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Processo nº 396/2007
 
 3ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral
 
 
 Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 I
 Relatório
 
  
 
 1.  Em 18 de Abril de 2006, a Subdelegação Regional da Figueira da Foz da 
 Inspecção Geral do Trabalho instaurou processo de contra-ordenação contra Banco 
 A., S. A., o qual culminou na aplicação à arguida de uma coima no valor de 
 
 623,00 € (seiscentos e vinte e três euros) pela prática da infracção que 
 
 “consistiu na falta de afixação, por forma visível da cópia do mapa do quadro de 
 pessoal de 2005”, e na não disponibilização “d[a] consulta informática do mesmo 
 no local de trabalho, a partir da data de envio às entidades competentes e 
 durante um período de 30 dias.” 
 Inconformada, a arguida recorreu para o Tribunal do Trabalho da Figueira da Foz, 
 invocando nas suas alegações, em conclusão e inter alia:
 
  
 
 (…)
 
 5. O acto administrativo de aplicação da coima viola o conteúdo essencial do 
 direito fundamental de reserva da vida privada, o que ocasiona, segundo o 
 disposto na alínea d) do n.° 2 do artigo 133.° e no n.° 1 do artigo 134.° do 
 Código de Procedimento Administrativo, a sua nulidade, com a consequente não 
 produção de efeitos jurídicos. 
 
 (…)
 
  
 Por sentença datada de 5 de Janeiro de 2007, o Tribunal do Trabalho da Figueira 
 da Foz decidiu revogar as decisões da entidade administrativa recorrida, delas 
 absolvendo a recorrente, fundamentando-se para tal na seguinte ordem de 
 considerações:
 
  
 A nosso ver, as decisões da autoridade recorrida não podem subsistir. 
 
 É sabido que as entidades empregadoras estão sujeitas a determinadas obrigações 
 em matéria de apresentação anual dos mapas dos respectivos quadros de pessoal: 
 por um lado, devem remeter esses mapas às entidades previstas no art. 455°/5 do 
 RCT; por outro lado, devem afixar esses mapas nos termos do art. 456° do RCT ou 
 disponibilizar a sua consulta, no caso dos mesmos terem sido objecto de 
 apresentação informática. 
 Os modelos dos mapas do quadro de pessoal encontram-se aprovados pela Portaria 
 conjunta dos Ministérios das Finanças e do Trabalho e da Solidariedade n° 
 
 785/2000, de 19/09. 
 Dos mesmos consta, para além da identificação da “Empresa” e do respectivo 
 
 “Estabelecimento”, com indicação do volume de negócios, vária informação 
 nominativa respeitante aos respectivos trabalhadores, como sejam o nome, a 
 categoria profissional, a profissão, a situação na profissão, as habilitações, o 
 número da segurança social, as datas de nascimento, de admissão na empresa e da 
 
 última promoção, as remunerações pagas, designadamente a remuneração base, 
 diuturnidades, prestações regulares e irregulares e horas extraordinárias. 
 A elaboração de tais mapas pelas entidades empregadoras, contendo as informações 
 acabadas de referir, pode ser levada a cabo através de um processo de 
 preenchimento manual ou através de um preenchimento informático – art. 455°/l 
 RCT. 
 A afixação daqueles mapas ou a disponibilização da sua consulta, no caso de 
 apresentação informática, tem por finalidade possibilitar a reclamação escrita 
 pelos trabalhadores interessados, directamente ou através do seu sindicato, 
 relativamente a eventuais irregularidades detectadas nos mesmos – art. 456°/1 
 RCT. 
 Ora, a nosso ver, a obrigação de afixação do aludido mapa do quadro de pessoal 
 contendo todas aquelas informações relativa a aspectos pessoais dos 
 trabalhadores, ainda por cima de forma visível no local de trabalho, ou a 
 obrigação de disponibilização da sua consulta – em caso de apresentação 
 informática – por todo e qualquer trabalhador, com a mesma extensão informativa 
 e mesmo relativamente às informações que directamente não dizem respeito ao 
 trabalhador que está a proceder à consulta, respeitando elas aos demais 
 trabalhadores da mesma entidade patronal, colide, desde logo, com o direito à 
 reserva da vida privada dos trabalhadores que, assim, assistem passivamente à 
 exposição, mais ou menos pública, de diversos e variados aspectos da sua vida 
 pessoal, dependendo a extensão da exposição da forma pela qual a entidade 
 patronal decide dar cumprimento ao dito art. 456°/l. 
 Com efeito, o art. 26°/1 da Constituição da República Portuguesa (CRP) 
 estabelece, de entre o elenco dos direitos, liberdades e garantias pessoais, o 
 direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar. 
 Está em causa um direito directamente ao serviço da protecção da esfera nuclear 
 das pessoas e da sua vida, abarcando fundamentalmente aquilo que a literatura 
 juscivilística designa por direitos de personalidade. 
 Trata-se, assim, de um direito estreitamente ligado à própria personalidade, 
 devendo o seu exercício moldar‑se e consolidar-se pela observância do princípio 
 da dignidade da pessoa humana. a ponto de o respeito por ele e a garantia da sua 
 efectivação o colocar ao abrigo dos limites materiais da revisão constitucional 
 
