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Processo n.º 729/2006
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto 
 
 (Conselheira Maria Fernanda Palma)                       
 
  
 Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 I. Relatório
 
 1.A. interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães do despacho do 
 Juiz de Instrução Criminal do Tribunal Judicial de Valença que o pronunciou pela 
 prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 
 
 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro. Nas respectivas 
 alegações disse:
 
 «(…)
 
 7.ª Acresce que, sem prescindir, o artigo 32.º, n.º 5, da Constituição da 
 República Portuguesa confere ao arguido A. o direito fundamental ao 
 contraditório relativamente aos meios de prova de que o Ministério Público se 
 socorre para estribar a sua acusação e para a sustentar em audiência de 
 julgamento; 
 
 8.ª A conservação das gravações não transcritas até ao trânsito em julgado da 
 decisão final, podendo o arguido requerer a sua audição em sede de julgamento ou 
 de recurso para contextualizar as conversações transcritas, constitui um direito 
 fundamental do arguido que neste caso se encontra irremediavelmente precludido, 
 afectando a totalidade da prova colhida com violação daquela norma 
 constitucional; 
 
 9.ª Deste modo, o artigo 188.º, n.º 3, do CPP, na medida em que impede ao 
 arguido exercer o contraditório relativamente às escutas telefónicas por não 
 estarem nos autos os registos fonográficos integrais das mesmas é 
 inconstitucional, afectando a totalidade da prova colhida com violação daquela 
 norma constitucional.»
 O Tribunal da Relação de Guimarães, por acórdão de 19 de Junho de 2006, 
 considerou o seguinte:
 
 «(…)
 Defende, por último, o recorrente que é inconstitucional, por violação do art.º 
 
 32.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa, a norma constante do 
 artigo 188.º, n.º 3, do CPP “na medida em que impede ao arguido exercer o 
 contraditório relativamente às escutas telefónicas por não estarem nos autos os 
 registos fonográficos integrais das mesmas”. 
 Vejamos... 
 Dispõe o artigo 188.º, n.º 3, do CPP, que “[s]e o juiz considerar os elementos 
 recolhidos, ou alguns deles, relevantes para a prova, ordena a sua transcrição 
 em auto e fá-lo juntar ao processo; caso contrário, ordena a sua destruição, 
 ficando todos os participantes nas operações ligados ao dever de segredo 
 relativamente àquilo de que tenham tomado conhecimento”. 
 Por sua vez, o citado artigo 34.º, n.º 5, da CRP preceitua que: “o processo 
 criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos 
 instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório”. 
 Como refere o Prof. Germano Marques da Silva “[e]ste princípio traduz-se na 
 estruturação da audiência em termos de um debate ou discussão entre a acusação e 
 a defesa. Cada um destes sujeitos é chamado a aduzir as suas razões de facto e 
 de direito, a oferecer as suas provas, a controlar as provas contra si 
 oferecidas e a discretear sobre o resultado de umas e outras” – vd. Curso de 
 Processo Penal, Verbo, I vol., pág. 72.
 Pois bem, não se vê como é que o preceituado no artigo 188.º, n.º 3, do CPP, na 
 parte em que estatui que o juiz ordena a destruição dos elementos que considerar 
 irrelevantes, viole o n.º 5 do art.º 34.º da Constituição da República 
 Portuguesa. A ordem de destruição dos elementos irrelevantes faz parte do 
 acompanhamento judicial da própria execução da operação de intercepção e 
 gravação das comunicações telefónicas, imposto pelo elevado potencial de 
 danosidade social desta intromissão. 
 Com efeito, se um dos propósitos visados com o acompanhamento judicial é, como 
 se escreve no Acórdão n.º 426/2005, do Tribunal Constitucional, “fazer depender 
 a aquisição processual da prova a um ‘crivo’ judicial quanto ao seu carácter não 
 proibido e à sua relevância”, então dificilmente se concebe que elementos 
 considerados irrelevantes pelo “crivo” judicial pudessem ser utilizados, maxime 
 para contextualizar precisamente o teor de chamadas telefónicas consideradas 
 relevantes, e que foram transcritas integralmente, como ocorreu no caso dos 
 presentes autos [cfr. pontos 9), 15 ) e 22)]. 
 Funcionando, à face da nossa lei, a intervenção judicial como garantia tanto do 
 escutado como de terceiros, com vista a impedir a devassa sobre factos inúteis, 
 isto é, sem relevância para a descoberta da verdade, a não destruição dos 
 elementos considerados irrelevantes permitiria a devassa que precisamente se 
 quis evitar com a intervenção judicial. 
 Os elementos seleccionados pelo Juiz como relevantes e que são transcritos é que 
 constituem prova. E quanto a estes elementos assiste ao arguido, ao assistente e 
 
 às pessoas escutadas, nos termos do n.º 5 do art.º 188.º do CPP, o direito de 
 examinarem o auto de transcrição, por forma a conferirem a conformidade da 
 transcrição com a gravação e a exigirem a rectificação dos erros detectados ou 
 de identificação de vozes. E, esta prova, junta ao processo, está sujeita ao 
 contraditório em sede de audiência de julgamento. Nesta sede, o arguido poderá 
 discutir o seu valor probatório, designadamente o sentido da conversação 
 escutada. 
 Concluindo, entende-se que o citado preceito não viola o art.º 34.º, n.º 5, da 
 CRP.»
 
 2.Veio, então, o arguido interpor recurso de constitucionalidade, nos seguintes 
 termos:
 
 «O arguido A., notificado do douto acórdão do Venerando Tribunal da Relação de 
 Guimarães; 
 Inconformado quanto ao conteúdo do mesmo relativamente à improcedência das 
 inconstitucionalidades suscitadas, quer no requerimento de abertura da instrução 
 quer nas alegações apresentadas em juízo: 
 Vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional; 
 Para a fiscalização concreta da inconstitucionalidade. 
 Nos termos e com os fundamentos seguintes: 
 Disposição legal ao abrigo da qual se interpõe o recurso: 
 Artigo 70.º, n.º 1, al. b), da LOFPTC. 
 Normas cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada: 
 O artigo 180.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, porque permite a 
 interpretação, feita no douto acórdão recorrido, segundo a qual o auto de 
 transcrição das fitas gravadas e as referidas fitas podem ser remetidas pelo 
 
 órgão de polícia criminal ao Ministério Público, uma vez que, “o Ministério 
 Público, como titular da acção penal, não pode ficar alheado do material das 
 escutas”; 
 O artigo 180.º, nº 3, do Código de Processo Penal, na medida em que o douto 
 acórdão recorrido interpreta a norma no sentido de permitir a destruição das 
 fitas gravadas ou similares das conversas telefónicas, impossibilitado o 
 contraditório consagrado no artigo 32.º, n.º 5, da Constituição da República 
 Portuguesa (CRP), pois não lhe é permitido aceder na íntegra à gravação feita 
 pelo órgão de polícia criminal, isto é, o arguido não tem como verificar se as 
 afirmações que aparecem transcritas nos autos correspondem efectivamente às 
 conversas gravadas, se não surgem transcritas fora de um contexto prévio e/ou 
 ulterior, ou se contêm conversas que permitam ser utilizadas na defesa do 
 arguido. Por conseguinte, este meio de recolha da prova só pode ser utilizado 
 pela acusação, estando vedado ao arguido utilizar o mesmo meio e a prova que 
 eventualmente daí resulte em benefício da sua defesa. 
 Normas que se consideram violadas: 
 Os artigos 32.º, n.ºs 1, 4, 5 e 8, 34.º, n.ºs 1 e 4, e 18.º, n.ºs 2 e 3, da 
 Constituição da República Portuguesa.
 Peças processuais em que foram suscitadas as inconstitucionalidades das normas: 
 Requerimento de abertura da instrução no Tribunal Instrução Criminal da Comarca 
 de Valença e alegações de recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães. 
 Termos em que requer-se a V. Exas. se dignem admitir o presente recurso, 
 fixando-lhe efeito suspensivo e subida imediata nos próprios autos.»
 No Tribunal Constitucional foi proferido, pela Relatora, o seguinte despacho:
 
 «1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos 
 do Tribunal da Relação de Guimarães, em que figura como recorrente A. e como 
 recorrido o Ministério Público, é submetida à apreciação do Tribunal 
 Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do 
 Tribunal Constitucional, uma dimensão normativa do artigo 180.º, n.º 1, do 
 Código de Processo Penal, e uma dimensão normativa do artigo 180.º, n.º 3, do 
 mesmo Código (dimensões identificadas no requerimento de interposição do recurso 
 para o Tribunal Constitucional – fls. 101).
 Quanto à questão reportada ao artigo 180.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, 
 verifica-se que o recorrente, nas alegações de recurso para o Tribunal da 
 Relação de Guimarães e na resposta ao parecer do Ministério Público, não 
 suscitou a inconstitucionalidade da dimensão normativa que pretende agora ver 
 apreciada.
 Desse modo, não se verifica, quanto à primeira questão identificada pelo 
 recorrente, o pressuposto do recurso da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 
 do Tribunal Constitucional, consistente na suscitação durante o processo da 
 questão de constitucionalidade normativa. Assim, não se poderá tomar 
 conhecimento da conformidade à Constituição da dimensão normativa do artigo 
 
 180.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, que o recorrente impugna.
 
 2. Em face do exposto, notifique-se o recorrente para, no prazo de 20 dias, 
 produzir alegações relativamente à questão que tem por objecto o artigo 180.º, 
 n.º 3, do Código de Processo Penal, suscitando‑se a presente questão prévia 
 relativa ao artigo 180.º,  n.º 1, do Código de Processo Penal, nos termos do 
 artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, aplicável nos presentes autos 
 por força do artigo 69.º da Lei do Tribunal Constitucional.»
 O recorrente apresentou alegações nas quais concluiu:
 
 «1.º – Decorre do artigo 11.º, n.º 1, da Declaração Universal dos Direitos do 
 Homem, de 10 de Dezembro de 1948, que: “[t]oda a pessoa acusada de um acto 
 delituoso presume-se inocente até que a sua culpabilidade fique legalmente 
 provada no decurso de um processo público, em que todas as garantias necessárias 
 de defesa lhe sejam asseguradas”. 
 
 2.º – Por sua vez, a Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 32.º, 
 n.º 1, garante: “[o] processo criminal assegura todas as garantias de defesa, 
 incluindo o recurso.” 
 
 3.º – O n.º 2 da mesma norma assegura que: “[t]odo o arguido se presume inocente 
 até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no 
 mais curto prazo compatível com as garantias de defesa.” 
 
 4.º – E o n.º 5 prevê: “(...) estando a audiência de julgamento e os actos 
 instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório.” 
 
 6.º – Assim, no direito de defesa conferido ao arguido aflora como corolário o 
 direito ao contraditório relativamente à prova carreada pelo Ministério Público 
 com a colaboração do JIC. 
 
 8.º – Ora, tendo o JIC ordenado a destruição dos suportes fonográficos 
 previamente seleccionados pelo Ministério Público, relativamente às escutas 
 telefónicas, o arguido fica impedido de utilizar os registos fonográficos em sua 
 defesa, donde resulta um gritante desequilíbrio nos meios de prova e de recolha 
 da prova de que dispõe o Ministério Público para fundamentar a acusação e 
 aqueles que o arguido pode utilizar para contrariar os argumentos e os meios de 
 prova da defesa. 
 
 9.º – Ora, considerando a Exma. Senhora Juíza de Instrução e o Venerando 
 Tribunal “a quo” na interpretação que fizeram do artigo 188.º, n.º 3, do CPP, 
 defendendo que é perfeitamente harmonizável com as disposições fundamentais 
 supra citadas a destruição dos registos fonográficos relativos às conversas 
 telefónicas, o arguido pugna pela declaração de inconstitucionalidade daquela 
 dimensão normativa, devendo o Tribunal Constitucional considerar que para 
 garantir o direito fundamental de defesa do arguido deve-lhe ser garantido o 
 acesso às gravações integrais ordenadas pelo JIC, de modo a respeitarem-se, 
 entre outras normas, os artigos 11.º, n.º 1, da Declaração Universal dos 
 Direitos do Homem de 10 de Dezembro de 1948, 6.º, n.º 3, da Convenção Europeia 
 dos Direitos do Homem, ratificada pela Lei n.º 65/78, de 13 de Outubro, e 32.º, 
 n.ºs 1, 2, 5, da CRP. 
 Nestes termos e contando sempre com o douto suprimento de V. Exas., considerando 
 e acolhendo as conclusões enunciadas farão V. Exas. Justiça, não permitindo que 
 as escutas realizadas nos presentes autos possam ser utilizadas como meio de 
 prova contra o arguido.»
 Contra-alegou o Ministério Público, concluindo o seguinte:
 
 «1.º A norma do n.º 3 do artigo 188.º do Código de Processo Penal, no segmento 
 em que estabelece a destruição dos elementos não relevantes para a prova, sem 
 prévio acesso e conhecimento por parte do arguido, não é inconstitucional, 
 quando interpretada no sentido de que àquele não está vedado o pleno exercício 
 do contraditório relativamente à prova relevante constante do processo e na 
 ausência de qualquer indicação que o acesso a tais elementos, conhecidos, 
 analisados e controlados pelo juiz de Instrução, relevam para o exercício do 
 direito de defesa. 
 
 2.º Termos em que deverá improceder o presente recurso.»
 Cumpre apreciar e decidir, após inscrição do processo em tabela e mudança do 
 Relator.
 II. Fundamentos
 A) Delimitação do objecto do recurso
 
 3.Importa começar por delimitar o objecto do recurso.
 O recorrente indicou, como normas cuja constitucionalidade pretendia ver 
 apreciada: o “artigo 180.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, porque permite a 
 interpretação, feita no douto acórdão recorrido, segundo a qual o auto de 
 transcrição das fitas gravadas e as referidas fitas podem ser remetidas pelo 
 
 órgão de polícia criminal ao Ministério Público”; e o “artigo 180.º, n.º 3, do 
 Código de Processo Penal, na medida em que o douto acórdão recorrido interpreta 
 a norma no sentido de permitir a destruição das fitas gravadas ou similares das 
 conversas telefónicas”.
 A Relatora, no despacho que se encontra a fls. 113 dos autos, transcrito supra, 
 suscitou a questão prévia do não conhecimento do objecto do recurso 
 relativamente à dimensão normativa reportada ao “artigo 180.º, n.º 1, do Código 
 de Processo Penal”, por falta de suscitação, durante o processo, da questão de 
 constitucionalidade dessa norma. O recorrente não apresentou qualquer 
 argumentação relativamente a este ponto, e verifica-se que, efectivamente, nas 
 alegações do recurso interposto para o Tribunal da Relação de Guimarães, o 
 recorrente apenas suscita a inconstitucionalidade do artigo 188.º, n.º 3, do 
 Código de Processo Penal.
 Desse modo, por falta de preenchimento do requisito, indispensável para se poder 
 conhecer do recurso, previsto nos artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, 
 da Lei do Tribunal Constitucional, não se poderá tomar conhecimento do presente 
 recurso no que se refere à norma indicada no requerimento de recurso e no 
 referido despacho da Relatora como reportada ao artigo 180.º, n.º 1, do Código 
 de Processo Penal.
 
 4.O recorrente impugnou no requerimento de recurso, como se disse, o artigo 
 
 180.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, quando interpretado no sentido de 
 permitir a destruição dos registos magnéticos obtidos mediante intercepção de 
 telecomunicações, que sejam considerados irrelevantes pelo juiz de instrução, e 
 o despacho que determinou a produção de alegações reportou-se igualmente a essa 
 norma.
 Como, porém, resulta das alegações do recorrente – e das contra-alegações do 
 Ministério Público – e do confronto entre os artigos 180.º e 188.º do Código de 
 Processo Penal, a indicação daquele primeiro preceito resulta de mero lapso, 
 aliás notado e corrigido pelos próprios recorrente e recorrido: o artigo 180.º 
 refere-se à apreensão em escritório de advogado ou em consultório médico, que 
 não está em causa, sendo, antes, o artigo 188.º do Código de Processo Penal, 
 referente às formalidades das operações de intercepção, gravação e transcrição 
 das telecomunicações, que está em causa – e em particular o seu n.º 3, na 
 interpretação segundo a qual permite a destruição, por ordem do juiz de 
 instrução, dos registos magnéticos que considere irrelevantes. Foi, aliás, a 
 inconstitucionalidade deste artigo 188.º, n.º 3, que foi suscitada durante o 
 processo, perante o tribunal recorrido.
 Tendo o lapso sido corrigido sem consequências, tomar-se-á como objecto do 
 presente recurso a apreciação da constitucionalidade de uma dimensão normativa 
 referida ao artigo 188.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.
 
 5.A dimensão normativa em causa corresponde, segundo o requerimento de recurso, 
 
 à interpretação do artigo 188.º, n.º 3, do Código de Processo Penal no sentido 
 de “permitir a destruição das fitas gravadas ou similares das conversas 
 telefónicas”, sem que ao arguido seja permitido “aceder na íntegra à gravação 
 feita pelo órgão de polícia criminal”.
 Dispõe o artigo 188.º do Código de Processo Penal:
 
 «Artigo 188.º (Formalidades das operações)
 
 1 – Da intercepção e gravação a que se refere o artigo anterior é lavrado auto, 
 o qual, junto com as fitas gravadas ou elementos análogos, é imediatamente 
 levado ao conhecimento do juiz que tiver ordenado ou autorizado as operações, 
 com a indicação das passagens das gravações ou elementos análogos considerados 
 relevantes para a prova.
 
 2 – O disposto no número anterior não impede que o órgão de polícia criminal que 
 proceder à investigação tome previamente conhecimento do conteúdo da comunicação 
 interceptada a fim de poder praticar os actos cautelares necessários e urgentes 
 para assegurar os meios de prova.
 
