ou] inconstitucionais, por violação do artigo 20.º, n.º 1, da 
 Constituição da República Portuguesa (CRP), as normas constantes do Anexo à Lei 
 n.º 34/2004, de 29 de Julho, conjugado com os artigos 6.º a 10.º da Portaria n.º 
 
 1085‑A/2004, de 31 de Agosto, alterada pela Portaria n.º 288/2005, de 21 de 
 Março, interpretadas no sentido de que determinam que seja considerado para 
 efeitos do cálculo do rendimento relevante do requerente do benefício de apoio 
 judiciário o rendimento do seu agregado familiar nos termos aí rigidamente 
 impostos, sem permitir em concreto aferir da real situação económica do 
 requerente em função dos seus rendimentos e encargos” – juízo de 
 inconstitucionalidade reiterado no acórdão da presente data, proferido no proc. 
 n.º 1054/2007.
 
                         O citado Acórdão n.º 46/2008 começou por recordar que o 
 complexo normativo que integrava o objecto do recurso por ele decidido já fora 
 objecto de anteriores decisões deste Tribunal, embora numa dimensão normativa 
 não inteiramente coincidente com a então em causa. Com efeito, no Acórdão n.º 
 
 654/2006 (Diário da República, II Série, de 19 de Janeiro de 2007, p. 1650), 
 este Tribunal julgou inconstitucional, por violação do n.º 1 do artigo 20.º da 
 CRP, “o Anexo à Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, conjugado com os artigos 6.º a 
 
 10.º da Portaria n.º 1085‑A/2004, de 31 de Agosto, na parte em que impõe que o 
 rendimento relevante para efeitos de concessão do benefício do apoio judiciário 
 seja necessariamente determinado a partir do rendimento do agregado familiar, 
 independentemente de o requerente de protecção jurídica fruir tal rendimento”, 
 juízo este que foi reiterado nas Decisões Sumárias n.ºs 206/2007, 530/2007, 
 
 603/2007 e 625/2007 (os textos integrais destas Decisões Sumárias, bem como do 
 referido Acórdão, estão disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
 
                         O juízo de inconstitucionalidade emitido pelo Acórdão 
 n.º 654/2006 baseou‑se na seguinte fundamentação jurídica:
 
  
 
 “II. Fundamentação
 
 1. A decisão recorrida desaplicou o Anexo à Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, 
 conjugado com os artigos 6.º a 10.º da Portaria n.º 1085‑A/2004, de 31 de 
 Agosto, na parte em que impõe que seja considerado para efeitos do cálculo do 
 rendimento relevante do requerente de benefício do apoio judiciário, maior, 
 estudante, a quem são prestados alimentos pela avó, o rendimento desta. Segundo 
 esta decisão, a aplicação do Anexo à Lei n.º 34/2004, que remete a apreciação da 
 insuficiência económica para o rendimento relevante do agregado familiar, e das 
 fórmulas matemáticas previstas nos artigos 6.º a 10.º da Portaria n.º 
 
 1085‑A/2004 conduzem, no caso concreto, a um resultado que não se mostra 
 conforme ao direito fundamental de acesso ao Direito e aos tribunais.
 Por força do disposto no n.º 5 do artigo 8.º e no n.º 1 do artigo 20.º da Lei 
 n.º 34/2004, de 29 de Julho (Altera o regime de acesso ao direito e aos 
 tribunais e transpõe para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 2003/8/CE, 
 do Conselho, de 27 de Janeiro, relativa à melhoria do acesso à justiça nos 
 litígios transfronteiriços através do estabelecimento de regras mínimas comuns 
 relativas ao apoio judiciário no âmbito desses litígios), a prova e a 
 apreciação da insuficiência económica do requerente de protecção jurídica deve 
 ser feita de acordo com os critérios estabelecidos e publicados em anexo àquela 
 lei.
 Compõem o Anexo, para o que agora releva, as seguintes normas:
 
