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Processo n.º 638/07
 
 3ª Secção
 Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins 
 
  
 Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 I – RELATÓRIO
 
  
 
 1. Nos presentes autos, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, 
 o primeiro vem interpor ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei de 
 Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional [de ora em 
 diante, designada por LTC], do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 02 de 
 Maio de 2007 (fls. 36 a 41), que recusou conhecer do objecto de recurso 
 extraordinário para uniformização de jurisprudência, interposto pelo recorrente, 
 relativo a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que, por sua vez, rejeitou o 
 recurso interposto de decisão do 2º Juízo Criminal de Loures, por considerar que 
 esta última decisão era irrecorrível.
 
  
 Segundo o entendimento do recorrente, a decisão recorrida aplicou normas feridas 
 de inconstitucionalidade, pelo que solicita ao Tribunal Constitucional que 
 aprecie a:
 
  
 i)                           “(…) inconstitucionalidade interpretativa da norma 
 contida no n.º 2 do artigo 437.º do Código de Processo Penal na interpretação 
 emergente da doutíssima decisão que rejeitou o recurso extraordinário para 
 fixação de jurisprudência de que «(…) entendendo-se que o fundamento do recurso 
 de fixação de jurisprudência é a identidade da questão de direito regulada nas 
 decisões em conflito, é evidente que tal requisito não se observa quando uma 
 questão é explicitamente regulada numa daquelas decisões, e constitui 
 antecedente mediato, e implícito em relação a outra com objecto diferente. 
 Entendendo-se, assim, neste segmento, que não consubstancia uma divergência 
 sobre a mesma questão de direito», quando em causa estão decisões que fazem caso 
 julgado absolutamente antagónicos, que julgam, num caso, um recurso tirado sobre 
 a decisão judicial que apreciou e confirmou a decisão administrativa de 
 indeferir o benefício de protecção jurídica, e no outro, se inadmitiu tal 
 recurso versando a mesma matéria, com os mesmo factos e requerente (…)” (fls. 44 
 e 45);
 
  
 ii)                         “(…) inconstitucionalidade interpretativa da norma 
 colhida no n.º 1 do artigo 28.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, no artigo 
 
 399.º do Código de Processo Penal e no n.º 2 do art.º 9.º do Código Civil, na 
 sua conjugação e concomitância, na interpretação dada na decisão recorrida sob 
 recurso de fixação de jurisprudência de que a retirada expressa da menção a 
 
 «última instância» plasmada na lei anterior, a Lei n.º 30-E/2000, de 20 de 
 Dezembro, se entende simplesmente como uma «técnica legislativa melhorada» 
 mantendo intangível o espírito legislativo anterior em função da necessária 
 celeridade processual a dar ao processo de apreciação do instituto de protecção 
 jurídica” (fls. 46).
 
  
 
             2. Notificado para alegar, o recorrente apresentou as suas 
 alegações, cujas conclusões foram as seguintes:
 
  
 
 “1ª      A reclamação para a Presidência da Relação prevista no art.° 405.° do 
 Código de Processo Penal tem carácter definitivo quando confirma a inadmissão ou 
 retenção, sem prejuízo de não vincular o tribunal ad quem caso o admita ou mande 
 subir, tudo bem expresso no n.º 4 da sobredita norma adjectiva. 
 
  
 
 2ª         Esta pendência de decisão definitiva no caso de provimento da 
 reclamação torna-a parte integrante do recurso porque a sujeita a eventual 
 reapreciação no tribunal de recurso. 
 
  
 
 3ª         Daí que, estando em confronto dois acórdãos de uma mesma Relação 
 incidentes e com solução diametralmente oposta sobre uma mesma questão de 
 direito, no âmbito de uma única e mesma lei, qual seja saber se o recurso tirado 
 sobre a decisão que julga a impugnação judicial da decisão administrativa que 
 indefere o instituto de protecção jurídica, é admissível segundo as regras do 
 artigo 28.°, n.º 1, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, e do artigo 399.° do 
 Código de Processo Penal, se esteja ante uma patente oposição de julgados 
 subsumível ao recurso extraordinário para fixação de jurisprudência.
 
