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Processo nº 509/2006
 
 2ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma
 
  
 
   
 Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 I
 Relatório
 
  
 
 1.  Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, em que 
 figura como recorrente o Ministério Público e como recorrido A., o Tribunal da 
 Relação de Coimbra proferiu o seguinte acórdão, com data de 21 de Março de 2006:
 
  
 I)- A COMPANHIA DE SEGUROS B., S.A. instaurou, no Tribunal Judicial de Pombal, 
 no dia 09.09.2003, acção declarativa, sob a forma de processo sumário, contra 
 A., com vista a exercer o direito de regresso contra o Réu, pedindo a condenação 
 deste ao pagamento da quantia de € 12.557,62, acrescida de juros de mora, à taxa 
 legal, a contar da citação.
 Alegou, em resumo, ser o Réu o único culpado num acidente de viação, quando 
 conduzia um veículo automóvel sob a influência do álcool, estado este causador 
 do acidente. Por virtude do contrato de seguro, a Autora estava vinculada a 
 indemnizar terceiros em que interviesse o veículo conduzido pelo Réu, tendo já 
 satisfeito as indemnizações devidas. 
 Foi expedida carta registada com A/R para citação do Réu, tendo em conta a 
 morada indicada na petição inicial, carta essa devolvida com as indicações de 
 
 “não atendeu” e “não reclamada”. 
 Frustrada a citação por via postal, a secretaria solicitou informação sobre a 
 residência do Réu, junto das bases de dados dos serviços de identificação civil, 
 da segurança social, da Direcção Geral de Viação e da Direcção Geral dos 
 Impostos.
 Obtida tal informação, e não coincidindo a residência indicada na petição com as 
 várias residências constantes da base de dados daqueles serviços, foi expedida 
 carta simples para cada um desses locais, tendo os distribuidores depositado, no 
 dia 01.06.2004, as cartas nas caixas postais indicadas nas bases de dados 
 daqueles serviços e indicado, nas declarações remetidas ao Tribunal, o depósito 
 naquele dia. 
 No dia 13.10.2004, o Réu contestou e arguiu a falta de citação, dizendo que não 
 reside na morada indicada na petição, e desde Dezembro de 2001 que reside no 
 Bairro …, em Várzea, Marinha Grande, e só no dia 29 de Setembro de 2004 tomou 
 conhecimento da carta para citação. 
 Foi proferido despacho a julgar válida a citação por depósito da carta na caixa 
 do correio do Réu, por via postal simples, remetida que foi a carta para uma das 
 caixas postais que correspondia à residência indicada pelo Réu, ou seja, o 
 Bairro Gustavo de Carvalho, n.º8, Várzea, Marinha Grande. Foi, ainda, julgada 
 extemporânea a contestação, ordenando-se o seu desentranhamento e dos demais 
 articulados posteriores apresentados pela Autora e Réu. De seguida, e como 
 efeito da revelia do Réu, foi proferida sentença condenatória.
 Irresignado com a sentença, apelou o Réu, pugnando pela sua revogação, e 
 rematando a sua alegação com as seguintes conclusões:
 
 1ª-O art. 238º do CPC, na redacção dada pelo DL n.º 183/2000, de 10/08, é 
 materialmente inconstitucional e ilegal, por violação dos arts. 13º, 20º e 2º da 
 Constituição da República Portuguesa e viola o art. 10º da Declaração Universal 
 dos Direitos do Homem - que garantem o direito de acesso ao direito e à tutela 
 jurisdicional efectiva, na vertente do direito de defesa em processo e direito 
 ao contraditório, e um desrespeito do princípio da igualdades (processual), 
 plasmado de forma genérica no art. 13º, ambos com expressão mais ampla no art. 
 