 – cfr. os artigos 1° e 2° e a alínea d) do artigo 288º CRP. 
 
 (…)
 Ora, a afixação pública, em local bem visível, ou a disponibilização 
 indiscriminada de consulta do respectivo conteúdo informático a todo e qualquer 
 trabalhador de uma empresa, daqueles mapas de pessoal, onde estão contidas as 
 aludidas informações sobre os trabalhadores, a categoria profissional deles, a 
 profissão dos mesmos, a sua situação na profissão, as respectivas habilitações, 
 o número da segurança social que lhes corresponde, as datas das respectivas 
 admissões na empresa, a última promoção e as remunerações pagas, implica, a 
 nosso ver, a indiscriminada divulgação, mais ou menos pública, de aspectos 
 relativos à vida privada de cada um dos trabalhadores, com a consequente 
 violação do direito à reserva da vida privada deles. 
 Por outro lado, sendo a finalidade legalmente prevista para a afixação daqueles 
 mapas ou para a disponibilização da sua consulta a de permitir que os 
 trabalhadores interessados possam reclamar quanto às irregularidades detectadas, 
 
 é claramente desproporcionada a publicitação daquelas informações relativas à 
 vida privada de todos os trabalhadores nos termos em que o impõe a letra do 
 citado art. 456° RCT, já que ela permite o acesso à informação pessoal de cada 
 trabalhador por parte de terceiros, sejam outros trabalhadores da empresa que 
 decidam consultar o registo informático na parte em que ele respeite a outros 
 trabalhadores, sejam mesmo outras pessoas estranhas à empresa que visitem as 
 suas instalações e que resolvam consultar o mapa de pessoal aí afixado. 
 Consequentemente, a norma do citado art. 456° RCT é inconstitucional, por 
 violação directa do art. 26°/1 CRP, assim como inconstitucional é, pela mesma 
 razão, a norma punitiva do art. 490°/1 e do mesmo RCT. 
 Por outro lado, essas mesmas normas também são inconstitucionais por violação do 
 estatuído no art. 35°/4 da CRP. 
 
 (…)
 Como assim, as normas dos arts. 456° e 490°/1/e do RCT também violam o n° 4 do 
 art. 35° da CRP, sendo, também por isso, inconstitucionais, com a consequente 
 impossibilidade da sua aplicação (art. 204° CRP).
 
  
 
  
 
 2.  Notificado desta decisão, o Magistrado do Ministério Público junto do 
 Tribunal do Trabalho da Figueira da Foz veio interpor o presente recurso para o 
 Tribunal Constitucional, nos termos dos artigos 70.º, n.º 1, alínea a), e 72.º, 
 n.º 3, da Lei de Organização e Funcionamento do Tribunal Constitucional, “da sem 
 embargo douta sentença que no processo em epígrafe recusou a aplicação do art.º 
 
