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Processo n.º 736/07
 
 1ª Secção
 Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
 
  
 ACORDAM NA 1ª SECÇÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
 
  
 I  Relatório
 
 1.  Por acórdão de 20 de Julho de 2006, o Tribunal Administrativo e Fiscal de 
 Almada julgou a acção administrativa especial intentada por A. contra a Caixa 
 Geral de Aposentações não provada e improcedente e absolveu a ré do pedido de 
 anulação da decisão, de 17 de Fevereiro de 2005, da Direcção da Ré, no segmento 
 em que fixa o valor da pensão do Autor, para o ano de 2005, em € 3.253,10.
 Pode ler-se no texto do acórdão, para o que agora releva, o seguinte:
 
 “ [...] 2. Mostram-se assentes os seguintes factos: 
 
 1º - O A. é, há mais de vinte anos, sócio do Sindicato dos Trabalhadores da 
 Função Pública do Sul e Açores – alínea A) dos factos assentes. 
 
 2º- Em 28 de Janeiro de 2005 o A. Requereu a sua reforma por velhice – alínea B) 
 dos factos assentes. 
 
 3º- Por despacho de 17/02/05 a R. reconheceu ao A. a remuneração total de € 
 
 4.178,68 – alínea C) dos factos assentes. 
 
 4.º No mesmo despacho a R. fixou o montante da pensão para o ano de 2005 em € 
 
 3.253,10 – alínea D) dos factos assentes. 
 
 5º- Para alcançar esses valores de € 4.178,68 e € 3.253,10, a R. partiu da 
 remuneração total de € 4.262,86 (a exacta e constante do doc. nº 2), dividiu o 
 aumento de 2005 por 36 meses e adicionou-o à remuneração de 2004 e, ao valor 
 encontrado (o já referido de € 4.178,68), deduziu-lhe sucessivamente 10% e 13,5% 
 
 [4.178,68 - (4.178,68x10%) - (3.760,81x13,5%)] – alínea E) dos factos assentes. 
 
 6º- Ou seja, fez sucessiva aplicação do disposto no nº 3 do art. 51º, na 
 primeira parte do art. 53º e nos nº 2 e 3 do art. 37º-A, todos do Estatuto da 
 Aposentação, na redacção resultante das alterações introduzidas pela Lei nº 
 
 1/2004, 15 de Janeiro – alínea F) dos factos assentes. 
 
 7º- Em 1973 (após o regresso da guerra), em 1979, ao concluir a Licenciatura em 
 Direito e, em 1992, ao iniciar funções de Dirigente, as opções que o A. tomou em 
 relação à sua vida profissional incluíram entre os elementos de ponderação a sua 
 aposentação – resposta à 2 questão da base instrutória. 
 
 8º- Onde foi determinante o regime legal de descontos e das futuras pensões – 
 resposta 3.ª questão da base instrutória. 
 Mostram-se ainda provados os seguintes factos com base em documentos: 
 
 9º- Consta do Relatório, Conclusões e Parecer sobre o Projecto de Lei nº 362/IX, 
 da Assembleia da República, emitido pela Comissão de trabalhos e dos Assuntos 
 Sociais, o seguinte: 
 
 “1.6 Da audição e discussão pública 
 a) da audição 
 Por deliberação da Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais, e sem prejuízo 
 da realização do competente processo de consulta pública nos termos 
 constitucionais, legais e regimentais aplicáveis, foram realizadas nos dias 18 e 
 
 19 de Novembro de 2003, um conjunto de audições em torno do projecto de lei nº 
 
 362/IX com as associações sindicais dos trabalhadores da Administração Pública, 
 tendo sido ouvidas as seguintes entidades: (...)“ – doc. fls. 129 do suporte 
 documental. 
 
 10.º- O projecto de lei 362/IX foi publicado no DAR II série A nº 8/IX/2 de 
 
 2003/10/18, pág. 325 – doc. fls. 56 do suporte documental. 
 
 3. São as seguintes as questões a resolver: 
 
 3.1. Foi violado o direito à negociação colectiva? 
 
 3.2. Houve violação do princípio do Estado de Direito, consagrado no artº 2 da 
 CRP, violação do artº 112.3. da CRP, violação dos princípios constitucionais da 
 confiança, da protecção contra o arbítrio, da certeza e da segurança jurídica? 
 
 4.1. A legislação em causa é a alteração criada ao estatuto da aposentação pela 
 Lei 1/2004 de 15/01. 
 
 É o seguinte o teor do nº 2 desta lei: 
 
 […]
 
 É a seguinte a redacção do artº 56 da CRP: 
 
 […]
 Nos termos do artº 6.c) da Lei 23/98 de 26/05, são objecto de negociação 
 colectiva as matérias relativas à fixação ou alteração “das pensões de 
 aposentação ou reforma”. 
 Não restam pois especiais dúvidas que a matéria de aposentações está sujeita a 
 negociação obrigatória por força das citadas disposições. Esta, aliás, tem sido 
 a posição do Tribunal Constitucional (Acs. 362/94, 477/98, 360/03). E também 
 esta a posição da doutrina (vide neste sentido, Jorge Miranda e Rui Medeiros, in 
 CRP Anotada, tomo I, pág. 565). 
 O procedimento de negociação vem regulado nos artsº 7, 8 e 9 da Lei 23/98 de 
 
 26/05, que têm a seguinte redacção: 
 
 […]
 Face aos factos provados, não restam dúvidas que esta negociação não teve lugar. 
 
