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Processo n.º 292/06
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
 
  
 
  
 Acordam na 2.ª secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 I. Relatório
 
 1.A., S.A. reclamou para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 77.º da 
 Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (Lei de Organização, Funcionamento e 
 Processo do Tribunal Constitucional – LTC), do despacho do Juiz do 7.º Juízo 
 Cível do Tribunal Cível de Lisboa, de 1 de Abril de 2004, de não admissão de 
 recurso de constitucionalidade por ela interposto da sentença de 8 de Setembro 
 de 2004, que julgou improcedentes os embargos de executado deduzidos na acção 
 executiva que lhe foi movida por B., L.da.
 O despacho então recorrido não admitiu o recurso porquanto – determinando o 
 artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC que “cabe recurso para o Tribunal 
 Constitucional das decisões em que se aplique norma cuja inconstitucionalidade 
 haja sido suscitada durante o processo” – “desde o início do processo que não 
 foi suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade” e, “ainda que no 
 requerimento em que a embargante requereu a reforma da sentença tenha alegado a 
 violação de uma norma constitucional, o certo é que, atenta a fase processual em 
 que tal questão foi suscitada, a mesma não foi objecto de qualquer discussão”.
 A recorrente viu deferida, pelo Acórdão n.º 669/2005, a reclamação deste 
 despacho do Juiz do 7.º Juízo Cível do Tribunal Cível de Lisboa, considerando 
 este Tribunal que, “no presente caso, a não suscitação adequada da questão de 
 inconstitucionalidade no pedido de reforma da sentença não teve por efeito a 
 perda do direito que, perante a natureza inesperada da interpretação normativa 
 nela aplicada, assistia à recorrente de recorrer para o Tribunal Constitucional 
 com dispensa desse requisito específico do recurso previsto na alínea b) do n.º 
 
 1 do artigo 70.º da LTC”. 
 Ainda de acordo com o decidido no referido aresto, “o critério normativo 
 aplicado na sentença de que se pretendeu interpor recurso foi o de que, na 
 execução baseada em título que resulta da aposição da fórmula executória a um 
 requerimento de injunção, o executado apenas pode fundar a sua oposição na 
 alegação e prova, que lhe incumbe, de factos impeditivos, modificativos ou 
 extintivos do direito invocado pelo exequente, direito que se tem por 
 demonstrado”.
 
 2.Neste Tribunal, a recorrente produziu alegações em que concluiu pela forma 
 seguinte:
 
 «1. O artigo 20.º da Constituição consagra, nos seus n.ºs 4 e 5, o princípio da 
 tutela jurisdicional efectiva, inserido na epígrafe do preceito após a Revisão 
 Constitucional de 1997. 
 
 2. O direito contido no n.º 4 do art.º 20.º a que nas causas em que intervenham 
 a decisão seja tomada mediante processo equitativo compreende designadamente o 
 princípio do contraditório, conforme se encontra reconhecido pelo Tribunal 
 Constitucional. 
 
 3. O legislador ordinário consagrou no art.º 815.º, n.º 1, do Código de Processo 
 Civil (presentemente art.º 816.º) o ditame de que numa execução que não seja 
 baseado em sentença o executado pode usar todos os fundamentos que lhe seria 
 licitar utilizar em processo declarativo. 
 
 4. A sentença de 8 de Setembro de 2004 do Tribunal Judicial de Lisboa não 
 reconheceu ao opositor da execução o direito a usar todos os meios de defesa que 
 podia utilizar em processo declarativo, mas apenas os de invocar factos 
 impeditivos, modificativos ou extintivos dos alegados pelo exequente. 
 
 5. A mesma sentença foi proferida num processo de execução subsequente a 
 injunção não contestada, e em decorrência da aposição da fórmula executória pelo 
 Secretário do Tribunal. 
 
 6. É manifestamente reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência que esta 
 aposição da fórmula executória não constitui uma sentença judicial. 
 
 7. A sentença de 8 de Setembro de 2004 constituiu uma decisão surpresa, quer 
 devido à falta de jurisprudência anterior sobre a matéria, quer devido ao facto 
 de os embargos terem sido recebidos sem reservas, quer finalmente devido ao 
 facto de na discussão de causa ter sido aceite com toda a amplitude a discussão 
 da matéria de facto em termos de impugnação. 
 
 8. A sentença de 8 de Setembro de 2004 omitiu na sua fundamentação de direito 
 qualquer referência ao citado art.º 815.°, n.º 1 (hoje 816.º), do Código de 
 Processo Civil. 
 
 9. O opositor da execução tem toda a legitimidade, face ao regime consagrado 
 neste preceito do Código de Processo Civil, para concentrar a sua defesa na 
 oposição à execução fundada em título diferente de sentença, sem prejuízo do 
 direito à oposição na providência de injunção. 
 
 10. A sentença recorrida, ao violar, na interpretação restritiva que adoptou, o 
 regime consagrado pelo legislador ordinário (art.º 14.º do regime anexo ao 
 Decreto-Lei n.º 269/98, e art.º 816.º do Código do Processo Civil) para a 
 oposição na execução de títulos distintos de sentença, veio do mesmo passo 
 violar o artigo 20.º da Constituição que consagra a tutela jurisdicional 
 efectiva, designadamente o princípio do contraditório em toda a sua extensão. 
 
 11. Deve assim a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que 
 reconheça ao opositor da execução o exercício de todos os fundamentos passíveis 
 de ser usados em processo declarativo, daí se extraindo as necessárias 
 conclusões face à prova produzida.»
 Notificada para, querendo, contra-alegar, a recorrida nada disse.
 Cumpre apreciar e decidir.
 II. Fundamentos
 
 3.A questão que vem suscitada nos autos – tal como se encontra delimitada no 
 referido Acórdão n.º 669/2005 (disponível no sítio da Internet 
 
 www.tribunalconstitucional.pt) – é a de saber se a norma do artigo 14.º do 
 Regime anexo ao Decreto‑Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, interpretada no 
 sentido de que na execução baseada em título que resulta da aposição da fórmula 
 executória a um requerimento de injunção o executado apenas pode fundar a sua 
 oposição na alegação e prova, que lhe incumbe, de factos impeditivos, 
 modificativos ou extintivos do direito invocado pelo exequente, direito que se 
 tem por demonstrado, viola ou não o artigo 20.º da Constituição, que garante 
 aos cidadãos o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e 
 interesses legalmente protegidos.
 