  
 
 4ª         Pois que no acórdão fundamento só a submissão à decisão tirada em 
 sede de reclamação e consequente adesão à tese filosófica-jurídica de admissão 
 desse recurso tornou inútil a sua reapreciação, sequer a sua menção, sem que daí 
 se possa retirar pacificamente que esse aresto não incide sobre essa mesma 
 questão prévia, pois que tem a sustentá-lo o antes decidido que, por essa 
 adesão, fica a fazer dele parte integrante. 
 
  
 
 5ª         Este acórdão dado como fundamento ao recurso só chega à apreciação do 
 mérito do recurso após ter visto decidido em sede incidental preliminar a 
 questão prévia da sua admissibilidade, pelo que no seu confronto com o acórdão 
 recorrido se está perante um verdadeiro caso de causa causae est causa causatis. 
 
 
 
  
 
 6ª         O acórdão do superior tribunal a quo viola assim, na interpretação 
 que faz da norma do art.° 437.° do Código de Processo Penal, os imperativos dos 
 artigo 13.°, artigo 20°, nºs 1, 4 e 5, artigo 22.°, artigo 32.°, nºs 1 e 7, 
 artigo 202.°, n.º 2, e artigo 203.°, da Constituição da República Portuguesa, 
 tida que é pelo recorrente como correcta a que emana das conclusões anteriores. 
 
  
 
 7ª         Violação grave na justa medida em que a apreciação de petição do 
 instituto de Protecção Jurídica não configura bagatela jurídica, antes se 
 apresenta como questão essencial por, a montante da causa onde se litigará, 
 impedir o acesso ao direito e aos tribunais pelo cidadão economicamente 
 carenciado. 
 
  
 
 8ª         Sendo que o recurso da decisão judicial tirada sobre a impugnação do 
 acto administrativo que tenha indeferido a concessão desse instituto é, na 
 realidade, o primeiro e único recurso jurisdicional.
 
  
 
 9ª         A sua admissibilidade não está vedada por lei, nem nas excepções 
 previstas no art.° 400.° do Código de Processo Penal, nem no n.º 1 do art.° 28.° 
 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, não podendo existir qualquer razão para 
 interpretar esta norma de modo diverso do que a sua letra expressa, por absoluta 
 omissão. 
 
  
 
 10ª       Sendo a regra geral, a do art.° 399.° da aludida lei adjectiva penal, 
 a aplicável pois que a irrecorribilidade tem que estar expressa taxativamente. 
 
  
 
 11ª       Sem que sequer se possam esgrimir quaisquer outros motivos, 
 designadamente de índole histórico ou de celeridade, que obstem a esta 
 interpretação. 
 
  
 
 12ª       Muito menos a expressão “Alcance da decisão final” plasmada a art.° 
 
 29. ° da mesma Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, pode ser entendida noutro 
 sentido que não sendo a definitiva, a que já não admite recurso judicial, a 
 transitada em julgado. 
 
  
 
 13ª       É, pois, recorrível por nada estar expresso nessas normas legais no 
 sentido contrário, devendo estar se o não fosse, segundo a regra do citado art.° 
 
 399.° do Código de Processo Penal. 
 
  
 
 14ª       A interpretação legislativa das normas arguidas plasmada pelos 
 tribunais a quo viola o direito do cidadão carenciado a aceder de forma célere e 
 equitativa ao direito e aos tribunais, sindicando as decisões judiciais que se 
 lhe afigurem de erradas e/ou ilegais, competindo aos tribunais, em primeira 
 linha, tutelar tais direitos, assegurando o seu exercício, em submissão à lei e 
 
 à constituição, seja qual for a posição desse cidadão na acção a dirimir. 
 
  
 
 15ª       Devendo, em conformidade, ser declarada a inconstitucionalidade das 
 normas dos artigos 27. °, 28.°, n.º 1, e 29.° da Lei n.º 34/2004, de 29 de 
 Julho, e do art.° 399.° do Código de Processo Penal, na interpretação dada, 
 contrária ao sentido emergente da norma do n.° 2 do art.° 9.° do Código Civil, 
 de que a decisão judicial tirada da impugnação do acto administrativo é 
 irrecorrível por violar os imperativos dos artigo 20°, nºs 1, 4 e 5, artigo 
 
 32.°, nºs 1 e 7, artigo 202°, n.º 2, e artigo 203.° da Constituição da República 
 Portuguesa.” (fls. 55 a 64)
 
  
 
 3. Por sua vez, na sequência de notificação para tal, o Ministério Público veio 
 contra-alegar o seguinte:
 
  
 
 “1. Apreciação da questão de constitucionalidade suscitada.
 