 3 – Se o juiz considerar os elementos recolhidos, ou alguns deles, relevantes 
 para a prova, ordena a sua transcrição em auto e fá-lo juntar ao processo; caso 
 contrário, ordena a sua destruição, ficando todos os participantes nas operações 
 ligados ao dever de segredo relativamente àquilo de que tenham tomado 
 conhecimento.
 
 4 – Para efeitos do disposto no número anterior, o juiz pode ser coadjuvado, 
 quando entender conveniente, por órgão de polícia criminal, podendo nomear, se 
 necessário, intérprete. À transcrição aplica-se, com as necessárias adaptações, 
 o disposto no artigo 101.º, n.ºs 2 e 3.
 
 5 – O arguido e o assistente, bem como as pessoas cujas conversações tiverem 
 sido escutadas, podem examinar o auto de transcrição a que se refere o n.º 3 
 para se inteirarem da conformidade das gravações e obterem, à sua custa, cópias 
 dos elementos naquele referidos.»
 Consultando o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães recorrido verifica-se 
 que, efectivamente, este se baseou numa interpretação do transcrito n.º 3 
 segundo a qual o juiz de instrução pode ordenar a destruição dos elementos de 
 prova obtidos mediante intercepção de telecomunicações que considere 
 irrelevantes, sem que o arguido deles tenha conhecimento e sem que se possa 
 pronunciar sobre a sua relevância, e mesmo que o órgão de polícia criminal os 
 tenha conhecido integralmente.
 Segundo o acórdão recorrido, a “ordem de destruição dos elementos irrelevantes 
 faz parte do acompanhamento judicial da própria execução da operação de 
 intercepção e gravação das comunicações telefónicas, imposto pelo elevado 
 potencial de danosidade social desta intromissão”. Com efeito, a “intervenção 
 judicial como garantia tanto do escutado como de terceiros, com vista a impedir 
 a devassa sobre factos inúteis, isto é, sem relevância para a descoberta da 
 verdade, a não destruição dos elementos considerados irrelevantes permitiria a 
 devassa que precisamente se quis evitar com a intervenção judicial”.
 Importa notar, porém, que o Tribunal da Relação de Guimarães se não baseou, como 
 fundamento para a destruição dos elementos de prova, no facto de estarem em 
 causa intercepções proibidas ou não levadas a cabo nos termos legalmente 
 previstos, ou, sequer, numa concretização, no caso, da referida danosidade 
 social pelo facto de intervirem nas comunicações concretamente destruídas 
 terceiros ou de o seu conteúdo se reportar a terceiros, pela circunstância de, 
 por exemplo, dizerem respeito a matérias sob segredo profissional ou outro tipo 
 de segredo, ou, ainda, de a divulgação daquelas comunicações (cujo risco se 
 mantém quando não são destruídos os seus registos) poder afectar particularmente 
 direitos, liberdades e garantias. Está em causa apenas a destruição dos registos 
 magnéticos das comunicações, por ordem judicial, baseada exclusivamente num 
 juízo sobre a sua relevância para a prova, e não em qualquer daquelas outras 
 razões – não sendo, aliás, de excluir que o resultado da ponderação das 
 exigências constitucionais quanto aos direitos do arguido com essas outras 
 razões (por exemplo, direitos de terceiro) possa conduzir a um juízo diverso 
 quanto à questão de constitucionalidade.
 Note-se, aliás, que o que está em causa não é a questão de saber se é ao juiz de 
 instrução ou ao arguido que cabe a faculdade de decidir definitivamente sobre a 
 
 (relevância das comunicações e, consequentemente) a destruição dos registos 
 magnéticos. Está apenas em causa saber se o juiz pode ordenar a destruição 
 destes registos exclusivamente com base na sua apreciação da sua relevância, sem 
 que o conteúdo das comunicações possa, pois, ser logo ou posteriormente 
 comunicado, de forma integral e completa, ao arguido, ou para que este possa, 
 pelo menos, fundamentar cabalmente a sua apreciação, possivelmente diversa, 
 sobre a relevância, para o processo, das conversações que o juiz pode ter 
 considerado irrelevantes.
 
 É também claro, por outro lado, que a decisão recorrida admitiu que seja 
 ordenada a destruição dos elementos de prova com base numa apreciação da sua 
 irrelevância efectuada pelo juiz, mesmo que o órgão de polícia criminal e o 
 Ministério Público tomem conhecimento integral do conteúdo das comunicações, 
 resultando tal possibilidade do próprio procedimento para realização das escutas 
 
 – cf., aliás, o artigo 188.º, n.º 2, do Código de Processo Penal e a parte final 
 do n.º 1, esta aditada pelo Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15 de Dezembro, por 
 forma a passar a prever que o auto é levado ao conhecimento do juiz “com a 
 indicação das passagens das gravações ou elementos análogos considerados 
 relevantes para a prova” (pelo órgão de polícia criminal e pelo Ministério 
 Público, que dirige o inquérito – artigo 53.º, n.º 2, alínea c), do Código de 
 Processo Penal).
 
 6.Segundo se lê na decisão recorrida, são os “elementos seleccionados pelo Juiz 
 como relevantes e que são transcritos” que constituem prova, e é apenas quanto a 
 estes elementos que “assiste ao arguido, ao assistente e às pessoas escutadas, 
 nos termos do n.º 5 do art.º 188.º do CPP, o direito de examinarem o auto de 
 transcrição, por forma a conferirem a conformidade da transcrição com a gravação 
 e a exigirem a rectificação dos erros detectados ou de identificação de vozes”, 
 sendo apenas essa prova, junta ao processo, que “está sujeita ao contraditório 
 em sede de audiência de julgamento”, aí podendo o arguido discutir o seu valor 
 probatório, designadamente o sentido da conversação escutada.
 Invoca o recorrente que, tendo sido ordenada a destruição dos registos das 
 comunicações, “previamente seleccionados pelo Ministério Público”, o arguido 
 fica impedido de os utilizar em sua defesa, com “um gritante desequilíbrio nos 
 meios de prova e de recolha da prova de que dispõe o Ministério Público para 
 fundamentar a acusação e aqueles que o arguido pode utilizar para contrariar os 
 argumentos e os meios de prova da defesa”. Designadamente o recorrente alega que 
 não pode contraditar a relevância das gravações transcritas, ficando 
 impossibilitado de proceder a uma contextualização das conversas consideradas 
 relevantes.
 
 É certo que o recorrente não concretizou os elementos que tencionava vir a 
 descobrir com o acesso integral ao conteúdos das comunicações interceptadas, 
 limitando-se a referir que necessitava desse acesso para contextualização das 
 gravações que o juiz considerou relevantes.
 Tal não pode, porém, constituir obstáculo a que se tome conhecimento do recurso 
 
 – nem, adianta-se desde já, pode influir de modo decisivo na própria decisão da 
 questão de constitucionalidade.
 Com efeito, exigir que o arguido justificasse a “contextualização” que pretendia 
 realizar, no caso concreto, com referência ao conteúdo das comunicações 
 interceptadas seria exigir-lhe que avançasse hipóteses, ou que fizesse 
 conjecturas, baseadas no conteúdo de comunicações a que não pôde aceder. Na 
 falta de outros elementos de prova, a referência apenas aos elementos que 
 ficaram registados não é suficiente, na medida em que possa estar justamente em 
 causa o seu enquadramento e explicação por outros elementos, os quais foram 
 destruídos. Estar‑se‑ia, assim, a exigir ao arguido, ainda que apenas para 
 fundamentar substancialmente a relevância do “contexto” dos elementos de prova 
 transcritos, que conjecturasse qual poderia ser o conteúdo das comunicações 
 destruídas, sem que, aliás, tendo em conta tal destruição, pudesse esperar que 
 essas conjecturas ou hipóteses viessem alguma vez a ser comprovadas. Tal ónus 
 não se afigura razoável.
 Acresce que o arguido invoca que, com a destruição das gravações, fica impedido 
 de as utilizar em sua defesa, com “um gritante desequilíbrio nos meios de prova 
 e de recolha da prova de que dispõe o Ministério Público para fundamentar a 
 acusação e aqueles que o arguido pode utilizar para contrariar os argumentos e 
 os meios de prova da defesa”, o que não se limita à possibilidade de uma 
 contextualização. O acesso ao conteúdo das comunicações interceptadas pode 
 servir ao arguido, para os “utilizar em sua defesa”, não só para tal 
 enquadramento ou contextualização dos que se encontram já transcritos nos autos 
 e que foram utilizados pelo Ministério Público, como para a descoberta de novos 
 elementos que o arguido considere relevantes, capazes, por exemplo, de 
 influenciar o seu grau de culpa ou de permitir a invocação de causas de 
 justificação.
 
 7.Tomar-se-á, pois, conhecimento do recurso, dirigido à apreciação da 
 constitucionalidade da norma do artigo 188.º, n.º 3, do Código de Processo 
 Penal, no entendimento de que permite a destruição de elementos de prova obtidos 
 mediante intercepção de telecomunicações e que o órgão de polícia criminal 
 conheceu, com base numa apreciação da sua relevância efectuada, e na consequente 
 ordem dada, pelo juiz de instrução, sem que o arguido chegue a tomar 
 conhecimento do seu conteúdo e sem poder, pois, pronunciar-se sobre a sua 
 relevância.
 B) Questão de constitucionalidade
 
 8.O recorrente fundamenta a inconstitucionalidade da norma impugnada na violação 
 do artigo 32.º, n.ºs 1, 2 e 5, da Constituição da República Portuguesa. O 
 primeiro, como se sabe, prevê que o processo criminal assegura “todas as 
 garantias de defesa”, e o artigo 32.º, n.º 5, prevê que a audiência de 
 julgamento e os actos que a lei determinar estão subordinados ao princípio do 
 contraditório.
 Por sua vez, o artigo 32.º, n.º 2, consagra a presunção de inocência do arguido 
 até ao trânsito em julgado da sentença de condenação. A relevância directa deste 
 
 último parâmetro para a apreciação da constitucionalidade da norma em causa 
 pode, porém, ser afastada: a possibilidade de destruição de elementos de prova 
 considerados irrelevantes pelo juiz, e conhecidos pela acusação, mas sem 
 conhecimento por parte do arguido, pode ter consequências para a defesa deste no 
 processo, dificultando-a, mas não afecta, só por si, a presunção de inocência. 
 Em abstracto, tal destruição tanto poderá, aliás, facilitar como dificultar um 
 juízo sobre a prática dos factos em causa e a culpabilidade do arguido, como 
 pode simplesmente ser irrelevante.
 Inversamente, porém, ocorre ainda a possível convocação, como parâmetros da 
 constitucionalidade das normas em causa, a par da previsão de “todas as 
 garantias de defesa” e do princípio do contraditório (ou contidos nas primeiras 
 e a par deste último), da garantia de que o processo criminal será um processo 
 leal (um due process of law), bem como de uma “igualdade de armas” entre a 
 acusação e a defesa, ínsitos também no princípio do Estado de Direito.
 
 9.O Tribunal Constitucional nunca se pronunciou sobre a constitucionalidade da 
 norma em questão, apesar de ter já uma vasta jurisprudência sobre a matéria das 
 escutas telefónicas. Existem também poucas decisões sobre o problema da 
 destruição dos suportes magnéticos das comunicações interceptadas.
 Pode destacar-se, desde logo, o Acórdão n.º 426/2005 (publicado no Diário da 
 República, II série, n.º 232, de 5 de Dezembro de 2005), pelo qual não foi 
 julgada inconstitucional justamente a norma do artigo 188.º, n.ºs 1, 3 e 4, do 
 Código de Processo Penal, interpretados “no sentido de que são válidas as provas 
 obtidas por escutas telefónicas cuja transcrição foi, em parte, determinada pelo 
 juiz de instrução, não com base em prévia audição pessoal das mesmas, mas por 
 leitura de textos contendo a sua reprodução, que lhe foram espontaneamente 
 apresentados pela Polícia Judiciária, acompanhados das fitas gravadas ou 
 elementos análogos” (itálicos aditados). Nesta decisão, tirada na 2.ª Secção do 
 Tribunal Constitucional, pode ler-se, com interesse para o presente caso:
 
 «(…)
 Com base nas referências, por transcrição ou por resumo, das passagens das 
 conversações que o órgão de polícia criminal (que está sujeito a especiais 
 obrigações de objectividade) considera relevantes – indicações essas que, 
 porque necessariamente acompanhadas do envio ao juiz das fitas gravadas ou 
 elementos análogos, merecem, à partida, um juízo de fidedignidade, atenta a 
 possibilidade efectiva de controlo da sua correspondência ao material gravado – 
 pode o juiz quer determinar de imediato a interrupção da intercepção revelada 
 desnecessária, quer formular juízo próprio sobre a admissibilidade e a 
 relevância dos elementos a transcrever.
 Acresce que, em rigor, essa selecção dos elementos a transcrever é 
 necessariamente uma primeira selecção, dotada de provisoriedade, podendo vir a 
 ser reduzida ou ampliada. Assiste, na verdade, ao arguido, ao assistente e às 
 pessoas escutadas o direito de examinarem o auto de transcrição, exame que se 
 deve entender não ser apenas destinado a conferir a conformidade da transcrição 
 com a gravação e exigir a rectificação dos erros de transcrição detectados ou 
 de identificação das vozes gravadas, mas também para reagir contra transcrições 
 proibidas (por exemplo, de conversações do arguido com o defensor) ou 
 irrelevantes. Inversamente, deve ser facultado à defesa (e também à acusação) a 
 possibilidade de requerer a transcrição de mais passagens do que as inicialmente 
 seleccionadas pelo juiz, quer por entenderem que as mesmas assumem relevância 
 própria, quer por se revelarem úteis para esclarecer ou contextualizar o sentido 
 de passagens anteriormente seleccionadas.
 No presente caso, os recorrentes não questionam a admissibilidade e a 
 relevância das transcrições seleccionadas pelo juiz com base nas indicações 
 fornecidas pelo órgão de polícia criminal, indicações com as quais o Ministério 
 Público manifestou plena concordância. O que, no fundo, os recorrentes acabam 
 por considerar inconstitucional é a circunstância de essa forma de coadjuvação 
 dos órgãos de polícia criminal ter sido prestada sem ter sido previamente 
 solicitada, por forma expressa, pelo juiz de instrução. No entanto, a inequívoca 
 aceitação, por parte deste, dessa coadjuvação, torna puramente formal a pretensa 
 irregularidade, que, de modo algum, pode ser considerada como pondo em risco os 
 valores prosseguidos pela exigência, feita pela jurisprudência constitucional, 
 de acompanhamento judicial contínuo e próximo, temporal e materialmente, da 
 fonte.
 Conclui‑se, assim, que, independentemente de ser essa, ou não, a melhor 
 interpretação do regime legal vigente, não é constitucionalmente imposto que o 
 
 único modo pelo qual o juiz pode exercitar a sua função de acompanhamento da 
 operação de intercepção de telecomunicações seja o da audição, pelo próprio, da 
 integralidade das gravações efectuadas ou sequer das passagens indicadas como 
 relevantes pelo órgão de polícia criminal, bastando que, com base nas menções ao 
 conteúdo das gravações, com possibilidade real de acesso directo às gravações, 
 o juiz emita juízo autónomo sobre essa relevância, juízo que sempre será 
 susceptível de contradição pelas pessoas escutadas quando lhes for facultado o 
 exame do auto de transcrição.»
 