 É a seguinte a redacção do mencionado artigo 14.º, n.º 1:
 
  
 
 “Artigo 14.º
 Aposição da fórmula executória
 
 1 – Se, depois de notificado, o requerido não deduzir oposição, o secretário 
 aporá no requerimento de injunção a seguinte fórmula: «Este documento tem força 
 executiva.»
 
 […]”
 
 4.Recorde-se o que este Tribunal afirmou, ainda que para concluir pela 
 verificação dos pressupostos de admissibilidade do presente recurso, no Acórdão 
 n.º 669/2005 sobre a questão que ora se nos coloca: 
 
 “[…]
 O CPC, na redacção vigente à data da instauração da presente execução (2001), 
 diferenciava os fundamentos invocáveis pelo executado para se opor à execução 
 por embargos consoante o título executivo fosse uma sentença (hipótese em que 
 os fundamentos invocáveis eram os elencados nas alíneas a) a g) do artigo 
 
 813.º), uma decisão arbitral (em que aos fundamentos anteriores se aditavam os 
 que podiam basear a anulação judicial da decisão arbitral – artigo 814.º, n.º 1) 
 ou outro título (em que aos fundamentos invocáveis na execução fundada em 
 sentença acresciam quaisquer outros que seria lícito deduzir como defesa no 
 processo de declaração – artigo 815.º, n.º 1), acrescentando o n.º 2 deste 
 artigo 815.º que a homologação, por sentença judicial, da conciliação, 
 confissão ou transacção das partes, em que a execução se fundasse, não impedia 
 que na oposição se alegasse qualquer das causas que determinam a nulidade ou a 
 anulabilidade desses actos. Este esquema foi mantido na redacção dada pelo 
 Decreto‑Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, com melhorias de sistematização (a regra 
 de que a oposição à execução de sentença homologatória de conciliação, confissão 
 ou transacção se podia também fundar em qualquer causa de nulidade desses 
 actos, que constava do n.º 2 do artigo 815.º, relativo à oposição à execução 
 baseada noutro título, transitou [com eliminação da referência a conciliação] 
 para a alínea h) do actual artigo 814.º, que é o preceito dedicado à enumeração 
 dos fundamentos de oposição à execução baseada em sentença, já que, de facto, “a 
 situação aí prevista – atenta a existência de sentença homologatória – se situa 
 no âmbito da execução baseada em decisão judicial” – Carlos Francisco de 
 Oliveira Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, 2.ª ed., vol. 
 II, Coimbra, 2004, p. 39).
 A injunção, como providência destinada a conferir força executiva ao 
 requerimento destinado a obter o cumprimento efectivo de obrigações pecuniárias 
 decorrentes de contrato cujo valor não excedesse metade do valor da alçada do 
 tribunal de 1.ª instância, foi instituída pelo Decreto‑Lei n.º 404/93, de 10 de 
 Dezembro, prevendo‑se que, na falta de oposição do requerido, o secretário 
 judicial do tribunal aporia fórmula executória no requerimento de execução. Este 
 diploma não continha qualquer disposição específica quanto às execuções fundadas 
 nesse título, mas no respectivo preâmbulo esclareceu‑se que:
 
 “A aposição da fórmula executória, não constituindo, de modo algum, um acto 
 jurisdicional, permite indubitavelmente ao devedor defender‑se em futura acção 
 executiva, com a mesma amplitude com que o pode fazer no processo de 
 declaração, nos termos do disposto no artigo 815.º do Código de Processo 
 Civil.”
 Esse regime foi substituído pelo instituído pelo Decreto‑Lei n.º 269/98, de 1 de 
 Setembro, que alargou a aplicabilidade da providência aos contratos de valor não 
 superior à alçada do tribunal de 1.ª instância (artigo 7.º do Regime anexo), 
 tendo posteriormente o Decreto‑Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro, estendido 
 essa aplicabilidade às obrigações comerciais abrangidas por esse diploma. No 
 que concerne à execução fundada em requerimento de injunção, o artigo 21.º, n.º 
 
 1, do Regime aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 269/98 limitou‑se a determinar que a 
 mesma seguiria, com as necessárias adaptações, os termos do processo sumário 
 para pagamento de quantia certa, ou os termos previstos no Decreto‑Lei n.º 
 
 274/97, de 8 de Outubro, se se verificasse o requisito da alínea b) do artigo 
 
 1.º deste diploma; isto é, em termos práticos, o processo sumário de execução – 
 em regra, utilizável apenas quando a execução se fundava em sentença judicial 
 condenatória (artigo 465.º, n.º 2, do CPC) – passou a ser utilizável na execução 
 fundada em requerimento de injunção a que fora aposta a fórmula executória, com 
 a consequente atribuição exclusiva ao exequente do direito de nomear bens à 
 penhora (artigo 924.º do CPC), e se o exequente nomeasse apenas bens móveis ou 
 direitos que não tivessem sido dados de penhor, com excepção do estabelecimento 
 comercial, não haveria lugar a reclamação de créditos na execução em causa 
 
 (artigos 1.º, alínea b), e 2.º, n.º 1, do Decreto‑Lei n.º 274/97). Mas, tirando 
 estas duas especialidades, nenhuma alteração se introduziu nomeadamente quanto à 
 extensão dos fundamentos invocáveis pelo executado na dedução de embargos à 
 execução.
 A generalidade da doutrina tem considerado que a aposição, pelo secretário 
 judicial, da fórmula executória no requerimento de injunção integra um título 
 executivo distinto das sentenças, sendo admissível que, na oposição à execução 
 nele fundada, o executado invoque, para além dos fundamentos invocáveis na 
 oposição à execução fundada em sentença, “quaisquer outros que seria lícito 
 deduzir como defesa no processo de declaração”. José Lebre de Freitas (A Acção 
 Executiva – Depois da Reforma, 4.ª edição, Coimbra, 2004, págs. 64 e 182) refere 
 que os títulos em causa, “formados num processo mas não resultantes de uma 
 decisão judicial, têm sido classificados como judiciais impróprios” e que o 
 referido alargamento dos fundamentos da oposição à execução baseada em títulos 
 diferentes das sentenças e das decisões arbitrais se compreende porque “o 
 executado não teve ocasião de, em acção declarativa prévia, se defender 
 amplamente da pretensão do requerente”. Também Fernando Amâncio Ferreira (Curso 
 de Processo de Execução, 6.ª edição, Coimbra, 2004, págs. 39‑46 e 152‑153) 
 salienta a ausência, no sistema português do processo de injunção, da emanação 
 por parte de um juiz de uma ordem de pagamento de determinada quantia ou de 
 satisfação de outra prestação em curto prazo (como sucede nos direitos italiano, 
 francês e espanhol), sendo a fórmula executória aposta por um oficial de 
 justiça, reconhecendo que “não sendo o título executivo uma sentença, o 
 executado está perante o requerimento executivo do exequente na mesma posição em 
 que estaria perante a petição inicial da correspondente acção declarativa”, 
 pelo que “consequentemente, pode alegar em oposição à execução tudo o que 
 poderia alegar na contestação àquela acção”. J. P. Remédio Marques (Curso de 
 Processo Executivo Comum à Face do Código Revisto, Porto, 1998, págs. 79‑80 e 
 