  
 O presente recurso vem interposto por A., do acórdão, proferido pelo Supremo 
 Tribunal de Justiça, que rejeitou o recurso, visando a fixação de 
 jurisprudência, interposto com fundamento em alegada contradição de acórdãos da 
 Relação, referentemente à questão da recorribilidade da decisão que, em 1ª 
 instância, confirme o indeferimento administrativo do beneficio de apoio 
 judiciário, peticionado pelo recorrente. 
 Entendeu o Supremo — como critério normativo definidor dos pressupostos daquele 
 recurso extraordinário — que ele só é admissível quando os acórdãos em confronto 
 se hajam pronunciado explicitamente e em termos frontalmente antagónicos sobre a 
 mesma questão — não sendo, consequentemente, de admitir o recurso quando um dos 
 acórdãos em confronto haja dirimido certa questão processual (a da referida 
 recorribilidade) e o outro se tenha pronunciado exclusivamente sobre o mérito da 
 causa (apenas pressupondo, de forma implícita, a resolução da referida questão 
 processual no sentido da admissibilidade do recurso). 
 Como é evidente, o único parâmetro de aferição da constitucionalidade que faz 
 sentido convocar é a do acesso ao direito por parte do assistente (artigos 20º e 
 
 32°, nº 7 da Constituição da Republica Portuguesa). 
 Violará o referido entendimento do Supremo Tribunal de Justiça o direito de 
 acesso à justiça por parte do assistente que pretende lançar mão do recurso 
 extraordinário de fixação de jurisprudência? 
 A argumentação do recorrente funda-se num evidente equívoco: o do que o direito 
 do acesso aos tribunais envolve, por imposição constitucional, a consagração de 
 mecanismos processuais destinados a solucionar todos os conflitos 
 jurisprudenciais, isto é, todas as divergências de entendimento dos tribunais 
 superiores acerca de certa matéria ou questão. 
 
 É evidente que não é assim, não estando contido no artigo 20° da Constituição um 
 direito irrestrito a ver solucionadas pelo Supremo todas as divergências de 
 entendimento da Relação sobre certa matéria de direito — expressas ou implícitas 
 
 — nos acórdãos invocados como estando em confronto. 
 Na verdade — e mesmo por quem entenda que do princípio da segurança jurídica se 
 pode inferir a necessária existência de mecanismos processuais adequados à 
 uniformação da jurisprudência (cf. acórdão nº 574/98) — é evidente que o 
 legislador infraconstitucional goza de razoável margem de discricionariedade na 
 delimitação dos conflitos que merecem ser solucionados pela via do referido 
 recurso visando a uniformização de jurisprudência. 
 No caso ora em apreciação, não constitui exigência desrazoável ou 
 desproporcionada a que se traduz em considerar que só quando os acórdãos em 
 confronto hajam aplicado, de forma contraditória e expressa, as mesmas normas 
 fica aberta a via recursória utilizada pelo recorrente — por só neste caso o 
 conflito assumir relevância bastante para justificar o acesso ao plenário das 
 secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça. 
 Note-se que fenómeno idêntico se verifica inclusivamente em processo 
 constitucional, face ao regime estatuído no artigo 79° D da Lei do Tribunal 
 Constitucional: para além de não ser admitido recurso para o plenário quando as 
 interpretações divergentes se referirem a normas de natureza adjectiva, situadas 
 na tramitação do processo constitucional, o recurso pressupõe necessariamente 
 que os julgamentos contraditórios das secções se refiram à questão de 
 constitucionalidade de uma mesma norma, explicitamente analisada num e noutro 
 aresto sob o prisma da respectiva constitucionalidade. 
 Não viola, deste modo, qualquer princípio ou preceito constitucional a exigência 
 de que, em matéria penal, o conflito que serve de base ao recurso de fixação de 
 jurisprudência ocorra — não no âmbito da fundamentação dos arestos em confronto 
 
 — mas referentemente às próprias decisões neles tomadas, que devem ter emitido 
 expressamente julgamentos contraditórios sobre as mesmas normas e as mesmas 
 questões de direito.
 