 456.º do Regulamento do Código do Trabalho (RCT), aprovado pela Lei n.º 35/2004, 
 de 29/7, com fundamento em violação dos art.ºs 26.º, n.º 1, e 35.º, n.º 4, da 
 CRP, quando interpretado no sentido de o Mapa do Quadro de Pessoal ali 
 mencionado dever conter os dados mencionados na portaria 785/2000 e 19/09.”
 Nas alegações produzidas neste Tribunal, concluiu assim o Magistrado do 
 Ministério Público em funções no Tribunal Constitucional:
 
  
 
 1°
 A norma constante do artigo 456° do Regulamento do Código do Trabalho, provado 
 pela Lei n° 35/04, interpretada no sentido de o mapa do quadro de pessoal, ali 
 mencionado, dever conter os dados referidos na Portaria n° 785/2000, (DR – I 
 Série B, n° 217, de 19 de Setembro), não afronta o disposto nos artigos 26°, n° 
 
 1, e 35°, n° 4, da Constituição da República Portuguesa. 
 
 2°
 Na verdade, a afixação e divulgação, no âmbito da empresa, do referido mapa – 
 que apenas contém elementos atinentes à identificação civil dos trabalhadores e 
 ao respectivo estatuto profissional – não atinge o direito à reserva da 
 intimidade da vida privada, revelando-se adequado e necessário à “transparência” 
 na vida laboral da empresa, permitindo aos trabalhadores interessados sindicar e 
 comparar claramente as respectivas situações ou estatutos sócio-profissionais, 
 de modo a facultar-lhes reacção adequada contra quaisquer irregularidades. 
 
 3°
 Termos em que deverá improceder o presente recurso.
 
  
 Por sua vez, a recorrida concluiu do seguinte modo as suas contra-alegações:
 
  
 
 1. Dos mapas de quadro de pessoal consta, para além da identificação da 
 
 “Empresa” e do seu respectivo “Estabelecimento” (com indicação do volume de 
 negócios), diversa informação nominativa respeitante aos trabalhadores, como 
 sejam o nome, a categoria profissional, profissão, situação na profissão, 
 habilitações, o número da segurança social, as datas de admissão na empresa e da 
 
 última promoção, e as remunerações pagas, designadamente a remuneração base, 
 diuturnidades, prestações regulares e irregulares e horas extraordinárias. 
 
 2. O conjunto de dados constantes do mapa de quadro de pessoal constitui um 
 agrupamento significativo, senão mesmo essencial, patrimonial e não patrimonial, 
 sobre a vida privada do trabalhador e que, como tal, se encontra abrangido pela 
 noção constitucional de vida privada. 
 
 3. A informação constante dos mapas de quadro de pessoal integra o conceito de 
 dados pessoais constante do artigo 35.° da Constituição da República Portuguesa 
 e da a) do artigo 3.° da Lei n.° 67/98, pelo que o respectivo tratamento só pode 
 ser efectuado se o mesmo for necessário e proporcional para a prossecução de 
 interesses legítimos do responsável pelo tratamento ou de terceiro a quem os 
 dados sejam comunicados. 
 
 4. A teleologia da norma constante do n.° 1 do art. 456.° da Lei n.° 35/2004 não 
 
 é o confronto e a comparação entre os dados dos vários trabalhadores mas única e 
 exclusivamente permitir que os trabalhadores interessados possam reclamar quanto 
 
 às irregularidades detectadas nos seus próprios dados. 
 
 5. O objectivo pretendido sempre poderia ser alcançado através da 
 disponibilização dos elementos constantes do mapa de quadro de pessoal, para 
 consulta individual, única e exclusivamente relativamente aos dados de cada 
 trabalhador que procedesse a essa consulta, em terminal informático, pelo que é 
 de todo injustificada e desproporcionada a publicitação permitida pela afixação 
 dos mapas ou pela consulta por todos os trabalhadores de todos os dados 
 constantes do mapa de quadro de pessoal, já que a mesma permite o acesso a um 
 significativo acervo de informação pessoal por quem quer que seja, inclusive (no 
 caso de afixação) por uma qualquer pessoa estranha à empresa que visite as suas 
 instalações. 
 