 2º da Lei Fundamental e o direito em plena igualdade, a que a sua causa seja 
 equitativa e publicamente julgada,  nos termos do art. 10º da DUDH;
 
 2ª-O art. 238º do CPC, na redacção dada pelo DL n.º 183/2000, de 10/08, é também 
 organicamente inconstitucional, por violação dos arts. 168º, n.º1, alínea b) da 
 CRP, que estabelece que é da competência exclusiva da Assembleia da República 
 legislar sobre direitos, liberdades e garantias (logo, também sobre direitos a 
 estes análogos), só podendo o Governo legislar sobre tal matéria com precedência 
 de autorização legislativa conferida pela AR- arts. 168º, n.º1, alínea b) e 
 
 201º, n.º1, alínea b) da CRP- mediante invocação expressa da respectiva lei de 
 autorização legislativa art. 201º, n.º3 da CRP;
 
 3ª- Face à inconstitucionalidade do referido art. 238º do CPC, na redacção dada 
 pelo DL n.º 183/2000, de 10/08, a pretensa citação postal simples do ora 
 Apelante, ao abrigo desse regime, deve considerar-se nula, ilegal, ineficaz e 
 inexistente, não podendo ser-lhe oposta (nem podendo, naturalmente, funcionar a 
 presunção da sua citação na data em que foi depositada em caixa de correio a 
 respectiva nota de citação);
 
 4ª- A citação só deve considerar-se validamente efectuada com a intervenção 
 processual do Apelante e sanação, por esta forma, da falta da sua válida citação 
 anterior, devendo, por isso, considerar-se válida e tempestiva a contestação e 
 tréplica dirigidas ao Tribunal a quo e ser repetido todo o processado 
 subsequente.  
 A Autora contra-alegou em defesa do julgado.
 Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 II- Sendo o objecto do recurso delimitado, em princípio, pelas conclusões da 
 alegação (arts. 690º, n.º e 684º, n.º3 e 660º, n.º2, todos do CPC), a única 
 questão decidenda consiste em saber se o art. 238º do CPC, na redacção 
 introduzida pelo DL n.º 183/2000, de 10/08, está ferido de inconstitucionalidade 
 material e orgânica. 
 Vejamos.
 O art. 1º do DL n.º 183/2000, de 10 de Agosto, deu a seguinte redacção ao art. 
 
 238º do CPC:
 
 “1- No caso de se frustrar a citação por via postal, a secretaria obterá 
 informação sobre a residência, local de trabalho ou, tratando-se de pessoa 
 colectiva ou sociedade, sobre a sede ou local onde funciona normalmente a 
 administração do citando, nas bases de dados dos serviços de identificação 
 civil, da segurança social, da Direcção-Geral dos Impostos e da Direcção-Geral 
 de Viação.
 
 2- Se a residência, local de trabalho, sede ou local onde funciona normalmente a 
 administração do citando, para o qual se endereçou a carta registada com aviso 
 de recepção, coincidir com o local obtido junto de todos os serviços enumerados 
 no número anterior, procede-se a citação por via postal por meio de carta 
 simples, dirigida ao citando e endereçada para esse local, aplicando-se o 
 disposto nos n.ºs 5 a 7 do art. 236º-A.
 
 3-Se a residência, local de trabalho, sede ou local onde funciona normalmente a 
 administrarão do citando, para o qual se endereçou a carta registada com aviso 
 de recepção ou a carta simples, não coincidir, não coincidir com o local obtido 
 nas bases de dados de todos os serviços enumerados no n.º1, ou se nestas 
 constarem várias residências, locais de trabalho ou sedes, será expedida uma 
 carta simples para cada um desses locais.”
 Nos n.ºs 5 a 6 do art. 236º-A, aditado ao CPC pelo citado DL 183/2000, 
 prescreve-se o seguinte:
 
 “5- O funcionário judicial deve lavrar uma cota no processo com indicação 
 expressa da data da expedição da carta simples ao citando e do domicílio ou sede 
 para a qual foi enviada.
 
 6- O distribuidor do serviço postal procede ao depósito da referida carta na 
 caixa do correio do citando e lavra uma declaração indicando a data e 
 confirmando o local exacto desse depósito, remetendo-a de imediato ao tribunal.
 