  
 
 2. Conclusão
 
  
 Nestes termos e pelo exposto conclui-se: 
 
  
 
 1º
 Não está compreendido no direito de acesso à justiça uma irrestrita 
 possibilidade de utilizar os tipos recursórios destinados a uniformizar a 
 jurisprudência perante toda e qualquer divergência de entendimento dos tribunais 
 superiores sobre determinada questão jurídica — situando-se inquestionavelmente 
 no âmbito da livre discricionariedade do legislador o estabelecimento dos 
 pressupostos específicos de tais recursos, de acordo com a relevância do 
 conflito, que deverá incidir sobre a aplicação contraditória da mesma norma na 
 parte decisória dos acórdãos conflituantes. 
 
  
 
 2º
 Termos em que deverá improceder o presente recurso.” (fls. 71 a 74)
 
  
 
             4. Na fase de exame preliminar, a Relatora verificou que parte do 
 objecto do recurso poderia não preencher os requisitos necessários ao respectivo 
 conhecimento, pelo que proferiu o seguinte despacho:
 
  
 
 “Durante o exame preliminar (art. 701º, nº 1 do CPC aplicável «ex vi» art. 79º 
 B, nº 1 da LTC) verifiquei a ausência de aplicação efectiva como «ratio 
 decidendi» colhida na decisão recorrida da interpretação normativa conjugada do 
 n.º 1 do art. 28º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, do artigo 399º CPP e do 
 n.º 2 do art. 9º do Código Civil, reputada de inconstitucional pelo recorrente, 
 o que implica a impossibilidade de conhecimento integral do recurso interposto.
 Como tal, nos termos do art. 704º/1/CPC, aplicável «ex vi» art. 79º B LTC, 
 determino que sejam notificadas as partes para, querendo, se pronunciarem sobre 
 a possibilidade de não conhecimento parcial do recurso interposto relativamente 
 
 à questão de inconstitucionalidade normativa supra identificada, no prazo de 10 
 
 (dez) dias.” (fls. 75)
 
  
 
             5. Na sequência deste despacho, o recorrente veio aos autos 
 pronunciar-se no seguinte sentido:
 
  
 
 “Salvo o devido respeito, afigura-se ao recorrente que a douta decisão do STJ 
 colocada em crise quanto à interpretação da norma do art. 28° da Lei n 34/2004, 
 de 29 de Julho aplica tal norma, referindo-a expressamente, como é patente nas 
 páginas 5 e 6 do acórdão recorrido, que ora se transcreve parcialmente para 
 facilidade de apreciação: 
 
  
 No Acórdão recorrido a norma sujeita à interpretação e aplicação pelos 
 julgadores tem contornos totalmente distintos e incide sobre a questão formal da 
 interpretação do artigo 28 da Lei 34/2004. Aqui, o que está em causa é saber se 
 da decisão proferida pelo tribunal de primeira instância é, ou não, admissível o 
 recurso para o Tribunal Superior
 
 (…) 
 
 É evidente que sempre se poderá afirmar que o Acórdão fundamento, ao decidir 
 sobre a substância, pressupõe que, a seu montante, tenha sido proferida decisão 
 sobre a admissibilidade do recurso.
 Efectivamente, esta admissibilidade deve ser objecto de análise no exame 
 preliminar, nos termos do artigo 417 e seguintes do Código de Processo Penal e, 
 sendo um pressuposto da decisão emitida e antecedendo-a, não a integra.
 
  
 Esta sucinta análise da questão preliminar da admissibilidade do recurso foi 
 coroada com a conclusão decisória de o rejeitar por considerar que, sendo 
 relações explícitas e implícitas da matéria em juízo, não consubstanciam uma 
 mesma questão de direito, aplicando assim, ipso jure, a tese da 
 inadmissibilidade. 
 