 
 A questão é a de saber-se se a Assembleia da República está ou não sujeita à Lei 
 
 23/98. O Tribunal Constitucional pronunciou-se sobre esta questão no já citado 
 Acórdão 360/2003, publicado no DR. de 07/10/2003, nos seguintes termos: 
 
 […]
 Ou seja, de acordo com o T.C., as disposições da Lei 23/98 (que é 
 consensualmente aceite como sendo uma lei de valor reforçado) não são de 
 cumprimento obrigatório por parte da A. R., mas apenas por parte do Governo. A 
 A.R. apenas tem que respeitar a Constituição em termos suficientes para se poder 
 dizer que houve negociação. 
 Face aos factos provados, nomeadamente que existiu consulta das entidades 
 sindicais, que o projecto foi publicado no Diário da Assembleia da República, é 
 inevitável a conclusão da não inconstitucionalidade formal da Lei 1/2004 pelos 
 motivos invocados, face a esta Jurisprudência do Tribunal Constitucional. 
 
 4.2. Invoca o A. a violação do princípio do Estado de Direito, consagrado no 
 artº 2 da CRP, violação do artº 112.3. da CRP, violação dos princípios 
 constitucionais da confiança, da protecção contra o arbítrio, da certeza e da 
 segurança jurídica. 
 E sabido que por força do artº 12.2. do Código Civil, quando a lei dispõe 
 directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos 
 factos que lhe deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias 
 relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor. Ou seja, 
 como no caso dos autos, quando a lei nova regula a reforma dos funcionários 
 públicos, ela aplica-se a todos, porque estamos perante uma relação jurídica, a 
 de funcionalismo público. 
 A especificidade desta situação, o que a diferencia da normal regulação de 
 relações jurídicas por via legislativa, é que o regulador é neste caso também 
 parte interessada, ele é a “entidade patronal”, o devedor das reformas, o 
 obrigado a pagar. Assim sendo, compreende-se que ao legislador lhe sejam 
 impostas restrições de carácter geral, desde que constitucionalmente 
 consagradas, como são o caso dos princípios invocados pelo A.. 
 Entendemos que a violação dos citados preceitos só tem possibilidade de existir 
 se verificadas as seguintes condições: 
 
 - os direitos retirados existiam à data da entrada do A. na função pública. 
 
 - os direitos retirados ofendam de forma intolerável o conjunto de direitos que 
 o A. tinha à data da sua entrada na função pública. 
 A reforma do A. foi antecipada, ou seja, ele reformou-se antes da idade normal 
 de reforma, ao abrigo do Dec-lei 116/85 de 19/04. Esta faculdade não existia no 
 momento em que o A. aderiu à função pública. Logo, alterações a um regime de 
 reformas que não existia quando o A. entrou para a função pública, não se podem 
 considerar como violadores dos referidos princípios. Ou seja: benesses criadas 
 após a tomada de posse como funcionário público, não se podem ter como 
 irreversíveis. E irrelevante se o A. considerou estas benesses como um incentivo 
 para optar em determinada fase da sua vida por continuar ligado à função 
 pública, porque o Estado não lhe garantiu que esse sistema vigoraria para 
 sempre. Aquilo que de boa fé um funcionário pode exigir do Estado, é que as 
 condições de reforma que vai ter quando se reformar não sejam intoleravelmente 
 inferiores às que vigoravam no momento em que tomou posse, porque foi com a 
 expectativa dessas condições que ele aceitou servir o Estado. 
 Assim sendo, porque o A. optou por usufruir de um sistema de reformas 
 antecipadas, que não existia antes dele tornar posse como funcionário público, 
 não pode pretender que lhe seja aplicável o regime mais favorável que já alguma 
 vez esteve em vigor nesta matéria, invocando um pretenso direito adquirido, 
 porque ele nunca existiu com carácter de irreversibilidade. Logo, não se pode 
 nesta matéria verificar nunca a violação de nenhum dos referidos princípios. 
 
 […]”
 
  
 Deste acórdão recorreu A.  para o Tribunal Central Administrativo Sul, 
 formulando nas alegações respectivas as seguintes conclusões:
 
  
 
 “ […] 1.ª – O douto acórdão recorrido considera que na lei nº 1/2004, de 15 de 
 Janeiro, o Estado estava constitucionalmente obrigado a prévia negociação 
 colectiva com as associações sindicais e reconhece que esse dever não foi 
 cumprido. 
 
 2.ª – Conclui porém que, não sendo aplicável a Lei n.º 23/98, de 26 de Maio (por 
 não ser de cumprimento obrigatório por parte da A.R.), à Assembleia da República 
 basta a consulta às entidades sindicais e a publicação do Projecto no Diário da 
 Assembleia da República. 
 
 3.ª– Fundamentando-se unicamente no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 
 
 360/2003, trata exactamente da mesma forma as duas distintas realidades em causa 
 nesse e no acórdão aqui recorrido. 
 
 4.ª– Erradamente. Enquanto no primeiro Acórdão se apreciava o procedimento da 
 Assembleia da República no processo de produção legislativa (então da Lei nº 32- 
 B/2002, de 30 de Dezembro), em referência à participação na elaboração da 
 legislação de trabalho, na decisão ora recorrida em causa está o incumprimento 
 do direito de negociação colectiva. 
 
 5.ª– A participação na elaboração da legislação de trabalho ocorria no âmbito do 
 procedimento legislativo de competência da AR, o cumprimento do direito à 
 contratação colectiva tem que inserir-se no campo das competências do Governo 
 
 (não da AR) – é isso que resulta clara e directamente do art. 182º da 
 Constituição da República Portuguesa (CRP) e do art. 23º da Lei nº 23/98. 
 
