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Processo n.º 1101/06
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
 
  
 
  
 
  
 
  
 Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
  
 A – Relatório
 
  
 
  
 
                  1 – A., melhor identificado nos autos, reclama para o Tribunal 
 Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 76.º, n.º 4, da Lei n.º 28/82, 
 de 15 de Novembro (LTC), do despacho que não lhe admitiu o recurso interposto 
 para este Tribunal do Acórdão de 26 de Outubro de 2006 proferido pelo Tribunal 
 da Relação de Lisboa.
 
  
 
                  2 – Com interesse para o caso sub judicio, resulta dos autos:
 
  
 
                  2.1 – O ora reclamante intentou contra a sociedade B., Lda., 
 acção, com processo comum, pedindo que se declarasse ilícito o seu despedimento 
 e que se condenasse a ré a pagar-lhe; a) “a quantia de € 1.577,48, a título de 
 férias vencidas em 1.1.2003, 50% do subsídio de férias vencido em 1.1.2003 e € 
 
 754,24 de proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, tendo 
 em conta o trabalho prestado em 2003; b) todas as retribuições vencidas e 
 vincendas até trânsito da sentença que decrete essa ilicitude; e, c) a 
 indemnização por antiguidade, conforme opção feita em audiência de julgamento”.
 
  
 
                  2.2 – Inconformado com a sentença que julgou a acção 
 improcedente e absolveu a ré dos pedidos, o autor apelou ao Tribunal da Relação 
 de Lisboa, argumentando, em síntese:
 
  
 
 1)        A sentença em crise viola a Lei ao violar o princípio do dispositivo, 
 ao negar ao processo disciplinar a nulidade insuprível invocada pelo Recorrente 
 e ao reconhecer justa causa despedimento aos factos provados nos autos. 
 
  
 
 2)        Por isso deve ser revogada e substituída por outra que reconheça os 
 vícios apontados e faça improceder a justa causa invocada. 
 
  
 
 3)        O que se pede ao Venerado Tribunal é uma valoração objectiva da 
 factualidade dada por provada, e de todos os elementos deste recurso e processo, 
 como é seu timbre, e que certamente deverão permitir concluir nos termos ora 
 expostos, porque são os do Direito. 
 
  
 
 4)        A Nota de Culpa entregue ao Recorrente no decurso do processo 
 disciplinar padece efectivamente de nulidade por não descrição circunstanciada 
 quanto ao modo tempo e lugar dos factos e praticas imputadas ao Recorrente. 
 
  
 
 5)        O Recorrente invocou esse vício na impugnação e na Resposta à Nota de 
 culpa, fazendo aí ver que não podia defender-se de uma realidade que não 
 conhecia e que não lhe era dada a conhecer nos termos exigidos pela sua entidade 
 patronal. 
 
  
 
 6)        Contrariamente ao que a sentença em crise sustenta os factos 
 constantes dos artigos 11º, 27º, 31º, 35º a 44º da Nota de culpa não enunciam as 
 circunstâncias de modo, tempo e lugar em que terão sido praticados. 
 
  
 
 7)        A Recorrida assentou neles todos para fundamentar o despedimento do 
 Recorrente, valorando-as para efeitos da justa causa invocada e dando-as 
 especificamente por provadas na sua decisão final. 
 
  
 
 8)        A sentença em crise sustenta um entendimento que viola a Lei ao 
 entender que a consequência dos vícios invocados pelo Recorrente seria a mera 
 não atendibilidade dessa factualidade. 
 
  
 
 9)        Conforme constitui jurisprudência uniforme e invocada, se da nota de 
 culpa não constarem factos concretos, é manifesto que a decisão de despedimento 
 na parte em que corresponde ao relato – não pode estar factualmente 
 fundamentada, devendo declarar-se a ilicitude do despedimento por nulidade do 
 processo disciplinar, nos termos do nº 8 a 10, do artigo 10º e nº 2 e 3 alínea 
 c) do art. 12º da LCCT. 
 