 7-Se não for possível proceder ao depósito da carta na caixa do correio do 
 citando, o distribuidor do serviço postal lavrará nota do incidente, datando-a e 
 remetendo-a de imediato ao tribunal, excepto no caso do depósito ser inviável em 
 virtude das dimensões da carta, caso em que deixará um aviso nos termos do n.º5 
 do artigo anterior.”
 O art. 233º, na redacção introduzida pelo DL 183/2000, na alínea b) do n.º2, 
 passou a contemplar uma nova modalidade da citação mediante depósito da carta na 
 caixa do correio do citando, nos casos de citação por via postal simples. O n.º2 
 do também aditado art. 238º-A, determinava o momento em que se considerava 
 efectuada a citação por via postal simples, realizada ao abrigo do disposto no 
 n.º 2 do art. 238º. O art. 252º-A, também alterado, fixou a dilação em 30 dias 
 quando o réu haja sido citado por via postal simples ao abrigo do disposto no 
 art. 236º-A.
 Na decisão impugnada julgou-se, e bem, ser aplicável aos autos o regime 
 adjectivo introduzido no CPC pelo DL n.º 183/2000, de 10 de Agosto, que entrou 
 em vigor no dia 1 de Janeiro de 2001, contemplando uma nova modalidade de 
 citação pessoal mediante depósito da carta na caixa do correio do citando, nos 
 casos de citação por via postal simples. Modalidade essa que o DL n.º 38/2003, 
 de 8 de Março, ao modificar o regime do CPC, fez cessar. Mas inaplicável tal 
 disciplina ao presente processo instaurado no dia 09.09.2003, em virtude de tal 
 diploma ter entrado em vigor no dia 15 de Setembro de 2003 e, no âmbito da 
 citação, apenas ser aplicável aos processos instaurados a partir daquele dia 
 
 (art. 21º do citado diploma). E aplicado à citação o regime do DL n.º 183/2000, 
 foi a citação por via postal simples julgada validamente efectuada, uma vez 
 frustrada a citação por via postal registada. Tão pouco o Apelante diverge da 
 correcção do julgamento, por aplicação do regime introduzido no CPC pelo DL n.º 
 
 183/2000.
 Como vem salientado no preâmbulo do DL. n.º 183/2000, foi propósito do 
 legislador combater a morosidade processual, reconhecendo-se que uma das fases 
 mais demoradas do processo civil é a da citação, não sendo raro esperar-se meses 
 ou mais de um ano até à sua realização, e urgindo enquadrar o regime da citação 
 na sociedade actual, adequando-o aos problemas de morosidade processual que o 
 sistema enfrenta, abriu-se a possibilidade da citação por via postal simples em 
 duas situações, sendo uma delas, nos casos de frustração da citação por via 
 postal, se a residência, local de trabalho ou, tratando-se de pessoa colectiva, 
 sede ou local onde funciona normalmente a administração do citando constar das 
 bases de dados dos serviços de identificação civil, segurança social, 
 Direcção-Geral dos Impostos e Direcção-Geral de Viação. Mais se salienta que a 
 introdução da citação por via postal simples, para os casos de frustração por 
 via postal, torna residual o recurso à citação por funcionário judicial, 
 passando esta a ser efectuada se consubstanciar o meio mais célere de a 
 realizar. 
 Mas o art. 238º do CPC, na redacção dada pelo DL n.º 183/2000, aplicado à 
 citação a que se procedeu nos  presentes autos, está, afinal, ferido de 
 inconstitucionalidade material?
 Alega o Apelante, tal como se infere da conclusão 1ª, que tal norma, ao prever a 
 citação por via postal simples, viola os arts. 13º, 20º e 2º da Constituição da 
 República Portuguesa e até o art.10º da Declaração Universal dos Direitos do 
 Homem. 
 