 153, nota 379) considera que a actividade conducente à aposição da fórmula 
 executória – o “execute‑se” – pelo secretário judicial não se insere na função 
 administrativa do Estado, visto que não visa a prossecução de interesses gerais 
 da colectividade, “mas também não é um acto jurisdicional – equiparável”, 
 parecendo‑lhe tratar‑se “de um acto meramente instrumental, análogo àqueles que 
 se praticam no exercício de uma função, que tanto pode ocorrer em processos 
 jurisdicionais como em procedimentos administrativos”; de qualquer forma, 
 sempre que “não existe um processo declarativo prévio, o executado, nos 
 embargos, pode impugnar ou excepcionar – mas nunca reconvir – a obrigação 
 materializada pelo título extrajudicial”. Miguel Teixeira de Sousa (A Reforma da 
 Acção Executiva, Lisboa, 2004, pág. 69) faz derivar da alteração da redacção do 
 artigo 53.º, n.ºs 2 e 3, do CPC, operada pelo Decreto‑Lei n.º 38/2003, de 8 de 
 Março, o estabelecimento de uma tripartição dos títulos executivos: decisões 
 judiciais (que são as sentenças condenatórias referidas no artigo 46.º, n.º 1, 
 alínea a), do CPC), títulos extrajudiciais (que são os documentos mencionados 
 nas alíneas b) e c) do mesmo preceito) e outros títulos de formação judicial, 
 entendido como os que provêm de um “processo” (e não de uma “acção”, como os 
 títulos judiciais), categoria esta última que seria justamente utilizada para 
 designar os títulos que resultam da aposição da fórmula executória a um 
 requerimento de injunção ao qual o requerido não deduziu oposição. Também 
 Carlos Lopes do Rego (obra citada, vol. I, pág. 90) considera que por “título de 
 formação judicial” deve ser considerado o “título judicial impróprio, formado 
 no âmbito de um procedimento cometido aos tribunais judiciais, mas sem qualquer 
 intervenção jurisdicional, como ocorre, de forma paradigmática, no processo de 
 injunção”. Porém, esta autonomização dos “títulos de formação judicial” 
 relativamente aos títulos extrajudiciais apenas releva para efeitos de 
 determinação do tribunal onde deve correr a acção executiva no caso de cumulação 
 inicial de execuções, quer se trate de títulos homogéneos (n.ºs 2 e 4 do artigo 
 
 53.º do CPC), quer de títulos heterogéneos (n.º 3 do mesmo artigo), não 
 extraindo os autores citados qualquer outra consequência dessa autonomização, 
 designadamente no sentido de sequer questionarem a aplicação plena do regime do 
 actual artigo 816.º (anterior artigo 815.º, n.º 5) às execuções fundadas em 
 títulos que resultam da aposição da fórmula executória a um requerimento de 
 injunção. Pode, pois, concluir‑se que doutrinalmente é pacífico o entendimento 
 assim sintetizado por Salvador da Costa (A Injunção e as Conexas Acção e 
 Execução, 2.ª edição, Coimbra, 2002, p. 172), em passagem já reproduzida no 
 pedido de reforma da sentença apresentada pela ora reclamante:
 
 «A aposição da fórmula executória não se traduz em acto jurisdicional de 
 composição do litígio, consubstanciando‑se a sua especificidade de título 
 executivo extrajudicial no facto de derivar do reconhecimento implícito pelo 
 devedor da existência da sua dívida por via da falta de oposição subsequente à 
 sua notificação pessoal.
 Assim, a fórmula executória é insusceptível de assumir efeito de caso julgado ou 
 preclusivo para o requerido que pode, na acção executiva, controverter a 
 exigibilidade da obrigação exequenda, tal como o pode fazer qualquer executado 
 em relação a qualquer título executivo extrajudicial propriamente dito.
 Em consequência, pode o requerido utilizar, em embargos de executado, a sua 
 defesa com a mesma amplitude com que o podia fazer na acção declarativa, nos 
 termos do artigo 815.° do Código de Processo Civil.»
 
 5.O Tribunal Constitucional teve também já ocasião de dar conta de alguns traços 
 do regime anexo ao Decreto‑Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, no Acórdão n.º 
 
 625/2003 (igualmente disponível no sítio da Internet 
 
 www.tribunalconstitucional.pt), afirmando o seguinte: 
 
 «[…]
 
 3. Por intermédio do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, veio a 
 concretizar-se a possibilidade, consagrada no artº 7.º do Decreto-Lei n.º 
 
 329-A/95, de 12 de Dezembro, de, sem prejuízo da aplicação do regime do processo 
 sumaríssimo, ser criada, por diploma próprio, uma espécie processual, dotada de 
 tramitação própria e referente a autos que corressem termos nos tribunais de 
 pequena instância cível.
 Aquele diploma, todavia, não se circunscreveu àqueles tribunais de competência 
 específica, vindo a concretizar o propósito estatuído no aludido art.º 7.º 
 generalizando-o ao conjunto dos tribunais judiciais e para o domínio do 
 cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos que não excedessem 
 o valor da alçada dos tribunais de 1ª instância ou das obrigações emergentes de 
 transacções comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de 
 Fevereiro.
 Foi assim que veio a ser instituído o Regime dos procedimentos destinados a 
 exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor 
 não superior à alçada do tribunal de 1.ª instância, publicado em anexo ao 
 Decreto-Lei n.º 269/98, revogando‑se a providência de injunção introduzida pelo 
 Decreto-Lei n.º 404/93, de 10 de Dezembro.
 De harmonia com este novo Regime, a injunção é uma providência que tem por fim 
 conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento de 
 obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do 
 tribunal de 1ª instância ou das obrigações emergentes de transacções comerciais 
 abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003 (cfr. art.º 7.º desse Regime, na 
 redacção dada pelo diploma referido em último lugar), requerimento esse 
 apresentado, consoante a vontade do credor, quer na secretaria do tribunal do 
 cumprimento da obrigação, quer na do tribunal do domicílio do devedor, e que, 
 inter alia, deve indicar a taxa de justiça paga por intermédio de estampilha 
 apropriada, de modelo aprovado por portaria do Ministro da Justiça (o que veio a 
 suceder, no que ora interessa, por intermédio da Portaria n.º 233/2003, de 17 de 
 Março), ou nos termos do n.º 4 dessa mesma Portaria, no valor de um quarto de 
 unidade de conta, quando o procedimento tenha valor inferior a metade da alçada 
 do tribunal de 1.ª instância, meia unidade de conta se o valor for igual ou 
 superior a metade daquela alçada, uma unidade de conta, se o valor for igual ou 
 superior à alçada, ou duas unidades de conta, se o valor for igual ou superior à 
 alçada do tribunal de relação [cfr. artigos 10º, n.º 2, alínea f), e 19.º, n.º 
 