 6.ª– Como a AR não tem competência nem legitimidade para, por si ou em 
 representação da Administração Pública e do Governo, exercer a negociação 
 colectiva, a Lei nº 1/2004, de 15 Janeiro, tinha que ser previa e 
 obrigatoriamente objecto de negociação entre o Governo e as Associações 
 Sindicais. 
 
 7.ª– Como não o foi (o que é, como se disse, expressamente reconhecido pelo 
 Acórdão sob recurso), a Lei está por isso eivada de inconstitucionalidade, tendo 
 a decisão recorrida violado os arts 56.º, nº 3, 2 182º da CRP, bem como a Lei 
 n.º 23/98, de 26 de Maio, incluindo o art. 23º. 
 
 8.ª– O nº 3 do art. 56.º da CRP garante aos trabalhadores (direito 
 constitucional, portanto) o exercício do direito de contratação colectiva 
 através das associações sindicais, o qual é garantido nos termos da lei. 
 
 9.ª– Só a negociação colectiva prevista na Lei nº 23/98, de 26 de Maio (que, 
 densificando aquele comando/direito constitucional, estabelece o regime de 
 negociação colectiva da Administração Pública), tem o alcance de consubstanciar 
 o seu cumprimento. 
 
 10.ª– Mesmo que em mero raciocínio acompanhemos a via redutora seguida pelo 
 acórdão recorrido quanto à aplicabilidade que faz da Lei nº 23/98 e baseando-nos 
 
 (como esse aresto) no Acórdão 360/2003, ainda assim há que concluir pelo errado 
 da decisão. 
 
 11.ª– Nem a publicação no Diário da AR do projecto de lei nem a mera consulta 
 num conjunto de audições em torno desse mesmo projecto de lei com as associações 
 sindicais podem ter qualquer relevância num processo de contratação colectiva 
 que nos termos da lei e da própria natureza das coisas carece de prévia 
 negociação. 
 
 12.ª– Qualquer um dos três momentos provados nos autos sob os números 7º e 8º 
 tem igual relevância em termos de aferição do (in)cumprimento dos princípios 
 constitucionais invocados. Pelo que, pelo menos em 1992 já há mais de sete anos 
 estava em vigor o regime do Dec. Lei nº 116/85, de 19 de Abril. 
 
 13.ª– A dedução prevista no nº 1 do art. 53º do Estatuto da Aposentação, na 
 redacção dada pela Lei n.º 1/2004 também altera regras já há muito definidas e 
 retira direitos anteriores. Portanto, mesmo seguindo a tese do acórdão 
 recorrido, quanto a essa redução aqueles princípios constitucionais foram 
 desrespeitados. 
 
 14.ª– Ao decidir como o fez, violou o douto acórdão recorrido os princípios 
 constitucionais do Estado de Direito, da confiança, da protecção contra o 
 arbítrio, da certeza e da segurança jurídica 
 
 15.ª– O acórdão recorrido violou a Lei nº 23/98, de 26 de Maio, ao concluir pela 
 não aplicação da mesma em relação à invocada (na petição inicial) inobservância 
 dos procedimentos por ela definidos e consequente vício autónomo de ilegalidade. 
 
 
 
 16.ª– Com efeito, não pode deixar de entender-se aplicável o regime por essa Lei 
 definido, maxime porque é a Lei nº 23/98 que, definindo o regime da contratação 
 colectiva, vem densificar e “dar conteúdo” à disposição constitucional.
 Termos em que, e com o mais de douto suprimento, deve ser concedido provimento 
 ao presente recurso e, em consequência, anulado o douto acórdão recorrido e 
 proferido outro que declare inconstitucional a Lei nº 1/2004, de 15 de Janeiro, 
 com todas as consequências constantes da petição inicial. […]” 
 
  
 Por acórdão de 3 de Maio de 2007, o Tribunal Central Administrativo Sul negou 
 provimento ao recurso, remetendo para os fundamentos do acórdão recorrido que, 
 assim, confirmou.
 
  
 
 2.  Inconformado, A. recorreu para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do 
 disposto nas alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de 
 Novembro (LTC), nos seguintes termos:
 
  
 
 “ […] Pretende-se que o Tribunal Constitucional aprecie a inconstitucionalidade 
 e a ilegalidade da Lei nº 1/2004, de 15 de Janeiro. 
 Para cumprimento do nº 2 do art. 75º-A também da Lei nº 28/82, de 15 de 
 Novembro, faz-se constar o seguinte: 
 Consideram-se violados os arts 56.º da Constituição da República Portuguesa (que 
 consagra o direito constitucional à negociação colectiva) e os princípios 
 constitucionais do estado de direito, da confiança, da protecção contra o 
 arbítrio, da certeza e segurança jurídica, e quanto à ilegalidade a Lei nº 
 
 23/98, de 26 de Maio (que fixa os procedimentos da negociação colectiva), lei de 
 valor reforçado; […]” 
 
  
 O recurso foi admitido mas, por despacho do relator, o recorrente foi convidado, 
 quanto ao recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da 
 LTC, a indicar o exacto sentido da norma cuja conformidade constitucional 
 pretendia questionar com identificação do preceito legal em que se inscreve; e, 
 quanto ao recurso interposto ao abrigo da alínea f) do n.º 1 do mesmo artigo 
 
 70º, a identificar a norma ilegal aplicada na decisão recorrida, especificando o 
 fundamento dessa ilegalidade nos termos previstos na referida alínea. 
 O recorrente respondeu nos seguintes termos:
 
  
 