  
 
             «I – Apreciação da insuficiência económica
 
 1 – A insuficiência económica é apreciada da seguinte forma:
 a) O requerente cujo agregado familiar tem um rendimento relevante para efeitos 
 de protecção jurídica igual ou menor do que um quinto do salário mínimo nacional 
 não tem condições objectivas para suportar qualquer quantia relacionada com os 
 custos de um processo;
 b) O requerente cujo agregado familiar tem um rendimento relevante para efeitos 
 de protecção jurídica superior a um quinto e igual ou menor do que metade do 
 valor do salário mínimo nacional considera‑se que tem condições objectivas para 
 suportar os custos da consulta jurídica e por conseguinte não deve beneficiar 
 de consulta jurídica gratuita, devendo, todavia, usufruir do benefício de apoio 
 judiciário;
 c) O requerente cujo agregado familiar tem um rendimento relevante para efeitos 
 de protecção jurídica superior a metade e igual ou menor do que duas vezes o 
 valor do salário mínimo nacional tem condições objectivas para suportar os 
 custos da consulta jurídica, mas não tem condições objectivas para suportar 
 pontualmente os custos de um processo e, por esse motivo, deve beneficiar do 
 apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado, previsto na alínea d) do 
 n.º 1 do artigo 16.º da presente lei;
 
 2 – (…)
 
 3 – Para os efeitos desta lei, considera-se que pertencem ao mesmo agregado 
 familiar as pessoas que vivam em economia comum com o requerente de protecção 
 jurídica.» (itálico aditado).
 
  
 Por seu turno, os artigos 6.º a 10.º da Portaria n.º 1085‑A/2004, que procede à 
 concretização dos critérios de prova e de apreciação da insuficiência 
 económica, têm o seguinte conteúdo:
 
  
 
 «SECÇÃO II
 Apreciação do requerimento
 Artigo 6.º
 Rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica
 
 1 – Para efeitos do disposto no anexo da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, o 
 rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica (YAP) é o montante que 
 resulta da diferença entre o valor do rendimento líquido completo do agregado 
 familiar (YC) e o valor da dedução relevante para efeitos de protecção jurídica 
 
 (A), ou seja, YAP = YC – A.
 
 2 – O rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica (YAP) é expresso 
 em múltiplos do salário mínimo nacional.
 
  
 Artigo 7.º
 Rendimento líquido completo do agregado familiar
 
 1 – O valor do rendimento líquido completo do agregado familiar (YC) resulta da 
 soma do valor da receita líquida do agregado familiar (Y) com o montante da 
 renda financeira implícita calculada com base nos activos patrimoniais do 
 agregado familiar (YR), ou seja, YC = Y + YR.
 
 2 – Por receita líquida do agregado familiar (Y) entende‑se o rendimento depois 
 da dedução do imposto sobre o rendimento, das contribuições obrigatórias dos 
 empregados para regimes de segurança social e das contribuições dos empregadores 
 para a segurança social.
 
 3 – O cálculo da renda financeira implícita é efectuado nos termos previstos 
 no artigo 10.º da presente portaria.
 
  
 Artigo 8.º
 Dedução relevante para efeitos de protecção jurídica
 
 1 – O valor da dedução relevante para efeitos de protecção jurídica (A) resulta 
 da soma do valor da dedução de encargos com necessidades básicas do agregado 
 familiar (D) com o montante da dedução de encargos com a habitação do agregado 
 familiar (H), ou seja, A = D + H.
 
 2 – O valor da dedução de encargos com necessidades básicas do agregado 
 familiar (D) resulta da aplicação da seguinte fórmula:
 em que n é o número de elementos do agregado familiar e d é o coeficiente de 
 dedução de despesas com necessidades básicas do agregado familiar, determinado 
 em função dos diversos escalões de rendimento, de acordo com o previsto no anexo 
 I.
 