 (itálicos aditados)
 O regime da destruição dos registos magnéticos de comunicações interceptadas só 
 foi, porém, objecto de uma apreciação a título principal no Acórdão n.º 4/2006 
 
 (publicado no Diário da República, II série, n.º 32, de 14 de Fevereiro de 
 
 2006), embora a propósito de uma questão de certa forma diametralmente oposta à 
 que está agora em causa: não a de saber se é constitucionalmente permitido que o 
 juiz ordene a destruição dos registos com base apenas na sua apreciação sobre a 
 sua relevância, e sem conhecimento pelo arguido, mas antes a de saber se existe 
 uma obrigação constitucional de se proceder à imediata desmagnetização da 
 gravação das intercepções consideradas sem interesse –, tendo-se pronunciado no 
 sentido da inexistência de inconstitucionalidade. Para tanto, disse-se neste 
 Acórdão n.º 4/2006, tirado também na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
 «(…)
 Como já se assinalou quando se referenciou a jurisprudência do Tribunal Europeu 
 dos Direitos do Homem e como já se consignou no Acórdão n.º 426/2005, o que se 
 poderia considerar como constitucionalmente inadmissível seria, pelo contrário, 
 a privação da possibilidade – que a imediata desmagnetização da gravação logo 
 após a audição pelo juiz acarretaria – de a defesa requerer a transcrição de 
 passagens das gravações, não seleccionadas pelo juiz, que repute relevantes 
 para a descoberta da verdade. Por isso, no citado Acórdão n.º 426/2005 se 
 consignou que “deve ser facultado à defesa (e também à acusação) a 
 possibilidade de requerer a transcrição de mais passagens do que as 
 inicialmente seleccionadas pelo juiz, quer por entenderem que as mesmas 
 assumem relevância própria, quer por se revelarem úteis para esclarecer ou 
 contextualizar o sentido de passagens anteriormente seleccionadas”.
 Também em termos de direito comparado se assinalou (cf., supra, 2.8), que: na 
 Bélgica, as gravações são mantidas intactas a fim de as partes as poderem 
 consultar e requerer a transcrição de passagens inicialmente tidas por 
 irrelevantes; em França, as gravações só são destruídas no termo do prazo de 
 prescrição do procedimento criminal; na Alemanha, elas são mantidas e podem ser 
 ouvidas na própria audiência de julgamento; em Itália, só após audição das 
 gravações (cuja guarda compete ao Ministério Público) pela defesa e pronúncia 
 dos diversos intervenientes é que o juiz manda suprimir os registos cuja 
 utilização é legalmente vedada e admite os que não são manifestamente 
 irrelevantes (artigo 268.º, n.º 6, do Código de Processo Penal), sendo os 
 registos conservados até ao trânsito em julgado da sentença final, a menos que, 
 a requerimento dos interessados, com fundamento em tutela da privacidade, o juiz 
 autorize a destruição antecipada (artigo 269.º, n.º 2, do mesmo Código); em 
 Espanha, atenta a exiguidade da regulamentação legal, a jurisprudência do 
 Tribunal Constitucional e do Tribunal Supremo têm insistido na necessidade de 
 serem os originais das fitas de gravação ou elementos análogos a serem 
 remetidos ao tribunal, ficando à guarda do secretário judicial, que facultará o 
 seu acesso às partes (e ao Ministério Público) e dirigirá a tarefa de 
 transcrição das partes tidas por relevantes (cf. José Luis Rodríguez Lainz, obra 
 citada [La intervención de las comunicaciones telefónicas – Su evolución en la 
 jurisprudencia del Tribunal Constitucional y del Tribunal Supremo, Barcelona, 
 
 2002], pp. 179‑186).
 E como também já se assinalou, os projectos legislativos apresentados na 
 Assembleia da República, previam: a Proposta de Lei n.º 150/IX, a conservação 
 das fitas gravadas ou elementos análogos até ao trânsito em julgado da decisão 
 final, a menos que, aquando do encerramento do inquérito, o juiz concluísse pela 
 irrelevância da totalidade dos elementos recolhidos e o arguido, notificado para 
 o efeito, não se opusesse à sua imediata destruição (artigo 188.º, n.ºs 6 e 7); 
 o Projecto de Lei n.º 519/IX, a destruição das fitas com gravações tidas 
 judicialmente por irrelevantes apenas após o exame concedido ao arguido e às 
 pessoas cujas conversações tiverem sido escutadas para controlarem a 
 conformidade dos autos de transcrição e de destruição que lhes dissessem 
 respeito (artigo 188.º, n.ºs 5 e 7); e o Projecto de Lei n.º 424/IX, a 
 conservação das gravações não transcritas até ao trânsito em julgado da decisão 
 final, podendo o arguido requerer a sua audição em sede de julgamento ou de 
 recurso para contextualizar as conversações transcritas (artigo 188.º, n.º 7).
 Nenhuma censura constitucional merece, pois, o critério normativo ora em causa, 
 tendo sobretudo em vista o acautelamento dos interesses do arguido e das pessoas 
 escutadas, sendo certo que, para concomitante defesa do direito à privacidade 
 destas, se deve enfatizar o dever de sigilo a que estão obrigados todos os 
 participantes na operação (artigo 188.º, n.º 3, do CPP), dever de sigilo que, 
 no que respeita às passagens das conversações que se consideraram inadmissíveis 
 ou irrelevantes e que, por isso, não chegaram a ser adquiridas para o processo, 
 perdura mesmo para além do termo da fase secreta do processo.»
 
 (primeiro itálico aditado)
 Não resulta, porém, claramente, desta decisão, se a referência à 
 inconstitucionalidade da “privação da possibilidade – que a imediata 
 desmagnetização da gravação logo após a audição pelo juiz acarretaria – de a 
 defesa requerer a transcrição de passagens das gravações, não seleccionadas pelo 
 juiz, que repute relevantes para a descoberta da verdade” constituiu verdadeira 
 ratio decidendi no sentido da inexistência de inconstitucionalidade de uma norma 
 que não imponha a obrigação de destruição (pois, como é óbvio, o que é 
 constitucionalmente proibido não pode ser constitucionalmente imposto), ou se, 
 até por se não chegar a tomar posição clara no sentido da inconstitucionalidade 
 da referida privação da possibilidade de requerer a transcrição, pela destruição 
 dos registos, se tratou de um mero obiter dictum.
 
 10.Neste Acórdão n.º 4/2006, o Tribunal Constitucional, depois de recortar o 
 parâmetro constitucional atendível no caso, procedeu, retomando em parte 
 passagens do (também citado) Acórdão n.º 426/2005, a historiar a evolução 
 legislativa do regime das escutas e as perplexidades que suscitou e suscita, a 
 recordar a pertinente jurisprudência do Tribunal Constitucional e do Tribunal 
 Europeu dos Direitos do Homem, e a referir de forma sumária sistemas jurídicos 
 próximos. Fê-lo nos termos seguintes, que interessam ao presente caso e se 
 recordam:
 
 «Na versão originária do CPP, o artigo 187.º condicionava a intercepção e a 
 gravação de conversações ou comunicações telefónicas a: (i) ordem ou autorização 
 por despacho judicial; (ii) estarem em causa crimes: 1) puníveis com pena de 
 prisão de máximo superior a três anos; 2) relativos ao tráfico de 
 estupefacientes; 3) relativos a armas, engenhos, matérias explosivas e 
 análogas; 4) de contrabando; ou 5) de injúrias, de ameaças, de coacção e de 
 intromissão na vida privada, quando cometidos através de telefone (o Decreto‑Lei 
 n.º 317/95, de 28 de Novembro, substituiu a expressão “intromissão na vida 
 privada”, usada no artigo 180.º da versão originária do Código Penal, por 
 
 “devassa da vida privada e perturbação da paz e sossego”, em conformidade com as 
 designações dos ilícitos previstos nos artigos 192.º e 190.º, n.º 2, do Código 
 Penal revisto pelo Decreto‑Lei n.º 48/95, de 15 de Março); e (iii) haver razões 
 para crer que a diligência se revelará de grande interesse para a descoberta da 
 verdade ou para a prova (n.º 1). Proibia‑se, porém, a intercepção e a gravação 
 de conversações ou comunicações entre o arguido e o seu defensor, salvo se o 
 juiz tivesse fundadas razões para crer que elas constituíam objecto ou elemento 
 do crime (n.º 3). As formalidades das operações eram estabelecidas no artigo 
 
 188.º, que determinava que: (i) da intercepção ou gravação fosse lavrado auto, o 
 qual, juntamente com as fitas gravadas ou elementos análogos, devia ser 
 imediatamente levado ao conhecimento do juiz que ordenara ou autorizara as 
 operações (n.º 1); (ii) o juiz, se considerasse os elementos recolhidos, ou 
 alguns deles, relevantes para a prova, fá‑los‑ia juntar ao processo, ou, caso 
 contrário, ordenava a sua destruição, ficando todos os participantes nas 
 operações ligados por dever de sigilo relativamente àquilo de que tivessem 
 tomado conhecimento (n.º 2); (iii) o arguido e o assistente, bem como as pessoas 
 cujas conversações tiverem sido escutadas, podiam examinar o auto para se 
 inteirarem da conformidade das gravações e obterem, à sua custa, cópia dos 
 elementos naquele referidos (n.º 3), excepto se, tratando‑se de operações 
 ordenadas no decurso do inquérito ou da instrução, o juiz tivesse razões para 
 crer que o conhecimento do auto ou das gravações pelo arguido ou pelo 
 assistente podia prejudicar as finalidades do inquérito ou da instrução (n.º 
 
 4). Nos termos do artigo 189.º, todos os requisitos e condições referidos nos 
 artigos 187.º e 188.º eram estabelecidos sob pena de nulidade, e o artigo 190.º 
 estendia o disposto nos três artigos anteriores às conversações ou comunicações 
 transmitidas por qualquer meio técnico diferente do telefone.
 As normas contidas nos referidos artigos 187.º, n.º 1, e 190.º foram apreciadas, 
 em sede de fiscalização preventiva da constitucionalidade, pelo Tribunal 
 Constitucional, que, no Acórdão n.º 7/87, não se pronunciou pela sua 
 inconstitucionalidade, por entender que, “face à natureza e gravidade dos crimes 
 a que se aplicam (...) se afigura que tais restrições [ao direito à intimidade 
 da vida privada e familiar, consagrado no artigo 26.º, n.º 1, da CRP] não 
 infringem os limites da necessidade e proporcionalidade exigidos pelos citados 
 números [n.ºs 2 e 3] do artigo 18.º da Constituição”.
 A regulamentação legal da matéria em causa na versão originária do CPP, pelo seu 
 relativo laconismo, suscitou diversas dúvidas de interpretação e de aplicação: 
 qual o prazo de duração das escutas; quem tem legitimidade para as requerer ao 
 juiz; qual o relacionamento entre órgão de polícia criminal, magistrado do 
 Ministério Público e juiz de instrução; se a proibição do n.º 3 do artigo 187.º 
 
 é extensível a conversações com pessoas que, para além do defensor, estejam 
 legitimadas a recusar depoimento em nome de outros tipos de sigilo 
 profissional (artigo 135.º) ou que, em geral, possam recusar‑se a depor como 
 testemunhas (artigo 134.º); qual o conteúdo do auto de intercepção e gravação; 
 qual a oportunidade de efectivação da transcrição e da destruição; como se 
 efectiva o acesso do arguido, do assistente e das pessoas escutadas ao auto e 
 
 às gravações; se a nulidade referida no artigo 189.º respeita a nulidade da 
 prova ou a nulidade processual e se, neste caso, é sanável ou insanável, etc.
 Foi neste contexto que foi emitido o Parecer (complementar) n.º 92/91, do 
 Conselho Consultivo da Procuradoria‑Geral da República, de 17 de Setembro de 
 
 1992 (cuja fundamentação foi integralmente transcrita no n.º 2.4. do citado 
 Acórdão n.º 426/2005), cuja doutrina foi sintetizada nas seguintes conclusões:
 
 “1.ª – Da intercepção e gravação das comunicações telefónicas ou similares é 
 lavrado um auto (artigo 188.º, n.º 1, do Código de Processo Penal – CPP);
 
 2.ª – O referido auto deve inserir a menção do despacho judicial que ordenou ou 
 autorizou a intercepção e da pessoa que a ela procedeu, a identificação do 
 telefone interceptado, o circunstancialismo de tempo, modo e lugar da 
 intercepção, bem como o conteúdo da gravação necessária à decisão judicial 
 sobre o que deverá ou não constar do processo penal respectivo;
 
 3.ª – A transcrição do conteúdo da gravação a que se refere a alínea anterior 
 deverá abranger a integralidade dos elementos da comunicação telefónica ou 
 similar interceptada que a entidade responsável pelas operações considere de 
 interesse para a descoberta da verdade ou para a prova dos crimes previstos no 
 artigo 187.º, n.º 1, do CPP;
 
 4.ª – O conteúdo da gravação, que àquela entidade se revelar destituído de 
 interesse para a descoberta da verdade ou para a prova dos crimes referidos na 
 conclusão anterior, deverá ser mencionado naquele auto, tão só de modo genérico 
 com a mera referência à sua natureza ou tema, sob a égide do respeito do direito 
 
 à intimidade da vida privada dos cidadãos;
 
 5.ª – Lavrado o referido auto, é imediatamente levado ao conhecimento do juiz 
 que tiver ordenado ou autorizado a intercepção telefónica ou similar (artigo 
 
 188.º, n.º 1, do CPP);
 
 6.º – O juiz, por despacho, ordenará a junção ao processo dos elementos 
 relevantes para a prova e a destruição dos irrelevantes, incluindo a 
 desmagnetização das «cassetes» ou bandas magnéticas (artigo 188.º, n.º 2, do 
 CPP);
 
 7.ª – O juiz, se o entender necessário à prolação da decisão referida na 
 conclusão segunda, poderá ordenar a transcrição mais ampla ou integral da parte 
 objecto da menção referida na conclusão 4.ª;
 
 8.ª – Os participantes nas operações de intercepção, gravação, transcrição e 
 eliminação de elementos recolhidos ficam vinculados ao dever de sigilo quanto 
 
 àquilo de que em tais diligências tomaram conhecimento (artigo 188.º, n.º 2, do 
 CPP);
 
 9.ª – As «cassetes» ou as bandas magnéticas cujo conteúdo seja inserido nos 
 autos devem a estes ser apensos ou, se isso se tornar impossível, guardadas 
 depois de seladas, numeradas e identificadas com o processo respectivo (artigos 
 
 10.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil e 101.º, n.º 3, do CPP);
 
 10.ª – O arguido, o assistente e as pessoas escutadas podem examinar o referido 
 auto a fim de controlarem a conformidade dos elementos recolhidos e objecto de 
 aquisição processual com os registos de som respectivos, e desses elementos 
 constantes do auto obterem cópias (artigo 188.º, n.º 3, do CPP);
 
 11.ª – O arguido e o assistente não podem proceder ao exame referido na 
 conclusão anterior se a intercepção telefónica ou similar ocorrer no decurso do 
 inquérito ou da instrução e o juiz decidir que o conhecimento por eles do auto 
 ou das gravações é susceptível de prejudicar a respectiva finalidade (artigo 
 
 188.º, n.º 4, do CPP).”
 Foi ainda na vigência da redacção originária do artigo 188.º do CPP que o 
 Tribunal Constitucional proferiu o Acórdão n.º 407/97, que constitui a sua 
 primeira decisão sobre questão de constitucionalidade suscitada a propósito 
 dessa norma, embora centrada (como os posteriores Acórdãos n.ºs 347/2001, 
 
 528/2003, 379/2004 e 223/2005) na interpretação do conceito de “imediatamente” 
 reportado à apresentação, ao juiz que tiver ordenado ou autorizado a operação, 
 do auto de intercepção e gravação, juntamente com as fitas gravadas ou 
 elementos análogos. Após referências aos parâmetros constitucionais pertinentes 
 e ao direito comparado, o Acórdão n.º 407/97 fundou o seu juízo de 
 inconstitucionalidade, por violação do disposto no n.º 6 (actual n.º 8) do 
 artigo 32.º da CRP, da norma do n.º 1 do artigo 188.º do CPP – “quando 
 interpretado em termos de não impor que o auto da intercepção e gravação de 
 conversações ou comunicações telefónicas seja, de imediato, lavrado e levado ao 
 conhecimento do juiz, de modo a este poder decidir atempadamente sobre a 
 junção ao processo ou a destruição dos elementos recolhidos, ou de alguns deles, 
 e bem assim, também atempadamente, a decidir, antes da junção ao processo de 
 novo auto da mesma espécie, sobre a manutenção ou alteração da decisão que 
 ordenou as escutas” – nas seguintes considerações:
 
 “Trata‑se aqui de precisar o conteúdo constitucionalmente viável do trecho do 
 artigo 188.º, n.º 1, do CPP, onde surge a expressão «imediatamente». Ora, 
 partindo do pressuposto consubstanciado na proibição de ingerência nas 
 telecomunicações, resultante do n.º 4 do artigo 34.º da Lei Fundamental, a 
 possibilidade de ocorrer diversamente (de existir ingerência nas 
 telecomunicações), no quadro de uma previsão legal atinente ao processo 
 criminal (a única constitucionalmente tolerada), carecerá sempre de ser 
 compaginada com uma exigente leitura à luz do princípio da proporcionalidade, 
 subjacente ao artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, garantindo que a restrição do 
 direito fundamental em causa (de qualquer direito fundamental que a escuta 
 telefónica, na sua potencialidade danosa, possa afectar) se limite ao 
 estritamente necessário à salvaguarda do interesse constitucional na descoberta 
 de um concreto crime e punição do seu agente.
 Nesta ordem de ideias, a imediação entre o juiz e a recolha da prova através da 
 escuta telefónica aparece como o meio que melhor garante que uma medida com tão 
 específicas características se contenha nas apertadas margens fixadas pelo texto 
 constitucional.
 O actuar desta imediação, potenciadora de um efectivo controlo judicial das 
 escutas telefónicas, ocorrerá em diversos planos, sendo um deles o que pressupõe 
 uma busca de sentido prático para a obrigação de levar «imediatamente» ao juiz 
 o auto da intercepção e «fitas gravadas ou elementos análogos», de que fala a 
 lei.
 
 13. Vejamos, a este propósito, o discurso interpretativo subjacente à decisão 
 recorrida. De sublinhar nesta, desde logo, a afirmação de que o artigo 188.º, 
 n.º 1, do CPP, ao não fixar um prazo certo, «acaba por relativizar muito as 
 coisas». Há que reter esta ideia que torna patente a existência de um espaço 
 aberto à procura de um sentido, enfim, de um espaço aberto à interpretação.
 Não obstante, mais adiante, a decisão recorrida parece apontar para uma 
 impossibilidade de alcançar o sentido da expressão «imediatamente» no contexto 
 normativo em causa (ao dizer a fls. 102: «Não sabemos. Não dispomos de qualquer 
 critério para decidir sobre isso. Nem sequer é possível estabelecer e assentar 
 num critério de razoabilidade a tal propósito»).
 Ora, já se indicou que o critério interpretativo neste campo não pode deixar de 
 ser aquele que assegure a menor compressão possível dos direitos fundamentais 
 afectados pela escuta telefónica. Também já se assentou – e importa lembrá‑lo 
 de novo – que a intervenção do juiz é vista como uma garantia de que essa 
 compressão se situe nos apertados limites aceitáveis e que tal intervenção, 
 para que de uma intervenção substancial se trate (e não de um mero 
 tabelionato), pressupõe o acompanhamento da operação de intercepção 
 telefónica. Com efeito, só acompanhando a recolha de prova, através desse 
 método em curso, poderá o juiz ir apercebendo os problemas que possam ir 
 surgindo, resolvendo‑os e, assim, transformando apenas em aquisição probatória 
 aquilo que efectivamente pode ser. Por outro lado, só esse acompanhamento coloca 
 a escuta a coberto dos perigos – que sabemos serem consideráveis – de uso 
 desviado.
 Com isto, não se quer significar que toda a operação de escuta tenha de ser 
 materialmente realizada pelo juiz. Contrariamente a tal visão maximalista, do 
 que aqui se trata é, tão‑só, de assegurar um acompanhamento contínuo e próximo 
 temporal e materialmente da fonte (imediato, na terminologia legal), 
 acompanhamento esse que comporte a possibilidade real de em função do decurso 
 da escuta ser mantida ou alterada a decisão que a determinou.
 