  
 
 10)      A sentença em crise violou o princípio do dispositivo porque 
 fundamentou a existência de justa causa com base em pressupostos de facto e de 
 direito que são menos exigentes àqueles colocados pela própria Recorrida. 
 
  
 
 11)      Se a entidade patronal entende que para a existência de justa causa é 
 necessária não só a condenação do trabalhador, mas também a existência de 
 evidentes reflexos negativos na realidade empresarial, que afectam 
 substancialmente o normal funcionamento da empresa, não pode o tribunal com o 
 primeiro desse pressupostos para entender verificar-se justa causa de 
 despedimento. 
 
  
 
 12)      Caso tivesse cumprido com os deveres decorrentes do princípio invocado, 
 teria verificado que os pressupostos de facto e de direito colocados pela 
 Recorrida para a justa causa invocada não se verificavam, obrigando a julgar 
 improcedente essa mesma justa causa. 
 
  
 
 13)      Os factos dados por provados, não são de molde algum de forma dar como 
 provada a existência de justa causa de despedimento. 
 
  
 
 14)      Do conjunto de factos invocados pela Recorrida para o despedimento do 
 Recorrente e que esta na sua decisão final considerou todos provados, apenas 
 consegui provar dois, sendo que um deles já tinha visto extinta a sua relevância 
 disciplinar por prescrição. 
 
  
 
 15)      Assim dos factos alegados na Nota de Culpa: 
 
 - Não se provou que o Recorrente não tivesse entregue cópia de sentença 
 condenatória; 
 
  
 
 - Não se provou que o Recorrente não tivesse informado da inibição de condenação 
 referida em a); 
 
  
 
 - Não se provou que o Recorrente tivesse continuado a conduzir ao serviço da 
 entidade patronal durante o período da inibição de condução; 
 
  
 
 - Não se provou que o Recorrente tivesse acompanhado um seu colega na filmagem 
 de instalações da Recorrida; 
 
  
 
 - Não se provou que o Recorrente actuava com o colega C. no sentido de tudo 
 fazerem para prejudicarem a Recorrida; 
 
  
 
 - Não se provou que o Recorrente tivesse alguma vez desrespeitado as ordens da 
 Recorrida, entrando no escritório do sócio gerente e aí, sentado nas cadeiras, 
 ter lido jornal; 
 
  
 
 - Não se provou que o Recorrente dormisse frequentemente (quase diariamente) no 
 local e dentro do horário de trabalho; 
 
  
 
 - Não se provou que o Recorrente lavasse a sua viatura particular dentro do 
 horário e local de trabalho, contra as ordens da Recorrida; 
 
  
 
 - Não se provou que o Recorrente tivesse lesado interesses patrimoniais sérios 
 da empresa; 
 
  
 
 - Não se provou que o Recorrente tivesse alguma vez incumprido com o seu horário 
 de trabalho, e 
 
  
 
 - Não se provou que o Recorrente elevasse a voz, respondendo de forma rebelde ao 
 sócio gerente da entidade patronal. 
 
  
 
 16)      Verdadeiramente o que de importante para o processo se provou foi que 
 as suas funções não se resumiam nem de longe aos de motorista, e que no período 
 da inibição a Recorrida determinou que o Recorrente continuasse a efectuar 
 apenas as demais tarefas que não implicassem a condução de veículos. 
 
  
 
 17)      Essas preenchiam o seu dia-a-dia laboral. 
 
  
 
 18)      Assim foi durante mais de 60 dias, pois só ao fim desse período é que a 
 Recorrida instaurou ao Recorrente o processo disciplinar dos autos. 
 
  
 
 19)      As funções que o Recorrente deixou de poder executar não 
 consubstanciavam sequer as funções essenciais do Recorrente na Recorrida, nem 
 consubstanciavam funções essenciais para a Recorrida, muito menos constituindo a 
 detenção de título habilitador à condução uma especial relevância para a sua 
 prestação laboral na Recorrida. 
 