  
 E é a aplicação efectiva da norma assim apreciada, em contrariedade com 
 aqueloutras invocadas, a do artigo 399º do Código de Processo Penal e do artigo 
 
 9. ° do Código Civil, que se torna o fundamento da rejeição do recurso tornando 
 realidade jurídica com efeitos efectivo; a tese da admissibilidade defendida 
 pelo recorrente.” (fls. 81)
 
  
 Cumpre agora apreciar e decidir.
 
  
 
  
 II – FUNDAMENTAÇÃO
 
  
 A)    Não conhecimento parcial do objecto do recurso
 
  
 
 6. Persistindo o recorrente em invocar a inconstitucionalidade da interpretação 
 da norma conjugada e extraída do n.º 1 do artigo 28º da Lei n.º 34/2004, do 
 artigo 399º do CPP e do n.º 2 do artigo 9º do Código Civil, que apenas é 
 imputada à decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa (assim, ver “na 
 interpretação dada na decisão sob recurso de fixação de jurisprudência”, a fls. 
 
 46, com realce e sublinhado nosso), importa começar por frisar que estes autos 
 não constituem a sede própria para sindicar tal inconstitucionalidade, visto que 
 este recurso apenas visa colocar em crise a decisão proferida pelo Supremo 
 Tribunal de Justiça, em 02 de Maio de 2007, a qual não aplicou aquelas normas.
 
  
 O tribunal recorrido limitou-se a aferir da verificação dos pressupostos de 
 interposição de recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, sem que 
 tivesse tomado qualquer decisão de fundo quanto à norma conjugada e extraída do 
 n.º 1 do artigo 28º da Lei n.º 34/2004, do artigo 399º do CPP e do n.º 2 do 
 artigo 9º do Código Civil, pelo que estas normas não constituíram “ratio 
 decidendi” da decisão recorrida. Assim sendo, este Tribunal não pode conhecer do 
 objecto do recurso, quanto a esta parte, conforme jurisprudência consolidada e 
 unânime (neste sentido, a mero título de exemplo, ver Acórdãos n.º 327/07, de 29 
 de Maio de 2007, e n.º 495/07, de 08 de Outubro de 2007, ambos disponíveis in 
 
 www.tribunalconstitucional.pt). 
 
  
 B)    Questão de inconstitucionalidade do artigo 437º, nº 1, do Código de 
 Processo Penal 
 
  
 
 7. Resta, portanto, apreciar a primeira questão de inconstitucionalidade 
 suscitada pelo recorrente, a qual diz respeito ao n.º 1 do artigo 437º do Código 
 de Processo Penal (de ora em diante, designado por CPP), cujo teor é o seguinte:
 
  
 
 “1 – Quando, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça 
 proferir dois acórdãos que, relativamente, à mesma questão de direito, assentem 
 em duas soluções opostas, o Ministério Público, o arguido, o assistente ou as 
 partes civis podem recorrer, para o pleno das secções, criminais, do acórdão 
 proferido em último lugar.”
 
  
 Como já se viu, o recorrente havia lançado mão do recurso para fixação de 
 jurisprudência, previsto no n.º 2 do artigo 437º do CPP, com fundamento na 
 divergência entre acórdão proferido nos autos recorridos, pelo Tribunal da 
 Relação de Lisboa, e outro acórdão proferido pelo mesmo tribunal, em 26 de 
 Outubro de 2006, noutro processo no qual figurava o mesmo recorrente. Nos termos 
 deste trecho normativo, os pressupostos normativos de recursos deste tipo 
 correspondem aos que decorrem do supra citado n.º 1 do artigo 437º do CPP:
 
  
 
 “2 – É também admissível recurso, nos termos do número anterior, quando um 
 tribunal de relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro, da mesma 
 ou de diferente relação, ou do Supremo Tribunal de Justiça, e dele não for 
 admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão 
 estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo 
 Tribunal de Justiça.” (com sublinhado nosso)
 
  
 Interpretando o n.º 1 do artigo 437º do CPP (“ex vi” n.º 2 do mesmo preceito e 
 Código), a decisão recorrida considerou que a possibilidade de aceder ao recurso 
 extraordinário para fixação de jurisprudência depende de tanto a decisão 
 recorrida como a decisão fundamento terem regulado, de modo explícito e directo, 
 a questão processual que constitui objecto do recurso extraordinário. Em suma, a 
 decisão ora alvo de recurso considerou apenas existir identidade quanto a 
 
 “questão de direito” quando ambas as decisões contraditórias tenham decidido 
 expressamente sobre a questão juridicamente controvertida.
 