 14. Refere‑se ainda o Acórdão a dificuldades práticas que a situação é 
 susceptível de criar («Sabemos, isso sim, que a Polícia Judiciária como muitos 
 outros departamentos do Estado, nos quais se incluem os tribunais, seguramente 
 carece, cronicamente, de meios técnicos e humanos que lhe não permitem cumprir, 
 muitas vezes, as suas tarefas em tempo normal»), moldando, no que não deixa de 
 ter um certo sentido correctivo, o conceito de «imediatamente» («usado por um 
 legislador excessivamente preocupado com a aceleração processual, porém 
 esquecido das grandes lacunas e dos grandes estrangulamentos do sistema») ao 
 que qualifica de entendimento «em termos hábeis». A saber: aquele em que 
 
 «imediatamente» equivale a «no tempo mais rápido possível». Ora, o «mais rápido 
 possível» significou aqui longos períodos de tempo em que as escutas não foram 
 acompanhadas (igual a controladas) pelo juiz e, mais ainda, espaços muito 
 significativos de tempo em que as escutas já haviam terminado e o processo 
 continuava sem ter qualquer conhecimento do seu teor (vejam‑se as conclusões 
 
 2.ª e 4.ª de fls. 4 verso, tendo‑se presente que as datas aí indicados obtêm 
 confirmação nos autos).
 
 É a teorização interpretativa que sufraga esta situação que de modo algum se 
 pode ter por conforme ao disposto no artigo 34.º, n.º 4, da Constituição, lido à 
 luz do princípio da proporcionalidade. Se é certo que se não podem ignorar, 
 pura e simplesmente, os aspectos práticos de uma situação, designadamente as 
 dificuldades técnicas que esta ou aquela opção interpretativa possa ocasionar, 
 não é menos verdade que o ónus dessas dificuldades técnicas, num processo crime, 
 sempre correrá por conta do Estado (a quem compete ultrapassá‑las), jamais por 
 conta do arguido.
 Poder‑se‑ia aqui relembrar o dilema, já relatado, do Juiz Holmes, sobre o «mal 
 maior» e o «mal menor». Obviamente que no processo criminal de um Estado de 
 direito democrático, face a «dificuldades técnicas», o «mal menor» sempre será a 
 hipotética impunidade de eventuais criminosos.
 
 15. Trata‑se, pois, de fixar a interpretação constitucionalmente conforme do 
 artigo 188.º, n.º 1, do CPP no segmento em que se insere a expressão 
 
 «imediatamente», sendo certo ser tal expediente possível ainda nos limites da 
 interpretação.
 Assim sendo, «imediatamente» não poderá, desde logo, reportar‑se apenas ao 
 momento em que as transcrições se mostrarem feitas (pois ficaria aberto o 
 caminho à existência de largos períodos de falta de controlo judicial à escuta 
 sempre que a transcrição se atrasasse). Em qualquer dos casos, «imediatamente», 
 no contexto normativo em que se insere, terá de pressupor um efectivo 
 acompanhamento e controlo da escuta pelo juiz que a tiver ordenado, enquanto as 
 operações em que esta se materializa decorrerem. De forma alguma 
 
 «imediatamente» poderá significar a inexistência, documentada nos autos, desse 
 acompanhamento e controlo ou a existência de largos períodos de tempo em que 
 essa actividade do juiz não resulte do processo.
 Em qualquer caso, tendo em vista os interesses acautelados pela exigência de 
 conhecimento imediato pelo juiz, deve considerar‑se inconstitucional, por 
 violação do n.º 6 do artigo 32.º da Constituição, uma interpretação do n.º 1 do 
 artigo 188.º do CPP que não imponha que o auto de intercepção e gravação de 
 conversações ou comunicações telefónicas seja, de imediato, lavrado e levado ao 
 conhecimento do juiz, de modo a este poder decidir atempadamente sobre a junção 
 ao processo ou a destruição dos elementos recolhidos, ou de alguns deles, e bem 
 assim, também atempadamente, a decidir, antes da junção ao processo de novo 
 auto de escutas posteriormente efectuadas, sobre a manutenção ou alteração da 
 decisão que ordenou as escutas.
 
 É esta, exposta com a minúcia possível, a interpretação conforme à Constituição. 
 A ela importa vincular o intérprete – «juiz incluído» como este Tribunal tem 
 repetidamente referido em situações onde faz uso deste recurso interpretativo.
 Sublinhar‑se‑á apenas, como nota final, que as consequências a retirar da 
 interpretação da norma com o sentido apontado se encontram já fora do âmbito da 
 intervenção do Tribunal Constitucional, situando‑se claramente no domínio de 
 intervenção do Tribunal recorrido.”
 Considerou, assim, o Tribunal Constitucional que a especial danosidade da 
 intromissão traduzida pela intercepção telefónica impunha uma intervenção 
 substancial do juiz no decurso da mesma, através de um acompanhamento contínuo 
 e próximo temporal e materialmente da fonte, acompanhamento esse que comportasse 
 a possibilidade real de, em função do decurso da escuta, ser mantida ou alterada 
 a decisão que a determinou, sublinhando, contudo, que o exigente critério 
 assumido não significava “que toda a operação de escuta tenha de ser 
 materialmente realizada pelo juiz”, posição que corresponderia a uma “visão 
 maximalista”, que o Tribunal não subscreveu. 
 
 2.3. A nível legislativo, a primeira alteração a assinalar foi a levada a cabo 
 pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, que alterou a redacção, entre outros, dos 
 artigos 188.º e 190.º do CPP. 
 Estas alterações não constavam da Proposta de Lei n.º 157/VII, que esteve na 
 génese daquela Lei, antes resultaram de propostas de alteração apresentadas pelo 
 Grupo Parlamentar do Partido Socialista (cf. Código de Processo Penal – 
 Processo Legislativo, vol. II, tomo II, ed. Assembleia da República, Lisboa, 
 
 1999, pp. 114‑115), que viriam a ser aprovadas por unanimidade (obra citada, p. 
 
 107), tendo as relativas ao artigo 188.º sido justificadas, na Declaração de 
 Voto dos Deputados do Partido Socialista relativa à votação final global dessa 
 iniciativa legislativa, nos seguintes termos (obra citada, p. 153):
 
 “As alterações levam em conta o parecer da Procuradoria‑Geral da República n.º 
 
 92/91 (complementar), as dificuldades práticas da «vida judiciária», o n.º 4 do 
 artigo 18.º da Lei de Segurança Interna e o acórdão do Tribunal Constitucional 
 n.º 407/97 (Diário da República, II Série, de 18 de Julho de 1997), que anulou 
 as escutas porque a transcrição não foi imediata. 
 Tornava‑se necessário clarificar: quem selecciona os elementos a transcrever; 
 se o agente de investigação pode ter contacto com a conversa (uma vez que a 
 operação é feita por técnico de telecomunicações, mas não pode excluir‑se a 
 presença da polícia, sob pena de a diligência não ter sentido ou eficácia); o 
 que é que o juiz ouve (sabendo‑se que, não ouvindo, manda transcrever a 
 totalidade dos registos, o que é excessivamente moroso, oneroso e inútil); e 
 esclarecer o procedimento. 
 O n.º 1 do artigo refere que da intercepção é lavrado auto (mas não distingue 
 entre auto de intercepção e auto de transcrição, sendo certo que importa 
 clarificar que são duas coisas diferentes). Assim, fica claro que uma coisa é o 
 auto de intercepção (n.º 1) e outra o auto de transcrição (n.º 3).
 O n.º 2 permite que a polícia ouça e possa intervir de imediato, por exemplo, 
 para fazer uma apreensão de droga combinada telefonicamente e «apanhar o 
 flagrante».
 Os n.ºs 3 e 4 tornam claro que é o juiz quem selecciona, que é o responsável 
 pelo conteúdo da transcrição, mas que é auxiliado materialmente pela polícia, o 
 que é importante em termos de execução.” 
 As modificações operadas pela Lei n.º 59/98 no artigo 188.º do CPP consistiram: 
 
 
 
 – no aditamento de um novo n.º 2, do seguinte teor: “O disposto no número 
 anterior não impede que o órgão de polícia criminal que proceder à investigação 
 tome previamente conhecimento do conteúdo da comunicação interceptada a fim de 
 poder praticar os actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os 
 meios de prova”; 
 
 – na passagem do primitivo n.º 2 a n.º 3, dispondo agora, na sua primeira parte, 
 que “Se o juiz considerar os elementos recolhidos, ou alguns deles, relevantes 
 para a prova, ordena a sua transcrição em auto e fá-lo juntar ao processo;.”, 
 enquanto anteriormente apenas dizia que o juiz “... fá‑los juntar ao 
 processo;”; mantendo‑se inalterada a segunda parte: “caso contrário, ordena a 
 sua destruição, ficando todos os participantes nas operações ligados por dever 
 de segredo relativamente àquilo de que tenham tomado conhecimento”; 
 
 – no aditamento de um novo n.º 4, do seguinte teor: “Para efeitos do disposto no 
 número anterior, o juiz pode ser coadjuvado, quando entender conveniente, por 
 
 órgão de polícia criminal, podendo nomear, se necessário, intérprete. À 
 transcrição aplica‑se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 
 
 101.º, n.ºs 2 e 3.”; 
 
 – na passagem do primitivo n.º 3 a n.º 5, com especificação de que o auto cujo 
 exame é facultado ao arguido, ao assistente e às pessoas escutadas, “para se 
 inteirarem da conformidade das gravações e obterem, à sua custa, cópias dos 
 elementos naquele referidos”, é “o auto de transcrição a que se refere o n.º 3” 
 
 (a redacção originária referia‑se a “examinar o auto”, sem mais); e
 
 – na eliminação do primitivo n.º 4 (que ressalvava “do disposto no número 
 anterior o caso em que as gravações tiverem sido ordenadas no decurso do 
 inquérito ou da instrução e o juiz que as ordenou tiver razões para crer que o 
 conhecimento do auto ou das gravações, pelo arguido ou pelo assistente, poderia 
 prejudicar as finalidades do inquérito ou da instrução”; trata‑se de eliminação 
 algo enigmática, pois nada no debate parlamentar foi referido para a justificar 
 ou sequer enunciar). 
 No artigo 190.º, a extensão originária da aplicabilidade do disposto nos artigos 
 
 187.º, 188.º e 189.º “às conversações ou comunicações transmitidas por qualquer 
 meio técnico diferente do telefone” foi complementada com o seguinte 
 aditamento: “designadamente correio electrónico ou outras formas de transmissão 
 de dados por via telemática, bem como à intercepção das comunicações entre 
 presentes”. 
 
 2.4. A segunda alteração legislativa com especial relevância para as questões 
 que constituem objecto do presente recurso resultou do Decreto‑Lei n.º 
 
 320‑C/2000, de 15 de Dezembro, que aditou ao n.º 1 do artigo 188.º do CPP (“Da 
 intercepção e gravação a que se refere o artigo anterior é lavrado auto, o qual, 
 junto com as fitas gravadas ou elementos análogos, é imediatamente levado ao 
 conhecimento do juiz que tiver ordenado ou autorizado as operações”) a 
 expressão: “com a indicação das passagens das gravações ou elementos análogos 
 considerados relevantes para a prova”. 
 Este inciso final corresponde à utilização da autorização legislativa concedida 
 pela Lei n.º 27‑A/2000, de 17 de Novembro, que autorizou o Governo a rever o 
 Código de Processo Penal, com o sentido e extensão definidos nos artigos 
 seguintes (artigo 1.º), entre os quais, segundo o artigo 4.º: “Permite‑se que o 
 juiz possa limitar a audição das gravações às passagens indicadas como 
 relevantes para a prova, sem prejuízo de as gravações efectuadas lhe serem 
 integralmente remetidas”. Esta norma não constava da Proposta de Lei n.º 41/VIII 
 
 (Diário da Assembleia da República, VIII Legislatura, 1.ª Sessão Legislativa, II 
 Série‑A, n.º 59, de 15 de Julho de 2000, pp. 1891‑1898), tendo surgido no texto 
 de substituição elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, 
 Liberdades e Garantias, e aí aprovada por unanimidade (Diário da Assembleia da 
 República, VIII Legislatura, 2.ª Sessão Legislativa, II Série‑A, n.º 10, de 23 
 de Outubro de 2000, pp. 218‑224), tal como no Plenário (Diário citado, I Série, 
 n.º 13, de 20 de Outubro de 2000, p. 498). 
 Para terminar a recensão do quadro legal aplicável, resta referir que a Lei n.º 
 
 5/2002, de 11 de Janeiro, que estabeleceu um regime especial de recolha de 
 prova, quebra do segredo profissional e perda de bens a favor do Estado 
 relativa, entre outros, aos crimes de associação criminosa, lenocínio e 
 lenocínio e tráfico de menores, estes quando praticados de forma organizada 
 
 (artigo 1.º, n.ºs 1, alíneas f) e h), e 2), estatuiu no seu artigo 6.º (Registo 
 de voz e de imagem): 
 
 “1 – É admissível, quando necessário para a investigação de crimes referidos no 
 artigo 1.º, o registo de voz e de imagem, por qualquer meio, sem consentimento 
 do visado. 
 
 2 – A produção desses registos depende de prévia autorização ou ordem do juiz, 
 consoante os casos. 
 
 3 – São aplicáveis aos registos obtidos, com as necessárias adaptações, as 
 formalidades previstas no artigo 188.º do Código de Processo Penal.” 
 
 2.5. No que concerne à jurisprudência do Tribunal Constitucional, há a 
 assinalar, para além do já citado Acórdão n.º 407/97, a prolação dos Acórdãos 
 n.ºs 347/2001, 528/2003, 379/2004 e 223/2005 e da Decisão Sumária n.º 324/2004, 
 todos incidindo sobre a questão da “imediatividade” da apresentação ao juiz do 
 auto de intercepção e gravação prevista no artigo 188.º, n.º 1, do CPP (o 
 primeiro Acórdão reportado à redacção anterior à Lei n.º 59/98, o segundo à 
 redacção dada por esta Lei, os dois últimos quer à redacção anterior quer à 
 posterior ao Decreto‑Lei n.º 320‑C/2000, e a Decisão Sumária a esta última 
 redacção), e ainda os Acórdãos n.ºs 411/2002 (que julgou inconstitucional, por 
 violação do artigo 32.º, n.º 1, da CRP, a interpretação normativa que torna 
 inaplicável ao prazo de arguição de nulidade respeitante a escutas telefónicas 
 ocorrida durante o inquérito o que vem consagrado no artigo 120.º, n.º 3, alínea 
 c), do CPP [até ao encerramento do debate instrutório] e aplicável o 
 estabelecido no artigo 105.º do mesmo Código [dez dias a contar da notificação 
 da acusação, terminando antes do fim do prazo para requerer a instrução]) e 
 
 198/2004 (que não julgou inconstitucional a norma do artigo 122.º, n.º 1, do 
 CPP, entendida como autorizando, face à nulidade/invalidade de intercepções 
 telefónicas realizadas, a utilização de outras provas, distintas das escutas e 
 a elas subsequentes, quando tais provas se traduzam nas declarações dos próprios 
 arguidos, designadamente quando tais declarações sejam confessórias). 
 Nos três primeiros Acórdãos citados (o quarto – Acórdão n.º 223/2005 – incidiu 
 sobre uma situação de incumprimento do Acórdão n.º 379/2004), o Tribunal 
 Constitucional reiterou o critério decisório definido no Acórdão n.º 407/97, 
 que conduziu, nos casos em cada um desses arestos apreciados, à emissão de 
 similares juízos de inconstitucionalidade.
 No Acórdão n.º 347/2001 – que julgou inconstitucional, por violação das 
 disposições conjugadas dos artigos 32.º, n.º 8, 34.º, n.ºs 1 e 4, e 18.º, n.º 
 
 2, da CRP, a norma constante do artigo 188.º, n.º 1, do CPP, na redacção 
 anterior à que foi dada pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, quando interpretada 
 no sentido de não impor que o auto da intercepção e gravação de conversações e 
 comunicações telefónicas seja, de imediato, lavrado e levado ao conhecimento 
 do juiz e que, autorizada a intercepção e gravação por determinado período, seja 
 concedida autorização para a sua continuação sem que o juiz tome conhecimento 
 do resultado da anterior –, após se sumariarem as ideias‑chave do Acórdão n.º 
 
 407/97, consignou‑se:
 
 “Ora, no caso dos autos, a norma do artigo 188.º, n.º 1, do CPP, com a 
 interpretação acolhida no acórdão impugnado, não se isenta do mesmo vício de 
 inconstitucionalidade. 
 Na verdade, fazer equivaler o inciso «imediatamente» ao «tempo mais rápido 
 possível», em termos de «cobrir» situações como a de o auto de transcrição ser 
 apresentado ao juiz meses depois de efectuadas a intercepção e gravação das 
 comunicações telefónicas, mesmo tendo em conta a gravidade do crime investigado 
 e a necessidade daquele meio de obtenção da prova, restringe 
 desproporcionadamente o direito à inviolabilidade de um meio de comunicação 
 privada e faculta uma ingerência neste meio para além do que se considera ser 
 constitucionalmente admissível.
 Ficar no desconhecimento do juiz, durante tal lapso de tempo, o teor das 
 comunicações interceptadas, significa o desacompanhamento próximo e o controlo 
 judiciais do modo como a escuta se desenvolve, o que se entendeu no citado 
 Acórdão n.º 407/97 – como aqui se entende – colidir com os interesses 
 acautelados pela exigência de conhecimento imediato pelo juiz. E impede, ainda, 
 a destruição, em tempo necessariamente breve, dos elementos recolhidos sem 
 interesse relevante para a prova, a que, só por si, não obsta a fixação pelo 
 juiz de um prazo para a intercepção, no termo da qual esta deve findar.
 Por outro lado, autorizar novos períodos de escuta, a mero requerimento do 
 Ministério Público, sem que a autorização seja precedida do conhecimento 
 judicial do resultado da intercepção anterior, continua a significar a mesma 
 ausência de acompanhamento e de controlo por parte do juiz, o que pode até 
 traduzir‑se em longos períodos (um dos postos telefónicos foi interceptado 
 desde 3 de Novembro de 1995 a 15 de Novembro de 1996 e o outro desde 3 de Abril 
 de 1996 a 12 de Novembro de 1996 e de novo entre 31 de Março de 1997 a 5 de 
 Setembro de 1997) de utilização deste meio de obtenção de prova na 
 disponibilidade total dos órgãos de investigação.
 