  “ […] O Recorrente questiona a conformidade constitucional dos arts l.º e 2.º 
 da Lei nº 1/2004, de 15 de Janeiro, por entender que violam o art. 56º da CRP – 
 por não ter a Lei sido precedida de negociação colectiva, direito que essa norma 
 constitucional consagra. Face a essa inconstitucionalidade, não podem tais 
 normas vigorar na ordem jurídica e o Estatuto da Aposentação deve ser aplicado 
 na redacção anterior às alterações introduzidas por essa Lei, sendo o valor da 
 pensão calculado sem as deduções impostas pela Lei nº 1/2004. 
 Questiona também o Recorrente a legalidade das mesmas normas por violarem a Lei 
 nº 23/98, de 26 de Maio, lei de valor reforçado que, densificando aquele direito 
 constitucional, define os procedimentos da negociação colectiva (a qual não teve 
 lugar). […]”
 
  
 Prosseguindo o recurso os seus trâmites, o recorrente apresentou alegação e 
 concluiu:
 
 “ […] 1.ª – O Tribunal Constitucional já foi chamado a pronunciar-se sobre a 
 matéria aqui em causa em sede de apreciação sucessiva de constitucionalidade dos 
 nº 1 a 8 do art. 9º da Lei nº 2-B/2002, de 30 de Dezembro (cujo texto era 
 exactamente o mesmo da Lei aqui em causa, com excepção de uma alteração quanto à 
 produção de efeitos, aqui de todo irrelevante) – tendo-o feito através do 
 Acórdão nº 360/2003, de 8 Julho 2003, in DR I-A Série de 7 Outubro 2003. 
 
 2.ª – Nesse Acórdão nº 360/2003 o Tribunal Constitucional declarou a 
 inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de todas essas normas legais 
 por violação do direito de participação na elaboração da legislação do trabalho 
 previsto na alínea a) do nº 2 do art. 56º da CRP. Mais decidiu julgar 
 desnecessário, porque prejudicado por aquela decisão, analisar os restantes 
 vícios invocados. 
 
 3.ª – A razão que nos leva a, com a ênfase com que o fazemos, nos “colocarmos” 
 no Acórdão nº 360/2003 é porque o que ora está em causa são precisamente os 
 demais vícios alegados pelo Sr. Presidente da República – e que, como dissemos, 
 o TC não apreciou por os considerar prejudicados pela anterior apreciação que o 
 levou a formular o juízo de inconstitucionalidade. 
 
 4.ª – Se faz todo o sentido aferir se a parte excluída pela lei ordinária está 
 dentro ou fora do que a Constituição garante com o direito constitucional que 
 postula (o núcleo duro ou a reserva), já não é legítimo admitir-se retirar o que 
 essa lei ordinária integra no âmbito do direito constitucional que densifica. 
 
 5.ª – Porque o art. 6.º da Lei nº 23/98, de 26 de Maio, dispõe expressamente que 
 
 “são objecto de negociação colectiva as matérias relativas à fixação ou 
 alteração… das pensões de aposentação ou de reforma...”, essa matéria é 
 constitucionalmente objecto de negociação colectiva. 
 
 6.ª – O douto acórdão recorrido considera que na lei nº 1/2004, de 15 de 
 Janeiro, o Estado estava constitucionalmente obrigado a prévia negociação 
 colectiva com as associações sindicais e reconhece que esse dever não foi 
 cumprido. 
 
 7.ª – Conclui porém que, não sendo aplicável a Lei nº 23/98, de 26 de Maio (por 
 não ser de cumprimento obrigatório por parte da A.R.), à Assembleia da República 
 basta a consulta às entidades sindicais e a publicação do Projecto no Diário da 
 Assembleia da República. 
 
 8.ª – Fundamentando-se unicamente no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 
 
 360/2003, trata exactamente da mesma forma as duas distintas realidades em causa 
 nesse e no acórdão aqui recorrido. 
 
 9.ª – Erradamente. Enquanto no primeiro Acórdão se apreciava o procedimento da 
 Assembleia da República no processo de produção legislativa (então da Lei nº 32- 
 B/2002, de 30 de Dezembro), em referência à participação na elaboração da 
 legislação de trabalho, na decisão ora recorrida em causa está o incumprimento 
 do direito de negociação colectiva. 
 
 10.ª – A participação na elaboração da legislação de trabalho ocorria no âmbito 
 do procedimento legislativo de competência da AR, o cumprimento do direito à 
 contratação colectiva tem que inserir-se no campo das competências do Governo 
 
 (não da AR) – é isso que resulta clara e directamente do art. 182.º da 
 Constituição da República Portuguesa (CRP) e do art. 14º da Lei nº 23/98. 
 
 11.ª – Como a AR não tem competência nem legitimidade para, por si ou em 
 representação da Administração Pública e do Governo, exercer a negociação 
 colectiva, a Lei nº 1/2004, de 15 Janeiro, tinha que ser previa e 
 obrigatoriamente objecto de negociação entre o Governo e as Associações 
 Sindicais. 
 
 12.ª – Como não o foi (o que é, como se disse, expressamente reconhecido pelo 
 Acórdão sob recurso), a Lei está por isso eivada de inconstitucionalidade, tendo 
 a decisão recorrida violado os arts 56º, nº 3, 2 182º da CRP, bem como a Lei nº 
 
 23/98, de 26 de Maio, incluindo o art. 23º. 
 
 13.ª – O nº 3 do art. 56º da CRP garante aos trabalhadores (direito 
 constitucional, portanto) o exercício do direito de contratação colectiva 
 através das associações sindicais, o qual é garantido nos termos da lei. 
 