             3 – O montante da dedução de encargos com a habitação do agregado 
 familiar (H) resulta da aplicação do coeficiente h ao valor do rendimento 
 líquido completo do agregado familiar (YC), ou seja, H = h ×YC, em que h é 
 determinado em função dos diversos escalões de rendimento, de acordo com o 
 previsto no anexo II.
 
             4 – O cálculo do montante da dedução de encargos com a habitação do 
 agregado familiar (H) apenas tem lugar se o seu valor for superior ao montante 
 da despesa efectivamente suportada pelo agregado familiar com o pagamento de 
 renda da casa de morada de família ou de prestações para a sua aquisição ou no 
 caso de não ter sido declarada qualquer despesa com a habitação do agregado 
 familiar; caso o valor realmente despendido (B) seja inferior, é este o valor 
 considerado.
 
  
 Artigo 9.º
 Fórmula de cálculo do valor do rendimento relevante
 para efeitos de protecção jurídica
 
 1 – Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a fórmula de cálculo do valor 
 do rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica, especificada nos 
 artigos anteriores e no anexo III, é a seguinte:
 
 2 – Se, porém, o montante da despesa efectivamente suportada pelo agregado 
 familiar com o pagamento de renda da casa de morada de família ou de prestações 
 para a sua aquisição (B) for inferior ao montante que resulte da aplicação do 
 coeficiente de dedução de encargos com a habitação do agregado familiar previsto 
 no artigo anterior, a fórmula de cálculo do valor do rendimento relevante para 
 efeitos de protecção jurídica é a seguinte:
 
  
 Artigo 10.º
 Cálculo da renda financeira implícita
 
 1 – O montante da renda financeira implícita a que se refere o n.º 1 do artigo 
 
 7.º é calculado mediante a aplicação de uma taxa de juro de referência ao valor 
 dos activos patrimoniais do agregado familiar.
 
 2 – A taxa de juro de referência é a taxa EURIBOR a seis meses correspondente 
 ao valor médio verificado nos meses de Dezembro ou de Junho últimos, consoante o 
 requerimento de protecção jurídica seja apresentado, respectivamente, no 1.º ou 
 no 2.º semestre do ano civil em curso.
 
 3 – Entende‑se por valor dos bens imóveis aquele que for mais elevado entre o 
 declarado pelo requerente no pedido de protecção jurídica, o inscrito na matriz 
 predial e o constante do documento que haja titulado a respectiva aquisição.
 
 4 – Quando se trate da casa de morada de família, no cálculo referido no n.º 1 
 apenas se contabiliza o valor daquela se for superior a € 100 000 e na estrita 
 medida desse excesso.
 
 5 – O valor das participações sociais e dos valores mobiliários é aquele que 
 resultar da cotação observada em bolsa no dia anterior ao da apresentação do 
 requerimento de protecção jurídica ou, na falta deste, o seu valor nominal.
 
 6 – Entende‑se por valor dos veículos automóveis o respectivo valor de mercado.»
 
  
 A norma que integra o objecto do presente recurso foi desaplicada pelo Tribunal 
 Cível de Lisboa, por violação do artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da 
 República Portuguesa, que dispõe o seguinte:
 
  
 
 «A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus 
 direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada 
 por insuficiência de meios económicos.» (itálico aditado).
 
  
 
 2. Sobre a modalidade de protecção jurídica que está em causa nos presentes 
 autos, pode ler‑se no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 98/2004 (Diário da 
 República, II Série, de 1 de Abril de 2004) o seguinte:
 
  
 
 «O instituto do apoio judiciário visa obstar a que, por insuficiência 
 económica, seja denegada justiça aos cidadãos que pretendam fazer valer os seus 
 direitos nos tribunais, decorrendo, assim, a sua criação do imperativo plasmado 
 no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição.
 Não basta, obviamente, para cumprir tal imperativo, a mera existência do 
 referido instituto no nosso ordenamento; impõe‑se que a sua modelação seja 
 adequada à defesa dos direitos, ao acesso à Justiça, por parte daqueles que 
 carecem dos meios económicos suficientes para suportar os encargos que são 
 inerentes à instauração e desenvolvimento de um processo judicial, 
 designadamente custas e honorários forenses.»
 