 1, do dito Regime, na redacção conferida pelo Decreto-Lei nº 32/2003].»
 Já anteriormente, no Acórdão n.º 399/95 (Diário da República, II série, de 16 de 
 Novembro de 1995), o Tribunal procedera à caracterização da figura da injunção, 
 nos termos em que a instituiu o Decreto-Lei 404/93, de 10 de Dezembro – fazendo 
 então uma referência à questão dos fundamentos invocáveis na oposição à 
 execução fundada em título que resulte da aposição da fórmula executória a um 
 requerimento de injunção –, e averiguara se as faculdades conferidas aos 
 secretários judiciais traduzem a atribuição aos mesmos de poderes 
 jurisdicionais. Fê-lo nos seguintes termos:
 
 «[…]
 
 4.1. Visa a injunção facultar, ao credor de uma obrigação pecuniária decorrente 
 de contrato cujo valor não exceda metade do da alçada do tribunal da 1ª 
 instância, um título executivo (v. preâmbulo e artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 
 
 404/93), ou seja, a condição de acesso ao processo de execução que este 
 representa. Não se trata, portanto, e importa reter este aspecto, da criação de 
 qualquer forma processual diversa das já existentes na nossa lei adjectiva, 
 tanto mais que, se ao requerimento for aposta a “fórmula executória” o que se 
 segue é uma execução sob a forma de processo sumário baseada num título diverso 
 da sentença judicial (cfr. artigo 465.º, n.º 2, do Código de Processo Civil); e, 
 se for deduzida oposição à pretensão ou, como aqui sucede, frustrada a 
 notificação do requerimento (hipóteses previstas no artigo 6.º do Decreto‑Lei 
 n.º 404/93), o que se segue é uma acção declarativa com processo sumaríssimo 
 
 [note-se que a referência do artigo 6.º, n.º 2, à marcação de julgamento – “se 
 o estado do processo o permitir” – aplica‑se apenas às hipóteses em que foi 
 deduzida oposição; nos casos em que a notificação postal não ocorre (se frustrou 
 como diz a lei), tem lugar, como não podia deixar de ser, a citação nos termos 
 do artigo 794.º, do Código de Processo Civil].
 Trata-se, assim, como refere o preâmbulo do diploma, do estabelecimento de uma 
 
 “fase desjurisdicionalizada” visando facultar relativamente a dívidas de 
 montante reduzido a possibilidade – mediante a formação de um título executivo 
 decorrente do reconhecimento implícito do devedor – de acesso à acção executiva 
 sem passagem pelo processo declarativo, garantida que se mostra, conforme o 
 legislador expressamente fez questão de indicar, a defesa do devedor através dos 
 mecanismos normais de oposição à execução, decorrentes do artigo 815.º do Código 
 de Processo Civil.
 Cabe aqui notar constituírem precisamente este tipo de dívidas (inferiores a 250 
 
 000$00) a fatia esmagadora das acções declarativas propostas na justiça cível 
 portuguesa, no que um estudo recente qualifica sugestivamente de “colonização do 
 sistema judiciário pelas pequenas dívidas” (referimo-nos ao trabalho coordenado 
 por Boaventura Sousa Santos, “Os Tribunais na Sociedade Portuguesa”, v. “A 
 Justiça em Tribunal”, Expresso//Revista de 4.3.95, pág. 32/43, cfr. quanto ao 
 peso das acções declarativas de dívida até 250 000$00, os quadros constantes de 
 págs. 40/41).
 Assumindo o processo de formação deste tipo específico de título executivo 
 
 índole essencialmente tabeliónica (trata-se de verificar a regularidade formal 
 de papéis e levá-los, por via postal, ao conhecimento de alguém), é natural que 
 o legislador, em homenagem aos objectivos de simplificação da actividade 
 jurisdicional que motivaram a injunção, não tenha sobrecarregado a actividade do 
 juiz com mais esse encargo. Daí, a sua entrega ao secretário judicial que, 
 exercendo poderes não substancialmente diversos dos já resultantes do artigo 
 
 213.º do Código de Processo Civil, constata a não oposição à pretensão (o 
 elemento que leva à formação do título executivo), certificando em conformidade 
 o requerimento de injunção. De forma mais simples ainda, nas hipóteses, como a 
 dos autos, em que o título se não forma, a intervenção do funcionário reduz-se, 
 na prática, à distribuição de uma acção sumaríssima e à conclusão desta ao 
 juiz.
 