  
 Sucede que, enquanto a decisão recorrida (nos autos de fixação de 
 jurisprudência) decidira expressamente no sentido da irrecorribilidade 
 alegadamente decorrente do artigo 28º da Lei n.º 34/2004, a decisão fundamento 
 não se pronunciou expressamente sobre tal admissibilidade, ainda que – 
 indirectamente – haja acolhido a tese da recorribilidade, por ter decidido no 
 sentido de conceder provimento ao recurso, após análise das questões 
 substanciais envolvidas no recurso. Perante esta divergência, a decisão 
 recorrida nos presentes autos considerou que a decisão recorrida (nos autos de 
 fixação de jurisprudência) e a decisão fundamento não versavam sobre a mesma 
 questão de Direito, pelo que não seria admissível o recurso extraordinário para 
 fixação de jurisprudência.
 
  
 Face a esta decisão, afirma o recorrente que a interpretação nela adoptada do 
 n.º 1 do artigo 437º do CPP é inconstitucional, por entender que as duas 
 decisões que presidiram à interposição de recurso extraordinário para fixação de 
 jurisprudência formaram casos absolutamente antagónicos e, como tal, 
 justificaram a interpretação de que o julgador estaria perante uma mesma questão 
 de Direito, sob pena de violação dos artigos 13º, 20º, n.ºs 1, 4 e 5, 22º, 32º, 
 n.ºs 1 e 7, 202º, n.º 2 e 203º, todos da Constituição da República Portuguesa.
 
  
 
 8. Importa então avaliar da procedência dos seus argumentos.
 
  
 
 8.1. Em primeiro lugar, deve notar-se que se afigura ininteligível o motivo que 
 presidiu à invocação do princípio da igualdade (artigo 13º da CRP), na medida em 
 que a interpretação adoptada do n.º 1 do artigo 437º do CPP não aparenta 
 conceder qualquer excepção ou tratamento diferenciado. Pelo contrário, a decisão 
 recorrida determina que em todas as situações em que ocorrer uma mera 
 contradição entre uma decisão que decide expressamente sobre determinada questão 
 de direito e outra decisão que apenas dela decida implicitamente, se verificará 
 inexistência de pressupostos necessários à admissão de recurso para fixação de 
 jurisprudência.
 
  
 Ao invocar o princípio da igualdade, o recorrente limita-se a aludir à 
 circunstância de terem sido proferidas duas decisões cujos efeitos jurídicos são 
 antagónicos, aparentando confundir uma eventual inconstitucionalidade de normas 
 aplicadas por aquelas decisões – de que não cabe conhecer nestes autos – com a 
 alegada inconstitucionalidade da decisão ora recorrida. Sucede que a 
 interpretação do n.º 1 do artigo 437º do CPP não configura um tratamento 
 discriminatório do recorrente face a outros eventuais recorrentes, na medida em 
 que será aplicável sempre que estiverem em causa situações da vida idênticas às 
 apreciadas pela decisão recorrida. Aliás, o recorrente não logra demonstrar – 
 nem sequer esboça qualquer tentativa nesse sentido – que a decisão recorrida 
 tivesse interpretado aquela norma no sentido de apenas ser aplicável a um 
 determinado segmento de situações objectivamente similares.
 
  
 
 8.2. Em segundo lugar, também se apresenta incompreensível a invocação do artigo 
 
 22º da CRP relativo à responsabilidade civil das entidades públicas. A 
 interpretação adoptada do n.º 1 do artigo 437º do CPP não questiona em parte 
 alguma a eventual responsabilidade civil das entidades públicas, designadamente 
 do Estado, por eventuais danos decorrentes da omissão de conhecimento de recurso 
 extraordinário para fixação de jurisprudência, pelo que não viola o parâmetro de 
 validade constitucional decorrente do artigo 22º da CRP.
 
