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Processo n.º 721/07
 
 1ª Secção
 Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira 
 
  
 Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional
 
 
 I.Relatório
 
  
 
 1.
 
             A. e B recorreram para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do 
 disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro 
 
 (LTC), do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 12 de Outubro 
 de 2006, que rejeitou o recurso que haviam interposto da sentença da 1ª 
 instância.
 
  
 No requerimento de recurso de constitucionalidade apresentado sustentaram que o 
 n.º 5 do artigo 678.º do Código de Processo Civil “se interpretado com o sentido 
 e alcance da revogação tácita do regime de garantia de tutela jurisdicional 
 efectiva de reapreciação em 2.ª instância, assegurado pelo artigo 57.º do RAU 
 para qualquer acção de despejo ou mesmo em processo que seja discutido um 
 qualquer regime de arrendamento vinculístico, independentemente do valor da 
 acção” é inconstitucional.
 
  
 No Tribunal Constitucional (fls. 889 e ss.) foi proferida decisão sumária pelo 
 relator que decidiu, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A da LTC, negar 
 provimento ao recurso. 
 
  
 
 2.
 Inconformados, reclamaram (fls. 898 e ss.) nos termos do disposto no n.º 3 do 
 artigo 78.º-A da LTC, fundamentando a reclamação apresentada nos seguintes 
 moldes:
 
  
 
 “(…)
 I. A questão: 
 
 § 1.º: Em súmula, a questão concreta que foi suscitada no presente recurso é a 
 da constitucionalidade do preceituado no n.º 5 do art. 678.º, do CPC (redacção 
 dada pelo DL n.º 180/96, de 25/09), como normativo que, segundo a interpretação 
 e aplicação do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, revogou tacitamente o 
 art. 57.º, n.º 1, do RAU (redacção dada pelo DL n.º 391.B/90, de 15/10), ao 
 abrigo do qual os ora recorrentes pretendiam apurar junto desta 2.ª instância (e 
 aqui lhes foi negado tal direito de recurso) a correcção da sentença, proferida 
 em Tribunal da 1.ª instância, acerca de uma acção de despejo sobre arrendamento 
 para o exercício de profissão liberal, cujo valor forçosamente se encontra 
 contido na alçada deste Tribunal. 
 
 § 2.º: A redacção do n.º 5 do art. 678.º do CPC, ao tempo da prolação do 
 despacho judicial do TRL: que suscitou a subsequente reclamação e ulteriores 
 recursos até à presente reclamação, era a seguinte: 
 
 «Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível 
 recurso para a Relação nas acções em que se aprecie a validade ou a subsistência 
 de contratos de arrendamento para habitação». 
 
 3.º Por seu turno, no n.º 1 do art. 57.º do RAU (então em vigor) lia-se: 
 
 «A acção de despejo admite sempre recurso para a relação, independentemente do 
 valor da causa». 
 
 § 4.º: É consabido que a revogação tácita decorre da «incompatibilidade entre as 
 novas disposições e as regras precedentes», cf. art. 7.º, n.º 2, do Código 
 Civil. 
 
 § 5.º: À data em que foi proferido o Acórdão do TRL onde se reiterou a 
 aplicabilidade da norma cuja constitucionalidade foi invocada, verificou-se a 
 entrada em vigor do NRAU (cf. art. 65.º, n.º 2, da Lei n.º 6/2006, de 27/02), 
 com aplicação imediata da alteração à redacção do n.º 5 do art. 678.º do CPC. 
 II. A decisão ora reclamada: 
 
 § 1.º: De acordo com a douta decisão ora reclamada: a norma cuja interpretação e 
 aplicação se considerou estar em crise não merece qualquer juízo de censura 
 constitucional, porquanto, também em síntese: «...a interpretação do aludido 
 artigo 678.º n.º 5 não pode qualificar-se como arbitrária, excessiva ou 
 desprovida de justificação objectiva, pois se inclui na regra geral aplicável a 
 todas as demais acções, com excepção das relativas a arrendamentos 
 habitacionais...» (o sublinhado pertence-nos). 
 
 § 2.º: Em rigor, analisada cuidadosamente a douta decisão reclamada, esta dá 
 como adquirida, sem mais, a constitucionalidade do art. 678º, n.º 5, do CPC 
 segundo a interpretação deste preceito que inviabiliza o pretendido recurso para 
 a 2.ª instância. 
 