 4.1.1. Convém a este respeito esclarecer, na sequência da observação constante 
 das alegações do Ministério Público (2.5 a fls. 37), que a injunção instituída 
 pelo Decreto-Lei nº 404/93 apresenta diferenças radicais relativamente aos 
 institutos que no direito francês e italiano recebem o mesmo nome (a 
 
 “injonction de payer”, regulada nos artigos 1405.º e 1425.º, do Code de 
 Procédure Civil, e o “Procedimento d'Ingiunzione” referido nos artigos 633.º a 
 
 656.º, do Codice di Procedura Civile). Com efeito, assumem estes, por comparação 
 ao direito adjectivo português, natureza de verdadeiras acções declarativas 
 sumaríssimas, culminando com a prolação de uma decisão judicial (artigos 
 
 1419.º a 1422.º do CPC francês e 640.º e 641.º do CPC italiano) à qual se pode 
 conferir, posteriormente, carácter executivo (artigos 1422.º do CPC francês e 
 
 647.º do CPC italiano).
 A lei portuguesa, para além da coincidência no nome e em alguns aspectos de 
 pormenor da tramitação, afastou-se decididamente destes modelos. Não se tratou 
 entre nós de estabelecer um processo especial contendo uma tramitação mais 
 simplificada e célere para acções declarativas; tratou-se antes de eliminar em 
 determinadas situações a própria acção declarativa, conferindo um acesso directo 
 
 à acção executiva.
 O regime instituído pelo Decreto-Lei n.º 404/93 tem, assim, mais pontos de 
 contacto com figuras, de introdução mais ou menos recente em diversos direitos 
 adjectivos civis, em que os poderes de intervenção dos secretários judiciais em 
 determinados procedimentos relativos a causas mais simples são 
 substancialmente ampliados em aspectos que não traduzam o exercício de 
 competências jurisdicionais. Disto constitui exemplo a chamada “déclaration au 
 greffe”, introduzido em 1989 no processo civil francês (artigos 847-1 e 2, do 
 CPC francês; v. Armindo Ribeiro Mendes, Novo Processo Executivo, Sub Judice, n.º 
 
 5, Jan/Abr de 1993, pág. 29).
 Assim caracterizada em traços gerais a figura da injunção, tal qual o 
 Decreto-Lei n.º 404/93 a desenhou, importa, pressupondo os elementos recolhidos 
 nessa caracterização, encarar as questões de inconstitucionalidade invocadas no 
 despacho recorrido.
 
 4.2. Haveria, na óptica da decisão de recusa, desde logo, a edição pelo Governo 
 de um diploma regulando matéria reservada ao Parlamento, porque relativa à 
 organização e competência dos tribunais (art.º 168º, n.º 1, alínea q), da 
 Constituição), consubstanciando, portanto, uma situação de 
 inconstitucionalidade orgânica.
 A expressão “organização dos tribunais” tem que ver genericamente com aquilo que 
 a Constituição trata sob a designação de “categorias de tribunais” (artigo 
 
 211.º; v. também, Secção I do Capítulo II, artigos 11.º e 12.º da Lei Orgânica 
 dos Tribunais Judiciais – Lei n.º 38/87, de 23 de Dezembro, redacção da Lei n.º 
 
 24/92, de 20 de Agosto), matéria em nada tocada por qualquer das disposições do 
 Decreto-Lei n.º 404/93.
 Por sua vez, ao falar em “competência”, na alínea q) do artigo 168.º, n.º 1, tem 
 o texto constitucional em vista o sentido que a expressão tem na doutrina 
 processualista: a “... medida de jurisdição atribuída a cada tribunal” (Castro 
 Mendes, Direito Processual Civil, I vol, Lisboa 1979, pág. 405), “... as normas 
 definidoras dos critérios que presidem à distribuição do poder de julgar entre 
 os diferentes tribunais” (Antunes Varela/Miguel Bezerra/Sampaio e Nora, Manual 
 de Processo Civil, 2.ª ed., Coimbra 1985, pág. 195), ideia esta que sai 
 confirmada da leitura das referências à 'competência' de tribunais, contidas em 
 diversas disposições constitucionais [v. artigos 213.º (quanto aos tribunais 
 judiciais), 214.º, n.º 3 (quanto aos tribunais administrativos e fiscais), 
 
 215.º (quanto aos tribunais militares), 216.º, n.º 1, (quanto ao Tribunal de 
 Contas) e 225.º (quanto ao Tribunal Constitucional)].
 Ora, o Decreto-Lei n.º 404/93, designadamente nos artigos 4.º e 6.º, n.º 2, não 
 contém disposição alguma que mexa com os critérios de distribuição do poder de 
 julgar entre os diversos tribunais, e que como tal toque aquilo que este 
 Tribunal vem definindo como “nível nuclear da matéria constante da competência 
 dos tribunais referida na alínea q) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição” 
 
 (Acórdão n.º 246/92, - Diário da República, II série, de 22 de Outubro de 1992; 
 v. também Acórdãos n.ºs 241 e 242/92, Diário da República, II série, de 18 de 
 Novembro de 1992).
 A actividade do secretário visa, como já se frisou, a formação de um título 
 executivo e as consequências dela, forme-se ou não esse título, sempre obtêm 
 concretização processual através das espécies processuais normais (execuções 
 sumárias ou acções declarativas sumaríssimas) que, aliás, a não existir o 
 mecanismo da injunção, sempre corresponderiam como acções declarativas ao 
 Tribunal que tramita a injunção.
 A tudo isto sempre haverá que juntar ser entendimento deste Tribunal que, 
 
 “qualquer que seja o nível ou o grau da competência dos tribunais reservada à 
 Assembleia da República, seguramente que nele não entram as modificações da 
 competência judiciária a que deva atribuir-se simples carácter processual”, 
 pois, “a regulamentação do «processo» a observar perante os tribunais – salvo no 
 tocante ao processo criminal e (....) ao processo perante o Tribunal 
 Constitucional – já não é matéria da reserva legislativa parlamentar” (Acórdão 
 n.º 407/87, Diário da República, II série, de 21 de Dezembro de 1987; v. também 
 Acórdão n.º 85/88, Diário da República, II série, de 22 de Agosto de 1988).
 Não se verifica, assim, a apontada inconstitucionalidade orgânica.
 
 4.3. Resta averiguar se as faculdades conferidas pelo Decreto-Lei n.º 404/93 aos 
 secretários judiciais traduzem a atribuição aos mesmos de poderes 
 jurisdicionais, conforme refere o despacho recorrido.
 O exercício da função jurisdicional reserva-o a Constituição, no artigo 205.º, 
 aos tribunais e, dentro destes, como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, 
 aos juízes (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra 1993, 
 pág. 792). Isto, porém, não significa que todo o tipo de actividade desenvolvida 
 por um tribunal, designadamente com incidência processual, assuma carácter 
 jurisdicional e tenha, em última análise, de competir a um juiz. A 
 especificidade do exercício da função jurisdicional encontra-a este Tribunal na 
 presença do elemento “composição de conflitos de interesses (...) de harmonia 
 com a lei ou com critérios por ela definidos, tendo como fim específico a 
 realização do direito e da justiça” (Acórdão n.º 182/90, Diário da República, II 
 série, de 11 de Setembro de 1990).
 Tendo presente a caracterização que atrás se fez da finalidade do processamento 
 da injunção, ressalta que a actividade do secretário judicial, concretamente 
 nos aspectos aqui em causa (os decorrentes dos artigos 4.º e 6.º, nº 2, no 
 trecho aplicável), não implica resolução, com recurso a critérios jurídicos, de 
 quaisquer conflitos de interesses, não divergindo substancialmente daquela que 
 