  
 
 20)      Prova evidente dessa realidade, é o facto provado de após o 
 despedimento do Recorrente a Recorrida não ter admitido outro trabalhador para o 
 substituir. 
 
  
 
 21)      Tanto a garantia constitucional da estabilidade do emprego, como a 
 densificação do conceito legal de justa causa impedem que apenas com base nestes 
 factos seja possível legitimar o despedimento do Recorrente. 
 
  
 
 22)      Efectivamente, quando se trata de actos da vida privada dos 
 trabalhadores, o próprio conceito de justa causa torna-se ainda mais exigente e 
 qualificado. 
 
  
 
 23)      Toda a jurisprudência vai nesse sentido, tendo esse entendimento sido 
 reafirmado, entre outros, no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 6 de 
 Junho de 2002. 
 
  
 
 24)      O Recorrente não nega que sejam graves e culposos os factos praticados. 
 O que entende é que não tiveram quaisquer repercussões na empresa que tornassem 
 impossível a subsistência do contrato de trabalho. 
 
  
 
 25)      A própria matéria de facto dada como provada atesta essa realidade».
 
  
 
                  2.3 – Por Acórdão de 16 de Outubro de 2006, o Tribunal da 
 Relação de Lisboa decidiu negar provimento ao recurso.
 
  
 
                  2.4 – Discordando desse entendimento, o reclamante interpôs 
 recurso para o Supremo Tribunal de Justiça – que não foi admitido por “o valor 
 da causa estar contido na alçada do Tribunal da Relação” –, e, nos termos do 
 disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, recorreu para o Tribunal 
 Constitucional “pretendendo ver apreciada a constitucionalidade da norma do 
 artigo 9.º, do Decreto-Lei n.º 69-A/89, de 27 de Fevereiro, com a interpretação 
 com que foi aplicada na decisão recorrida”.
 
  
 
                  2.5 – Considerando que o recorrente “não suscitou a 
 inconstitucionalidade de uma norma, indicada em concreto, durante o processo e 
 que tenha sido aplicada na decisão”, o Desembargador Relator não admitiu o 
 recurso de constitucionalidade.
 
  
 
                  2.6 – Notificado dessa decisão, o recorrente deduziu a presente 
 reclamação, na qual invoca:
 
  
 
 «1º
 Conforme resulta dos autos, através de acórdão proferido pelo Venerado Tribunal 
 da Relação de Lisboa, foi decidido fazer improceder na totalidade o recurso de 
 apelação interposto pelo Recorrente, 
 
  
 
 2º
 Mantendo intocada a sentença recorrida. 
 
  
 
  
 
 3º
 Nesse mesmo acórdão os Venerados Desembargadores – em concreto relativamente à 
 noção de justa causa aplicável – sustentam o mesmo entendimento já perfilhado 
 pela decisão de 1ª instância. 
 
  
 
 4º
 Efectivamente, segundo a interpretação perfilhada, bastou ao Venerado Tribunal 
 verificar a existência de um facto decorrente de um comportamento ilícito do 
 trabalhador praticado fora do local e horário de trabalho – inibição da 
 faculdade de condução – para, automaticamente diremos nós, dar como provada a 
 existência de justa causa, nos termos do art. 9º do DL 64-A/89 de 27/2. 
 
  
 
 5º
 Perante o acórdão proferido, entendeu o Recorrente solicitar a aclaração do 
 mesmo ao Venerado Tribunal, nos termos seguintes: 
 
  
 Ademais, para além da manifesta violação da Lei em que entende o Recorrente 
 incorre o arresto em causa, entende igualmente o Recorrente que o mesmo perfilha 
 interpretação inconstitucional da noção de justa causa contida no artigo 53º da 
 CRP, já que com a tese perfilhada no acórdão em causa o venerado Tribunal acaba 
 por consagrar e legitimar o despedimento do Recorrente com base em justa causa 
 objectiva, fora dos casos legalmente previstos. 
 