 § 3.º: E foi alicerçada o demais em extensa e reiterada invocação e citação de 
 jurisprudência desse Venerando Tribunal sobre a questão de que as limitações dos 
 recursos em função das alçadas não impõe ao legislador ordinário a garantia de 
 acesso a diferentes graus de jurisdição, nem ofende o direito de acesso ao 
 direito e aos tribunais; 
 O que — respeitosamente — se afigura meramente colateral ao problema que se 
 coloca... 
 
 § 3.º: Já que tudo ficou exposto nesta decisão sem curar da subsistência no 
 ordenamento jurídico em vigor do preceituado no art. 57.º. nº 1, do RAU, que 
 fundamentou a apelação apresentada pelos recorrentes junto do TRL. 
 
 § 4.º: Este aspecto — se bem entendemos a douta decisão — foi logo afastado 
 porquanto cairia no âmbito da apreciação da «correcção jurídica adoptada no 
 tribunal recorrido e da concreta aplicação do direito ao caso sub judice», o que 
 se encontra vedado ao Tribunal Constitucional. 
 Posto isto, desde já se torna possível constatar que na decisão ora reclamada: 
 i) Não se debruçou sobre a invocada inconstitucionalidade orgânica da Lei 
 habilitante (de autorização) da redacção ulterior dessa norma com o sentido e 
 alcance emprestado pelo Acórdão do TRL, aqui em causa; 
 ii) Não se ponderou se o art. 678.º, n.º 5, do CPC é aplicável ao caso concreto 
 dos autos, porquanto, não o sendo (subsistindo em vigor outras normas 
 específicas para o despejo) então a sua interpretação e aplicação pelo TRL 
 vedou, ao menos, o acesso ao Direito garantido constitucionalmente; 
 Com efeito, 
 
 § 3.º: Não obstante a douta fundamentação (e referimo-nos à decisão ora 
 reclamada na sua íntegra), subsistem as — perdoe-se — obstinadas interrogações 
 que sempre motivaram as sucessivas reclamações e recursos dos autos sobre o 
 assunto, a saber: 
 O art. 685º, n.º 5, do CPC revogou ou não o preceituado no art. 57.º, n.º 1 do 
 RAU? São ou não as duas normas inconciliáveis, em vista da correspondente 
 revogabilidade tácita? E, mesmo aceitando por necessidade de raciocínio uma 
 resposta afirmativa, tal revogação poderia operar-se sem violação de qualquer 
 preceito constitucional? 
 III. As dúvidas que subsistem: 
 
 É que, salvo o enorme respeito por opinião contrária (que não vimos até agora 
 aprofundada de sorte a solver as dúvidas que afloram os recorrentes), é na 
 análise destas questões que se situa o cerne da decisão pretendida com o 
 presente recurso: 
 Em primeiro lugar: 
 
 § 1.º: Porque a revogação em causa suscitaria fosse ponderada a questão da 
 inconstitucionalidade orgânica, decorrente do facto de tal sentido e alcance do 
 teor do art. 685.º, n.º 5, deveria ser a projecção das Leis de autorização 
 legislativa (Lei n.º 33/95, de 18/08 e, sobretudo, da Lei n.º 28/96, de 2/08) 
 que habilitaram o Governo a legislar (DL n.º 329-A/95, de 12/12 e, mais 
 concretamente, o DL n.º 180/96, de 25/09); necessidade esta decorrente dos arts. 
 l65.º, n.º 1, al. h) e n.º 2, e art. l98.º, n.º 1, al. b) da CRP); 
 
 § 2.º: Tal foi expressamente invocado no requerimento de interposição de recurso 
 para esse Venerando Tribunal Constitucional (que se dá aqui por integralmente 
 reproduzido). 
 