  
 O que cumpre decidir nos presentes autos é, precisamente, se a modelação do 
 instituto do apoio judiciário dada pela norma desaplicada, extraída do Anexo que 
 integra a Lei n.º 34/2004, em conjugação com os artigos 6.º a 10.º da Portaria 
 n.º 1085‑A/2004, garante o acesso ao direito e aos tribunais por parte daquele 
 que carece de meios económicos suficientes para suportar os encargos que são 
 inerentes ao desenvolvimento de um processo judicial, designadamente custas e 
 honorários forenses. Por outras palavras, decidir se tal norma dá cumprimento à 
 dimensão «prestacional» da garantia fundamental do acesso ao direito e aos 
 tribunais, que se concretiza no «dever de o Estado assegurar meios (como o 
 apoio judiciário) tendentes a evitar a denegação da justiça por insuficiência 
 de meios económicos» (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 467/91, Diário da 
 República, II Série, de 2 de Abril de 1992. Assim também, Gomes Canotilho, 
 Direito Constitucional e Teoria da Constituição7, Almedina, p. 501, e Jorge 
 Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, Coimbra Editora, 
 anotação ao artigo 20.º, ponto VI).
 
              
 
 3. Tendo como referência a Constituição da República Portuguesa vigente, o 
 Decreto‑Lei n.º 387-B/87, de 29 de Dezembro, editado ao abrigo da Lei n.º 41/87, 
 de 23 de Dezembro, que autorizou o Governo a legislar sobre o estabelecimento 
 do regime do acesso ao direito e aos tribunais judiciais, foi o primeiro 
 diploma regulador do sistema de acesso ao direito e aos tribunais, 
 configurando‑o a partir de acções e mecanismos sistematizados de informação 
 jurídica e de protecção jurídica, revestindo esta última as modalidades de 
 consulta jurídica e de apoio judiciário (artigos 1.º, n.ºs 1 e 2, e 6.º).
 
             Muito embora esta configuração se tenha mantido até ao presente (cf. 
 artigos 1.º, n.ºs 1 e 2, e 6.º da Lei n.º 30‑E/2000, de 20 de Dezembro, e 1.º, 
 n.ºs 1 e 2, e 6.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho), foram introduzidas 
 alterações significativas através da Lei n.º 30‑E/2000, que atribuiu aos 
 serviços de segurança social, retirando tal competência aos tribunais, a 
 apreciação dos pedidos de concessão de apoio judiciário (artigo 21.º), e da Lei 
 n.º 34/2004, que inovou em matéria de determinação da insuficiência económica do 
 requerente de protecção jurídica.
 
             Na sequência deste diploma, a concessão de protecção jurídica a 
 quem, tendo em conta factores de natureza económica e a respectiva capacidade 
 contributiva, não tem condições objectivas para suportar pontualmente os custos 
 de um processo (cf. artigo 8.º, n.º 1, da Lei n.º 34/2004) passou a depender do 
 valor do rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica (artigos 8.º, 
 n.º 5, e 20.º, n.º 1, e ponto 1 do Anexo da Lei n.º 34/2004), determinado a 
 partir do rendimento do agregado familiar – ou seja, também a partir do 
 rendimento das pessoas que vivam em economia comum com o requerente de protecção 
 jurídica (n.ºs 1 e 3 do ponto 1 deste Anexo) – e das fórmulas previstas nos 
 artigos 6.º a 10.º da Portaria n.º 1085‑A/2004, de 31 de Agosto.
 