  
 Efectivamente, segundo a interpretação perfilhada, bastou ao Tribunal recorrido 
 verificar a existência de um facto decorrente de um comportamento ilícito do 
 trabalhador praticado fora do local e horário de trabalho – inibição da 
 faculdade de condução – para dar como provada a existência de justa causa, nos 
 termos do art. 9º do DL 64-A/89 de 27/2. 
 
  
 Ora, a noção de justa causa legalmente prescrita, em obediência ao que tem sido 
 entendimento constitucional pacífico e que como tal se deve mostrar plasmado no 
 art. 9º do citado DL 64-A/89, de 27/2, exige para a sua verificação não apenas a 
 existência de um comportamento ilícito do trabalhador, mas também a existência 
 de um concreto reflexo desse comportamento na relação laboral, reflexo esse que 
 terá de ser de molde a tornar pratica e imediatamente impossível a manutenção do 
 vínculo laboral. 
 
  
 Para preenchimento desse requisito não basta a presunção de reflexos, mas a 
 concreta verificação de consequências do comportamento do trabalhador na relação 
 laboral. 
 
  
 Ora, no caso dos autos e em toda a matéria de facto dada como provada, tal 
 requisito não se mostra provado, e como tal preenchido, pelo que ao sancionar o 
 despedimento nos termos em que o fez, não deixou o venerado Tribunal de fazer 
 uma interpretação inconstitucional do preceito contido no artigo 9º do citado DL 
 nº 64-A/89, de 27/2. 
 
  
 A proceder o entendimento plasmado no acórdão, respeitante ao conceito de justa 
 causa, o julgador acrescentaria às formas legalmente previstas para cessação do 
 contrato de trabalho uma nova e de ocorrência automática: 
 
  
 
 -               assim, bastaria – no caso de se tratar de um trabalhador 
 motorista – que o mesmo trabalhador tivesse sido condenado a uma inibição da 
 faculdade de conduzir para AUTOMATICAMENTE se considerar verificada justa causa 
 de despedimento. 
 
  
 No processo disciplinar a instaurar a esse trabalhador bastaria comprovar-se 
 esse facto para se permitir a aplicação dessa sanção disciplinar. 
 
  
 E, no processo judicial bastaria à entidade patronal a invocação dessa inibição 
 para que o tribunal confirmasse o despedimento perpetrado. 
 
  
 Por fim, como o venerado Tribunal o fez, presumia-se desse facto a violação de 
 deveres laborais, como o dever da confiança, o que seria suficiente para esse 
 efeito. 
 
  
 Manifestamente não é esse o sentido do direito fundamental consagrado na CRP e 
 no citado artigo 53º!
 
  
 O Recorrente já suscitou essa realidade nas suas alegações de recurso, sem o 
 Tribunal verdadeiramente sobre a mesma se tivesse debruçado. 
 
  
 Assim, para todos os efeitos legais, suscita-se de novo esse vício do douto 
 acórdão, respeitosamente se requerendo que o venerado Tribunal esclareça o 
 entendimento perfilhado em confronto com os preceitos constitucionais ora 
 invocados.
 
  
 E; não sendo sanado ou corrigido pelo venerado Tribunal o vício ora invocado, 
 estará igualmente legitimada a interposição de recurso para o Tribunal 
 Constitucional. O recurso será interposto ao abrigo a alínea b) do nº 1 do art. 
 
 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, na redacção dada pela Lei nº 85/89, de 7 
 de Setembro e pela Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro, pretendendo-se ver 
 apreciada a constitucionalidade da norma do artigo 9º do DL nº 69-A/89, de 27/2, 
 com a interpretação com que foi aplicada na decisão recorrida, ora retomada e 
 suscitada no recurso de apelação do Recorrente, e que desde já se requer seja 
 admitido, caso por alguma razão não seja admitido o recurso de revista ora 
 interposto. 
 
  
 
  
 
  
 
  
 
 6º
 Requereu assim expressamente esclarecimentos relativamente ao entendimento 
 perfilhado em confronto com os preceitos constitucionais ora invocados, 
 interpondo simultaneamente o competente recurso. 
 