 § 3.º: Esquadrinhadas as citadas Leis de Autorização Legislativa, nada se vê que 
 permita ao Governo produzir uma norma como a do art. 678.º, n.º 5, do CPC com o 
 sentido de alterar (revogar) o regime em vigor para o despejo, reduzindo a 
 viabilidade de recurso para a 2.ª instância apenas à matéria do arrendamento 
 habitacional; neste sentido, cf. ARAGÃ0 SEIA (1) 
 
 § 4.º: Acrescente-se apenas que o sentido hermenêutico extraído das Leis de 
 Autorização Legislativa parece ter sido bem entendido pelo Legislador ordinário; 
 com efeito, no Preâmbulo do DL n.º 180/96, de 25 de Setembro (2) (cf. § 45 do 
 respectivo texto), pode ler-se: 
 
 «No que se refere aos recursos, estabelece-se — em complemento e estrito 
 paralelismo com o regime instituído em sede de arrendamento urbano, quanto à 
 accão de despejo — que, independentemente do valor da causa e da sucumbência, é 
 sempre admissível recurso para a Relação nas acções em que se aprecie a validade 
 ou a subsistência de contratos de arrendamento para habitação (n.º 5 do artigo 
 
 678.º)».
 
 § 5.º: Não terá pretendido o Governo deixar de precisar o sentido e alcance com 
 que inseria a novidade de alargar o regime da admissão da dupla jurisdição em 
 matéria de arrendamento para habitação, a todas as matérias em que se suscitasse 
 a sua discussão em acções outras que não as de mero despejo, como, adiante 
 veremos, igualmente esse Venerando Tribunal Constitucional deixou já igualmente 
 consignado na fundamentação de um aresto que abordou também esta questão. 
 Em segundo lugar: 
 Será seguramente por estarmos eventualmente cegos perante a evidência da 
 necessidade de escalpelizar a questão da revogação tácita, como fundamento da 
 inconstitucionalidade apontada, que insistimos na pertinência do recurso 
 interposto. 
 Mas tanto se verifica pela sincera convicção dos seguintes raciocínios: 
 
 § l.º: Não é a avaliação da interpretação e aplicação jurídica operada pelo 
 Acórdão do TRL sobre o direito infraconstitucional que é colocada em crise pelos 
 ora reclamantes, mas antes se a norma em causa, assim interpretada e aplicada, 
 se situa em oposição aos princípios ou preceitos da Constituição. 
 
 § 2.º: E, sempre com respeito por opinião contrária, o art. 678.º, n.º 5, do 
 CPC, no sentido que lhe foi dado pelo Acórdão do TRL, não pode conviver com 
 outra norma que, estando em vigor, permite expressamente o acesso a uma 
 instância de apreciação de uma acção de despejo não habitacional (será o caso do 
 art. 57.º, nº 1, do RAU, para o caso concreto dos autos, como será também o caso 
 do art. 35.º, n.º 3, do Regime do Arrendamento Rural se, em abstracto, a acção 
 de despejo versasse sobre essa matéria), sob pena de aquela opção normativa, 
 assim interpretada e aplicada, violar preceitos constitucionais (direito à 
 igualdade tal como o acesso ao Direito e aos Tribunais), garantidos por outra 
 norma em vigor no ordenamento jurídico infraconstitucional; 
 
 § 3.º Seguindo o raciocínio exposto na jurisprudência citada na douta decisão 
 reclamada: se nada, em termos Constitucionais, obriga o legislador ordinário a 
 garantir perante o mecanismo das alçadas um regime de dupla jurisdição às acções 
 cujos valores se encontram aquém dos respectivos limites, também nada impede que 
 o legislador ordinário trace regimes especiais (excepcionais) onde aqueles 
 mecanismos, por razões meramente formais (valor anual de uma renda) ou outras de 
 projecção constitucional, justifiquem uma especial protecção de bens 
 juridicamente relevantes (seja a protecção da habitação; seja a da iniciativa 
 privada, seja o do livre desenvolvimento da personalidade .etc.) 
 Concretizando: 
 
 § 4.º: Uma vez que se conclua estar em vigor (ao tempo) o preceituado no art. 
 
 57.º, n.º 1, do RAU, a decisão que interprete a aplique o teor do n.º 5 do art. 
 
 678.º do CPC, no sentido da restrição da viabilidade do recurso em matéria de 
 despejo não habitacional, ofende — ao menos — a norma Constitucional de garantia 
 do acesso ao Direito e aos Tribunais, prevista no seu art. 20,º, estribada que 
 está a sua esfera de protecção naquela norma do RAU, quando em vigor e, 
 consequentemente, invocada e aplicável. 
 A segunda norma (aqui sob o foco da análise requerida) impede injustificadamente 
 o que a primeira permite em matéria para a qual esta é competente e aquela não. 
 