  Será assim?
 Na definição do art. 228º, n.º1 do CPC, “a citação é o acto pelo qual se dá 
 conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama 
 ao processo para se defender. Emprega-se ainda para chamar, pela primeira vez, 
 ao processo alguma pessoa interessada na causa.”  E como flui do n.º1 do art. 3º 
 do mesmo diploma, o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a 
 acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra 
 seja devidamente chamada para deduzir oposição. E o n.º2 prescreve que só em 
 casos excepcionais previstos na lei se podem tomar providências contra 
 determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida.  É a afirmação do 
 princípio do contraditório, que, nos termos do n.º3, o juiz deve observar e 
 fazer cumprir, ao longo de todo o processo.
 Tal princípio também expressamente consagrado no art. 32º, n.º5, in fine, da Lei 
 Fundamental, tal como o princípio da igualdade das partes, imposto pelo art. 
 
 3º-A, consagra o acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva previsto no 
 art. 20º daquele diploma, na vertente em que todos têm direito a que uma causa 
 em que intervenham decorra mediante um processo equitativo (parte final do 
 n.º4). É o direito fundamental de qualquer pessoa a um processo justo, a um 
 processo que apresente garantias de justiça, no que concerne à sua estrutura, e 
 que o art. 10º da Declaração Universal dos Direitos do Homem também consagra, ao 
 consignar que “toda a pessoa tem direito, em plena igualdade, a que a sua causa 
 seja equitativa e publicamente julgada por um tribunal independente e imparcial 
 que decida dos seus direitos e obrigações ou das razões de qualquer acusação em 
 matéria penal que contra ela seja deduzida”. Direito a um processo equitativo - 
 ou nas expressões inglesas due process of law ou fair trial -fair hearing -  
 também consagrado no art. 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e no 
 art. 14º do Pacto Internacional Relativo aos Direitos Civis e Políticos. Na 
 lição do Prof. Gomes Canotilho, in “Direito Constitucional e Teoria da 
 Constituição”, 7ª edição, p. 274, do princípio do Estado de Direito, previsto no 
 art. 2º da Lei Fundamental, “deduz-se sem dúvida, a exigência de um procedimento 
 justo e adequado de acesso ao direito e de realização do direito. Como a 
 realização do direito é determinada pela conformação jurídica do procedimento e 
 do processo, a Constituição contém alguns princípios e normas designados por 
 garantias gerais de procedimento e de processo”.  
 O acto da citação, sempre que ela seja possível, deve, pois, garantir um 
 efectivo ou eficaz chamamento à acção ou um efectivo conhecimento por parte do 
 réu de que foi proposta contra ele determinada acção, sem o qual acaba 
 postergado o direito fundamental de qualquer cidadão a um processo equitativo. 
 Deve tal acto processual fornecer garantias de efectivo conhecimento por parte 
 do Réu da acção contra ele instaurada. Tais garantias não podem ser 
 subalternizadas face a plausíveis razões de celeridade processual, sabido que 
 frequentemente o demandado tudo faz para dificultar a citação, e sendo certo que 
 o n.º4, 1ª parte, do art. 20º da Lei Fundamental também consagra o direito a uma 
 decisão jurisdicional em prazo razoável. Como vem sublinhado no acórdão do 
 Tribunal Constitucional - Acórdão n.º 678/98, publicado no DR, II Série, de 
 
 04.03.1999, “a celeridade processual, conquanto sendo um valor que deve presidir 
 
 à administração da justiça, não poderá, claramente, ser erigida a um tal ponto 
 que, em seu nome, vá sacrificar aqueles outros valores que, afinal, são 
 componentes de direitos fundamentais, tais como os do acesso aos tribunais em 
 condições de igualdade e de uma efectividade de defesa”. 
 Ora, o recurso à citação por via postal simples, ao abrigo do art. 238º do CPC, 
 na redacção conferida pelo DL n.º 180/2000, aplicável no caso de frustração da 
 citação por via postal registada, não garante, a nosso ver, um eficaz chamamento 
 do réu à demanda ou uma rigorosa observância do princípio do contraditório e da 
 igualdade armas ou igualdade processual. São exigíveis rigorosas garantias da 
 eficácia do acto da citação, tendo designadamente em conta as gravosas 
 consequências ligadas à falta de contestação. Na esteira da fundamentação 
 expendida no acórdão do STJ, publicado no BMJ n.º 457, p. 292, a citação “é o 
 acto mais relevante para efeitos da realização do princípio do contraditório, 
 sem o qual não há transparência nem garantias de defesa”. Assim se compreende 
 que o legislador, através do DL n.º 38/2003, de 8 de Março, face aos riscos que 
 representava para a defesa do réu a citação por via postal simples, se 
 apressasse a fazer cessar tal citação. 
 Como acertadamente afirma o Apelante, “o mecanismo da citação por via postal 
 simples, tal como o estabeleceu o art. 238º, na redacção dada pelo Dec.Lei n.º 
 