  
 
 7º
 Em resposta ao seu requerimento, veio aquele Venerado Tribunal apenas sustentar 
 que o Recorrente não terá suscitado a questão da inconstitucionalidade durante o 
 processo, 
 
  
 
 8º
 Pelo que, não se mostrando preenchido o fundamento da al. b) do nº 1 do art. 70º 
 da LCT, não admitiria o recurso interposto. 
 
  
 
 9º
 Salvo o devido respeito, entende o Recorrente que se mostra cumprido o 
 fundamento da alínea b) do citado nº 1 do art. 70º, já que a questão da 
 inconstitucionalidade foi suscitada durante o processo. 
 
  
 
 10º
 E isto, essencialmente por duas ordens de razões. 
 
  
 
 11º
 A primeira, porque muito embora o Recorrente a não tivesse nominado, logo no 
 recurso de apelação o Recorrente suscitou idêntica questão à apresentada em sede 
 justificação do recurso para o tribunal constitucional. 
 
  
 
 12º
 Fê-lo ao longo do articulado da sua motivação de recurso, e em concreto quando 
 sob o ponto III – da sua fundamentação se refere à materialidade Da 
 improcedência da justa causa reconhecida pela sentença recorrida. 
 
  
 
 13º
 
 É verdade que o Recorrente aí não identifica quaisquer preceitos constitucionais 
 violados ou suscita o entendimento que concretamente pretende ver discutido e 
 apreciado pelo meritíssimo Tribunal. 
 
  
 
 14º
 Contudo, colocou nesse seu recurso idêntica questão à colocada em sede de 
 requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, e à qual 
 o Venerado Tribunal, no despacho ora reclamado, não deixa de reconhecer 
 pertinência constitucional. 
 
  
 
  
 
  
 
  
 
 15º
 Por outro lado, e em segundo lugar, verifica-se que o Recorrente suscitou a 
 inconstitucionalidade em causa durante o processo e antes que a decisão 
 proferida tivesse, de qualquer forma, transitado em julgado. 
 
  
 
 16º
 Fê-lo, concretamente, naquele seu requerimento último, supra transcrito, através 
 do qual solicitou o esclarecimento referido, abordando precisamente a questão da 
 inconstitucionalidade da qual presente recorrer. 
 
  
 
 17º
 Não pode assim deixar de se entender que se mostra cumprido o requisito da 
 alínea b) do nº1 do art. 70º a LTC, 
 
  
 
 18º
 Impondo-se que seja admitido o recurso interposto. 
 
  
 
 19º
 Por outro lado, verifica-se da factualidade exposta, que a questão ínsita ao 
 pedido de apreciação da inconstitucionalidade é de tal forma importante e 
 relevante, 
 
  
 
 20º
 Que não pode deixar de merecer a apreciação do Tribunal Constitucional, 
 
  
 
 21º
 Sob pena de, por razões puramente formais, permitir-se que permaneça na ordem 
 jurídica e aplicar-se a um concreto caso, um entendimento susceptível de 
 subverter – caso seja reconhecida a inconstitucionalidade invocada – os 
 alicerces fundamentais do ordenamento jus-laboral português. 
 
  
 
 22º
 São pois essas as razões que respeitosamente se levam ao superior critério deste 
 Tribunal, e que o Recorrente entende são capazes de fazer proceder a sua 
 pretensão de recurso. 
 
  
 
 23º
 Em cumprimento do disposto no nº 2 do art. 688º do CPC requer que a presente 
 reclamação seja instruída com certidão das suas alegações de recurso de 
 apelação, certidão do seu requerimento de esclarecimentos e de interposição de 
 recurso para o Tribunal Constitucional, além de certidão do despacho ora 
 reclamado. 
 
  
 Termos em que respeitosamente requer seja admitida e considerada procedente a 
 presente reclamação».
 