 § 5.º: E esta premissa do silogismo fundamentante do recurso apresentado não 
 mereceu — mas, com o devido respeito, merece a atenção da douta decisão ora 
 reclamada. 
 
 § 6.º: Da matéria sobre a verificação da revogação entre os preceitos citados — 
 entre outra jurisprudência e doutrina maioritárias: cf. Ac. STJ, de 5/11/1998, 
 Acórdãos de cada uma das Relações; ARAGÃO SEIA; PAIS DE SOUSA; RODRIGUES BASTOS; 
 LEBRE DE FREITAS e ARMINDO RIBEIRO MENDES: TEIXEIRA DE SOUSA; AMÂNCIO FERREIRA; 
 PINTO FURTADO — tratou já esse Venerado Tribunal Constitucional em Acórdão em 
 que se pronunciou sobre a inconstitucionalidade material, então arguida sobre a 
 
 «...norma do n.º 5 do art. 687.º do Código de Processo Civil, entendida no 
 sentido de que não revogou tacitamente o n.º 1 do art. 57,º do RAU, por violação 
 do princípio da igualdade.», cf. Ac. n.º 77/2001 (Proc. n.º 415/2000 — 2. 
 Secção), in DR, II Série, 26/03, pp. 5353 e ss.). 
 
 § 7.º: E se bem que a citação apenas seja aqui invocável no reduto próprio da 
 questão da revogação, pressupondo a premissa anterior exposta, não deixamos de 
 transcrever o seguinte excerto (Cf. DR cit. p. 5356, col. dt.ª): 
 
 «E se, como acima se referiu, o recurso previsto no art. 678.º, n.º 5, do Código 
 de Processo Civil é mais abrangente, no que ao arrendamento habitacional 
 respeita, que o recurso previsto no art. 57,0, n.º 1, do regime do Arrendamento 
 Urbano, isso só significa que, no confronto entre um recurso (o do art. 685.º, 
 n.º 5) e o outro (o do art. 57.º, n.º 1) o legislador quis conferir uma 
 acrescida garantia quando em causa estava um arrendamento habitacional...». 
 
 § 8.º: Insistimos que, ao contrário do que se pode deduzir do teor da douta 
 decisão ora reclamada, não está em causa: 
 i) a censura concreta da decisão judicial sub judice, mas a norma colocada em 
 crise pela interpretação e aplicação inconstitucional do aludido e inexistente 
 sentido revogatório; este sim a ser forçosamente analisado; 
 ii) pelo menos, o fundamento de que o direito constitucional de acesso ao 
 Tribunais impõe ao Legislador ordinário para a acção de despejo dos autos uma 
 garantia permanente de acesso a mais do que um grau de jurisdição, para o qual 
 se esgrima, até, o regime de igualdade não acalentado pelo mecanismo das 
 alçadas... 
 iii) Ou (mais discutível, é certo) que este mecanismo, em determinadas 
 circunstâncias, distorça a protecção de interesses mais relevantes do que os que 
 resultam da sua restrição formal (em rigor: em um escritório para o exercício de 
 profissão liberal, um singelo processo pode significar um valor muito superior 
 ao do valor anual da sua renda... e a iniciativa privada possui similar respaldo 
 Constitucional, cf. art. 6l.º, n.º 1, tal como a liberdade de exercício 
 profissional corresponderá a uma manifestação do livre desenvolvimento da 
 personalidade...). 
 
 § 9.º: Pelo contrário: 
 O que está igualmente em causa, é apurar se a excepcionalidade do regime de 
 acesso a segundo grau de jurisdição em matéria da cessação dos arrendamentos 
 
 (não habitacionais ou rurais, como já se exemplificou), ao menos por despejo 
 
 (como é o caso dos autos), objecto da protecção do regime do RAU, no citado art. 
 