 14.ª – Só a negociação colectiva prevista na Lei nº 23/98, de 26 de Maio (que, 
 densificando aquele comando/direito constitucional, estabelece o regime de 
 negociação colectiva da Administração Pública), tem o alcance de consubstanciar 
 o seu cumprimento. 
 
 15.ª – Mesmo que em mero raciocínio acompanhemos a via redutora seguida pelo 
 acórdão recorrido quanto à aplicabilidade que faz da Lei nº 23/98 e baseando-nos 
 
 (como esse aresto) no Acórdão 360/2003, ainda assim há que concluir pelo errado 
 da decisão. 
 
 16.ª – Nem a publicação no Diário da AR do projecto de lei nem a mera consulta 
 num conjunto de audições em torno desse mesmo projecto de lei com as associações 
 sindicais podem ter qualquer relevância num processo de contratação colectiva 
 que nos termos da lei e da própria natureza das coisas carece de prévia 
 negociação. 
 
 17.ª – Qualquer um dos três momentos provados nos autos sob os números 7º e 8º 
 tem igual relevância em termos de aferição do (in)cumprimento dos princípios 
 constitucionais invocados. Pelo que, pelo menos em 1992 já há mais de sete anos 
 estava em vigor o regime do Dec. Lei nº 116/85, de 19 de Abril. 
 
 18.ª – A dedução prevista no nº 1 do art. 53º do Estatuto da Aposentação, na 
 redacção dada pela Lei nº 1/2004 também altera regras já há muito definidas e 
 retira direitos anteriores. Portanto, mesmo seguindo a tese do acórdão 
 recorrido, quanto a essa redução aqueles princípios constitucionais foram 
 desrespeitados. 
 
 19.ª – Ao decidir como o fez, violou o douto acórdão recorrido os princípios 
 constitucionais do Estado de Direito, da confiança, da protecção contra o 
 arbítrio, da certeza e da segurança jurídica 
 
 20.ª – O acórdão recorrido violou a Lei nº 23/98, de 26 de Maio, ao concluir 
 pela não aplicação da mesma em relação à invocada (na petição inicial) 
 inobservância dos procedimentos por ela definidos e consequentes vícios 
 autónomos de ilegalidade e de inconstitucionalidade indirecta. 
 
 21.ª – Com efeito, não pode deixar de entender-se aplicável o regime por essa 
 Lei definido, maxime porque é a Lei nº 23/98 que, definindo o regime da 
 contratação colectiva, vem densificar e “dar conteúdo” à disposição 
 constitucional. 
 Termos em que, e com o mais de douto suprimento, deve ser concedido provimento 
 ao recurso e, em consequência, anulado o douto acórdão recorrido e proferido 
 outro que declare inconstitucional a Lei n.º 1/2004, de 15 de Janeiro. […]”
 
  
 A recorrida Caixa Geral de Aposentações apresentou contra-alegação.
 
  
 II  Fundamentação
 
  
 
 3.  O recorrente requer, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 artigo 70.º da Lei do 
 Tribunal Constitucional (LTC), que seja apreciada a conformidade constitucional 
 dos artigos 1.º e 2.º da Lei n.º 1/2004 de 15 de Janeiro. Requer, ainda, ao 
 abrigo da alínea f) do n.º 1 do mesmo artigo 70.º, que seja apreciada a 
 ilegalidade das mesmas normas, por violação de lei com valor reforçado.  
 Os recursos previstos nas alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do 
 Tribunal Constitucional têm natureza normativa, visando apreciar a conformidade 
 constitucional e a ilegalidade de normas efectivamente aplicadas como ratio 
 decidendi na decisão recorrida. Nestes processos, a apreciação da questão de 
 inconstitucionalidade e de ilegalidade, designadamente por violação de lei com 
 valor reforçado, está condicionada a uma efectiva aplicação da norma que é 
 objecto do recurso.
 Na sua alegação, o recorrente sustenta, em conclusão,  que (19.ª) – Ao decidir 
 como o fez, violou o douto acórdão recorrido os princípios constitucionais do 
 Estado de Direito, da confiança, da protecção contra o arbítrio, da certeza e da 
 segurança jurídica; (20.ª) – O acórdão recorrido violou a Lei nº 23/98, de 26 de 
 Maio, ao concluir pela não aplicação da mesma em relação à invocada (na petição 
 inicial) inobservância dos procedimentos por ela definidos e consequentes vícios 
 autónomos de ilegalidade e de inconstitucionalidade indirecta.
 Ora, esta matéria situa-se claramente fora do âmbito do presente recurso, por se 
 tratar da impugnação directa da decisão impugnada. O recurso tem natureza 
 normativa, não sendo consentido ao Tribunal Constitucional sindicar a decisão em 
 si mesma considerada.
 Considerando que as alterações introduzidas pela Lei n.º 1/2004 de 15 de Janeiro 
 ao Estatuto da Aposentação não violam qualquer norma ou princípio 
 constitucional, a decisão recorrida julgou improcedente o pedido de anulação da 
 decisão de 17 de Fevereiro de 2005, da Direcção da Caixa Geral de Aposentações, 
 no segmento em que fixou o valor da pensão do Autor, para o ano de 2005, em € 
 
 3.253,10, pela aplicação “do disposto no nº 3 do art. 51º, na primeira parte do 
 art. 53º e nos nº 2 e 3 do art. 37º-A, todos do Estatuto da Aposentação, na 
 redacção resultante das alterações introduzidas pela Lei nº 1/2004 15 de 
 Janeiro”. 
 Assim, atenta a natureza instrumental do recurso de inconstitucionalidade e de 
 ilegalidade por violação de lei com valor reforçado, a análise do Tribunal 
 incidirá apenas na norma do n.º 1 da artigo 1.º da Lei n.º 1/2004 de 15 de 
 Janeiro, na parte em que conferiu nova redacção aos artigos 51.º n.º 3 e 53.º 
 n.º 1 do Estatuto da Aposentação aprovado pelo Decreto-Lei 498/72 de 9 de 
 Dezembro, e na norma do n.º 2 do mesmo artigo 1.º, na parte em que aditou o 
 artigo 37.º-A n.º s 2 e 3 ao Estatuto da Aposentação.
 