  
 
 8.3. Em terceiro lugar, relativamente à invocação dos n.ºs 1, 4 e 5 do artigo 
 
 20º da CRP, este Tribunal tem sido inequívoco a decidir que estes preceitos não 
 atribuem aos particulares qualquer direito absoluto a que uma decisão proferida 
 por um tribunal de primeira instância seja aferida por uma instância de recurso. 
 Conforme jurisprudência consolidada neste Tribunal, o direito à tutela 
 jurisdicional efectiva não garante – necessária e obrigatoriamente – um direito 
 ao recurso. 
 
  
 Veja-se a título meramente exemplificativo o Acórdão n.º 83/99, de 09 de 
 Fevereiro de 1999, disponível in www.tribunalconstitucional.pt:
 
 “Sobre o direito de acesso à justiça tem o Tribunal Constitucional firmado uma 
 extensa jurisprudência, interpretando-o no sentido de que ele é ‘um direito à 
 solução dos conflitos por banda de um órgão independente e imparcial face ao que 
 concerne à apresentação das respectivas perspectivas, não decorrendo desse 
 direito (nomeadamente, no que ora releva, se em causa estiver a litigância civil 
 obrigacional) o asseguramento às partes da garantia de recurso das decisões que 
 lhes sejam desfavoráveis (cf, por todos, o Acórdão nº 210/92, publicado na II 
 Série do Diário da República, de 12 de Setembro de 1992)’ (Acórdão n.° 208/93, 
 in Diário da República, II Série, de 28 de Maio de 1993). 
 A este propósito, lê-se também no Acórdão n.° 501/96, in Diário da República, II 
 Série, de 3 de Julho de 1996: 
 
 «O Tribunal Constitucional tem entendido que a garantia judiciária (...) engloba 
 o próprio direito de defesa contra actos jurisdicionais (Acórdão n.° 287/90, in 
 Acórdãos do Tribunal Constitucional, 17.° vol., 1990, pp. 159 e segs.; 
 identicamente, GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, ob. cit., p. 162). E este 
 direito só pode ser exercido mediante o recurso para (outros) tribunais. Por 
 outro lado, a expressa previsão da existência de tribunais de 1ª instância e de 
 recurso também fornece um argumento a favor da dignidade constitucional do 
 direito de recurso (assim, Acórdão n.° 287/90, citado, e RIBEIRO MENDES, Direito 
 Processual Civil – Recursos, 2. ed., 1992, p. 100). 
 
  
 Todavia, não se pode concluir que haja, na ordem jurídica portuguesa, um 
 ilimitado direito de recurso, o que implicaria, por exemplo, a 
 inconstitucionalidade do instituto das alçadas judiciais. O Tribunal 
 Constitucional tem entendido – tal como já sustentara a Comissão Constitucional 
 
 – que o direito de recurso não é absoluto ou irrestringível (Acórdãos n.°s 31/87 
 e 65/88, in Diário da República, II série, de 1 de Abril de 1987 e 20 de Agosto 
 de 1988, respectivamente, e parecer n.° 9/82, in Pareceres da Comissão 
 Constitucional, 19.° vol., pp. 29 e segs.).» 
 
  
 
 8.4. Por outro lado, como este Tribunal tem repetidamente afirmado, o direito 
 fundamental consagrado (e enfatizado, pela revisão constitucional de 1997) no 
 n.º 1 do artigo 32º da CRP não gera qualquer direito a um duplo grau de recurso 
 ou sequer um direito irrestringível a recorrer de toda e qualquer decisão 
 jurisdicional, mas apenas daquelas que impliquem a adopção de medidas 
 restritivas da liberdade ou de outros direitos fundamentais do recorrente, o 
 que, aliás, se não aplica ao assistente.
 
  
 
             8.5. Acresce a tudo isto que, nos autos recorridos, o ora recorrente 
 assume a função processual de assistente e não de arguido, pelo que, como bem 
 nota o Digno Representante do Ministério Público junto deste Tribunal, o único 
 parâmetro de constitucionalidade que faria sentido convocar seria o do direito 
 de acesso ao direito por parte do assistente que pretende lançar mão do recurso 
 extraordinário de fixação de jurisprudência.
 