  
 
  
 
                  2.7 – Já neste Tribunal, o Representante do Ministério Público, 
 considerando a reclamação “manifestamente improcedente”, pugnou pelo seu 
 indeferimento.
 
  
 B – Fundamentação
 
  
 
                  3 – Na essência, são três os argumentos que sustentam a 
 presente reclamação e que, na óptica do reclamante, justificam a admissibilidade 
 do recurso que interpôs para o Tribunal Constitucional.
 
                  Em primeiro lugar, entende o reclamante que “suscitou [durante 
 o processo] idêntica questão à apresentada em sede de justificação do recurso 
 para o Tribunal Constitucional”, apesar de aí “não identifica[r] quaisquer 
 preceitos constitucionais violados ou suscita[r] o entendimento que 
 concretamente pretende ver discutido e apreciado” neste Tribunal.
 
                  Em segundo lugar, o reclamante considera ter suscitado a 
 questão de constitucionalidade quando, no requerimento de fls..., solicitou ao 
 Tribunal da Relação um esclarecimento sobre “o entendimento perfilhado em 
 confronto com os preceitos constitucionais ora invocados”.
 
                  Por fim, sustenta que “a questão ínsita ao pedido de apreciação 
 de constitucionalidade é de tal forma importante e relevante que não pode deixar 
 de merecer a apreciação do Tribunal Constitucional.
 
                  Vejamos, então.
 
                  
 
 3.1 – O recurso em causa foi interposto ao abrigo do disposto no artigo 70.º, 
 n.º 1, alínea b), da LTC.
 
                  Para poder conhecer-se deste tipo de recurso, torna-se 
 necessário, a mais do esgotamento dos recursos ordinários e de que a norma 
 impugnada tenha sido aplicada como ratio decidendi pelo tribunal recorrido, que 
 a inconstitucionalidade desta tenha sido suscitada durante o processo. 
 Como vem sendo reiterado por este Tribunal, a suscitação da questão de 
 inconstitucionalidade tem de traduzir-se numa alegação na qual se indique a 
 norma ou dimensão normativa que se tem por inconstitucional e se problematize a 
 questão de validade constitucional da norma (dimensão normativa) através da 
 alegação de um juízo de antítese entre a norma/dimensão normativa e o(s) 
 parâmetro(s) constitucional(ais), indicando-se, pelo menos, as normas ou 
 princípios constitucionais que a norma sindicanda viola ou afronta.
 Nesse sentido, dir-se-á que «“Suscitar a inconstitucionalidade de uma norma 
 jurídica é fazê-lo de modo tal que o tribunal perante o qual a questão é 
 colocada saiba que tem uma questão de constitucionalidade determinada para 
 decidir. Isto reclama, obviamente, que (...) tal se faça de modo claro e 
 perceptível, identificando a norma (ou um segmento dela ou uma dada 
 interpretação da mesma) que (no entender de quem suscita essa questão) viola a 
 Constituição; e reclama, bem assim, que se aponte o porquê dessa 
 incompatibilidade com a lei fundamental, indicando, ao menos, a norma ou 
 princípio constitucional infringido.” Impugnar a constitucionalidade de uma 
 norma implica, pois, imputar a desconformidade com a Constituição não ao acto de 
 aplicação do Direito – concretizado num acto de administração ou numa decisão 
 dos tribunais – mas à própria norma, ou, quando muito, à norma numa determinada 
 interpretação que enformou tal acto ou decisão (cfr. Acórdãos nºs 37/97, 680/96, 
 
 663/96 e 18/96, este publicado no Diário da República, II Série, de 15-05-1996). 
 
 [§] É certo que não existem fórmulas sacramentais para formulação dos pedidos, 
 nem sequer para suscitação da questão de constitucionalidade. [§] Esta tem, 
 porém, de ocorrer de forma que deixe claro que se põe em causa a conformidade à 
 Constituição de uma norma ou de uma sua interpretação (...)» – cf., inter alia, 
 o Acórdão n.º 618/98 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt/).
 