  
 
 4.  No recurso interposto ao abrigo da alínea f) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, 
 o recorrente questiona a legalidade das normas objecto do presente recurso, por 
 violarem a Lei n.º 23/98 de 26 de Maio, que qualifica como lei com valor 
 reforçado.
 Acontece que o Tribunal já se pronunciou sobre esta matéria, no Acórdão n.º 
 
 374/2004 (Diário da República, II Série, de 30 de Junho de 2004), tendo 
 concluído que “a Lei n.º 23/98 de 26 de Maio não poderá qualificar-se como lei 
 com valor reforçado”.
 Pode ler-se neste aresto:
 
  “ […] 7.3. O artigo 56.º, n.º 3, da CRP confere às associações sindicais o 
 direito de contratação colectiva, “o qual é garantido nos termos da lei”. Como 
 referem J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (obra citada, págs. 307‑308):
 
 “ (...) Enquanto direito dos trabalhadores, o direito de contratação colectiva 
 significa designadamente direito de regularem colectivamente as relações de 
 trabalho, substituindo o poder contratual do trabalhador individual pelo poder 
 colectivo organizado no sindicato.
 Materialmente, ele analisa-se em três aspectos: (a) o direito à liberdade 
 negocial colectiva, não estando os acordos colectivos sujeitos a autorizações ou 
 homologações administrativas; (b) o direito à negociação colectiva, ou seja, 
 direito a que as entidades patronais não se recusem à negociação, o que requer 
 garantias específicas, nomeadamente esquemas públicos sancionatórios da recusa 
 patronal em negociar e contratar; (c) direito à autonomia contratual colectiva, 
 não podendo deixar de haver um espaço aberto à disciplina contratual colectiva, 
 o que não pode ser aniquilado por via normativo‑estadual.
 
 (...)
 O direito de contratação colectiva assiste a todos os trabalhadores. Não 
 estabelecendo o preceito quaisquer discriminação, não pode aquele direito 
 deixar de ser reconhecido a todos os que gozam em geral dos direitos dos 
 trabalhadores (...), incluindo, portanto, também os trabalhadores da função 
 pública. A este propósito há que sublinhar que o direito de contratação 
 colectiva não se satisfaz com um simples direito de negociação (cfr. Decreto‑Lei 
 n.º 45‑A/84, de 3 de Fevereiro), pois aquele implica uma convenção entre duas 
 partes, assumindo as suas cláusulas eficácia normativa (...).”
 Não obstante os autores em questão considerarem que o direito de contratação 
 colectiva não se limita ao direito de negociação, pressupõem que este último é 
 um elemento integrante do primeiro.
 O direito de negociação e de contratação colectivas, enquanto direito dos 
 trabalhadores exercido através das associações sindicais, está colocado sob 
 reserva de lei, numa dupla perspectiva: (i) a Constituição remete para a lei a 
 modelação desse direito, embora, como se referiu no Acórdão n.º 517/98 (Diário 
 da República, II Série, n.º 260, de 10 de Novembro de 1998, pág. 15 978; e 
 Acórdãos do Tribunal Constitucional, 40.º vol., pág. 573), tal não signifique 
 que a lei possa esvaziar o seu conteúdo, como sucederia se ela própria regulasse 
 integralmente as relações de trabalho em termos inderrogáveis pelas convenções 
 colectivas, mas apenas que a lei pode regular o direito de negociação e 
 contratação colectiva, delimitando‑o ou restringindo‑o, mas deixando sempre um 
 conjunto minimamente significativo de matérias aberto a essa negociação; e (ii) 
 tal regulação há‑de ser feita por acto legislativo (deixando em aberto a questão 
 de saber se se imporá sempre a reserva de lei parlamentar).
 Como se referiu no citado Acórdão n.º 360/2003, é controvertida a questão de 
 saber se a matéria sobre que versam as normas ora questionadas (regime da 
 aposentação) “se inclui no âmbito constitucionalmente imposto para o direito de 
 contratação colectiva”.
 Trata‑se, porém, de questão cuja dilucidação, tal como a da questão 
 anteriormente referida (relativa à existência, ou não, de uma reserva de lei 
 parlamentar), não se impõe no contexto do presente acórdão. É que, mesmo para 
 quem considere que a matéria do regime da aposentação se inclui no âmbito 
 constitucionalmente imposto para o direito de negociação colectiva e que a 
 modelação deste direito está colocada sob reserva de lei parlamentar, estes 
 entendimentos não implicam necessariamente que a Lei n.º 23/98 tenha valor 
 reforçado.
 Na verdade, não é pelo facto de uma matéria estar eventualmente sujeita a 
 reserva legislativa parlamentar que as disposições legais que a regulam adquirem 
 valor reforçado. Efectivamente, como já se evidenciou (supra, n.º 6), os 
 conceitos referidos não são coincidentes, e da circunstância de uma matéria 
 estar incluída na reserva legislativa do Parlamento apenas resulta que o 
 legislador constitucional lhe atribuiu especial relevo. A importância das 
 matérias sujeitas a reserva de lei da Assembleia da República justifica, 
 assim, uma maior publicidade do procedimento legislativo e a existência de 
 contraditório político, além de exigir que os diplomas que as regulam 
 constituam produto da vontade de um órgão com representatividade e legitimidade 
 democrática directa. Tal não significa, porém, que os referidos diplomas 
 constituam, automaticamente, parâmetro de aferição da validade de outras leis 
 