             A apreciação em concreto da situação de insuficiência económica do 
 requerente de protecção jurídica passou a ter lugar a título excepcional (cf. 
 artigos 20.º, n.º 2, da Lei de 2004 e 2.º da referida Portaria), diferentemente 
 do que sucedia no direito anterior (cf. artigos 7.º, n.º 1, 20.º, n.ºs 1 e 2, e 
 
 23.º, n.º 2, do Decreto‑Lei n.º 387‑B/87, artigos 7.º, n.º 1, e 20.º, n.ºs 1 e 
 
 2, da Lei n.º 30‑E/2000 e modelo de requerimento de apoio judiciário para 
 pessoas singulares aprovado pela Portaria n.º 1223‑A/2000, de 29 de Dezembro), 
 relativamente ao qual é de salientar, a título exemplificativo, que o 
 afastamento da presunção de insuficiência económica, legalmente estabelecida, 
 dependia da circunstância de o requerente fruir outros rendimentos, próprios ou 
 de terceiros.
 
             Face a esta alteração, a sentença recorrida conclui que «a norma que 
 constituía o artigo 7.º, n.º 1, da Lei n.º 30‑E/2000, de Dezembro, e que era 
 preenchida em face do caso concreto, passou a ser uma norma preenchida 
 legislativamente. O que era antes uma norma aberta à ponderação do caso 
 concreto passou a ser uma norma fechada, ponderando estritos aspectos 
 económico‑financeiros, como resulta claro da adopção de uma fórmula 
 matemática»; assinalando o Ministério Público junto deste Tribunal que aquela 
 decisão recusa a aplicação das «normas delimitadoras e reguladoras do âmbito do 
 apoio judiciário, na versão actualmente vigente, enquanto consideram rendimento 
 relevante para aferir da invocada situação de insuficiência económica todos os 
 rendimentos auferidos pelo ‘agregado familiar’ do interessado – ou seja, pelo 
 conjunto das pessoas que vivem em ‘economia comum’ com o requerente de protecção 
 jurídica, sendo tal insuficiência económica valorada, de modo rígido e tabelar, 
 através da ‘fórmula matemática’ contida nos artigos 6.º a 10.º da Portaria n.º 
 
 1085‑A/2004, de 31 de Agosto» (fls. 56 e seguintes dos autos).
 
             
 
             4. Como o valor do rendimento relevante para efeitos de protecção 
 jurídica, determinado a partir do rendimento do requerente e da avó, com quem 
 vive e de quem recebe alimentos, e das fórmulas previstas na Portaria que fixa 
 os critérios de prova e de apreciação da insuficiência económica para a 
 concessão daquela protecção, levava à inserção do caso em apreço nos presentes 
 autos na alínea c) do n.º 1 do ponto 1 do Anexo à Lei n.º 34/2004 – concessão de 
 apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado previsto na alínea d) do n.º 
 
 1 do artigo 16.º desta Lei – o tribunal recorrido desaplicou o Anexo à Lei n.º 
 
 34/2004, conjugado com os artigos 6.º a 10.º da Portaria n.º 1085‑A/2004, por 
 violação do artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
 
             Com efeito, a aplicação conjugada deste Anexo e destes artigos não 
 garante o acesso ao direito e aos tribunais, consentindo a possibilidade de ser 
 denegado este acesso por insuficiência de meios económicos, na medida em que o 
 rendimento relevante para efeitos de concessão de apoio judiciário é determinado 
 a partir do rendimento do agregado familiar, independentemente de o requerente 
 fruir o rendimento do terceiro que integra a economia comum. Devendo destacar‑se 
 que facilmente se poderá verificar a hipótese de o requerente de protecção 
 jurídica não fruir, de facto, o rendimento do terceiro que integra a economia 
 comum. Para além de poder haver interesses conflituantes entre os membros da 
 economia comum, designadamente quanto ao objecto do processo, e de o requerente 
 de protecção jurídica poder querer exercer o direito de reserva sobre a defesa 
 dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, o terceiro em causa pode 
 não estar juridicamente obrigado a contribuir para as despesas do requerente de 
 apoio judiciário.
 Nos presentes autos, uma vez que o dever de prestar alimentos não compreende 
 despesas relativas a taxa de justiça e honorários forenses (cf. artigos 2003.º 
 e 2005.º do Código Civil e 399.º, n.º 2, do Código de Processo Civil e o que 
 sobre isto se diz na decisão recorrida e nas alegações do recorrente, a fls. 59 
 e seguintes), não se pode assumir que o requerente de apoio judiciário dispõe, 
 efectivamente, de parte do rendimento relevante para efeitos de protecção 
 jurídica – a parte correspondente ao rendimento de quem lhe presta alimentos 
 