  
 
 3.2 – Projectando este entendimento no caso sub judicio, torna-se claro que o 
 reclamante não suscitou durante o processo qualquer questão de 
 constitucionalidade.
 
 É certo que o reclamante questionou, no recurso para o Tribunal da Relação, a 
 
 “improcedência da justa causa reconhecida pela sentença recorrida”, mas fê-lo 
 sem controverter sub species constitutionis a bondade de qualquer critério 
 normativo, pelo que não podem dar-se por cumpridos os requisitos do recurso 
 interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC.
 Por outro lado, importa também reter que o objecto da fiscalização jurisdicional 
 de constitucionalidade é constituído apenas por normas jurídicas, não podendo o 
 Tribunal Constitucional pronunciar-se sobre uma (eventual) 
 
 “inconstitucionalidade da decisão judicial”, como, de resto, tem sido 
 unanimemente acentuado pela jurisprudência deste Tribunal – cf. nesse sentido o 
 Acórdão n.º 199/88, publicado no DR II Série, de 28 de Março de 1989.
 Por isso se reconhece que os recursos de constitucionalidade, embora interpostos 
 de decisões de outros tribunais, visam controlar o juízo que nelas se contém 
 sobre a violação ou não violação da Constituição por normas mobilizadas na 
 decisão recorrida como sua ratio decidendi ou seu fundamento normativo, não 
 podendo visar as próprias decisões jurisdicionais, identificando-se, nessa 
 medida, o conceito de norma jurídica como elemento definidor do objecto do 
 recurso de constitucionalidade, pelo que apenas as normas e não já as decisões 
 judiciais podem constituir objecto de tal recurso – cf., nestes exactos termos, 
 o Acórdão n.º 361/98 e, entre muitos outros, os Acórdãos nºs 286/93, 336/97, 
 
 702/96, 336/97, 27/98 e 223/03, todos disponíveis para consulta em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt/ –, sendo que a nossa Constituição não configurou 
 o recurso de constitucionalidade como um recurso de amparo – ou de «queixa 
 constitucional» (Verfassungsbeschwerde, staatsrechtliche Beschwerde) – no âmbito 
 do qual fosse possível sindicar qualquer lesão dos direitos fundamentais, aí se 
 incluindo a possibilidade de conhecer, nesse âmbito, do mérito da própria 
 decisão judicial sindicanda.
 Daí dizer-se, pois, que a “violação dos preceitos constitucionais”, imputada 
 directamente ao acto de concreta aplicação do direito, e não aos preceitos 
 legais aplicados pelas instâncias, não densifica nem traduz um problema de 
 constitucionalidade normativa susceptível de ser apreciado por este Tribunal. De 
 facto, uma coisa é reportar a inconstitucionalidade à concreta decisão 
 considerada como resultado de um momento de aplicação dos preceitos legais, 
 outra, bem diferente, é imputar à norma esse vício, identificando e isolando o 
 critério jurídico que aquela aplicação projecta, como momento normativo, numa 
 dada factualidade.
 Nessa medida, será também de concluir que a questão relativa à “[in]existência 
 de justa causa” de despedimento, tal como a mesma foi levada ao conhecimento do 
 Tribunal da Relação, dizendo respeito a um problema de aplicação jurídica sem 
 que fosse controvertida a bondade constitucional de qualquer critério normativo 
 aí precipitado, não configura objecto idóneo do recurso de constitucionalidade.
 