 6. Há, inequivocamente, formas não atentatórias aos direitos fundamentais, 
 previstos nos artigos 26.° e 35.° da CRP, de assegurar a consulta do conteúdo 
 dos mapas de quadro de pessoal pelo trabalhador interessado, sendo, pelo que a 
 norma que impõe a afixação do mapa de quadro pessoal é claramente 
 desproporcional e, por conseguinte, inconstitucional. 
 
 7. A decisão de não aplicação por inconstitucionalidade pelo Tribunal a quo da 
 norma constante do n.° 1 do artigo 456.° da Lei n.° 35/2004 deve ser confirmada, 
 uma vez que essa norma configura restrição e violação aos direitos constantes 
 dos artigos 26.° e 35.° da Constituição da República Portuguesa não conforme ao 
 princípio da proporcionalidade ínsito n.° 2 do artigo 18.° da Lei Fundamental.
 
  
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 II
 Fundamentos
 
  
 
 3.  No presente recurso de constitucionalidade é colocada ao Tribunal a seguinte 
 questão: lesa a norma contida no artigo 456º (e a contida no artigo 490º) do 
 Regulamento do Código de Trabalho o direito à reserva da intimidade da vida 
 privada, consagrado no artigo 26º da Constituição, e a vertente especial do 
 direito à autodeterminação informativa que decorre do nº 4 do artigo 35º da CRP? 
 
 
 De acordo com o disposto no nº 1 do artigo 456º do Regulamento do Código de 
 Trabalho, deve o empregador afixar, de forma visível, o mapa de quadro de 
 pessoal da empresa [a que se refere por seu turno o artigo 454º], ou, no caso de 
 apresentação por meio informático, disponibilizar a sua consulta durante um 
 período de 30 dias, «a fim de que o trabalhador interessado possa reclamar, por 
 escrito, directamente ou através do respectivo sindicato, das irregularidades 
 detectadas». Por seu turno, decorre do artigo 490º, nº 1, alínea f) do mesmo 
 Regulamente que o incumprimento de semelhante dever constitui contra-ordenação 
 leve. 
 A sentença de que interpôs recurso o Ministério Público recusou a aplicação 
 destas(s) normas(s), por entender que, sendo os dados constantes do quadro de 
 pessoal os identificados pela Portaria nº 785/2000, de 19 de Setembro – ou seja, 
 aqueles relativos ao nome, categoria profissional, profissão, habilitações, 
 número de segurança social, remunerações pagas, diuturnidades, prestações 
 regulares e irregulares e horas extraordinárias –, integravam eles informações 
 sobre as pessoas dos trabalhadores que deveriam ser, por imposição 
 constitucional, tidas como informações de acesso reservado (ou seja, controladas 
 pela pessoa a que dissessem respeito), pelo que a Constituição proibiria aqui a 
 sua divulgação ‘pública’. De acordo ainda com este entendimento, à publicidade 
 conduziria inevitavelmente o dever de exposição dos dados, decorrente, para o 
 empregador, do artigo 456º do Regulamento.
 Num caso semelhante, relatado no Acórdão nº 555/2007, decidiu o Tribunal 
 Constitucional que assim não era, por se considerar que não ocorria, in casu, 
 qualquer lesão, quer do direito à reserva da intimidade da vida privada quer da 
 vertente especial do direito à autodeterminação informativa consagrada no nº 4 
 do artigo 35º da CRP.
 Deve desde já dizer-se que é este o juízo que aqui se reitera, pelos fundamentos 
 que seguem:
 
  
 
  
 
 4.  Do que seja o conteúdo do direito à reserva da intimidade da vida privada se 
 tem ocupado suficientemente a jurisprudência do Tribunal (vejam‑se, 
 entre outros, os Acórdãos nºs 306/2003 e 368/2002, disponíveis em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt, bem como o Acórdão nº 355/97, em Acórdãos do 
 Tribunal Constitucional, 37º vol., p. 7 e ss.). Tem‑se dito – em consonância, 
 aliás, com doutrina conhecida sobre o tema – que tal direito inclui, como 
 diferentes manifestações, o direito à solidão, o direito ao anonimato e o 
 direito à autodeterminação informativa, entendido este último como direito de 
 subtrair ao conhecimento do público factos e comportamentos reveladores do modo 
 de ser do sujeito na condução da sua vida privada. 
 Embora estas três «manifestações» em que se fracciona o direito estejam entre si 
 estreitamente interrelacionadas – e só nessa interrelação possam ser, todas e 
 cada uma delas, integralmente compreendidas –, a verdade é que, in casu, é a 
 