 57.º, n.º 1, podia ser afastada sem que tal ofendesse o regime constitucional: 
 i) do princípio de garantia do acesso ao Direito e aos Tribunais, por outro 
 preceito que — tanto quanto se alcança — visa tão só alargar o regime de 
 protecção a outras realidades análogas em matéria de habitação 
 
 (inconstitucionalidade material); 
 ii) ou admitindo (por raciocínio) a revogação, que tal fosse possível sem a 
 prece dente autorização legislativa (inconstitucionalidade orgânica); 
 Mais: 
 
 § 10.º: Se pensarmos ainda na nova redacção que a Lei n.º 6/2006, de 27/02 
 
 (NRAU), forneceu ao n.º 5 do art. 678.º do CPC, mais convictos ficamos de que o 
 Legislador, com o Dec-Lei n.º 180/96, de 25/09, neste aspecto concreto, 
 pretendia apenas retomar a protecção do valor social da habitação que o RAU 
 colocara em crise ao revogar expressamente o art. 980.º do Código Civil. 
 Pois, 
 
 § 11.º: Com o novo regime de 2006, o alargamento do espectro da protecção dos 
 interesses espartilhados no mecanismo formal das alçadas abrange agora não 
 apenas as acções de despejo (habitacionais ou não), mas igualmente as demais 
 acções em que os arrendamentos (habitacionais ou não) estejam em causa, 
 garantindo a todos o acesso a um duplo grau de jurisdição. 
 
 § 12.º: E face ao regime da entrada em vigor da citada Lei n.º 6/2006 (cf. art. 
 
 65.º, n.º 2), à data em que foi proferido o Acórdão do TRL, não podemos até 
 deixar de consignar aqui também uma última questão sobre se a admissibilidade do 
 recurso não ficou nesse momento garantida? 
 IV. Em síntese (concluindo): 
 l.ª Analisada cuidadosamente a douta decisão reclamada, esta dá como adquirida, 
 sem mais, a constitucionalidade do art. 678.º, n.º 5, do CPC segundo a 
 interpretação deste preceito que inviabiliza  o pretendido recurso para a 
 instância. Mas, 
 
 2.ª Não se debruçou sobre a invocada inconstitucionalidade orgânica da Lei 
 habilitante da redacção dessa norma com o sentido e alcance emprestado pelo 
 Acórdão do TRL, aqui em causa; 
 
 3.ª Não ponderou se o art. 678.º, n.º 5, do CPC é aplicável ao caso concreto dos 
 autos, porquanto, não o sendo (subsistindo outras normas específicas para o 
 despejo em vigor) então a sua interpretação e aplicação pelo TRL veda, ao menos, 
 o acesso ao Direito garantido constitucionalmente”. 
 
  
 Cumpre decidir.
 
  
 II. 
 Fundamentação.
 
  
 
 3.
 
 É o seguinte o teor da decisão reclamada:
 
  
 
 “ (…)
 Importa todavia começar por fazer notar que o presente recurso, submetido à 
 disciplina da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, tem uma característica 
 especial; o seu objecto consiste apenas em norma ou normas jurídicas, não sendo 
 lícito que, no seu âmbito, o Tribunal aprecie a correcção jurídica da decisão 
 adoptada no tribunal recorrido e da concreta aplicação do direito ao caso sub 
 judice.
 
  
 Há, assim, que aceitar a opção adoptada na decisão recorrida quanto à escolha do 
 direito aplicável, que não é sindicável por este Tribunal. Isto é: a Relação de 
 Lisboa entendeu ser aplicável ao caso o artigo 678º n.º 5 do Código de Processo 
 Civil e este Tribunal não pode alterar essa decisão; o que está dentro do âmbito 
 do presente recurso é saber se essa norma, tal como foi aplicada, ofende a 
 Constituição. 
 A norma foi aplicada com o sentido de ser apenas admissível recurso para a 
 relação independentemente do valor da causa e da sucumbência, 'nas acções em que 
 se aprecie a validade ou a subsistência de contratos de arrendamento para 
 habitação', razão pela qual os processos relativos a arrendamentos não 
 habitacionais – como é o caso presente – a que foi atribuído valor inferior à 
 alçada dos tribunais de comarca não admitem recurso para a relação.
 Tal normativo inscreve-se no artigo 678º do Código de Processo Civil (na 
 redacção resultante do Decreto-Lei n.º 329-A/95 de 12 de Dezembro e do 
 Decreto-Lei n.º 180/96 de 25 de Setembro, o primeiro editado no uso da 
 autorização legislativa concedida pela Lei n.º 28/96 de 2 de Agosto e nos termos 
 das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 201º da Constituição, e o segundo no uso 
 da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 28/96 de 2 de Agosto e nos 
 termos das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 201º da Constituição), do seguinte 
 teor: 
 
  
 Artigo 678.º
 Decisões que admitem recurso
 
 1 - Só é admissível recurso ordinário nas causas de valor superior à alçada do 
 tribunal de que se recorre desde que as decisões impugnadas sejam desfavoráveis 
 para o recorrente em valor também superior a metade da alçada desse tribunal; em 
 caso, porém, de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, atender-se-á 
 somente ao valor da causa. 
 