  
 
 3.3 – Igualmente improcedente é a argumentação do reclamante segundo a qual a 
 
 “questão de constitucionalidade” fora suscitada durante o processo em 
 requerimento onde solicitou à Relação esclarecimento sobre o decidido.
 Na verdade, segundo a jurisprudência constante deste Tribunal (veja-se, por 
 exemplo, o Acórdão n.º 352/94, in Diário da República II Série, de 6 de Setembro 
 de 1994), é pacífico que a exigência de que a questão de constitucionalidade 
 seja equacionada durante o processo deve ser entendida, “não num sentido 
 meramente formal (tal que a inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à 
 extinção da instância)”, mas “num sentido funcional”, de tal modo “que essa 
 invocação haverá de ter sido feita em momento em que o tribunal a quo ainda 
 pudesse conhecer da questão”, “antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz 
 sobre a matéria a que (a mesma questão de constitucionalidade) respeita”, por 
 ser este o sentido que é exigido pelo facto de a intervenção do Tribunal 
 Constitucional se efectuar em via de recurso, para reapreciação ou reexame, 
 portanto, de uma questão que o tribunal recorrido pudesse e devesse ter 
 apreciado (ver ainda, por exemplo, o Acórdão n.º 560/94, Diário da República, 
 II, de 10 de Janeiro de 1995, e ainda o Acórdão n.º 155/95, in Diário da 
 República, II série, de 20 de Junho de 1995). 
 
 É por isso que se entende que não constituem já momentos processualmente idóneos 
 aqueles que são abrangidos pelos incidentes de arguição de nulidades, pedidos de 
 aclaração e de reforma, dado terem por escopo não a obtenção de decisão com 
 aplicação da norma, mas a sua anulação, esclarecimento ou modificação, com base 
 em questão nova sobre a qual o tribunal não se poderia ter pronunciado (cf., 
 entre outros, os acórdãos n.º 496/99, publicado no Diário da República II Série, 
 de 17 de Julho de 1996, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 33º vol., p. 663; 
 n.º 374/00, publicado no Diário da República II Série, de 13 de Julho de 2000, 
 BMJ 499º, p. 77, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 47º vol., p.713; n.º 
 
 674/99, publicado no Diário da República II Série, de 25 de Fevereiro de 2000, 
 BMJ 492º, p. 62, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 45º vol., p. 559; n.º 
 
 155/00, publicado no Diário da República II Série, de 9 de Outubro de 2000, e 
 Acórdãos do Tribunal Constitucional, 46º vol., p. 821, e n.º 364/00, inédito).
 Ora, não estando em causa a existência de uma situação anómala ou excepcional 
 que impossibilitasse a suscitação prévia da questão de constitucionalidade, 
 sempre seria de considerar-se extemporâneo o momento em que o reclamante invocou 
 tal questão.
 Apesar disso, e em rigor, o certo é que nem nesse momento foi suscitada qualquer 
 questão de constitucionalidade de acordo com os parâmetros atrás definidos.
 
  
 
 3.4 – Por fim, quanto ao último argumento invocado pelo reclamante, dir-se-á 
 apenas, reiterando o entendimento consignado no Acórdão n.º 496/06, disponível 
 em www.tribunalconstitucional.pt, que “o acesso aos tribunais não dispensa, num 
 Estado de direito, a existência de um conjunto de normas adjectivas cujo 
 cumprimento se encontra orientado para se alcançar a justa realização concreta 
 do direito”.
 Em todo o caso, como se compreenderá, o requisito de que a questão de 
 constitucionalidade seja suscitada durante o processo, não constitui uma 
 exigência “puramente formal”, antes encontrando a sua razão de ser no nosso 
 sistema de controlo difuso da constitucionalidade das normas, no âmbito do qual 
 a intervenção do Tribunal Constitucional, em fiscalização concreta, limita-se ao 
 reexame ou reapreciação da questão de (in)constitucionalidade que o tribunal a 
 quo apreciou ou devesse ter apreciado - cf. sobre o sentido dessa exigência, 
 José Manuel Cardoso da Costa, «A jurisdição constitucional em Portugal», 
 Separata dos Estudos em Homenagem ao Prof. Afonso Queiró, 2ª edição, Coimbra, 
 
 1992, pp. 51).
 
  
 C – Decisão
 
  
 
 4 – Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a 
 presente reclamação.
 
  
 Custas pelo Reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) UCs.
 Lisboa, 17 de Janeiro de 2007
 Benjamim Rodrigues
 Maria Fernanda Palma
 Rui Manuel Moura Ramos