 (a avó) –, o que consente a possibilidade de ser denegado o acesso ao direito e 
 aos tribunais por insuficiência de meios económicos. Podendo ainda invocar‑se, 
 neste mesmo sentido, o artigo 116.º, n.º 1, do Código das Custas Judiciais, uma 
 vez que em caso de execução por custas respondem apenas os bens penhoráveis do 
 requerente de protecção jurídica e não também os bens daquele que com ele vive 
 em economia comum; e o regime de protecção das pessoas que vivam em economia 
 comum, previsto na Lei n.º 6/2001, de 11 de Maio, já que as pessoas que integram 
 esta economia não estão obrigadas a contribuir para despesas como as que estão 
 em causa nos presentes autos.
 
             Pelo que se expôs, é de concluir que a norma desaplicada pela 
 decisão recorrida, extraída do Anexo que integra a Lei n.º 34/2004, em 
 conjugação com aos artigos 6.º a 10.º da Portaria n.º 1085‑A/2004, não garante o 
 acesso ao direito e aos tribunais por parte daquele que carece de meios 
 económicos suficientes para suportar os encargos que são inerentes ao 
 desenvolvimento de um processo judicial, designadamente custas e honorários 
 forenses.”
 
  
 
                         2.2. O juízo de inconstitucionalidade constante da 
 decisão recorrida no recurso onde foi proferido o Acórdão n.º 46/2008 tinha um 
 alcance não inteiramente coincidente com o juízo emitido pelo Acórdão n.º 
 
 654/2006, pois neste (bem como nas Decisões Sumárias n.ºs 206/2007, 530/2007, 
 
 603/2007 e 625/2007) estava especificamente em causa a imposição, pelo conjunto 
 normativo constituído pelo Anexo à Lei n.º 34/2004 e pelos artigos 6.º a 10.º da 
 Portaria n.º 1085‑A/2004, de atribuição de relevância, para efeitos de concessão 
 do benefício do apoio judiciário, ao rendimento do agregado familiar do 
 requerente de protecção jurídica independentemente de este fruir desse 
 rendimento, enquanto no caso então em apreço não era essa a situação que se 
 verificava, antes se havia julgado inconstitucional o aludido conjunto normativo 
 por se reputar violadora do artigo 20.º, n.º 1, da CRP, a imposição aos 
 tribunais de um modo de cálculo rígido, sem abrir a possibilidade de em 
 concreto se aferir a real situação económica dos requerentes.
 
                         Mas, sendo embora diversa a causa da inadequação do 
 rígido sistema estabelecido pelo apontado conjunto normativo, entendeu o 
 Acórdão n.º 46/2008 impor‑se com igual força a emissão de um juízo de 
 inconstitucionalidade. Nos casos sobre que versaram o Acórdão n.º 654/2006 e as 
 Decisões Sumárias que reiteraram a sua doutrina o sistema legal impunha a 
 consideração como rendimento do interessado de valores de que ele não auferia; 
 no caso sobre que recaiu o Acórdão n.º 46/2008 – tal como no presente caso –, o 
 mesmo sistema impede que se considerem como despesas relevantes dispêndios a 
 que os interessados se não podem subtrair e que efectivamente diminuem a sua 
 capacidade económica. Em ambas as situações, não se assegura, como é 
 constitucionalmente imposto, de acordo com reiterada jurisprudência deste 
 Tribunal, que o sistema de apoio judiciário assegure efectivamente o acesso aos 
 tribunais por parte dos cidadãos economicamente carenciados.
 