 2 - Mas se tiver por fundamento a violação das regras de competência 
 internacional, em razão da matéria ou da hierarquia ou a ofensa de caso julgado, 
 o recurso é sempre admissível, seja qual for o valor da causa. 
 
 3 - Também admitem sempre recurso as decisões respeitantes ao valor da causa, 
 dos incidentes ou dos procedimentos cautelares, com o fundamento de que o seu 
 valor excede a alçada do tribunal de que se recorre. 
 
 4 - É sempre admissível recurso, a processar nos termos dos artigos 732.º-A e 
 
 732.º-B, do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de 
 diferente Relação, sobre a mesma questão fundamental de direito e do qual não 
 caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se a 
 orientação nele perfilhada estiver de acordo com a jurisprudência já 
 anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça.
 
 5 - Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível 
 recurso para a Relação nas acções em que se aprecie a validade ou a subsistência 
 de contratos de arrendamento para habitação. 
 
 6 - É sempre admissível recurso das decisões proferidas contra jurisprudência 
 uniformizada pelo Supremo Tribunal de Justiça.
 
  
 Sobre a questão de saber se a Constituição impõe ao legislador ordinário que 
 garanta sempre aos interessados o acesso a diferentes graus de jurisdição para 
 defesa dos seus direitos, já este Tribunal tem jurisprudência firme, conforme 
 reconhece, por exemplo, o Acórdão nº 431/02 (www.tribunalconstitucional.pt): 
 
  
 
 “De facto, é jurisprudência firme deste Tribunal que a Constituição, maxime, o 
 direito de acesso aos tribunais, não impõe ao legislador ordinário que garanta 
 sempre aos interessados o acesso a diferentes graus de jurisdição para defesa 
 dos seus direitos, destacando-se os Pareceres da Comissão Constitucional nºs. 
 
 8/78 (5º vol.) e 9/82 (19º vol.) e o Acórdão nº 65/88, de 23 de Março, in 
 Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11º vol., págs. 653 a 670. 
 Mais recentemente, ilustram esse entendimento, entre muitos outros, o Acórdão nº 
 
 149/99, de 9 de Março, de que se transcreve:
 
 «De resto e já em termos gerais, na interpretação do disposto no artigo 20º, nº 
 
 1 da C.R.P., o Tribunal Constitucional vem reiteradamente entendendo que a 
 Constituição não consagra um direito geral de recurso das decisões judiciais, 
 afora aquelas de natureza criminal condenatória e, aqui, por força do artigo 
 
 32º, nº 1 da Lei Fundamental (cfr., por todos, Acórdão nº 673/95 in DR, II 
 Série, de 20/3/96); e no mesmo sentido aponta a maioria da doutrina (cfr. 
 Ribeiro Mendes “Direito Processual Civil” AAFDL, vol. III pp. 124 e 125 e Vieira 
 de Andrade “Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976” pp. 332 
 e 333)».
 Também no Acórdão nº 239/97, de 12 de Março, se disse:
 