 É certo que, tal como a decisão recorrida no Acórdão n.º 407/97, o acórdão 
 impugnado faz apelo às dificuldades práticas – a reconhecida carência de meios 
 técnicos e humanos – para justificar o entendimento dado ao referido inciso 
 
 «imediatamente», num quadro de exigências de repressão da criminalidade grave, 
 praticada por redes altamente organizadas.
 A esse argumento se respondeu, ainda no Acórdão n.º 407/97, em termos que 
 também aqui se acolhem, que tais dificuldades constituem, num processo crime, 
 
 ónus do Estado de Direito democrático, ónus que não pode estar a cargo do 
 arguido, ainda que, no limite, isso signifique deixar impunes alguns criminosos. 
 Não é de todo admissível num Estado de Direito democrático, caracterizado pela 
 publicização do ius puniendi, fazer reverter contra o arguido o ónus da escassez 
 de meios e dificuldades na obtenção de prova para o condenar.
 Note‑se que na nova redacção dada ao artigo 188.º (em especial, no n.º 3) pela 
 Lei n.º 59/98 (actualmente pelo Decreto‑Lei n.º 320‑C/2000, de 15 de Dezembro) 
 se procurou obviar às alegadas dificuldades de transcrição imediata dos 
 elementos recolhidos, pois esta só será judicialmente ordenada depois de o juiz 
 considerar tais elementos relevantes para a prova.
 Resta acrescentar que o Tribunal Constitucional tem apenas poderes para 
 verificar a constitucionalidade de normas, pelo que lhe está vedado «declarar 
 inválidos todos os actos que dependerem das intercepções telefónicas realizadas, 
 conforme os artigos 122.º e 189.º do CPP», como o recorrente pretende.
 Isto significa que é ao tribunal recorrido que compete reformar a sua decisão em 
 conformidade com o presente juízo de constitucionalidade, extraindo dele as 
 consequências pertinentes ao nível do direito infraconstitucional e do concreto 
 processo crime em causa.”
 A validade da jurisprudência assim definida foi reafirmada no Acórdão n.º 
 
 528/2003 – que julgou inconstitucional, por violação das disposições conjugadas 
 dos artigos 32.º, n.º 8, 34.º, n.ºs 1 e 4, e 18.º, n.º 2, da CRP, a norma 
 constante do artigo 188.º, n.º 1, do CPP, na redacção anterior à que foi dada 
 pelo Decreto‑Lei n.º 320‑C/2000, de 15 de Dezembro, quando interpretada no 
 sentido de não impor que o auto da intercepção e gravação de conversações e 
 comunicações telefónicas seja, de imediato, lavrado e levado ao conhecimento do 
 juiz –, o qual, após transcrição da fundamentação relevante dos Acórdãos n.ºs 
 
 407/97 e 347/2001, acrescentou: 
 
  “Agora apenas se referirá que, mais recentemente, o Tribunal Europeu dos 
 Direitos do Homem voltou a ter oportunidade para reiterar a sua jurisprudência 
 em matéria de escutas telefónicas. Tal aconteceu, nomeadamente, nos casos PG e 
 JH v. Reino Unido (acórdão de 25 de Setembro de 2001) e Prado Bugallo v. Espanha 
 
 (acórdão de 18 de Fevereiro de 2003). Neste último acórdão, aquele Tribunal 
 voltou a sublinhar a necessidade de preenchimento, pelas legislações nacionais, 
 das condições exigidas pela sua jurisprudência, designadamente nos acórdãos 
 Kruslin v. França e Huvig v. França, para evitar os abusos a que podem conduzir 
 as escutas telefónicas. Referiu‑se, então, nomeadamente, à necessidade de 
 definição das infracções que podem dar origem às escutas, à fixação de um 
 limite à duração de execução da medida, às condições de estabelecimento dos 
 autos das conversações interceptadas, bem como às precauções a tomar para 
 comunicar intactas e completas as gravações efectuadas, de modo a permitir um 
 possível controlo pelo juiz e pela defesa. 
 Assim sendo, verifica‑se que a jurisprudência do Tribunal Constitucional atrás 
 referida, que, como se salientou já, mantém inteira validade e a que aqui 
 integralmente se adere, conduz a que, também no caso dos autos, tenha de 
 considerar‑se inconstitucional a interpretação do n.º 1 do artigo 188.º do 
 Código de Processo Penal, na redacção anterior à que lhe foi dada pelo 
 Decreto‑Lei n.º 320‑C/2000, de 15 de Dezembro, que foi acolhida pela decisão 
 recorrida. Com efeito, entender que situações como as que ocorreram no presente 
 processo – em que os autos de intercepção e gravação de conversações 
 telefónicas que tinham sido entretanto autorizadas só foram levados ao 
 conhecimento do juiz que as ordenou 38 dias depois de elas terem tido início – 
 são ainda abrangidas pela expressão imediatamente colide frontalmente com os 
 interesses que se pretendem acautelar com aquela exigência, na medida em que 
 impede o seu acompanhamento próximo pelo juiz.
 Resta apenas acrescentar, de modo semelhante ao que se fez nos acórdãos deste 
 Tribunal citados supra, que o Tribunal Constitucional somente tem poderes para 
 verificar a constitucionalidade de normas, situando‑se já fora do âmbito da sua 
 intervenção retirar as consequências da interpretação da norma com o sentido 
 apontado. Isto significa que é ao tribunal recorrido que compete reformar a sua 
 decisão em conformidade com o presente juízo de constitucionalidade, extraindo 
 dele as consequências pertinentes ao nível do direito infraconstitucional e do 
 concreto processo crime em causa.”
 Por seu turno, o Acórdão n.º 379/2004 – que julgou inconstitucional, por 
 violação das disposições conjugadas dos artigos 32.º, n.º 8, 43.º, n.ºs 1 e 4, 
 e 18.º, n.º 2, da CRP, a norma constante do artigo 188.º, n.º 1, do CPP, quer na 
 redacção anterior quer na posterior à que foi dada pelo Decreto‑Lei n.º 
 
 320‑C/2000, de 15 de Dezembro, quer quando interpretada no sentido de uma 
 intercepção telefónica, inicialmente autorizada por 60 dias, poder continuar a 
 processar‑se, sendo prorrogada por novos períodos, ainda que de menor duração, 
 sem que previamente o juiz de instrução tome conhecimento do conteúdo das 
 conversações, quer na interpretação segundo a qual a primeira audição, pelo juiz 
 de instrução criminal, das gravações efectuadas pode ocorrer mais de três meses 
 após o início da intercepção e gravação das comunicações telefónicas –, após 
 sumariar as três decisões anteriormente referidas, acrescentou: 
 
  “Ora, verifica‑se que esta jurisprudência do Tribunal Constitucional, para cuja 
 fundamentação se remete e se dá aqui por reproduzida, mantém inteira validade 
 para o caso em apreço, o que leva a que se considere inconstitucional a norma 
 constante do artigo 188.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, interpretada no 
 sentido de a intercepção telefónica, inicialmente autorizada por 60 dias, poder 
 continuar a processar‑se, sendo prorrogada por dois novos períodos (de 30 dias 
 cada um), sem que previamente o juiz de instrução controle e tome conhecimento 
 do conteúdo das conversações, por violação dos artigos 32.º, n.º 8, 34.º, n.ºs 1 
 e 4, e 18.º, n.º 2, da Constituição, bem como a mesma norma, na interpretação 
 segundo a qual a primeira audição da gravação das escutas telefónicas pelo juiz 
 de instrução pode ocorrer durante o aludido segundo período de prorrogação.” 
 Foi a jurisprudência delineada nos Acórdãos n.ºs 407/97, 347/2001, 528/2003, e 
 
 379/2004 que a Decisão Sumária n.º 324/2004, sem considerações complementares, 
 invocou para julgar inconstitucional, por violação das disposições conjugadas 
 dos artigos 32.º, n.º 8, 43.º, n.ºs 1 e 4, e 18.º, n.º 2, da CRP, a norma 
 constante do n.º 1 do artigo 188.º do CPP, na redacção que lhe foi dada pelo 
 Decreto‑Lei n.º 320‑C/2000, de 15 de Dezembro, quando interpretada no sentido 
 de que a primeira audição, pelo juiz de instrução criminal, das gravações 
 efectuadas pode ocorrer seis meses após o início da intercepção e gravação das 
 comunicações telefónicas. 
 Da explanação da jurisprudência do Tribunal Constitucional (o texto integral dos 
 Acórdãos e Decisão Sumária anteriormente citados está disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt), cujos traços essenciais foram logo desenhados 
 pelo Acórdão n.º 407/97, resulta que se entendeu constitucionalmente 
 justificado que a admissibilidade da intromissão nas comunicações telefónicas 
 fosse não só alvo de prévia autorização judicial, mas também objecto de 
 acompanhamento judicial ao longo da sua execução. O que se exige é, pois, um 
 
 “acompanhamento próximo” e um “controlo do conteúdo” das conversações, com uma 
 dupla finalidade: (i) fazer cessar, tão depressa quanto possível, escutas que se 
 venham a revelar injustificadas ou desnecessárias; e (ii) submeter a um “crivo” 
 judicial prévio a aquisição processual das provas obtidas por esse meio (cf. 
 José Manuel Damião da Cunha, “A jurisprudência do Tribunal Constitucional em 
 matéria de escutas telefónicas”, Jurisprudência Constitucional, n.º 1, 
 Janeiro‑Março 2004, pp. 50‑56). Mas – repete‑se – o exigente critério assumido 
 não significa “que toda a operação de escuta tenha de ser materialmente 
 realizada pelo juiz”, posição que corresponderia a uma “visão maximalista”, que 
 o Tribunal não subscreveu. 
 
 2.6. Da exposição precedente já resultam claramente evidenciadas as dúvidas e 
 perplexidades que o regime legal das escutas telefónicas tem suscitado. Mas se, 
 ao nível da jurisprudência constitucional, elas incidiram quase exclusivamente 
 sobre o tempo de acompanhamento judicial da execução da operação (sobre o modo 
 desse acompanhamento apenas incidiu o citado Acórdão n.º 426/2005, que não 
 julgou inconstitucional a norma do artigo 188.º, n.ºs 1, 3 e 4, do CPP, 
 
 “interpretado no sentido de que são válidas as provas obtidas por escutas 
 telefónicas cuja transcrição foi, em parte, determinada pelo juiz de instrução, 
 não com base em prévia audição pessoal das mesmas, mas por leitura de textos 
 contendo a sua reprodução, que lhe foram espontaneamente apresentados pela 
 Polícia Judiciária, acompanhados das fitas gravadas ou elementos análogos”), 
 já a nível da doutrina e da prática judiciária elas têm também incidido sobre 
 os requisitos da autorização da operação, reportados ao artigo 187.º do CPP, 
 quer na perspectiva da adequação do “catálogo” de crimes enunciado no seu n.º 2, 
 quer no que concerne a uma clara definição das pessoas cujas conversações podem 
 ser colocadas sob escuta, quer quanto à ausência de uma definição legal da 
 duração das escutas. Designadamente no que respeita à execução da operação, é 
 indefinida a forma de articulação entre órgão de polícia criminal, Ministério 
 Público e juiz, registam‑se oscilações quanto à definição do conteúdo do auto 
 
 (ou dos autos) a elaborar e tem sido salientado o inconveniente da imediata 
 destruição das gravações que o juiz reputou irrelevantes, por assim se eliminar 
 irreversivelmente o aproveitamento de passagens que eventualmente seriam 
 consideradas importantes quer pela acusação, quer pela defesa (cf. indicações 
 bibliográficas constantes do n.º 2.9. do Acórdão n.º 426/2005). 
 Em resultado dessas perplexidades e reflexões, as iniciativas legislativas 
 relativas à revisão do Código de Processo Penal apresentadas na última 
 Legislatura – Projecto de Lei n.º 424/IX, apresentado pelo Bloco de Esquerda, 
 Proposta de Lei n.º 149/IX e Projecto de Lei n.º 519/IX, apresentado pelo 
 Partido Socialista (Diário da Assembleia da República, II Série‑A, IX 
 Legislatura, 2.ª Sessão Legislativa, n.º 50, de 3 de Abril de 2004, pp. 
 
 2214‑2219, e 3.ª Sessão Legislativa, n.º 17, de 20 de Novembro de 2004, pp. 
 
 21‑40, e n.º 20, de 3 de Dezembro de 2004, pp. 6‑118, respectivamente) – 
 propugnam, designadamente: (i) a elevação de 3 para 5 anos do máximo da pena de 
 prisão aplicável aos crimes que consentem a autorização de escutas; (ii) a 
 restrição da admissibilidade destas apenas quando não existir outro meio lícito 
 para atingir a descoberta da verdade ou se revelar de superior interesse, face 
 aos demais meios de prova, para esse objectivo; (iii) a definição das pessoas 
 cujas conversações podem ser interceptadas; (iv) a instauração de regimes 
 especiais atenta a qualidade dos escutados; (v) a exigência de especial 
 fundamentação do despacho autorizador das escutas; (vi) o estabelecimento de 
 limites temporais para a execução das escutas e respectivas prorrogações; (vii) 
 o alargamento dos casos de proibição de transcrições. Quanto aos limites 
 temporais, a Projecto de Lei n.º 519/IX (PS) propugnava que o despacho judicial 
 que autorizasse ou ordenasse a intercepção fixasse “o prazo máximo da sua 
 duração, que, com dilação de cinco dias após a data da prolação, não pode 
 ultrapassar trinta dias, prorrogáveis no limite até cinco vezes, reconhecida em 
 cada caso essa necessidade, e desde que cumpridas, em cada período autorizado, 
 as formalidades exigíveis para a operação”, não podendo o tempo da intercepção 
 ultrapassar, “em nenhum caso, o prazo máximo em concreto admitido para a 
 duração do inquérito ou da instrução” (artigo 187.º, n.º 3); enquanto a Proposta 
 de Lei n.º 150/IX previa que o referido despacho, além de fundamentado, fixasse 
 
 “o prazo de duração máxima das operações, por um período não superior a três 
 meses a contar da sua prolação, sendo renovável por períodos idênticos até ao 
 encerramento do inquérito, desde que se mantenham os respectivos pressupostos de 
 admissibilidade” (artigo 187.º, n.º 5).
 No que especificamente respeita ao acompanhamento judicial da operação, o 
 Projecto de Lei n.º 424/IX (BE) propõe: (i) a fixação do prazo máximo de 24 
 horas para ser levado ao conhecimento do juiz o auto de intercepção e gravação, 
 com as fitas gravadas e a indicação das passagens consideradas relevantes para a 
 prova; (ii) a supervisão de todo o processo, especialmente a transcrição em 
 auto, pelo Ministério Público; (iii) a conservação das gravações não transcritas 
 até ao trânsito em julgado da decisão final, podendo o arguido requerer a sua 
 audição em sede de julgamento ou de recurso para contextualizar as conversações 
 transcritas. A Proposta de Lei n.º 150/IX estabelece, designadamente, que: (i) 
 os autos de intercepção e gravação, com as fitas, são levados ao conhecimento do 
 juiz, de 15 em 15 dias, com indicação por parte do Ministério Público das 
 passagens consideradas relevantes para a prova; (ii) o Ministério Público é 
 ouvido pelo juiz antes de este seleccionar os elementos a consignar em suporte 
 autónomo e a transcrever em auto; (iii) as fitas e elementos análogos são 
 conservados até ao trânsito em julgado da decisão final, tendo a eles acesso o 
 arguido para efeitos de selecção de mais excertos que entenda relevantes. Por 
 
 último, o Projecto de Lei n.º 519/IX (PS) prevê que seja o juiz o fixar o 
 período findo o qual o auto com as fitas é levado ao seu conhecimento, 
 acompanhado ou da indicação das passagens e dos dados considerados relevantes 
 para a prova ou mesmo da respectiva transcrição provisória, cabendo ao juiz 
 determinar a transformação desta transcrição provisória em definitiva ou, se 
 não considerar os elementos nela contidos como relevantes, determinar a sua 
 eliminação.
 
 2.7. Grande parte das questões referenciadas no precedente número têm por 
 suporte a apreciação da adequação do sistema legal actualmente vigente entre nós 
 com as exigências que nesta matéria têm sido estabelecidas pela jurisprudência 
 do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, face ao disposto no artigo 8.º da 
 Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que proclama o direito de qualquer 
 pessoa ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua 
 correspondência (n.º 1) e proíbe ingerências da autoridade pública no exercício 
 desse direito, excepto se essa exigência estiver prevista na lei e constituir 
 uma providência que, numa sociedade democrática, seja necessária para a 
 segurança nacional, para a segurança pública, para o bem‑estar económico do 
 país, a defesa da ordem e a prevenção das infracções penais, a protecção da 
 saúde ou da moral, ou a protecção dos direitos e das liberdades dos outros (n.º 
 
 2).
 Na síntese apresentada por Ireneu Cabral Barreto (“A Investigação criminal e os 
 direitos humanos”, Polícia e Justiça – Revista do Instituto Superior de Polícia 
 Judiciária e Ciências Criminais, III Série, n.º 1, Janeiro‑Junho de 2003, pp. 
 