                         No presente caso, como se salienta nas alegações do 
 Ministério Público, “verifica‑se que foi denegado ao requerente o apoio 
 judiciário, na modalidade pretendida – de integral dispensa das custas – apesar 
 de se ter apurado que o rendimento auferido é no valor mensal de € 698,83, o 
 agregado familiar é constituído pelo requerente, esposa doméstica e seis filhos, 
 quatro dos quais estudantes, e que é ostensivamente degradada a situação 
 económico‑social do referido agregado, vivendo em condições habitacionais 
 precárias e carecendo do apoio das instituições de apoio social”, acrescentando:
 
  
 
             “Note‑se que, no caso dos autos, mais do que a «rigidez» da fórmula 
 matemática, vinculante da decisão da Segurança Social acerca do peticionado 
 apoio judiciário, está em causa a sua manifesta inadequação e imprestabilidade, 
 face aos valores constitucionais – sendo «facto notório» que «obrigar» um 
 
 «agregado familiar» com as características concretas daquele em que se integra o 
 requerente a custear – a título de «pagamento faseado» das custas – um valor 
 mensal de € 41,23 – não poderá deixar de constituir um factor inibitório na 
 efectivação em juízo dos direitos, inadmissível face à proibição constitucional 
 de que a situação de carência económica possa afectar o efectivo acesso ao 
 direito e aos tribunais.
 
             (…)
 
             Deste modo, o critério normativo, justificadamente posto em causa 
 pela decisão recorrida, consubstancia‑se na fórmula de cálculo daquele 
 
 «rendimento relevante», nomeadamente os «índices» ou «coeficientes» atinentes à 
 dedução de encargos com as «necessidades básicas» dos oito elementos do agregado 
 familiar (conduzindo, no caso, ao valor, manifestamente irrisório, de € 479), 
 que não tem em conta o custo real das despesas com habitação; e, por outro lado, 
 como factor agravante, ao condicionar o cálculo do rendimento mensal, para 
 efeitos de protecção jurídica, ao valor de 0,53, relativamente ao salário 
 mínimo, já de si garante de um patamar mínimo de sobrevivência condigna.”
 
  
 
                         2.3. Nem se diga que a constitucionalidade do regime em 
 causa seria salva pela “válvula de segurança” prevista no artigo 20.º, n.º 2, da 
 Lei n.º 34/2004, que dispunha:
 
  
 
             “2 – Se os serviços da segurança social, perante um caso concreto, 
 entenderem não dever aplicar o resultado da apreciação efectuada nos termos do 
 número anterior, remetem o pedido, acompanhado de informação fundamentada, para 
 uma comissão constituída por um magistrado designado pelo Conselho Superior da 
 Magistratura, um magistrado do Ministério Público designado pelo Conselho 
 Superior do Ministério Público, um advogado designado pela Ordem dos Advogados 
 e um representante do Ministério da Justiça, a qual decide e remete tal decisão 
 aos serviços da segurança social.”
 
  
 
                         É que esta possibilidade nunca se tornou efectiva por a 
 comissão de que dependia a aplicabilidade deste mecanismo nunca ter sido 
 instituída. Lê‑se, com efeito, na “Exposição de motivos” da Proposta de Lei n.º 
 
 121/X (Diário da Assembleia da República, X Legislatura, 2.ª Sessão 
 Legislativa, II Série‑A, n.º 58, de 22 de Março de 2007, pp. 19‑46), que esteve 
 na origem da Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto de 2007, que alterou a Lei n.º 
 
 34/2004:
 
  
 