 «A existência de limitações de recorribilidade, designadamente através do 
 estabelecimento de alçadas (de limites de valor até ao qual um determinado 
 tribunal decide sem recurso), funciona como mecanismo de racionalização do 
 sistema judiciário, permitindo que o acesso à justiça não seja, na prática, 
 posto em causa pelo colapso do sistema, decorrente da chegada de todas (ou da 
 esmagadora maioria) das acções aos diversos ‘patamares’ de recurso.
 Na situação aqui em causa, do que se trata, essencialmente, é do funcionamento 
 da regra das alçadas: as acções que nunca chegariam ao Supremo Tribunal, e 
 consequentemente ao pleno, por não disporem de alçada, são subtraídas – ou dito 
 de outra forma, não são abrangidas – pela legitimação especial de recurso 
 contida no artigo 764º
 Ora, sendo certo que as alçadas, bem como todos os mecanismos de ‘filtragem’ de 
 recursos, originam desigualdades (partes há que podem recorrer e outras não), 
 estas não se configuram como discriminatórias, já que todas as acções contidas 
 no espaço de determinada alçada são, em matéria de recurso, tratadas da mesma 
 forma.
 Significa isto que a regra básica de igualdade, traduzida numa exigência de 
 tratamento igual do que é igual e diferente do que é diferente, proibindo, 
 designadamente a chamada ‘discriminação intolerável’, não é afectada pelo 
 específico aspecto do recurso para o pleno dos acórdãos da Relação, questionado 
 pelo recorrente».
 Por seu turno, no Acórdão nº 72/99, de 3 de Fevereiro de 1999, que acompanha 
 este último acabado de transcrever, destacam-se outros acórdãos demonstrativos 
 desta jurisprudência:
 
 «A limitação do recurso em função das alçadas não ofende também o princípio 
 constitucional de acesso ao direito e aos tribunais, consagrado no artigo 20º da 
 Constituição da República Portuguesa. Nesse sentido se tem pronunciado a 
 jurisprudência constante do Tribunal Constitucional. Assim, vejam-se, como mais 
 significativos, os acórdãos nºs 163/90 (publicado em Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 16º vol., p. 301 ss); 210/92 (publicado em Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 22º vol., p. 543 ss); 340/94 e 403/94 (não publicados); 95/95 
 
 (publicado no Diário da República, II Série, nº 93, de 20.4.1995); 377/96 
 
 (publicado no Diário da República, II Série, nº 160, de 12.7.1996)»”.
 
  
 Importa, assim, ter presente que o artigo 678º do Código de Processo Civil, 
 enquanto limita o recurso às causas de valor superior à alçada do tribunal de 
 que se recorre, não ofende a Constituição. 
 A questão que se pode colocar nos presentes autos é a de saber se a mesma 
 doutrina é de manter quanto ao seu n.º 5, ou seja, quando em causa está uma 
 acção de valor inferior à da alçada do tribunal de comarca, mas relativa a 
 arrendamento não habitacional, como no caso presente. Mas é bem patente que a 
 especial protecção de que goza o arrendamento habitacional – traduzida no 
 aludido n.º 5 – radica no artigo 65º da Constituição, preceito que não tem 
 paralelo quanto ao arrendamento não habitacional. Acha-se, nestes termos, 
 justificado o regime especial de que beneficia o arrendamento habitacional, 
 regime que não abrange o caso dos autos.
 Em suma, uma vez que o direito de acesso aos tribunais não impõe ao legislador 
 ordinário que garanta sempre aos interessados o acesso a diferentes graus de 
 jurisdição para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, 
 assistindo-lhe, no âmbito do processo civil, ampla margem de liberdade na 
 conformação do direito ao recurso e que a interpretação do aludido artigo 678º 
 nº 5 não pode qualificar-se como arbitrária, excessiva ou desprovida de 
 justificação objectiva, pois se inclui na regra geral aplicável a todos as 
 demais acções, com excepção das relativas a arrendamentos habitacionais, importa 
 reafirmar aqui a jurisprudência deste Tribunal acima referida, concluindo pela 
 não inconstitucionalidade da norma sindicada”.
 
  
 Não houve resposta à reclamação.
 
  
 
 4.
 Cumpre analisá-la.
 
  
 Contestam os reclamantes a decisão sumaria essencialmente por três ordens de 
 razões que sintetizam da seguinte forma: 
 
  
 
 'O art. 685º, n.º 5, do CPC revogou ou não o preceituado no art. 57.º, n.º 1 do 
 RAU? São ou não as duas normas inconciliáveis, em vista da correspondente 
 revogabilidade tácita? E, mesmo aceitando por necessidade de raciocínio uma 
 resposta afirmativa, tal revogação poderia operar-se sem violação de qualquer 
 preceito constitucional?'
 