 183/2000, de 01/08, é assim materialmente inconstitucional na medida em que pode 
 inviabilizar o conhecimento por parte do cidadão, pelo mesmo em tempo útil para 
 a efectivação de uma defesa cabal, de que foi contra si proposta uma acção e 
 
 “aquele regime da citação por via postal simples consubstancia um desequilíbrio 
 inadmissível no campo dos princípios do contraditório e da igualdade, 
 constituindo uma violação do direito de acesso à justiça, consagrado no art. 20º 
 da Constituição, na vertente do direito de defesa e de garantia do princípio do 
 contraditório, e um desrespeito do princípio da igualdade, plasmado de forma 
 genérica no art. 13º, ambos com expressão ampla no art. 2º da Lei Fundamental”, 
 acrescentando nós, também, que viola o princípio do contraditório expressamente 
 previsto no art. 32º, n.º5, in fine, da CRP, formulado a propósito do processo 
 penal, mas extensivo, por paridade de razão, a todas as formas de processo. 
 Procede, pois, a argumentação vertida pelo Apelante na conclusão 1ª, atinente à 
 defesa da inconstitucionalidade material do art. 238º do CPC, na redacção dada 
 pelo DL n.º 183/2000, de 10/08, sendo inaplicável à citação, ficando, em 
 consequência, prejudicada a questão da invocada inconstitucionalidade orgânica 
 de tal norma a que alude a 2ª conclusão. 
 Nas conclusões 3ª e 4ª, o Apelante é de opinião que a citação a que se procedeu 
 por via postal simples é nula, ilegal, ineficaz e inexistente, mas face à 
 contestação espontaneamente apresentada, no dia 13.10.2004, deve manter-se tal 
 contestação como acto válido, assim como os articulados subsequentes cujo 
 desentranhamento foi ordenado. Justifica-se por razões de economia processual, 
 apesar da falta de citação e porque é essa a pretensão do Réu, que tais peças 
 processuais se mantenham validamente nos autos, ficando sanada tal nulidade. 
 Obviamente, apenas não pode ser mantida a sentença impugnada que julgou 
 extemporânea a contestação e, na sequência, condenou o Réu, ora Apelante, a 
 pagar à Autora a quantia peticionada, devendo, assim, os autos seguir os seus 
 trâmites normais. 
 
  
 III)- Nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em:
 
 1-Conceder provimento ao recurso.
 
 2-Revogar a sentença impugnada, julgando válida a contestação apresentada e 
 articulados subsequentes, devendo os autos prosseguir os seus trâmites normais. 
 
 2-As custas do recurso serão pagas pela parte vencida a final.
 
  
 O Ministério Público interpôs recurso de constitucionalidade, ao abrigo do 
 artigo 70º, nº 1, alínea a), da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação 
 da norma do artigo 238º do Código de Processo Civil.
 Junto do Tribunal Constitucional, o recorrente apresentou alegações que concluiu 
 do seguinte modo:
 
  
 
 1 – A norma constante do artigo 238° do Código de Processo Civil, na redacção 
 emergente do Decreto-Lei n° 183/00, ao estabelecer que se presume, em termos 
 absolutos e irremediáveis, que o citando reside ou trabalha em algum dos locais 
 referenciados nas bases de dados dos serviços de identificação civil, da 
 segurança social, da Direcção-Geral dos Impostos e da Direcção-Geral de Viação, 
 ficcionando-se que o demandado teve oportuna cognoscibilidade da pretensão 
 contra ele formulada através do simples depósito de carta nos respectivos 
 receptáculos postais, ficando sujeito ao consequente efeito cominatório da 
 revelia e ao caso julgado, formado no caso de procedência da pretensão, qualquer 
 que seja o montante desta, viola desproporcionadamente os princípios da 
 proibição da defesa e do processo equitativo. 
 