 (que é o que caracteriza as leis com valor reforçado).
 Noutra perspectiva, importa sublinhar que é diferente, em termos conceptuais e 
 normativo‑constitucionais, a consagração de um direito na Lei Fundamental (no 
 caso, o direito à negociação colectiva) e a atribuição de carácter paramétrico 
 ao diploma legal que procede à sua regulação. Ou seja, a garantia constitucional 
 de existência de um espaço aberto à negociação colectiva não implica, 
 necessariamente, a proeminência legal do diploma que regula o referido direito. 
 Note‑se que a Constituição nada refere sobre o eventual carácter paramétrico da 
 legislação sobre negociação colectiva. Na tese dos requerentes, tal qualificação 
 resultaria, no caso em apreço, da própria lei, que estabelece regras sobre a 
 produção e aprovação de normas legais atinentes a um determinado conjunto de 
 matérias. Ora, é à Constituição e não à lei ordinária que compete atribuir 
 carácter reforçado aos diplomas legais. Não é, pois, o facto de um diploma legal 
 atribuir valor paramétrico às suas normas (como seria, segundo os requerentes, 
 o caso da Lei n.º 23/98), que constitui fundamento para a sua qualificação como 
 lei com valor reforçado.
 A Constituição não vincula a Assembleia da República a nenhuma forma de 
 concretização do disposto no n.º 3 do artigo 56.º. De facto, a Lei Fundamental 
 não diz quais as matérias que devem ser objecto de contratação ou de negociação 
 colectiva, nem impõe que a sua regulação ou alteração obedeça à lei que 
 estabelece o regime de negociação colectiva.
 A situação em análise é similar à tratada pelo já citado Acórdão n.º 358/92, em 
 que se concluiu que o regime das finanças locais não tem valor reforçado, sendo 
 a respectiva fundamentação transponível para o presente caso. Aí se referiu:
 
 “Ora, conforme já atrás se referiu (...), o artigo 240.º da Constituição (cuja 
 redacção decorre da sua versão originária) não constitui elemento suficiente 
 para poder concluir que, no sistema constitucional, a LFL beneficia de um tal 
 valor reforçado para o efeito aqui tido em vista.
 Na realidade, a previsão de que o regime das finanças locais será estabelecido 
 por lei em nada difere de inúmeras remissões para a lei que a Constituição 
 contém em diversíssimos preceitos. Daí que do enunciado linguístico da 
 Constituição não decorra que a LFL seja fundamento material de validade de 
 qualquer outra lei, ou que beneficie de uma especial capacidade derrogatória ou 
 de protecção face à sua derrogação por lei posterior, circunstância que não será 
 alheia ao facto de nos exaustivos (ainda que nem sempre forçosamente taxativos) 
 elencos de leis reforçadas feitos pela doutrina (a que atrás aludimos) em nenhum 
 deles se incluir a Lei das Finanças Locais como exemplo de lei com valor 
 reforçado.
 Contudo, mesmo sem qualquer indicação específica na letra da Constituição, 
 poder‑se‑ia entender que a Lei das Finanças Locais é uma lei 
 
 «constitucionalmente necessária», no sentido em que a ela cabe definir um 
 quadro legal (com «vocação permanente») da autonomia financeira do poder local, 
 em virtude da especial função que lhe é atribuída pela Constituição (assegurar 
 a justa repartição dos recursos públicos pelo Estado e pelas autarquias locais e 
 a necessária correcção de desigualdades entre autarquias do mesmo grau).
 Ora, esta interpretação teleológica do artigo 240.º da nossa Lei Fundamental, 
 por si só não parece poder fundar o alegado valor reforçado da LFL.
 
 É que a Constituição não postula nenhum sistema de autovinculação da Assembleia 
 da República ao regime das finanças locais. Se nesta sede cabe falar de 
 autovinculação do Parlamento (e da adopção de um regime de finanças locais que 
 aspira a ter uma característica permanente), ela resulta em exclusivo da lei 
 ordinária, num primeiro momento do modelo de garantia de um limite mínimo de 
 participação no produto global de certos impostos (o da Lei n.º 1/79) e mais 
 recentemente do modelo da fórmula de cálculo do FEF baseado na cobrança do IVA 
 nos termos atrás referidos, de acordo com a Lei n.º 1/87.
 
 (...) Dito de outro modo: se se pode considerar como mais adequado, tendo em 
 vista os fins constitucionalmente fixados ao regime das finanças locais e os 
 valores da previsibilidade e da segurança da gestão financeira das autarquias 
 locais em função da garantia da sua própria autonomia, um sistema que assente em 
 regras dotadas de especial valor normativo e de condições de estabilidade e 
 proeminência (...), tal não significa, todavia, que esse e só esse seja o modelo 
 constitucionalmente admissível ou sequer que seja o modelo exigido pela 
 Constituição. […]”
 
  
 Aderindo à fundamentação deste acórdão, deve concluir-se que não pode 
 qualificar-se a Lei n.º 23/98 de 26 de Maio como lei com valor reforçado. 
 Não se verifica, por esse motivo, o pressuposto fundamental deste tipo de 
 recurso (alínea c), com referência à alínea f) do n.º 1 do artigo 70º da LTC) 
 circunstância que ora determina a imediata improcedência desta parte da 
 pretensão do recorrente.
 