  
 Ora, como é bom de ver, o n.º 1 do artigo 32º da CRP apenas assegura o direito 
 ao recurso enquanto “garantia[s] de defesa” e não como garantia de qualquer uma 
 das partes no processo penal, razão pela qual o recorrente não pode invocar 
 aquela norma em seu favor. Também não se vislumbra de que modo é que o não 
 conhecimento de recurso extraordinário para fixação de jurisprudência poderá 
 impedir o assistente de intervir no processo penal e assim violar o artigo 32º, 
 n.º 7, da CRP, visto que quer a Segurança Social quer o tribunal “a quo” 
 confirmaram – que questão que ora não se discute, nem se reabre – que o 
 recorrente dispõe dos meios económicos suficientes para suportar os custos da 
 lide processual.
 
  
 Em sentido idêntico e em autos de recurso anteriormente interposto pelo ora 
 recorrente, já se pronunciou este Tribunal, ao confirmar, no Acórdão n.º 507/06, 
 de 22 de Setembro de 2006, decisão sumária que havia determinado que:
 
  
 
 “É certo que no caso o recurso que se pretendia interpor visava uma decisão 
 judicial relativa ao pedido de apoio judiciário para intervenção num processo 
 penal. Porém, trata-se de intervir no processo penal na qualidade de assistente, 
 não tendo aplicação o n.º 1 do artigo 32.º da Constituição, que respeita às 
 garantias de defesa do arguido. E do n.º 7 do mesmo artigo 32.º da Constituição, 
 que confere dignidade constitucional ao direito do ofendido intervir no 
 processo, nada se retira que imponha ao legislador ordinário que assegure o 
 segundo grau de jurisdição para apreciação das decisões judiciais que recaiam 
 sobre pretensões instrumentais desse direito, como é a impugnação da decisão 
 administrativa denegatória do pedido de apoio judiciário com vista à 
 constituição de assistente. A norma constitucional não especifica o conteúdo do 
 direito de intervenção do ofendido, remetendo para a lei ordinária a sua 
 densificação. O que a lei não pode é retirar ao ofendido, directa ou 
 indirectamente, o direito de participar no processo que tenha por objecto ofensa 
 de que foi vítima (Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa 
 Anotada, Tomo I, pág. 361). A norma em causa não contende, sequer 
 indirectamente, com a efectivação desse direito de intervir, porque apenas torna 
 indiscutível, na ordem dos tribunais judiciais, a decisão que considera que o 
 interessado não reúne as condições para fazê-lo com benefício de apoio 
 judiciário.”
 
  
 
 8.6. Por último, também é manifestamente incompreensível a invocação da violação 
 dos artigos 202º, nºs 1 e 2 e 203º da CRP pela interpretação normativa vertida 
 na decisão recorrida, uma vez que não se vislumbram quaisquer razões para 
 aquelas normas serem interpretadas no sentido de exigirem a possibilidade de 
 recurso para uniformização de jurisprudência quando um dos acórdãos em confronto 
 haja dirimido certa questão processual e o outro se tenha pronunciado 
 exclusivamente sobre o mérito da causa.
 
  
 Em suma, a interpretação do artigo 437º, nº 1, CPP não colide com nenhum dos 
 fundamentos de inconstitucionalidade invocados pelo recorrente nem com quaisquer 
 outros que este Tribunal pudesse equacionar ao abrigo do artigo 79º-C da LTC.
 
  
 III – DECISÃO
 
  
 Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se:
 
  
 a)                          Não conhecer do recurso quanto à alegada 
 inconstitucionalidade da norma extraída da conjugação entre o n.º 1 do artigo 
 
 28º da Lei n.º 28º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, do artigo 399º do CPP e 
 do n.º 2 do artigo 9º do Código Civil;
 
  
 b)                          Negar provimento ao recurso na parte em que dele se 
 conhece.
 
  
 
  
 Custas devidas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 UC´s, nos 
 termos do n.º 1 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
 Lisboa, 2 de Abril de 2008
 Ana Maria Guerra Martins
 Carlos Fernandes Cadilha
 Maria Lúcia Amaral
 Vítor Gomes
 Gil Galvão