  
 Impõe-se começar por reafirmar que, apesar da relevância que a questão assume no 
 caso em presença, não cabe ao Tribunal Constitucional esclarecer se o artigo 
 
 685º n.º 5 do Código de Processo Civil revogou, ou não revogou, o preceituado no 
 artigo 57º n.º 1 do RAU.
 Conforme se afirmou na decisão sumária ora em reclamação – e tal afirmação é 
 inteiramente de manter –, não cabe a este Tribunal a tarefa de sindicar as 
 decisões jurisdicionais propriamente ditas, o que inevitavelmente aconteceria se 
 pretendesse determinar, no caso presente, qual das duas normas em confronto, de 
 direito infraconstitucional, deveria ser aplicada na resolução concreta do caso. 
 
 
 
 É o que resulta do disposto no artigo 70º n.º 1 alínea b) e n.º 1 do artigo 
 
 75º-A, ambos da LTC, conforme tem sido pacificamente entendido pela 
 jurisprudência do Tribunal.
 
  
 Questão diversa consiste em saber se tal revogação determinou a violação de 
 preceito constitucional, tal como pretendem os recorrentes ora reclamantes. 
 
  
 Decidiu a Relação de Lisboa no seu acórdão que a norma do artigo 57º do RAU foi 
 substituída pela constante do artigo 685º n.º 5 do Código de Processo Civil, 
 regra esta que aplicou ao caso; entendeu, portanto, que só será sempre 
 admissível recurso para a Relação, independentemente do valor da causa e da 
 sucumbência, nas acções em que se aprecie a validade ou a subsistência de 
 contratos de arrendamento para habitação. 
 
  
 Dois problemas de constitucionalidade, no entanto, se podem colocar: o primeiro, 
 de natureza material, consiste em saber se é constitucionalmente admissível 
 distinguir os casos de arrendamento habitacional dos demais casos de 
 arrendamento, fazendo incluir estes na regra geral de alçada para efeito de 
 recurso, e conferindo àqueles a já referida garantia de recurso, 
 independentemente do valor da causa e da sucumbência.
 A esta questão, a decisão sumária reclamada respondeu no sentido da não 
 desconformidade constitucional da norma, sufragando-se na jurisprudência do 
 Tribunal quanto à liberdade de conformação do legislador ordinário em matéria de 
 recursos de decisões não penais. 
 
  
 E também quanto a esta decisão nada há a censurar pois, conforme abundantemente 
 se explicou na decisão em análise, não ocorre aqui violação intolerável do 
 direito de acesso aos tribunais.
 
  
 Mas uma outra questão surge suscitada no presente recurso, e também atinente à 
 desconformidade constitucional da mesma norma aplicada pela Relação de Lisboa na 
 decisão recorrida. 
 
 É a seguinte: uma vez que o regime geral do arrendamento rural e urbano 
 constitui matéria integrada na reserva relativa de competência legislativa da 
 Assembleia de República, por força do disposto no artigo 165º n.º 1 alínea h) da 
 Constituição, e que a alteração do artigo 678º do Código de Processo Civil, que 
 
 (tal como aceita a Relação) modificou o regime de recursos quanto ao 
 arrendamento não habitacional decorreu através de diploma governamental – 
 Decreto-Lei n.º 180/96 de 25 de Setembro – não antecedido da específica 
 autorização legislativa para alterar o dito regime de arrendamento, pese embora 
 aprovado ao abrigo da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 28/96 de 2 
 de Agosto, estar-se-ia em presença de um caso de inconstitucionalidade orgânica.
 Aliás, esta questão foi, com estes contornos, adequadamente suscitada perante o 
 Tribunal recorrido. 
 Ora, sobre o assunto a decisão sumária em reclamação nada diz. Importa, por 
 isso, reconhecer que não tendo havido resposta a esta matéria, que concretiza 
 questão que não pode ser tida como simples, para os efeitos do artigo 78º-A da 
 LTC, nem manifestamente infundada, haverá que fazer seguir – restrito a esta 
 questão – o recurso para julgamento.
 
  
 III.
 Decisão.
 
  
 
 5.
 Nestes termos, e sem necessidade de outras considerações, decide-se revogar 
 parcialmente, nos termos sobreditos, a decisão sumária em reclamação, 
 ordenando-se a notificação das partes para apresentarem, em 30 dias, as suas 
 alegações quanto à questão que constitui o objecto do recurso.
 Sem custas. 
 
  
 Lisboa, 14 de Novembro de 2007
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Maria João Antunes
 Rui Manuel Moura Ramos