 às secretarias judiciais é atribuída por diversas disposições do processo.
 Como a este propósito refere Armindo Ribeiro Mendes, existe no processo 
 executivo português um espaço de viabilidade constitucional de uma mais intensa 
 intervenção material dos funcionários do tribunal (O Processo Executivo e a 
 Economia, Sub Judice, n.º 2, Jan/Abril, 1992, pág. 55) e foi isso, feito um 
 balanço global do Decreto-Lei n.º 404/93, o que o legislador pretendeu, embora 
 reportando essa intervenção à criação de um pressuposto da acção executiva.»
 A respeito do princípio da proibição de “indefesa” ínsito no direito de acesso 
 ao direito e aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição, discorreu 
 este Tribunal, no Acórdão n.º 508/2002 (igualmente disponível no sítio da 
 Internet www.tribunalconstitucional.pt), o seguinte:
 
 «[…]
 O direito de defesa do réu ou demandado judicialmente, ou o chamado princípio da 
 proibição da indefesa é indiscutivelmente um direito de natureza processual 
 
 ínsito no direito de acesso aos tribunais, constante do artigo 20.º da 
 Constituição, e cuja violação acarretará para o particular prejuízos efectivos, 
 decorrentes de um impedimento ou um efectivo cerceamento ao exercício do seu 
 direito de defesa. 
 Como se escreveu no Acórdão n.º 271/95 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 31º 
 vol., págs. 359 e segs.):
 
 “E neste domínio é particularmente significativo o direito à protecção jurídica 
 consagrado no artigo 20.º da Constituição, no qual se consagra o acesso ao 
 direito e aos tribunais que, para além de instrumentos da defesa dos direitos e 
 interesses legítimos dos cidadãos, é também elemento integrante do princípio 
 material da igualdade e do próprio princípio democrático, pois que este não pode 
 deixar de exigir a democratização do direito.
 Para além do direito de acção, que se materializa através do processo, 
 compreendem-se no direito de acesso aos tribunais, nomeadamente: (a) o direito a 
 prazos razoáveis de acção ou de recurso; (b) o direito a uma decisão judicial 
 sem dilações indevidas; (c) o direito a um processo justo baseado nos princípios 
 da prioridade e da sumariedade no caso daqueles direitos cujo exercício pode ser 
 aniquilado pela falta de medidas de defesa expeditas; (d) o direito a um 
 processo de execução, ou seja, o direito a que, através do órgão jurisdicional, 
 se desenvolva e efective toda a actividade dirigida à execução da sentença 
 proferida pelo tribunal.
 Há-de ainda assinalar-se como parte daquele conteúdo conceitual “a proibição da 
 
 ‘indefesa’ que consiste na privação ou limitação do direito de defesa do 
 particular perante os órgãos judiciais, junto dos quais se discutem questões que 
 lhes dizem respeito. A violação do direito à tutela judicial efectiva, sob o 
 ponto de vista da limitação do direito de defesa, verificar-se-á sobretudo 
 quando a não observância de normas processuais ou de princípios gerais de 
 processo acarreta a impossibilidade de o particular exercer o seu direito de 
 alegar, daí resultando prejuízos efectivos para os seus interesses” (cfr. Gomes 
 Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª 
 ed., Coimbra, 1993, pp. 163 e 164, e Fundamentos da Constituição, Coimbra, 1991, 
 pp. 82 e 83).
 Entendimento similar tem vindo a ser definido pela jurisprudência do Tribunal 
 Constitucional, que tem caracterizado o direito de acesso aos tribunais como 
 sendo entre o mais um direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se 
 deve chegar em prazo razoável e com observância de garantias de imparcialidade e 
 independência, possibilitando-se, designadamente, um correcto funcionamento das 
 regras do contraditório, em termos de cada uma das partes poder deduzir as suas 
 razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do 
 adversário e discretear sobre o valor e resultado de umas e outras (cfr. os 
 acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 404/87, 86/88 e 222/90, Diário da 
 República, II série, de, respectivamente, 21 de Dezembro de 1987, 22 de Agosto 
 de 1988 e 17 de Setembro de 1990).
 
 […]
 Em todas as tramitações de natureza declarativa que conduzem à emissão de um 
 julgamento (judicium) por parte de um tribunal, tem de existir um debate ou 
 discussão entre as partes contrapostas, demandante e demandado, havendo o 
 processo jurídico adequado (a due process of law clause, da tradição 
 anglo-americana) de garantir que cada uma dessas partes deva ser chamada a dizer 
 de sua justiça (audiatur et altera pars). E esta exigência alarga-se a todas as 
 outras tramitações processuais cíveis, salvo contadas excepções, mesmo nos 
 processos executivos, em especial quando são deduzidas oposições à própria 
 execução ou à penhora. Como escreveu Manuel de Andrade, a estruturação 
 
 “dialéctica ou polémica do processo teria partido do contraste dos interesses 
 dos pleiteantes, ou até só do contraste das suas opiniões […] para o 
 esclarecimento da verdade. É tal a sua vantagem – seu rendimento – que as leis a 
 consagram mesmo onde repelem ou cerceiam o princípio dispositivo […]. Espera-se 
 que, também para os efeitos do processo, da discussão nasça luz; que as partes 
 
 (ou os seus patronos), integrados no caso e acicatados pelo interesse ou pela 
 paixão, tragam ao debate elementos de apreciação (razões e provas) que o juiz, 
 mais sereno mas mais distante dos factos e menos activo, dificilmente seria 
 capaz de descobrir por si […]” (Noções Elementares de Processo Civil, com a 
 colaboração de Antunes Varela, edição revista por Herculano Esteves, Coimbra, 
 
 1979, pág. 379)».
 Pode remeter-se, por último, para o quese escreveu no Acórdão n.º 6/2001 
 
 (igualmente disponível no sítio da Internet www.tribunalconstitucional.pt), para 
 concluir pela conformidade constitucional da cominação contida no n.º 3 do 
 artigo 856.º do Código de Processo Civil, segundo a qual, em penhora de 
 créditos, notificado o devedor de que o crédito fica à ordem do tribunal da 
 execução e o devedor nada declarar, se entende que reconhece a existência da 
 obrigação nos termos estabelecidos na nomeação do crédito à penhora:
 