  
 
 5.  No recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, 
 o recorrente questiona a conformidade constitucional das normas impugnadas, por 
 entender que violam o disposto no n.º 3 do artigo 56.º da Constituição, em 
 virtude de a Lei n.º 1/2004 de 15 de Janeiro não ter sido precedida de 
 negociação colectiva.
 Alega o recorrente que, porque o artigo 6.º da Lei n.º 23/98, de 26 de Maio, 
 dispõe expressamente que “são objecto de negociação colectiva as matérias 
 relativas à fixação ou alteração (…) das pensões de aposentação ou de reforma 
 
 (…)”, essa matéria é constitucionalmente objecto de negociação colectiva. Alega, 
 ainda, que o cumprimento do direito à contratação colectiva tem que inserir-se 
 no campo das competências do Governo, pelo que a Lei n.º 1/2004, de 15 de 
 Janeiro, tinha de ser prévia e obrigatoriamente objecto de negociação entre o 
 Governo e as Associações Sindicais. 
 Questão semelhante foi recentemente tratada no Acórdão n.º 54/2009 (disponível 
 para consulta em www.tribunalconstitucional.pt). O Tribunal decidiu, nesse 
 aresto, não dar por verificada a violação ao direito fundamental à negociação e 
 contratação colectiva consagrado no artigo 56.º n.º 3 da Constituição, num 
 processo que tinha por objecto a norma do artigo 1.º, n.º 1, da Lei n.º 1/2004, 
 de 15 de Janeiro, na parte em que conferiu nova redacção aos artigos 51.º, n.º 
 
 3, e 53.º, n.º 1, do Estatuto da Aposentação.
 Pode ler-se no citado aresto o seguinte: 
 
  
 
 “ [...] para que a desconformidade constitucional se pudesse ter por verificada 
 seria necessário chegarmos à conclusão de que as matérias relacionadas com a 
 aposentação, maxime com modificações no método de cálculo da aposentação, porque 
 apenas estas integram o objecto dos autos, estão contidas no núcleo essencial do 
 direito à contratação colectiva, integrando ainda, adicionalmente, o núcleo de 
 matérias que devem ser relegadas, imperativamente, para o espaço de negociação e 
 contratação colectiva.
 Colocada a questão nestes moldes, fácil é de intuir que a resposta não poderá 
 deixar de ser negativa.
 
 7.1. As modificações introduzidas pelo artigo 1.º, n.º 1, da Lei n.º 1/2004, aos 
 artigos 51.º, n.º 3, e 53.º, n.º 1, do Estatuto da Aposentação, acarretam 
 alterações no método de cálculo da pensão de aposentação. O que significa, 
 portanto, obviamente, que dizem directamente respeito ao direito à aposentação. 
 Ora, é necessário ter em atenção que este direito, para além de ser um direito 
 dos trabalhadores, integra também o direito à segurança social, que se refere a 
 uma categoria subjectiva bastante mais vasta atenta a sua universalidade (nos 
 termos do artigo 63.º, da Constituição, “todos têm direito à segurança social”). 
 
 
 
 [...] 
 
 8. Do exposto resulta, assim, que as questões atinentes à aposentação, maxime as 
 que dizem respeito a alterações no método de cálculo das respectivas pensões 
 porque só estas nos ocupam de momento, não se podem considerar integradas no 
 núcleo essencial do direito fundamental à contratação colectiva. Tais matérias, 
 para além da íntima conexão que apresentam com as relações de trabalho – a qual 
 não se pretende, de modo algum, negar – dizem também directamente respeito ao 
 direito à segurança social cuja amplitude transcende a estrita categoria dos 
 direitos dos trabalhadores. Estamos portanto perante um direito social que se 
 caracteriza, na sua essência, pela sua universalidade, sendo titulado por todos 
 os cidadãos, e consubstanciando-se num conjunto de imposições constitucionais 
 dirigidas ao Estado e que se destinam a lograr a verificação das condições 
 necessárias à sua plena realização. Já o direito à contratação colectiva, 
 integrado na categoria dos direitos fundamentais dos trabalhadores, e assente 
 numa ideia de autonomia colectiva, tem como titulares apenas os cidadãos que são 
 trabalhadores e como destinatários não apenas o Estado como também as entidades 
 e associações patronais. […]”
 
  
 
 É a esta jurisprudência que se adere, concluindo-se que a norma do n.º 1 da 
 artigo 1.º da Lei n.º 1/2004, de 15 de Janeiro, na parte em que conferiu nova 
 redacção aos artigos 51.º, n.º 3 e 53.º, n.º 1 do Estatuto da Aposentação, 
 aprovado pelo Decreto-Lei 498/72, de 9 de Dezembro, e a norma do n.º 2 do mesmo 
 artigo 1.º, na parte em que aditou o artigo 37.º-A, n.º s 2 e 3, ao Estatuto da 
 Aposentação, não violam o direito fundamental à negociação e contratação 
 colectiva consagrado no artigo 56.º, n.º 3, da Constituição.  
 
  
 III   Decisão
 
 7.  Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se negar provimento ao 
 recurso, mantendo a decisão recorrida.
 Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 UC.
 Lisboa, 29 de Abril de 2009
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Gil Galvão
 José Borges Soeiro
 Maria João Antunes
 Rui Manuel Moura Ramos