 última que particularmente interessa. O bem jurídico protegido pelo direito à 
 reserva da intimidade da vida privada é, em larga medida (e nisso se 
 distinguindo ele do bem protegido pelos demais direitos pessoais consagrados no 
 artigo 26º), algo que diz respeito à informação em sentido lato (Paulo Mota 
 Pinto, «O Direito à Reserva sobre a Intimidade da Vida Privada», em Boletim da 
 Faculdade de Direito, 69, 1993, p. 525»), pelo que a prossecução de tal bem se 
 realiza através do direito, que cada um tem,  de evitar ou controlar a tomada de 
 conhecimento, por parte de terceiros, de informações relativas à sua própria 
 
 ‘privacidade’. E é justamente essa a dimensão da ‘reserva’ que, no presente 
 caso, é relevante. 
 No entanto, e como bem se sabe, não é fácil determinar qual o âmbito de 
 protecção que possa vir a ter tal ‘reserva’, nesta dimensão de faculdade de 
 controlo da informação sobre si próprio: a indeterminação do conceito de 
 
 ‘privacidade’, ou de ‘vida privada’, está na raiz de todas as dificuldades 
 relativas ao âmbito de protecção do direito. 
 Sustenta o representante do Ministério Público no Tribunal, nas suas alegações, 
 que, no caso, os elementos da informação a divulgar, nos termos das disposições 
 conjugadas da norma legal em juízo e da portaria que a regulamenta, estariam 
 todos eles fora do âmbito de protecção do direito – ou, rectius, fora do âmbito 
 de protecção da norma constitucional que consagra o direito – por não ser nenhum 
 desses elementos atinente à esfera ‘íntima’ da pessoa-trabalhador. O número da 
 Segurança Social e a data de nascimento – diz-se – seriam por natureza dados 
 
 ‘públicos’, ou pelo menos ‘não privados’, por dizerem respeito a modos de ser da 
 relação que se estabelece entre a pessoa e o Estado; e os restantes, como os 
 relativos à profissão, às habilitações ou às promoções na carreira, por dizerem 
 respeito à relação jurídico-laboral da pessoa, inscrever-se-iam «num tempo e num 
 espaço privado, com repercussão e projecção pública e social, mas não íntimo», 
 pelo que, conclui-se, nenhum destes dados integraria a ‘reserva de intimidade’ 
 
 (fls. 128).
 
 É esta, contudo, uma leitura restritiva do conceito de privacidade – segundo a 
 qual, e para efeitos de determinação do âmbito de protecção da norma contida no 
 artigo 26º da CRP, ‘privacidade’ equivaleria finalmente a ‘intimidade’ – que o 
 Tribunal não pode aceitar. Ainda que se admita (de acordo com as alegações do 
 Ministério Público) que as informações relativas à Segurança Social e à data de 
 nascimento dos trabalhadores estariam, pela sua natureza, fora do âmbito de 
 protecção do direito consagrado no artigo 26º da CRP, o mesmo se não pode 
 concluir quanto aos restantes dados: é que a fórmula ‘reserva de intimidade da 
 vida privada’ não pode ser interpretada restritivamente, de modo a circunscrever 
 a protecção constitucional à vida íntima, pois que tal implicaria deixar de 
 cobrir todas as outras esferas da vida que devem igualmente ser resguardadas do 
 público, como condição de salvaguarda da integridade e dignidade das pessoas. 
 Assim sendo, nenhuma razão há para que se conclua, como concluiu o Ministério 
 Público nas suas alegações, que a imposição legal de divulgação, no âmbito da 
 empresa, de informações relativas aos trabalhadores não lesaria o direito 
 consagrado no artigo 26º da CRP por se situarem tais informações fora do âmbito 
 protegido da ‘reserva’ que aí se tutela. Nada permite concluir que assim seja. 
 Dito isto, a verdade é que também nada permite concluir – como o fez a sentença 
 recorrida – que, por assim não ser, a norma sob juízo lesa ipso facto a 
 Constituição. 
 Com efeito, o ‘facto’ de se recusar a equivalência entre ‘privacidade’ e 
 