             “Por outro lado, procurando temperar a objectividade inerente ao 
 critério de insuficiência económica delineado para as pessoas singulares na Lei 
 n.º 34/2004, de 29 de Julho, introduz‑se um novo mecanismo de apreciação dos 
 pedidos de protecção jurídica, que permite ao dirigente máximo dos serviços de 
 segurança social competente para a decisão sobre a concessão do benefício 
 decidir, com fundamentação especial, de forma diversa da que resultaria da 
 aplicação dos critérios previstos na lei se esta conduzir, no caso concreto, a 
 uma manifesta negação do acesso ao direito e aos tribunais. O objectivo ora 
 prosseguido é o mesmo do assumido em 2004, com a previsão, no n.º 2 do artigo 
 
 20.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, da comissão constituída por 
 representantes do Ministério da Justiça e de entidades judiciárias. Esta 
 comissão não chegou, contudo, a ser criada, julgando‑se mais adequado e 
 exequível substituí‑la pelo mecanismo ora consagrado, tanto mais que o elevado 
 número de pedidos que a segurança social avança como susceptíveis de remessa 
 
 àquela não parece coadunável com a sua natureza colegial.” (sublinhado 
 acrescentado)
 
  
 
                         Em execução destes propósitos, a Lei n.º 47/2007 
 eliminou o primitivo n.º 2 do artigo 20.º da Lei n.º 34/2004, e aditou o artigo 
 
 8.º‑A, cujo n.º 8 dispõe que “Se, perante um caso concreto, o dirigente máximo 
 dos serviços de segurança social competente para a decisão sobre a concessão de 
 protecção jurídica entender que a aplicação dos critérios previstos nos números 
 anteriores conduz a uma manifesta negação do acesso ao direito e aos tribunais 
 pode, por despacho especialmente fundamentado e sem possibilidade de delegação, 
 decidir de forma diversa daquela que resulta da aplicação dos referidos 
 critérios”.
 
                         A isto acresce que, na interpretação do direito 
 ordinário feita pela decisão recorrida, se considerou que a possibilidade 
 prevista no n.º 2 do artigo 20.º da Lei n.º 34/2004 (que, como se viu, não 
 chegou a adquirir efectividade) valia apenas para a fase administrativa do 
 procedimento, não sendo extensível à fase jurisdicional. É, na verdade, 
 inequívoca nesse sentido a referência a que o presente seria “um caso manifesto 
 a submeter à válvula de escape do n.º 2 do artigo do artigo 20.º da LAJ (a 
 ter‑se concretizado …)” (sublinhado acrescentado).
 
                         Não é, assim, possível ancorar na previsão do n.º 2 do 
 artigo 20.º da Lei n.º 34/2004 qualquer tentativa para tornar o sistema em causa 
 compatível com as exigências constitucionais de assegurar o acesso aos tribunais 
 por parte dos economicamente carenciados.
 
  
 
                         3. Decisão
 
                         Em face do exposto, acordam em:
 
                         a) Julgar inconstitucionais, por violação do artigo 
 
 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, as normas constantes do 
 Anexo à Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, conjugado com os artigos 6.º a 10.º da 
 Portaria n.º 1085‑A/2004, de 31 de Agosto, alterada pela Portaria n.º 288/2005, 
 de 21 de Março, interpretadas no sentido de que determinam que seja considerado 
 para efeitos do cálculo do rendimento relevante do requerente do benefício de 
 apoio judiciário o rendimento do seu agregado familiar nos termos aí rigidamente 
 impostos, sem permitir em concreto aferir da real situação económica do 
 requerente em função dos seus rendimentos e encargos; e, em consequência,
 
                         b) Confirmar a decisão recorrida, na parte impugnada.
 
                         Sem custas.
 Lisboa, 20 de Fevereiro de 2008.
 Mário José de Araújo Torres 
 Benjamim Silva Rodrigues
 João Cura Mariano
 Joaquim de Sousa Ribeiro
 Rui Manuel Moura Ramos