 43‑85, em especial pp. 57‑63; e “A jurisprudência do novo Tribunal Europeu dos 
 Direitos do Homem”, Sub Judice – Justiça e Sociedade, n.º 28, Abril‑Setembro 
 
 2004, pp. 9‑32, em especial pp. 20‑21; cf. ainda, do mesmo autor, A Convenção 
 Europeia dos Direitos do Homem Anotada, 3.ª edição, Coimbra, 2005, anotações 
 I-3.3 e II‑4. e 6.4. ao artigo 8.º, a pp. 184, 196 e 199; e João Ramos de Sousa, 
 
 “Escutas telefónicas em Estrasburgo: O activismo jurisprudencial do Tribunal 
 Europeu dos Direitos do Homem”, Sub Judice, citada, pp. 47‑55 ):
 
 “A jurisprudência de Estrasburgo, tendo em conta a gravidade da ingerência na 
 vida das pessoas que representa a escuta telefónica, precisou que não basta uma 
 lei a prever essa possibilidade. 
 Para prevenir o risco de arbítrio que o uso desta medida poderia acarretar, 
 entende‑se que uma tal lei deve conter uma série de garantias mínimas: 
 
 – definir as categorias de pessoas susceptíveis de serem colocadas em escutas 
 telefónicas; 
 
 – a natureza das infracções que podem permitir essa escuta; 
 
 – a fixação de um limite de duração dessa medida; 
 
 – as condições do estabelecimento de processos verbais de síntese consignando 
 as conversas interceptadas; 
 
 – as precauções a tomar para comunicar, intactos e completos, os registos 
 realizados, para o controlo do juiz e da defesa; 
 
 – as circunstâncias nas quais pode e deve proceder‑se ao apagamento ou 
 destruição das fitas magnéticas, nomeadamente após uma absolvição ou o 
 arquivamento do processo.” 
 Como refere Gérard Cohen‑Jonathan (“La Cour européenne des droits de l’homme et 
 les écoutes téléphoniques”, Revue Universelle des Droits de l’Homme, vol. 2, n.º 
 
 5, 31 de Maio de 1990, pp. 185–191), impõe‑se a existência de uma lei que 
 preveja a possibilidade de autorização de escutas, lei que deve ser acessível e 
 precisa, e que se estabeleçam garantias adequadas, desde logo definindo com 
 precisão quais as autoridades competentes para ordenar ou autorizar as escutas, 
 quais os crimes cuja gravidade justifica o uso deste meio de produção de prova e 
 o grau de suspeita exigível, não podendo a ingerência ser meramente 
 exploratória. Depois, o acompanhamento da operação há‑de ocorrer em três 
 estádios: no momento da ordem ou da autorização, no decurso da operação e após 
 o seu termo, possibilitando às pessoas colocadas sob escuta o direito de acesso 
 
 às gravações e respectivas transcrições, o direito à eliminação das passagens 
 irrelevantes ou interditas e o direito à destruição ou restituição dos 
 respectivos suportes. 
 Mas para além das “escutas judiciárias”, são ainda admissíveis “escutas 
 administrativas”, determinadas pelo poder executivo visando objectivos de 
 segurança interna e externa, as quais devem oferecer igualmente garantias 
 adequadas que afastem o risco de utilização abusiva, garantias que serão 
 naturalmente diferentes das previstas para as “escutas judiciárias”, mas que 
 sempre exigirão a possibilidade de recurso aos tribunais, embora apenas a 
 posteriori. Essas garantias passam, nalguns países, pela intervenção de 
 entidades independentes, por vezes de origem parlamentar, que acompanham a 
 actuação do executivo (cf. o Acórdão Klass, de 1978, em que o Tribunal Europeu 
 considerou suficientes os recursos judiciais a posteriori previstos no direito 
 alemão em caso de intercepção de conversações determinada pelo Governo alemão, 
 para defesa da ordem e segurança numa sociedade democrática e para evitar 
 infracções, sem controlo judicial prévio, e a decisão da Comissão Europeia dos 
 Direitos do Homem, de 10 de Maio de 1985, relativa ao Luxemburgo, ambos citados 
 no artigo de Gérard Cohen‑Jonathan). 
 De particular relevância para o presente recurso (em que, como se verá, a 
 recorrente reclama a imediata destruição das gravações tidas por irrelevantes 
 pelo juiz de instrução) reveste‑se a constante chamada de atenção, por parte do 
 Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, para a necessidade de as legislações 
 nacionais tomarem precauções no sentido de assegurar “a comunicação intacta e 
 completa das gravações efectuadas, para efeito de controlo pelo juiz e pela 
 defesa” e estabelecerem as circunstâncias em que se pode operar o apagamento 
 ou a destruição das gravações, designadamente após o arquivamento definitivo do 
 processo ou o trânsito em julgado da condenação final (cf. n.º 34 do Acórdão 
 Huvig, de 24 de Abril de 1990; n.º 35 do Acórdão Kruslin, da mesma data; n.º 59 
 do Acórdão Valenzuela Contreras, de 30 de Julho de 1998; e n.º 30 do Acórdão 
 Prado Bugallo, de 18 de Fevereiro de 2003). 
 
 2.8. A análise de ordenamentos jurídicos de países cujas normas constitucionais 
 relevantes na matéria são similares às portuguesas revela que o legislador 
 ordinário tem moldado de modo diversificado o regime das escutas telefónicas, 
 designadamente no que respeita à intervenção do juiz, quer na fase de 
 autorização, quer na fase de acompanhamento da operação (cf. Mario Chiavario e 
 outros, Procedure Penali d’Europa, 2.ª edição, Milão, 2001). 
 Na Bélgica, de acordo com as Leis de 10 de Junho de 1998 e de 10 de Janeiro de 
 
 1999, a regra é a da autorização pelo juiz de instrução, mas, em casos de 
 urgência, a escuta pode ser determinada pelo Ministério Público, embora sujeita 
 a validação judicial. Só se procede à transcrição das passagens consideradas 
 relevantes, mas mantêm‑se intactas as gravações, podendo as partes consultá‑las 
 e requerer a transcrição de passagens inicialmente tidas por irrelevantes (ob. 
 cit., pp. 75‑76). 
 Na França, segundo os artigos 100.º e seguintes do Código de Processo Penal, 
 alterados pela Lei de 10 de Julho de 1991, a ordem de intercepção é dada pelo 
 juiz de instrução, o qual, porém, pode delegar num oficial de polícia 
 judiciária o acompanhamento da operação. As gravações só são destruídas no 
 termo de prescrição do procedimento criminal (ob. cit., pp. 139‑140). 
 Na Alemanha também é de regra a autorização pelo juiz, mas, em caso de 
 urgência, a intercepção pode ser determinada pelo Ministério Público, sujeita a 
 validação judicial. A ordem de intercepção implica o poder de registo. No 
 julgamento, o juiz pode optar entre a audição das gravações ou a leitura das 
 transcrições (ob. cit., p. 204). 
 Diversamente, na Inglaterra, as escutas são determinadas pelo Ministro do 
 Interior ou pelas autoridades policiais, com mandado ministerial, não tendo o 
 juiz qualquer poder de controlo sobre as intercepções, existindo possibilidade 
 de recurso para uma comissão integrada por advogados nomeados pelo Governo, que 
 verifica o cumprimento das condições legais da intercepção (ob. cit., pp. 
 
 258‑259). 
 Na Itália, a regra é a de que compete ao juiz de instrução autorizar as 
 intercepções, mas em caso de urgência elas podem ser ordenadas pelo Ministério 
 Público, com subsequente validação judicial (ob. cit., pp. 321‑322). As 
 comunicações interceptadas são registadas em acta, aí sendo transcrito, ainda 
 que sumariamente, o conteúdo da comunicação interceptada (artigo 268.º do 
 Código de Processo Penal italiano). O registo da intercepção e a acta são 
 transmitidos imediatamente ao Ministério Público, que os deposita na secretaria, 
 sendo de seguida dado conhecimento ao defensor, que pode escutar os registos e 
 examinar os actos, e só então, face às posições assumidas pelas partes 
 interessadas quanto à admissibilidade e relevância das comunicações 
 interceptadas, é que o juiz de instrução manda suprimir os registos cuja 
 utilização é legalmente vedada e admite os que não são manifestamente 
 irrelevantes (artigo 268.º, n.º 6, do mesmo Código) – cf. J. A. Mouraz Lopes, 
 A Tutela da Imparcialidade Endoprocessual no Processo Penal Português, Coimbra, 
 
 2005, pp. 145‑146, nota 388. 
 Em Espanha, face à natureza genérica que, mesmo após a modificação introduzida 
 pela Lei Orgânica n.º 4/1998, de 25 de Maio de 1988, aos artigos 553.º e 559.º 
 da Ley de Enjuiciamiento Criminal – que se limitam a permitir que o juiz 
 autorize, por decisão fundamentada, pelo prazo máximo de três meses, 
 susceptível de prorrogação por períodos similares, a vigilância de comunicações 
 telefónicas de pessoas relativamente às quais existam indícios de 
 responsabilidade criminal –, tem sido sobretudo obra da jurisprudência a 
 definição das condições de admissibilidade das interferências nas comunicações. 
 A jurisprudência do Tribunal Constitucional espanhol, para utilizar a síntese 
 feita no fundamento jurídico 5.º da Sentença n.º 171/99, tem consignado que 
 
 “uma medida restritiva do direito ao segredo das comunicações só pode 
 considerar‑se constitucionalmente legítima na perspectiva deste direito 
 fundamental se, em primeiro lugar, está legalmente prevista com suficiente 
 precisão – princípio da legalidade formal e material (...); se, em segundo 
 lugar, é autorizada por autoridade judicial no âmbito de um processo (...); e, 
 em terceiro lugar, se se realiza com estrita observância do princípio da 
 proporcionalidade; é dizer, se a medida é autorizada por ser necessária para 
 alcançar um fim constitucionalmente legítimo, como – entre outros –, para a 
 defesa da ordem e prevenção de delitos qualificáveis como infracções puníveis 
 graves, e é idónea e imprescindível para a investigação dos mesmos (...), e 
 existem indícios sobre o facto constitutivo do delito e sobre a conexão com o 
 mesmo por parte das pessoas investigadas. (...) A execução da intervenção 
 telefónica deve ater‑se aos estritos termos da autorização tanto quanto aos 
 limites materiais da mesma como às condições da sua autorização (...) e, 
 finalmente, deve levar‑se a cabo sob controlo judicial”. 
 
 (…)»
 
 11.Adiantando a resposta à questão de constitucionalidade em causa no presente 
 recurso, entende-se resultar destes arestos (cf., sobre eles, José Manuel Damião 
 da Cunha, “A mais recente jurisprudência constitucional em matéria de escutas 
 telefónicas – mero aprofundamento de jurisprudência? Anotação aos Acórdãos do 
 Tribunal Constitucional n.ºs 426/2005 e 4/2006”, in Jurisprudência 
 Constitucional, n.º 8, 2005, pp. 46-55) que a dimensão normativa em causa nos 
 presentes autos não pode deixar de ser considerada inconstitucional. É logo o 
 que decorre da afirmação, contida no Acórdão n.º 426/2005 para justificar a 
 possibilidade de a selecção das passagens a transcrever ser determinada pelo 
 juiz de instrução com base, não em prévia audição pessoal das mesmas, mas por 
 leitura de textos contendo a sua reprodução que lhe foram espontaneamente 
 apresentados pela Polícia Judiciária, de que se trata apenas de uma “primeira 
 selecção, dotada de provisoriedade, podendo vir a ser reduzida ou ampliada”, 
 pois deve “ser facultado à defesa (e também à acusação) a possibilidade de 
 requerer a transcrição de mais passagens do que as inicialmente seleccionadas 
 pelo juiz, quer por entenderem que as mesmas assumem relevância própria, quer 
 por se revelarem úteis para esclarecer ou contextualizar o sentido de passagens 
 anteriormente seleccionadas”. Mas é também o que se disse – embora sem tomar 
 posição definitiva, pois era outra a questão que havia então que decidir – no 
 citado Acórdão n.º 4/2006, com apoio em abundante fundamentação na qual já se 
 notou, designadamente: que se exige, de acordo com a jurisprudência do Tribunal 
 Europeu dos Direitos do Homem, que a lei que prevê a possibilidade de realização 
 de escutas telefónicas deve definir “as precauções a tomar para comunicar, 
 intactos e completos, os registos realizados, para o controlo do juiz e da 
 defesa”, possibilitando às pessoas colocadas sob escuta o direito de acesso às 
 gravações e respectivas transcrições, e “as circunstâncias nas quais pode e deve 
 proceder‑se ao apagamento ou destruição das fitas magnéticas, nomeadamente após 
 uma absolvição ou o arquivamento do processo”; e que o nosso sistema, na medida 
 em que permite a destruição dos registos das comunicações sem conhecimento da 
 defesa, mas apenas do Ministério Público, e segundo a apreciação da sua 
 relevância pelo juiz, se encontra isolado no contexto das ordens jurídicas mais 
 próximas.
 Vejamos estes dois pontos mais em pormenor.
 
 12.A afirmação de que as legislações nacionais devem tomar precauções para 
 assegurar “a comunicação intacta e completa das gravações efectuadas, para 
 efeito de controlo pelo juiz e pela defesa” e estabelecerem as circunstâncias em 
 que se pode operar o apagamento ou a destruição das gravações, designadamente 
 após o arquivamento definitivo do processo ou o trânsito em julgado da 
 condenação final, encontra-se em várias decisões do Tribunal Europeu dos 
 Direitos do Homem.
 Assim, esse Tribunal disse nos n.ºs 34 e 35 dos Acórdãos Huvig e Kruslin, de 24 
 de Abril de 1990, sobre legislação francesa em matéria de escutas, que
 
 “o sistema não oferece de momento as garantias adequadas contra diversos abusos 
 a recear. Por exemplo, nada define as categorias de pessoas susceptíveis de 
 serem colocadas sob escuta judiciária, nem a natureza das infracções que podem 
 dar lugar a elas; nada vincula o juiz a fixar um limite à duração da execução da 
 medida; e também nada precisa as condiçõe s de realização de procedimentos 
 verbais de síntese consignando as conversações interceptadas, nem as precauções 
 a tomar para comunicar intactas e completas as gravações realizadas, com o fim 
 de controlo eventual pelo juiz – que não pode de todo deslocar-se ao local para 
 verificar o número e a duração das fitas magnéticas originais – e pela defesa, 
 nem as circunstâncias em que pode ou deve realizar-se o apagamento ou a 
 destruição das ditas fitas”, designadamente após absolvição ou trânsito em 
 julgado. (itálico aditado)
 Tais “garantias mínimas, necessárias para evitar abusos, que devem figurar na 
 lei”, mencionadas no Acórdãos Kruslin e Huvig e que incluem as “precauções a 
 tomar para comunicar, intactas e completas, as gravações realizadas, com o fim 
 de controlo eventual pelo juiz e pela defesa”, foram recordadas também no 
 Acórdão Valenzuela Contreras, de 30 de Julho de 1998 (n.ºs 46, IV, e 59) e no 
 Acórdão Prado Bugallo, de 18 de Fevereiro de 2003. Neste último pode ler-se, a 
 propósito de legislação espanhola sobre escutas telefónicas, que o Tribunal 
 entende
 
 “que a garantias introduzidas pela lei de 1988 não respondem a todas as 
 condições exigidas pela jurisprudência do Tribunal, nomeadamente nos acórdãos 
 Kruslin c. França e Huvig c. França, para evitar os abusos. É o caso da natureza 
 das infracções que podem dar lugar às escutas, da fixação de um limite para a 
 duração da execução da medida e das condições de realização dos procedimentos 
 verbais de síntese consignando as conversações interceptadas, tarefa que é 
 deixada à competência exclusiva do funcionário do tribunal. Estas insuficiências 
 dizem igualmente respeito às precauções a tomar para comunicar intactas e 
 completas as gravações realizadas, com o fim de um controlo eventual pelo juiz e 
 pela defesa. A lei não contém qualquer disposição a este respeito.” (itálico 
 aditado)
 Resulta desta jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, referida 
 já nos Acórdãos n.ºs 528/2003, 426/2005 e 4/2006, que a privação da 
 possibilidade, pela imediata destruição da gravação que o juiz entende 
 irrelevante (aliás, segundo o referido Acórdão n.º 426/2005, possivelmente sem a 
 ouvir, e apenas com base em transcrições), de a defesa requerer a transcrição de 
 passagens não seleccionadas pelo juiz, e que não foram objecto de uma 
 comunicação intacta e completa para controlo pela defesa, corresponde a uma 
 diminuição das garantias da defesa – o que também já se consignou nos referidos 
 Acórdãos n.º 426/2005 e 4/2006. Também por isso (como se nota neste último 
 aresto) se disse no citado Acórdão n.º 426/2005 que “deve ser facultado à defesa 
 
 (e também à acusação) a possibilidade de requerer a transcrição de mais 
 passagens do que as inicialmente seleccionadas pelo juiz, quer por entenderem 
 que as mesmas assumem relevância própria, quer por se revelarem úteis para 
 esclarecer ou contextualizar o sentido de passagens anteriormente 
 seleccionadas”.
 