 ‘intimidade’ não impede que se não estabeleçam graduações entre diferentes 
 esferas da vida privada, «consoante a sua maior ou menor ligação aos atributos 
 constitutivos da personalidade» (Acórdão nº 442/2007 – DR, Iª série, nº 175, de 
 
 11 de Setembro de 2007, p. 6459). Haverá assim, no âmbito de protecção do 
 direito, núcleos mais e menos ‘fortes’ de reserva de privacidade, sendo que uma 
 tal variação de força não poderá deixar de ser tida em conta sempre que se se 
 quiser proceder a juízos de ponderação de bens. 
 Algum bem ou interesse terá o legislador querido prosseguir, quando determinou, 
 no artigo 456º do Regulamento, que se afixasse de «forma visível» cópia do mapa 
 de pessoal apresentado – e contendo todos os elementos de informação pessoal que 
 atrás ficaram identificados. 
 Fiel a uma certa literalidade do preceito, que diz dever proceder-se a tal 
 afixação «a fim de que o trabalhador interessado possa reclamar, por escrito ou 
 directamente ou através do respectivo sindicato, das irregularidades 
 detectadas», entendeu a sentença recorrida que o tal bem ou interesse 
 prosseguido pelo legislador se circunscreveria aos limites da relação 
 estabelecida entre cada trabalhador, individualmente considerado – e ao qual 
 diriam respeito os dados de informação divulgados –, e a sua entidade 
 empregadora. É com fundamento em semelhante leitura dos fins da lei que se 
 conclui pela desnecessidade e pelo excesso da imposição de afixação dos mapas, 
 e, logo, pela sua inconstitucionalidade, por violação das disposições conjugadas 
 do artigo 26º e 18º, nº 2 in fine da CRP. Compreende-se no entanto mal tal 
 leitura, nos seus muito estreitos limites. 
 Com efeito, só seria admissível partir desse princípio – segundo o qual a medida 
 legislativa só serviria no domínio da relação estreita entabulada entre cada 
 trabalhador, individualmente considerado, e o empregador – se se não concebesse 
 o espaço da empresa como um espaço de convivência comum, e se se não 
 considerasse que todos os trabalhadores que integram tal espaço poderiam vir a 
 ser destinatários [potencialmente] interessados no conhecimento da informação 
 divulgada, a fim de poderem proceder (como o assinala, nas suas alegações, o 
 representante do Ministério Público no Tribunal) a um «confronto/comparação 
 entre os dados dos vários trabalhadores». Mas é justamente este um entendimento 
 que razoavelmente se não pode excluir.
 A ser assim entendida, como cremos que deve ser, a ratio da imposição 
 legislativa, diverso terá que ser (ou pelo menos diverso do que aquele que foi 
 feito pela sentença recorrida) o juízo relativo à sua constitucionalidade. 
 Permitir que, num certo espaço jus-laboral, se possam confrontar e comparar os 
 dados respeitantes a todos os trabalhadores que o integram, significa criar 
 instrumentos que contribuirão para garantir que, nesse mesmo espaço, melhor se 
 venham a cumprir os direitos que são consagrados no nº 1 do artigo 59º da CRP. 
 A restrição à ‘reserva da intimidade da vida privada’ que a exposição ‘pública’ 
 de tais dados porventura implica, surgirá assim como algo justificado pela 
 necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente 
 protegidos, como manda a parte final do artigo 18º da CRP. A adequação entre uma 
 coisa e outra – entre a natureza da restrição e o fim que a legitima – não 
 parece oferecer dúvidas, como parece não oferecer dúvidas a proporcionalidade da 
 sua medida. Afinal de contas, a ‘publicidade’ de que aqui se fala não é senão a 
 relativa ao espaço ‘público’ da empresa; e a ‘privacidade’ de que aqui se trata 
 não é senão a relativa àqueles aspectos da vida de cada um que, não sendo 
 
 íntimos, directamente se interligam com a condição juslaboral do trabalhador. 
 Por estas razões, a norma contida no artigo 456º do Regulamento do Código de 
 Trabalho não lesa o direito à reserva da intimidade da vida privada, consagrado 
 no artigo 26º da CRP. 
 