 “[…]
 A cominação prevista na norma em apreciação para a falta de declaração do 
 devedor sobre o crédito penhorado está estabelecida para as situações em que 
 quer no momento da notificação de que o crédito fica à ordem do tribunal, quer 
 posteriormente – no prazo legal previsto para a prática de actos processuais – o 
 devedor nada diz sobre a existência, garantias, data de vencimento e outras 
 circunstâncias que possam interessar à execução, isto é, a cominação só se 
 efectiva depois de o devedor ter oportunidade processual de se defender, 
 contraditando ou dizendo o que lhe aprouver em sua defesa. 
 In casu, a recorrente terá sido notificada por mais de uma vez, nada tendo dito 
 em sua defesa sobre o teor das respectivas notificações. Pretende agora 
 eximir-se à cominação, invocando a sua alegada inconstitucionalidade por 
 violação dos artigos 2.º e 20.º da CRP.
 O artigo 2º da Constituição tem a epígrafe Estado de direito democrático, nele 
 se estatuindo que a República Portuguesa é um Estado de direito democrático, 
 baseado na vontade popular, na dignidade da pessoa humana, para alcançar uma 
 sociedade justa e solidária. 
 Ora, não se vê em que medida a cominação estabelecida na norma em apreço viole o 
 Estado de direito democrático que a recorrente invoca. Num Estado de direito 
 democrático os cidadãos devem obediência à lei, ainda que esta lhes imponha o 
 cumprimento de obrigações e não já e apenas lhes atribua direitos. Não resulta 
 violado o Estado de direito democrático quando, atribuindo a lei 
 obrigações/deveres aos cidadãos, em caso de incumprimento dos mesmos, se 
 estabeleçam consequências prejudiciais para os seus destinatários, por força do 
 referido incumprimento. 
 A cominação prevista na norma em apreço para o incumprimento do devedor só é 
 accionada depois de se lhe dar oportunidade de defesa, sem que ele a tenha 
 querido apresentar. O reconhecimento da obrigação nos termos indicados na 
 nomeação do crédito à penhora só sucede porque o devedor, notificado de que o 
 crédito fica à ordem do tribunal, não prestou sobre ele quaisquer declarações no 
 acto da notificação nem posteriormente no prazo geral para a prática de actos 
 processuais.
 
  A existência de cominações no processo civil não faz com que a decisão 
 proferida seja desconforme com o Estado de direito democrático, em que se 
 pressupõe que os cidadãos cumpram a lei, recebendo e respondendo às 
 notificações, cumprindo os deveres que lhes são impostos, responsabilizando-se 
 pelo respectivo incumprimento.
 Refira-se ainda que, no processo civil, situações mais gravosas do que a da 
 recorrente se verificam, por exemplo, nas acções julgadas com base em provas com 
 força probatória legal (presunções legais, documentos, confissão, designadamente 
 por falta de impugnação especificada pelo réu dos factos articulados pelo autor 
 na petição), sendo entendimento pacífico na jurisprudência deste Tribunal o de 
 que não são inconstitucionais as normas então em causa (cfr., entre outros, 
 Acórdãos n.º 223/95, in DR, II Série, de 27.06.1995 e nº. 499/98 – inédito). 
 O princípio da proporcionalidade (cfr. artigo 18.º, n.º 2, da CRP) exige que as 
 medidas restritivas legalmente previstas sejam o meio adequado para prossecução 
 dos fins visados pela lei, o mesmo é dizer para a salvaguarda de outros direitos 
 ou bens constitucionalmente protegidos, sendo necessárias para alcançar os fins 
 
 (que não podiam ser alcançados com meio menos gravoso) e que os meios 
 restritivos e os fins obtidos se situem numa “justa medida”. 
 
  A cominação estabelecida para o devedor que, notificado para tal - podendo 
 fazê-lo no acto ou posteriormente, no prazo legal assinalado -, nada declarou 
 sobre o crédito penhorado pelo tribunal, não se configura como um meio legal 
 restritivo desproporcionado, desrazoável ou excessivo em relação aos fins 
 obtidos, maxime a satisfação do interesse legítimo do credor em obter o 
 pagamento da sua dívida pela nomeação à penhora dos créditos do executado. 
 Além disso, a referida cominação não é produto de uma decisão legislativa 
 arbitrária ou caprichosa.
 
  Não resultam assim, violados os princípios constitucionais da proporcionalidade 
 e da razoabilidade. 
 De igual modo se não mostra violado o artigo 20.º da CRP enquanto este garante 
 aos cidadãos o acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses 
 legalmente protegidos. 
 
 […]
 
  Nada disto acontece, por força da aplicação da norma em apreço, já que ela 
 pressupõe que previamente foi dada oportunidade processual ao devedor de 
 defender o seu direito e exactamente por ele nada ter dito, se considera 
 reconhecida a obrigação – a referida norma não coloca, pois, o notificado numa 
 situação de “indefesa” e, no caso, só a conduta da recorrente fez precludir o 
 direito de alegar e provar a invocada inexistência do crédito. 
 Aliás, a recorrente nem sequer nega que aquela oportunidade processual lhe foi 
 dada, já que admite o recebimento das notificações relativas à penhora dos 
 créditos, não cuidando de se pronunciar no prazo legal.”
 
 6.No presente caso, porém, a distribuição do ónus da prova que resulta do efeito 
 cominatório previsto na norma impugnada dá-se fora do âmbito do exercício da 
 função jurisdicional, não tendo havido, antes da emissão do título executivo, 
 apreciação da pretensão do autor por parte de um juiz. Não existindo decisão 
 condenatória, o executado não teve ocasião de, em acção declarativa prévia, se 
 defender amplamente da pretensão do exequente. 
 Conferida força executiva ao requerimento de injunção em resultado de um 
 procedimento que representa a atribuição de uma especial fé a uma pretensão de 
 pagamento de uma quantia em dinheiro, sem pôr em causa a possibilidade de 
 questionar quer a obrigação exequenda, quer o responsável pelo seu cumprimento, 
 o executado não se pode defender amplamente da pretensão do exequente em fase 
 anterior ao requerimento de execução. Na oposição de mérito à execução, a qual 
 visa um acertamento negativo da obrigação exequenda, incumbe ao exequente o ónus 
 de alegação e prova dos factos constitutivos do seu direito substancial, sendo à 
 acção executiva que se devem reportar as normas dos artigos 342.º a 345.º da 
 Código Civil, relativas ao problema do ónus da prova. Assim, quando, como no 
 caso dos autos, o executado ponha em causa ser ele a pessoa responsável pelo 
 cumprimento da obrigação exequenda, é o exequente que, em sede de oposição à 
 execução, terá o encargo de o provar, de acordo com o artigo 342.º, n.º 1, do 
 Código Civil. Trata-se de “matéria de defesa do devedor; e só por existir um 
 título executivo é que ao devedor cabe a iniciativa de instaurar a acção” 
 