 2 – Termos em que deverá confirmar-se o juízo de  inconstitucionalidade 
 formulado pela decisão recorrida.
 
  
 O recorrido não contra‑alegou.
 
  
 
  
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
  
 II
 Fundamentação
 
  
 
 2.  O presente recurso de constitucionalidade tem por objecto a norma do artigo 
 
 238º do Código de Processo Civil, na redacção do Decreto-Lei nº 183/2000, de 1 
 de Agosto, interpretada no sentido de presumir, nos casos em que se frustra a 
 citação por via postal registada, que o citando reside em algum dos locais 
 referenciados nas bases de dados dos serviços públicos indicados no preceito, 
 consumando‑se a citação (independentemente do valor da acção) com o mero 
 depósito de carta simples no receptáculo postal das residências presumidas, 
 independentemente de o citando ter ou não efectivo e oportuno conhecimento da 
 existência do acto e do respectivo conteúdo.
 O regime de citação por via postal simples consagrado pelo Decreto-Lei nº 
 
 183/2000, de 10 de Agosto, entretanto revogado pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 
 de Março, procedeu à desformalização do acto de citação, através  da ampla 
 admissibilidade da citação por via postal simples, presumindo‑se a citação 
 pessoal quando se deposita a carta no receptáculo postal de um dos domicílios 
 constantes das bases de dados de certas entidades legalmente referidas. Subjaz, 
 naturalmente, a tal solução o valor da celeridade processual.
 Contudo, a celeridade processual tem de ser conjugada com outros valores, 
 nomeadamente com o direito de acesso à justiça e aos tribunais e com a 
 possibilidade de contraditório, numa lógica de proporcionalidade que impede uma 
 absolutização das opções legislativas.
 Nos presentes autos, a dimensão normativa em causa é aplicada estando em causa a 
 efectivação de responsabilidade civil extra‑contratual, o que exclui a 
 existência de um domicílio convencional ou electivo. Por outro lado, o valor da 
 pretensão é de €  12.557,62. Se o demandado não contestar fica sujeito ao efeito 
 cominatório semi‑pleno (confissão dos factos alegados pelo autor) e caso os 
 autos prossigam, ao efeito do caso julgado. Por último, e as várias bases de 
 dados consultadas revelaram residências não coincidentes.
 Não está, pois, em causa uma situação equiparável àquelas para as quais o 
 Decreto-Lei nº 383/99, de 23 de Setembro, admitiu, como “última ratio”, a 
 citação por via postal simples, situações que se traduziam em “acções de massa” 
 e de reduzido valor, com consequências na esfera do demandado de diminuta 
 importância.
 O Tribunal Constitucional já apreciou dimensões normativas do regime de citação 
 em questão, formulando juízos que ponderaram as particularidades de cada 
 situação processual concreta.
 Assim, no Acórdão nº 287/2003 (www.tribunalconstitucional.pt), o Tribunal 
 Constitucional julgou inconstitucional o artigo 238º, nº 2, do Código de 
 Processo Civil, segundo o qual se deve proceder à imediata citação do réu por 
 via postal simples, nos casos de frustração de citação por via postal registada, 
 sem que o tribunal deva averiguar, por consulta das bases de dados referidas no 
 nº 1 do preceito, se a residência indicada pelo credor (em acção subsequente ao 
 procedimento de injunção) coincidia ou não com o teor dos registos públicos 
 constantes daquelas bases.
 Já no Acórdão nº 104/2006 (www.tribunalconstitucional.pt), o Tribunal 
 Constitucional decidiu “julgar inconstitucional, por violação dos artigos 20º, 
 nºs 1 e 4, e 18º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa, a norma do 
 artigo 238º-A, nº 4, do Código de Processo Civil, na redacção do Decreto-Lei nº 
 