  
 
  
 
 5.  Sustenta a sentença recorrida que, in casu, é ainda violado o nº 4 do artigo 
 
 35º da Constituição. 
 Por tudo quanto antes se disse, facilmente se poderá concluir que assim 
 não é. 
 A proibição de acesso a dados pessoais de terceiros, que a Constituição aqui 
 consagra, não é mais do que uma certa expressão do direito à autodeterminação 
 informativa, que, como vimos, está já consagrado no artigo 26º da CRP. Não 
 interessa agora indagar como, e em que medida, se relacionam um e outro 
 preceitos constitucionais: saber, por exemplo, se a proibição contida no nº 4 do 
 artigo 35º valerá apenas – como parece indicar a epígrafe do preceito – para os 
 casos de utilização de informática, alargando-se assim o tatbestand do direito 
 que já vinha consagrado no artigo 26º, é questão de resolução por agora inútil. 
 Certo é – e só essa certeza releva para o caso concreto – que aí onde não houver 
 lesão do direito-matriz, que é afinal o direito à autodeterminação informativa, 
 também não haverá lesão dessa sua expressão particularizada que é aquela que 
 decorre do nº 4 do artigo 35º. 
 Como vimos, a norma sob juízo não lesa a reserva da intimidade da vida privada, 
 justamente na sua dimensão de direito à autodeterminação informativa. Assim 
 sendo, só se pode concluir que a mesma norma em nada contradiz o disposto no 
 artigo 35º, nº 4, da CRP. 
 
  
 
  
 III
 Decisão
 
  
 Por estes fundamentos, decide-se conceder provimento ao recurso, reformando-se a 
 decisão recorrida de acordo com o presente juízo sobre a questão de 
 constitucionalidade.
 
  
 
  
 Lisboa, 21 de Abril de 2008
 Maria Lúcia Amaral (com declaração)
 Vítor Gomes
 Carlos Fernandes Cadilha
 Ana Maria Guerra Martins (com declaração)
 Gil Galvão
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
  
 Entendi que as minhas divergências quanto ao sentir maioritário da Secção não 
 eram, neste caso, de molde a justificar o meu ‘vencimento’ quanto à 
 fundamentação adoptada. Só por isso aceitei relatar a decisão.
 Tenho porém sérias reticências quanto à opção, que nela se faz, de excluir 
 a priori do âmbito de protecção da norma constitucional certos dados, apenas 
 porque eles são tidos – também aprioristicamente – como ‘públicos’ e não 
 
 ‘privados’.
 Creio que semelhante orientação não corresponde ao melhor método que o Tribunal 
 deverá adoptar, na sua tarefa de interpretação das normas constitucionais 
 relativas a direitos fundamentais.
 Com efeito, sempre que haja dúvidas ou incertezas quanto ao âmbito de protecção 
 de uma norma como esta, deve (penso) adoptar‑se como hipótese de trabalho o 
 princípio do âmbito mais alargado possível, para, a partir dele – e sem 
 exclusões apriorísticas e, portanto, não fundamentadas, de certos dados –, se 
 proceder aos necessários juízos de ponderação com outros bens ou interesses 
 constitucionalmente protegidos.
 Este método de determinação do conteúdo certo e definitivo de um direito 
 fundamental é, a meu ver, um método bem mais seguro e exigente do que qualquer 
 outro (que parta de concepções restritivas do âmbito de protecção), dado 
 implicar ele uma fundamentação mais densa, que não deixa de abranger todos os 
 juízos de ponderação.
 Maria Lúcia Amaral 
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 Votei a decisão, nos termos da fundamentação do acórdão nº 555/07, de 13 de 
 Novembro, desta Secção, tirado por unanimidade.
 
  
 Lisboa, 21 de Abril de 2008
 Ana Maria Guerra Martins