 (Bruns-Peters, Zwangsvollstreckungsrecht, München, 1987, p. 90, citado por José 
 Lebre de Freitas, A Acção Executiva – Depois da Reforma, 4.ª edição, Coimbra, 
 
 2004, p. 184, nota 33).
 Houve, é certo, por parte do devedor, uma opção no sentido de não deduzir a 
 pertinente oposição no procedimento de injunção, reservando para a acção 
 executiva subsequente à constituição do título executivo a formulação da defesa 
 que anteriormente podia ter formulado, sendo tal falta de oposição subsequente à 
 sua notificação o próprio fundamento da aposição da fórmula executória no 
 requerimento de injunção.
 Como afirma o tribunal a quo, “a característica deste título judicial impróprio, 
 que o afasta dos restantes títulos criados por força de disposição legal, 
 resulta, aliás, do facto de a força executiva ser conferida apenas depois de se 
 conceder ao devedor a possibilidade de, judicialmente, discutir a causa debendi, 
 alegada. Ou seja, no processo de injunção, o requerido tem a possibilidade de, 
 deduzindo oposição, impedir que seja aposta força executiva à acção”.
 Pode talvez dizer-se que o título executivo não é uma sentença porque o devedor 
 optou por, no procedimento de injunção, não se opor à pretensão do requerente. 
 Mas, seja como for, a falta de oposição e a consequente aposição de fórmula 
 executória ao requerimento de injunção não têm o condão de transformar a 
 natureza (não sentencial) do título, tornando desnecessária, em sede de oposição 
 
 à execução, a prova do direito invocado, deixando ao executado apenas a alegação 
 e prova de factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do 
 exequente. 
 Tendo presente, por um lado, que a demonstração do direito do exequente não tem 
 o mesmo grau de certeza relativamente a todos os títulos executivos, 
 reconhecendo-se que o título executivo que resulte da aposição da fórmula 
 executória a um requerimento de injunção demonstra a aparência do direito 
 substancial do exequente, mas não uma sua existência considerada certa, e, por 
 outro lado, que a actividade do secretário judicial não representa qualquer 
 forma de composição de litígio ou de definição dos direitos de determinado 
 credor de obrigação pecuniária, há que evitar a “indefesa” do executado, 
 entendendo-se por “indefesa” a privação ou limitação do direito de defesa do 
 executado que se opõe à execução perante os órgãos judiciais, junto dos quais se 
 discutem questões que lhe dizem respeito.
 Nos termos do artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, se uma limitação interfere 
 com um direito, restringindo-o, necessário se torna encontrar na própria 
 Constituição fundamentação para a limitação do direito em causa como que esta se 
 limite “ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses 
 constitucionalmente protegidos” – não podendo, por outro lado, nos termos do n.º 
 
 3 do mesmo artigo, “diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos 
 preceitos constitucionais”. 
 No caso, a possibilidade de se introduzir limites ao princípio da proibição de 
 
 “indefesa”, ínsito na garantia de acesso ao direito e aos tribunais, consagrada 
 no artigo 20.º da Constituição, existe apenas na medida necessária à salvaguarda 
 do interesse geral de permitir ao credor de obrigação pecuniária a obtenção, «de 
 forma célere e simplificada», de um título executivo” (9.º § do preâmbulo do 
 Decreto‑Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro), assim se alcançando o justo 
 equilíbrio entre esse interesse e o interesse do executado de, em sede de 
 oposição à execução, se defender através dos mecanismos previstos na parte final 
 do n.º 1 do artigo 815.º do Código de Processo Civil (correspondente hoje ao 
 artigo 816.º, na redacção introduzida pelo Decreto‑Lei n.º 38/2003, de 8 de 
 Março).
 Ora a norma em causa, na interpretação perfilhada dos autos, segundo a qual a 
 não oposição e a consequente aposição de fórmula executória ao requerimento de 
 injunção determinam a não aplicação do regime da oposição à execução previsto 
 nos artigos 813.º e segs. do Código de Processo Civil, designadamente o 
 afastamento da oportunidade de, nos termos do actual artigo 816.º do mesmo 
 Código, e (pela primeira vez) perante um juiz, o executado alegar “todos os 
 fundamentos de oposição que seria lícito deduzir como defesa no processo de 
 declaração”, afecta desproporcionadamente a garantia de acesso ao direito e aos 
 tribunais, consagrada no artigo 20.º da Constituição, na sua acepção de 
 proibição de “indefesa”.
 Ponderadas as considerações referidas, apenas se justificando normas restritivas 
 quando se revelem proporcionais, evidenciam uma justificação racional ou 
 procurem garantir o adequado equilíbrio face a outros direitos e interesses 
 constitucionalmente protegidos, entende-se que a norma impugnada se encontra 
 ferida de inconstitucionalidade.
 III. Decisão
 Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
 a)    Julgar inconstitucional, por violação do princípio da proibição da 
 indefesa ínsito no direito de acesso ao direito e aos tribunais, consagrado no 
 artigo 20.º da Constituição, a norma do artigo 14.º do Regime anexo ao 
 Decreto‑Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, na interpretação segundo a qual, na 
 execução baseada em título que resulta da aposição da fórmula executória a um 
 requerimento de injunção, o executado apenas pode fundar a sua oposição na 
 alegação e prova, que lhe incumbe, de factos impeditivos, modificativos ou 
 extintivos do direito invocado pelo exequente, o qual se tem por demonstrado;
 b)    Em consequência, revogar a decisão recorrida e determinar a sua reforma de 
 acordo com o presente juízo de inconstitucionalidade.
 
  
 Lisboa, 28 de Novembro de 2006
 Paulo Mota Pinto
 Benjamim Rodrigues
 Mário José de Araújo Torres
 Maria Fernanda Palma
 Rui Manuel Moura Ramos