 183/2000, de 10 de Agosto, quando aplicada em casos de intervenção provocada em 
 que a não intervenção do chamado no processo não impeça que se constitua, quanto 
 a ele, caso julgado”.
 Este Acórdão convoca os princípios da proibição da indefesa e da 
 proporcionalidade (assim como os sub‑princípios da adequação e da necessidade), 
 ponderando os interesses em jogo, a possibilidade de formação de caso julgado 
 contra o requerido e a inexistência de domicílio convencional ou electivo.
 Não se afigura procedente afirmar que a necessidade de conciliar “lógicas e 
 princípios diversos”, articula, na concreta tramitação do processo civil, a 
 regra do contraditório com as exigências de celeridade e eficácia que não se 
 compadecem com “investigações exaustivas e infindáveis” sobre o paradeiro do 
 réu, como entendeu o Tribunal Constitucional nos Acórdãos nºs 91/2004 e 
 
 243/2005, ainda que em situações também diversas da dos autos. 
 Não se preconiza, evidentemente, a paralisação do processo quando não se consiga 
 localizar o réu. O que está em causa nos presentes autos é saber se o regime em 
 apreciação não origina uma ponderação desproporcionada do valor celeridade e dos 
 interesses da administração judiciária numa simplificação e numa desformalização 
 processuais sobre o direito de defesa do demandado.
 A resposta do tribunal a esta inquirição não pode deixar de ser afirmativa. Com 
 efeito, afigura‑se desproporcionado, em face das respectivas consequências 
 referidas supra, considerar definitivamente como actual, isto é, sem qualquer 
 possibilidade de infirmação, a morada que consta das bases de dados indicadas 
 nos autos em questão e presumir que a citação por via postal simples é 
 suficiente para assegurar a cognoscibilidade da pretensão do demandante e para 
 assegurar o direito de defesa, mesmo nos casos em que foi alegado e demonstrado 
 que, 
 
 à data do depósito da carta no receptáculo postal, o demandado já não residia 
 no local.
 Não procede contra este entendimento o argumento segundo o qual impende sobre os 
 sujeitos o ónus de manter actualizadas as informações constantes dessas bases de 
 dados. De facto, não está em causa um litígio que oponha o sujeito e uma das 
 instituições que detêm as bases de dados (o que poderia merecer uma ponderação 
 diversa), mas sim um litígio entre particulares surgindo um contexto 
 
 (responsabilidade civil extracontratual) no qual não faz sequer sentido invocar 
 um domicílio electivo ou convencional.
 A norma em apreciação viola, pois, os princípios da proporcionalidade, da 
 proibição de indefesa e do processo equitativo (artigo 20º da Constituição).
 
  
 
  
 III
 Decisão
 
  
 
 3.      Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide:
 a)  Julgar inconstitucional, por violação do artigo 20º da Constituição, a norma 
 constante do artigo 238° do Código de Processo Civil, na redacção emergente do 
 Decreto-Lei n° 183/00, ao estabelecer que se presume, em termos absolutos e 
 irremediáveis, que o citando reside ou trabalha em algum dos locais 
 referenciados nas bases de dados dos serviços de identificação civil, da 
 Segurança Social, da Direcção-Geral dos Impostos e da Direcção-Geral de Viação, 
 ficcionando-se que o demandado teve oportuna cognoscibilidade da pretensão 
 contra ele formulada através do simples depósito de carta nos respectivos 
 receptáculos postais – e quando foi demonstrado pelo réu que,  à data do 
 depósito da carta na caixa do correio, já não residia no local – ficando sujeito 
 ao consequente efeito cominatório da revelia e ao caso julgado, formado no caso 
 de procedência da pretensão, qualquer que seja o montante desta;
 b)                 Confirmar, consequentemente, o juízo de inconstitucionalidade 
 constante da decisão recorrida.
 
  
 Lisboa, 16 de Novembro de 2006
 Maria Fernanda Palma
 Paulo Mota Pinto
 Benjamim Rodrigues
 Mário José de Araújo Torres
 Rui Manuel Moura Ramos