 13.Quanto à comparação da solução que está em apreciação – repete-se: a da 
 destruição imediata dos suportes das escutas com base na apreciação da sua 
 relevância pelo juiz, sem que o arguido se possa pronunciar sobre ela – com o 
 regime vigente em outras ordens jurídicas europeias mais próximas da nossa, pode 
 igualmente remeter-se para o Acórdão n.º 4/2006 (n.º 2.8), para se verificar que 
 aquela solução se encontra isolada (v. também, para o que se segue, Mireille 
 Delmas-Marty e Mário Chiavario, Procedure penali d’Europa, 2.ª ed., CEDAM, 
 Padova, 2001).
 Assim, recorde-se que, como se disse no Acórdão n.º 4/2006, na Bélgica, as 
 gravações são mantidas intactas a fim de as partes as poderem consultar e 
 requerer a transcrição de passagens inicialmente tidas por irrelevantes; em 
 França, as gravações só são destruídas no termo do prazo de prescrição do 
 procedimento criminal; em Itália, só após audição das gravações (cuja guarda 
 compete ao Ministério Público) pela defesa e pronúncia dos diversos 
 intervenientes é que o juiz manda suprimir os registos cuja utilização é 
 legalmente vedada e admite os que não são manifestamente irrelevantes (artigo 
 
 268.º, n.º 6, do Código de Processo Penal), sendo os registos conservados até ao 
 trânsito em julgado da sentença final, a menos que, a requerimento dos 
 interessados, com fundamento em tutela da privacidade, o juiz autorize a 
 destruição antecipada (artigo 269.º, n.º 2, do mesmo Código); em Espanha, atenta 
 a exiguidade da regulamentação legal, a jurisprudência do Tribunal 
 Constitucional e do Tribunal Supremo têm insistido na necessidade de serem os 
 originais das fitas de gravação ou elementos análogos a serem remetidos ao 
 tribunal, ficando à guarda do secretário judicial, que facultará o seu acesso às 
 partes (e ao Ministério Público) e dirigirá a tarefa de transcrição das partes 
 tidas por relevantes”.
 Também na Alemanha os limites da possibilidade da destruição são discutidos, 
 apesar de o § 100b, n.º 6, da Strafprozessordnung mandar destruir imediatamente, 
 sob fiscalização do Ministério Público, os elementos [Unterlagen] que já não 
 sejam necessários para a perseguição penal (v. Gerhard Schäfer, em 
 Löwe/Rosenberg, Die Strafprozessordnung und das Gerichtsverfassungsgesetz – 
 Grosskommentar, 25.ª ed., Berlin, W. de Gruyter, 2003, anot. 38 ao §100b e 
 anots. 103 e seg. ao § 100c, dizendo que só pode destruir-se o material de prova 
 seguramente já desnecessário, porque o seu conteúdo está entretanto confirmado 
 por outros meios de prova, pelo que se o material for ainda possivelmente 
 utilizado como meio de prova na audiência de julgamento nunca é de considerar 
 uma destruição, antes deve ser guardado juntamente com os meios de prova). O 
 Tribunal Constitucional Federal alemão já declarou, mesmo (na decisão de 3 de 
 Março de 2004, in Entscheidungen des Bundesverfassungsgerichts, vol. 109, pp. 
 
 279 e ss.), a inconstitucionalidade desse § 100b, n.º 6, embora apenas em 
 conjugação com a remissão que para ele fazia o § 100d, n.º 4, frase 3, que o 
 mandava aplicar à destruição dos registos de vigilância acústica em espaços 
 habitacionais (o chamado “grosser Lauschangriff”), por violação da garantia do 
 acesso à via judiciária, que a destruição dificultava ou tornava mesmo 
 impossível. Salientou-se, nessa decisão, que “pode surgir uma situação 
 específica de conflito por, de uma parte, corresponder à protecção de dados o 
 apagamento de dados já não necessários, e, por outra, com o apagamento se 
 dificultar, quando não mesmo impossibilitar, uma protecção jurídica efectiva, 
 porque um controlo dos actos só é em limitada medida possível depois do 
 apagamento dos elementos” (v. também, já antes, a decisão de 14 de Julho de 
 
 1999, in Entscheidungen…, cit., vol. 100, pp. 313 e ss., 400, onde se considerou 
 condição do respeito pela garantia do acesso à via judiciária o facto de os 
 registos serem conservados até seis meses depois da notificação dos actos ao 
 atingido). Na sequência da citada decisão de 2004, foi aprovada uma “Lei de 
 Aplicação da Decisão do Tribunal Constitucional Federal de 3 de Março de 2004”, 
 que alterou o referido §100d, passando a prever que os dados são destruídos se 
 não forem necessários “para a prossecução da acção penal e para uma eventual 
 comprovação judicial”, e que, na medida em que a destruição seja adiada por esta 
 
 última razão, “os dados devem ser encerrados e só podem ser utilizados para esse 
 fim”.
 Aliás, também entre nós têm sido propostas várias soluções no sentido de evitar 
 que os registos das conversações possam ser logo destruídos, antes sendo 
 assegurada a possibilidade de controlo (incluindo a “contextualização” e a 
 descoberta de novos elementos) também pela defesa (cf. as propostas legislativas 
 referidas no n.º 2.6 do citado Acórdão n.º 4/2006). E refira-se, aliás, como 
 mera nota marginal, que é também diferente da que está em apreciação a solução 
 prevista no anteprojecto de revisão do Código de Processo Penal que foi tornado 
 público pelo Ministério da Justiça já em 2006. Segundo o seu artigo 188.º, n.º 
 
 6, a destruição imediata apenas é determinada pelo juiz em relação a “suportes 
 técnicos e relatórios manifestamente estranhos ao processo” e que: disserem 
 respeito a conversações em que não intervenham o suspeito ou arguido, pessoa 
 
 “relativamente à qual haja fundadas razões para crer que recebe ou transmite 
 mensagens destinadas ou provenientes de suspeito ou arguido ou vítima de crime, 
 mediante o respectivo consentimento, efectivo ou presumido”; abranjam matérias 
 cobertas pelo segredo profissional, de funcionário ou de Estado; ou cuja 
 
 “divulgação possa afectar gravemente direitos, liberdades e garantias”. Fora 
 desses casos, prevê-se que, a partir do encerramento do inquérito, o assistente 
 e o arguido possam “examinar os suportes técnicos das conversações ou 
 comunicações e obter, à sua custa, cópia das partes que pretendam transcrever 
 para juntar ao processo”, sendo os suportes técnicos referentes a conversações 
 ou comunicações que não forem transcritas para servirem como meio de prova 
 
 “guardados em envelope lacrado, à ordem do tribunal, e destruídos após o 
 trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo” (artigo 188.º, n.ºs 
 
 8 e 12, do citado anteprojecto).
 
 14.Poderia – é certo – defender-se que estas soluções legislativas se enquadram 
 dentro da liberdade de conformação do legislador, sendo possíveis várias 
 soluções no plano infra-constitucional. Dir-se-ia, neste sentido, que bastaria o 
 controlo da relevância dos elementos de prova pelo juiz de instrução, procedendo 
 ao controlo da legalidade, da necessidade e da relevância desses elementos.
 Estes argumentos não podem, porém, considerar-se procedentes.
 Na verdade, a destruição (permitida pela norma em apreço) de elementos de prova 
 obtidos mediante intercepção de telecomunicações, que o arguido poderia 
 pretender utilizar em seu benefício e que apenas foram conhecidos pelo órgão de 
 polícia criminal e pelo Ministério Público, com base na apreciação da sua 
 relevância, e na consequente ordem de destruição, apenas pelo juiz de instrução, 
 sem conhecimento pelo arguido, constitui logo, só por si, uma compressão 
 inaceitável, e desnecessária, das garantias de defesa do arguido, 
 particularmente notória na comparação da sua posição com a da acusação. Com 
 efeito, o arguido, que já sofreu uma intervenção restritiva –determinada e 
 justificada apenas por razões de necessidade – nos seus direitos fundamentais ao 
 ser objecto de escutas telefónicas, vê destruídos os registos dessas 
 comunicações, de cujo conteúdo não chega a tomar conhecimento, e não pode sequer 
 pronunciar-se sobre a sua relevância, enquanto a acusação (rectius, o órgão de 
 polícia criminal e o Ministério Público) teve acesso ao conteúdo integral e 
 completo das comunicações e pode (deve mesmo) seleccionar e indicar as partes 
 que considera relevantes (artigo 188.º, n.º 1, parte final), tendo uma 
 intervenção substancial anterior à apreciação do juiz e à sua decisão sobre a 
 relevância, que pode influenciar.
 Contra isto não basta argumentar, nem com o facto de a destruição dos registos 
 inúteis visar ela própria a protecção de direitos fundamentais de terceiros ou 
 do próprio arguido, nem com as garantias resultantes da intervenção do juiz de 
 instrução, como “juiz das garantias” do arguido, ou com uma alegada 
 possibilidade de contraditar a prova no momento do julgamento.
 Quanto a esta última possibilidade, ela torna-se evidentemente ilusória, quanto 
 ao que pudesse depender das conversações cujo conteúdo o arguido não conheceu, a 
 partir do momento da destruição dos respectivos registos. Aliás, repete-se que 
 não está apenas em causa a utilização das comunicações para enquadrar os 
 elementos transcritos, mas igualmente com relevo autónomo.
 Quanto ao primeiro ponto, recorda-se que está apenas em causa, na dimensão 
 normativa em apreço, a ordem de destruição dos registos com base exclusivamente 
 na apreciação da relevância das conversações para a prova, por parte do juiz, e 
 não na ilegalidade das escutas ou na protecção dos direitos de terceiros ou do 
 arguido (aliás, quanto a este último, sempre poderia duvidar-se da 
 indisponibilidade de uma tal “protecção contra si próprio”). A invocação da 
 protecção de terceiros – aliás, não concretizada no caso em apreço – contra 
 intromissão na vida privada apenas poderia, pois, situar-se no plano abstracto, 
 da presunção de que todas e quaisquer escutas podem (criam o risco de) pôr em 
 causa esses direitos de terceiros. Sem deixar de sublinhar a importância das 
 garantias contra a indevida circulação do conteúdo das conversações 
 interceptadas, ou, até, do estabelecimento de mecanismos que tutelem o risco da 
 violação de direitos fundamentais como o segredo das comunicações, a alegação de 
 um tal risco não pode, porém, sobrepor-se aos concretos direitos do arguido, de 
 organizar a sua defesa controlando o conteúdo das conversações e utilizando-as 
 em sua defesa, seja enquadrando as transcrições existentes, seja com relevância 
 autónoma.
 
 15.No que toca à intervenção do juiz, para apreciar a relevância das 
 comunicações interceptadas “em lugar” da apreciação que o arguido poderia 
 pretender efectuar, é certo que ela representa uma garantia suplementar em 
 relação a um sistema que deixasse a apreciação da relevância e a selecção 
 exclusivamente na dependência da acusação (cf., aliás, concedendo especial 
 importância ao parâmetro da “reserva do juiz”, e ao artigo 32.º, n.º 4, da 
 Constituição no regime das escutas telefónicas, J. M. Damião da Cunha, “A mais 
 recente jurisprudência…”, cit., pp. 51 e ss.).
 Todavia, tal garantia não pode considerar-se suficiente sob dois pontos de 
 vista: por um lado, e como se referiu, enquanto o órgão de polícia criminal e o 
 Ministério Público podem influenciar a decisão do juiz sobre a relevância, 
 devendo mesmo indicar as passagens das comunicações que consideram relevantes 
 antes de aquele tomar uma decisão (que, recorda-se, pode, sem 
 inconstitucionalidade, ser tomada sem audição da integralidade das conversações, 
 e apenas com base em partes transcritas que lhe são facultadas, como se decidiu 
 no Acórdão n.º 426/2005), o arguido não chega sequer a ter conhecimento do 
 conteúdo das comunicações antes da sua destruição, muito menos podendo fazer 
 valer, ou fundamentar, a sua apreciação sobre a sua relevância, ficando, por 
 isso, colocado numa posição de inferioridade, ou desigualdade, que 
 objectivamente põe em causa as suas garantias de defesa; por outro lado, sendo 
 ao arguido que compete organizar a sua defesa, contraditando os elementos 
 invocados pela acusação e utilizando-os para se defender, tem de lhe ser deixada 
 a possibilidade de ser ele a ajuizar, com base no conteúdo das conversações em 
 causa, sobre a sua relevância, para, pelo menos, a poder justificar (por 
 exemplo, porque entende que dela resulta um atenuação da sua culpa, ou até uma 
 causa de justificação), sem que esse juízo possa ser antecipadamente 
 inviabilizado pela destruição dos suportes magnéticos com base numa apreciação 
 alheia (ainda que do juiz de instrução). Aliás, não está apenas em causa a 
 possibilidade de conhecimento pelo arguido do conteúdo das comunicações, para 
 efectuar e fundamentar a sua apreciação sobre a sua relevância, mas também a 
 própria possibilidade de um controlo judicial da decisão de destruir os registos 
 das conversações, ou, mesmo, da própria realização das escutas (em relação ao 
 material destruído).
 Sob este aspecto, a consideração de que a norma em causa apenas faz sentido no 
 pressuposto de uma total irrelevância dos registos, com possibilidade (ou mesmo 
 dever) de o juiz realizar esta avaliação, falha o alvo, justamente porque o que 
 está em causa é esta possibilidade de avaliação e a intervenção nela do arguido 
 
 – ou seja, saber se o arguido também há-de poder, pelo menos, influenciar com 
 devido conhecimento a apreciação da relevância das conversações.
 Não pode, aliás, excluir-se em absoluto que a apreciação pelo juiz de instrução, 
 na sequência dos elementos que lhe são facultados pelo órgão de polícia 
 criminal, e ainda que apenas de uma irrelevância clara, ou manifesta, dos 
 elementos em questão, possa não estar objectivamente correcta, podendo vir a ser 
 posta em causa pelo desenrolar futuro do processo ou por outros acontecimentos 
 
 (sendo que a destruição dos registos inviabiliza, porém, a comprovação). E, de 
 todo o modo, pelo menos quando não estejam em causa situações de ilegalidade das 
 escutas ou de outras qualificadas afectações de direitos fundamentais 
 justificadas em concreto, é ao arguido que tem de competir a possibilidade de 
 controlar essa correcção e de fundamentar a sua própria apreciação sobre a 
 relevância dos elementos em causa, o que só pode ser conseguido, como tem 
 salientado o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, mediante precauções no 
 sentido da comunicação integral e completa das conversações interceptadas ao 
 arguido, as quais são radicalmente postergadas pela imediata destruição dos 
 registos.
 
 16.Em suma, conclui-se que é inconstitucional, por violação das garantias de 
 defesa do arguido, asseguradas pelo artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, e em 
 particular da garantia de um processo leal e do princípio do contraditório, a 
 interpretação do artigo 188.º, n.º 3, do Código de Processo Penal que permite 
 que sejam destruídos elementos de prova obtidos mediante intercepção de 
 telecomunicações, que o órgão de polícia criminal conheceu, com base na 
 apreciação da sua relevância efectuada e na consequente ordem dada pelo juiz de 
 instrução, e de cujo conteúdo o arguido não chega a tomar conhecimento, sem 
 poder, pois, pronunciar-se sobre a sua relevância.
 Há, assim, que conceder provimento ao presente recurso, determinando-se a 
 reforma da decisão recorrida em conformidade com o presente juízo de 
 inconstitucionalidade. Sublinhar-se-á apenas, como nota final, que as 
 consequências a retirar do presente juízo de inconstitucionalidade para os 
 elementos de prova constantes dos autos, incluindo as comunicações interceptadas 
 aí transcritas, se encontram já fora do âmbito da intervenção do Tribunal 
 Constitucional, situando-se claramente no domínio de intervenção do Tribunal 
 recorrido.
 
  
 III. Decisão
 Com estes fundamentos, o Tribunal Constitucional decide:
 a)    Não tomar conhecimento do recurso quanto à norma do artigo 180.º, n.º 1, 
 do Código de Processo Penal;
 b)    Julgar inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da 
 Constituição, a norma do artigo 188.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, na 
 interpretação segundo a qual permite a destruição de elementos de prova obtidos 
 mediante intercepção de telecomunicações, que o órgão de polícia criminal e o 
 Ministério Público conheceram e que são considerados irrelevantes pelo juiz de 
 instrução, sem que o arguido deles tenha conhecimento e sem que se possa 
 pronunciar sobre a sua relevância;
 c)     Consequentemente, conceder provimento ao recurso e determinar a reforma 
 da decisão recorrida em conformidade com o presente juízo de 
 inconstitucionalidade.
 
  
 
          Lisboa, 28 de Novembro de 2006
 
  
 Paulo Mota Pinto
 Mário José de Araújo Torres
 
                         Benjamim Rodrigues (Vencido de acordo com a declaração 
 de voto anexa)
 
                    Maria Fernanda Palma (Vencida nos termos da declaração de 
 voto junta).
 Rui Manuel Moura Ramos
 
  
 Declaração de Voto
 
  
 
 1 – Votei vencido quanto ao conhecimento da questão de constitucionalidade e 
 quanto à decisão de mérito.
 
  
 
                  2 – Na parte que concerne ao conhecimento, porque entendo que o 
 recorrente não suscitou, nas alegações de recurso para o Tribunal da Relação de 
 Guimarães, a questão de constitucionalidade da dimensão normativa do art. 188.º, 
 n.º 3, do Código de Processo Penal, de que o acórdão conheceu, pelo que este 
 Tribunal não curou, nem teria de curar dela, nem, tão pouco, esse preceito foi 
 aplicado para decidir qualquer questão concreta relativa ao seu sentido, que o 
 recorrente houvesse colocado ao tribunal de recurso, concernente às escutas 
 concretamente não destruídas, constantes dos autos, ou a concretas escutas que 
 houvessem sido efectivamente destruídas, donde resulta que o juízo de 
 inconstitucionalidade poderá ser irrelevante para o resultado do juízo 
 probatório a fazer pelo tribunal sobre as escutas que não foram apagadas, após a 
 contradita do recorrente a efectuar com base em outros instrumentos de prova.
 
  
 
                  3 – No que importa à não suscitação. 
 
                  Nas alegações para a Relação, o recorrente alegou, 
 relativamente, à questão de constitucionalidade, apenas o seguinte:
 
                  “[…]
 
                  7 – Acresce que, sem prescindir, o art. 32.º, n.º 5 da 
 Constituição da República Portuguesa, confere ao arguido A. o direito 
 fundamental ao contraditório relativamente aos meios de prova de que o 
 Ministério Público se socorre para estribar a sua acusação e para a sustentar em 
 audiência de julgamento.
 
                  8 – A conservação das gravações não transcritas até ao trânsito 
 em julgado da decisão final, podendo o arguido requerer a audição em sede de 
 julgamento ou de recurso para contextualizar as conversações transcritas, 
 constitui um direito fundamental do arguido que neste caso se encontra 
 irremediavelmente precludido, afectando a totalidade da prova colhida com 
 violação daquela norma constitucional.
 
                  […]”.
 
                  Ora, o acórdão conheceu, segundo a sua própria formulação, da 
 questão de “constitucionalidade da norma do artigo 188.º, n.º 3, do Código de 
 Processo Penal, no entendimento de que permite a destruição de elementos de 
 prova obtidos mediante intercepção de telecomunicações e que o órgão de polícia 
 criminal conheceu, com base numa apreciação da sua relevância efectuada, e na 
 consequente ordem dada, pelo juiz de instrução, sem que o arguido chegue a tomar 
 conhecimento do seu conteúdo e sem poder, pois, pronunciar-se sobre a sua 
 relevância”.
 
                  Como se constata, perante a alegação transcrita, o recorrente 
 não suscitou a questão de constitucionalidade de que se conheceu. E a 
 entender-se haver alguma alegação de uma questão de constitucionalidade, ela 
 mostrar-se-ia feita, relativamente ao preceito do art. 188.º, n.º 3 do CPP, em 
 termos abstractos, ou seja, independentemente de uma sua aplicação como ratio 
 decidendi de uma questão concreta relativa às escutas cuja resolução houvesse 
 sido pedida ao tribunal de recurso.
 
  
 
                  4 – No que tange à não aplicação da dimensão normativa 
 conhecida.
 
                  O recorrente não colocou ao tribunal de recurso qualquer 
 questão concreta relativa à relevância probatória a conferir – no sentido de 
 poder fundar ou de não poder fundar, na elaboração do juízo judicial, um 
 resultado de convincência concernente a concretos e específicos factos – a 
 determinadas e identificadas escutas transcritas. Nomeadamente, o recorrente não 
 questionou perante o tribunal de recurso que as escutas transcritas, constantes 
 dos autos, não pudessem fundar qualquer juízo de convincência acerca da 
 existência dos factos afirmados com base nelas, porque o sentido com que 
 haveriam de ser entendidas era não aquele que lhe foi atribuído pelo juiz de 
 instrução, mas um outro diferente. Mais, o recorrente não alega, sequer, que a 
 destruição das escutas o impedisse de fazer prova destes ou daqueles factos em 
 sede de julgamento, mas apenas que a conservação das gravações não transcritas 
 até ao trânsito em julgado da decisão final constitui um direito fundamental, 
 
 “podendo o arguido requerer a sua audição em sede de julgamento ou de recurso 
 para contextualizar as conversações transcritas” (itálico aditado). Ou seja, o 
 recorrente alega a contextualização das escutas transcritas como necessidade 
 eventual da defesa no acto de julgamento ou no recurso, ou seja, em nome de um 
 direito geral de defesa que poderá, então, hipoteticamente, traduzir-se em actos 
 de defesa concreta, relacionados com as escutas ou não. Isto equivale por dizer 
 que o recorrente se apoia num princípio de que tudo o que vai sendo adquirido 
 pelo processo, no seu decurso, tem de permanecer nele até ao trânsito em julgado 
 da decisão definitiva, porque o arguido poderá, eventualmente, detectar, nesses 
 meios de prova, elementos factuais relativos aos próprios meios de prova ou à 
 realidade cuja existência os mesmos tendem a demonstrar de que poderá beneficiar 
 na sua defesa.
 
                  Ora, o nosso processo penal não está estruturado sobre esse 
 princípio, nem decorre da Constituição penal e processual penal essa exigência 
 de acautelar uma hipotética, eventual e indeterminada estratégia de defesa no 
 exercício do direito de defesa.
 
                  A questão relativa à destruição das escutas, cuja colocação se 
 entende que o arguido deveria colocar para se ver nela uma aplicação do critério 
 normativo de cuja constitucionalidade se conheceu, não é, como se deixa entrever 
 do acórdão, que o «arguido justificasse a “contextualização” que pretendia 
 realizar» em termos equivalentes ao “exigir-lhe que avançasse hipóteses ou que 
 fizesse conjecturas, baseadas no conteúdo de comunicações a que não pode 
 aceder”, mas que, com referência às escutas transcritas, pusesse em crise o 
 concreto sentido com que as mesmas foram entendidas pelo tribunal, dentro da sua 
 liberdade de convincência e de apreciação, com base em outros elementos de prova 
 ou até – na total ausência de outras provas – com base em outras leituras, 
 racionalmente, possíveis da linguagem transcrita.
 
                  O teste de que a dimensão normativa, de cuja 
 constitucionalidade se conheceu, não constituiu ratio decidendi de qualquer 
 questão concreta, relativa à validade de uma ponderação probatória das concretas 
 escutas transcritas, está no facto, admitido implicitamente no final do acórdão, 
 de que as escutas transcritas poderão, ainda, ser objecto de alguma valoração ou 
 ponderação probatórias, a concretizar pelo tribunal depois do contraditório 
 efectuado sobre elas.
 
                  5 – No que importa ao fundo, revejo-me na fundamentação do voto 
 de vencido da Senhora Conselheira Fernanda Palma. 
 Benjamim Rodrigues
 
                  
 
  
 Declaração de voto
 
  
 
  
 
 1.  Votei vencida a presente decisão, pois entendo que a norma contida no artigo 
 
 188º, nº 3, do Código de Processo Penal, nos termos da qual o juiz de instrução 
 pode ordenar a destruição das fitas gravadas ou de materiais similares de 
 conversas telefónicas interceptadas consideradas irrelevantes, não deve ser 
 julgada inconstitucional. Em minha opinião, tal norma consagra, em termos 
 constitucionalmente admissíveis, a possibilidade de correcção pelo tribunal de 
 uma intromissão injustificada na reserva da intimidade da vida privada do 
 arguido ou de terceiros (artigo 26º, nº 2, da Constituição). 
 A argumentação do Acórdão parte da ideia de que, uma vez realizada a 
 intercepção, se tornará secundário assegurar os valores e interesses cuja 
 restrição foi afectada, por as garantias de defesa e o contraditório (artigo 
 
 32º, nºs 1 e 5, da Constituição) se terem tornado prevalecentes relativamente à 
 reserva da intimidade da vida privada do próprio arguido ou de terceiro. Em 
 termos simples, subjaz ao Acórdão este raciocínio: uma vez realizada a escuta, 
 ainda que desnecessária ou irrelevante, o eventual prejuízo que provocou já não 
 deve ser valorizado: por um lado, porque a reserva da intimidade da vida privada 
 já foi prejudicada pela intercepção e subsequente audição; por outro lado, 
 porque o prejuízo para a reserva da intimidade da vida privada é superado pelo 
 eventual benefício obtido pela defesa mediante a utilização dos respectivos 
 elementos probatórios. 
 Nesta perspectiva, seria um mal maior – e intolerável segundo a Constituição - a 
 devassa da reserva da intimidade da vida privada de qualquer pessoa não poder 
 ser usada em benefício do arguido. Porém, esta linha de orientação, levada ao 
 extremo, transfiguraria actos ilegítimos a priori em actos legítimos a 
 posteriori. Numa aplicação sui generis do chamado teorema de Thomas, o que é 
 errado (ilegítimo) na sua génese passaria a ser certo e legítimo nas suas 
 consequências, desde que não invalidado. Assim, o arguido disporia, em última 
 análise, de escutas ilegítimas de terceiros para sua defesa.
 Acresce que o facto de uma intercepção ter sido já realizada e de a 
 correspondente conversação ter sido ouvida por órgãos de polícia criminal e 
 autoridades judiciárias não torna irrelevante o prejuízo para a reserva da 
 intimidade da vida privada que pode advir da conservação dos respectivos 
 suportes. Com efeito, essa conservação gera sempre um perigo acrescido de 
 reprodução e de devassa, como tem revelado a experiência recente em sede de 
 violação do segredo de justiça.
 Uma outra ordem de considerações, que excede a esfera estrita do direito à 
 reserva da intimidade da vida privada, aponta para a possibilidade de as fitas 
 gravadas ou os materiais similares conterem elementos irrelevantes para o 
 processo que estejam cobertos pelo segredo de Estado ou pelo segredo 
 profissional. Nesta hipótese, acautelada pela proposta de revisão do Código de 
 Processo Penal aprovada pelo Governo em 16 de Novembro de 2006 (artigo 188º, nº 
 
 6), há outros interesses constitucionalmente tutelados (artigos 35º, nº 1, e 
 
 26º, nº 1, parte final, da Constituição), que devem também ser ponderados em 
 confronto com as garantias de defesa e o contraditório (artigo 18º, nº 2, da 
 Constituição).
 
  
 
 2.  O legislador ordinário poderia solucionar o conflito de interesses dando 
 sempre preponderância às garantias de defesa e ao contraditório, desde que a 
 intercepção fosse legítima. Todavia, entender que o juiz de instrução está 
 proibido de ordenar a destruição de quaisquer gravações de escutas que 
 considere, segundo a sua análise e ponderação, manifestamente irrelevantes 
 constitui uma interpretação desproporcionada das exigências constitucionais no 
 Processo Penal.
 Não se infere da Constituição que o legislador ordinário esteja impedido, nesta 
 situação, de procurar salvaguardar outros interesses – que também têm, de resto, 
 a dignidade de direitos fundamentais. Além disso, o contraditório vale na 
 audiência de julgamento e noutros actos que a lei determinar (artigo 32º, nº 5, 
 da Constituição), mas não forçosa e ilimitadamente no debate, em sede de 
 inquérito, de todos os meios de investigação e de obtenção de prova na fase de 
 inquérito.
 Aliás, não está em causa, como parece transparecer do Acórdão, uma delimitação 
 
 “paternalista” dos interesses do arguido, quando se atribui ao juiz de instrução 
 a competência para decidir se uma gravação é irrelevante. O juiz de instrução 
 tem precisamente por função assegurar os direitos, liberdades e garantias – do 
 arguido, de outros sujeitos processuais e de quaisquer terceiros - , como 
 decorre do nº 4 do artigo 32º da Constituição. O Processo Penal não é um domínio 
 em que, por exemplo, os direitos de terceiros se tornem livremente disponíveis 
 pelo arguido e por outros sujeitos.
 Se assim sucedesse, a pretexto do “garantismo”, estaria aberto o caminho para 
 que todas as violações de direitos fundamentais (mesmo envolvendo só terceiros) 
 e as correspondentes actividades de investigação e de obtenção de prova 
 
 (intercepção de comunicações e até outras) se viessem a consolidar na Ordem 
 Jurídica para ulterior satisfação de uma arbitrária vontade do arguido. A 
 efectividade da proibição dependeria sempre do arguido e a actividade proibida 
 tornar-se-ia processualmente vantajosa, atraiçoando-se, desse modo, o sentido da 
 nulidade (absoluta) cominada no nº 8 do artigo 32º da Constituição e da 
 
 “inutilizabilidade” da prova decretada no artigo 126º do Código de Processo 
 Penal.
 
 É constitucionalmente aceitável que o legislador queira impedir as violações de 
 direitos fundamentais e acautelar interesses constitucionalmente tutelados 
 
 (artigo 18º, nº 2, da Constituição), permitindo a selecção das gravações 
 efectivamente relevantes, promovendo a reversibilidade de excessos cometidos e 
 submetendo a prova disponível pelo Tribunal a um princípio de auto-contenção do 
 
 “poder probatório” (ou de investigação) do Estado no Processo Penal. 
 Pretender que, uma vez realizada, a escuta irrelevante passe a poder servir a 
 defesa, segundo a vontade arbitrária do arguido, implica concluir que a 
 Constituição impõe uma dissolução dos limites de actuação da autoridade pública, 
 que são limites do Estado de Direito, na recolha da prova em função de um 
 hipotético e não necessariamente demonstrado interesse da defesa.
 
  
 
 3.  O argumento de que a qualificação de irrelevante pelo juiz de instrução tem 
 de ser sempre, segundo a Constituição, sujeita a contraditório ou até, mais 
 radicalmente, nunca pode ser formulada, corresponde a uma leitura excessiva do 
 contraditório em face da estrutura acusatória “mitigada” do Processo Penal 
 português.
 Na fase do inquérito, o juiz intervém para garantir a não violação dos direitos 
 fundamentais e a não ultrapassagem dos limites autorizados aos órgãos que actuam 
 na recolha e produção da prova (artigo 32º, nº 4, da Constituição). A atribuição 
 de competência para decidir da ilegitimidade ou da irrelevância de uma escuta é, 
 a esta luz, uma decorrência normal da estrutura acusatória mitigada pelo 
 princípio da investigação, que vigora no Processo Penal português.
 
 É claro que pode haver situações em que o arguido venha sustentar uma 
 necessidade concreta de contextualização ou de narrativa para a qual 
 necessitaria de escutas consideradas irrelevantes entretanto destruídas. 
 Estaremos, então, perante uma questão diversa da que os autos configuram. Nessa 
 outra hipótese, uma necessidade de contextualização plausível em função das 
 insuficiências dos suportes não destruídos pode demonstrar que o juízo de 
 irrelevância do julgador foi duvidoso ou errado. O julgador pode ter utilizado 
 até um critério inconstitucional, na destruição das fitas gravadas ou de 
 materiais similares, tornando a matéria recolhida insuficiente ou incorrecta a 
 sua interpretação. 
 Mas esta questão excede o terreno da constitucionalidade normativa da destruição 
 de gravações de escutas irrelevantes. Ela pode referir-se à constitucionalidade 
 ou à legalidade da própria decisão de destruição, em si, ou ao seu critério 
 normativo, que assentará então numa interpretação ilegítima do conceito de 
 
 “irrelevância”. Uma tal interpretação normativa pode ser inconstitucional e, 
 caso afecte a validade de uma prova por a descontextualizar, é passível de 
 censura pelo Tribunal Constitucional nos termos gerais.
 Em todo o caso, a argumentação do recorrente confronta o Tribunal Constitucional 
 com a norma que permite a destruição de escutas irrelevantes sem mais, mesmo que 
 tais escutas sejam manifestamente irrelevantes para qualquer observador – isto 
 
 é, abstraindo de qualquer fundamentação do interesse concreto da defesa. 
 As escutas manifestamente irrelevantes, que ponham em causa direitos ou 
 interesses constitucionalmente tutelados ou que abranjam só terceiros sem 
 qualquer conexão com o processo passam, nesta interpretação do Tribunal 
 Constitucional, a ter de estar integradas no processo para que a defesa (ou, 
 quiçá, a acusação também, em nome do contraditório) decida, em última instância, 
 sobre a sua relevância. 
 Ora, um tal critério normativo não resulta de exigências constitucionais do 
 artigo 32º, nºs 1, 4 e 5. Esse critério é antes enformado por um modo de 
 configuração do Processo Penal radicalmente acusatório, que desvaloriza o papel 
 do “juiz das liberdades” e em que o princípio contraditório domina todo o 
 inquérito - e não apenas os “actos instrutórios que a lei determinar”, como 
 prescreve o artigo 32º, nº 5, da Constituição.
 
  
 
 4.  Por seu turno, os argumentos retirados do Direito Comparado não têm em conta 
 a estrutura global do Processo Penal nos Ordens Jurídicas invocadas.
 No caso da Alemanha, vigora uma orientação próxima do artigo 188º, nº 3, do 
 nosso Código. Com efeito, o § 100 b, nº 6, do Código de Processo Penal alemão, 
 prevê que: “Não sendo os documentos obtidos já necessários para a prossecução da 
 acção penal, devem ser destruídos imediatamente sob fiscalização do Ministério 
 Público. Da destruição deve fazer‑se acta”. A ponderação feita pelo legislador 
 alemão dá, como se vê, prevalência a um autêntico dever de destruição dos dados 
 desnecessários, em função de uma estrita contenção da intervenção da autoridade 
 pública no círculo da esfera privada dos cidadãos.
 Por seu lado, a sentença citada do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem 
 refere‑se apenas à comunicação integral e completa das conversações 
 interceptadas ao arguido. Ainda assim, esse aresto pressupõe um nível de 
 relevância delimitado, pelo menos, em função do âmbito subjectivo das escutas, 
 não se opondo à destruição dos materiais irrelevantes referentes a conversações 
 em que o arguido não intervenha. 
 
  
 
 5.  Por todas as razões expostas, não pude acompanhar o juízo de 
 inconstitucionalidade contido no Acórdão.
 No plano das consequências, importa observar ainda que a única ilação a extrair 
 da decisão do Tribunal Constitucional seria a invalidade de todas as provas 
 recolhidas através das escutas, sempre que qualquer fita gravada ou material 
 similar fossem destruídos. Não faz qualquer sentido (e, a meu ver, será até 
 contraditório) que um juízo de inconstitucionalidade que radica na violação das 
 garantias de defesa devido à falta de oportunidade de contextualização das 
 transcrições (por terem sido destruídas gravações consideradas irrelevantes) 
 implique apenas a invalidade do despacho que ordenou essa destruição. Dessa 
 forma, a função do juízo de inconstitucionalidade seria totalmente defraudada, o 
 julgamento de inconstitucionalidade seria tendencialmente ineficaz e o requisito 
 processual do interesse em agir nem sequer seria tido em conta no recurso de 
 constitucionalidade.
 Assim, também não acompanho o distanciamento preconizado no presente Acórdão 
 quanto às possíveis consequências do juízo de inconstitucionalidade. Esse 
 
 “distanciamento” tem uma outra sede própria que é a admissibilidade 
 constitucional de destruição de fitas gravadas ou de materiais similares 
 manifestamente irrelevantes e cuja conservação pode afectar direitos ou 
 interesses constitucionalmente tutelados
 
                                                  Maria Fernanda Palma