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Processo nº 905/04
 
 1ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria João Antunes
 
  
 
  
 
  
 Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 I. Relatório
 
 1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é 
 recorrente A. e são recorridos o Ministério Público, B. – Cooperativa Agrícola 
 de Produtores de Leite do Centro Litoral, CRL, o Banco C., S.A., D. e outros, 
 foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no 
 artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do 
 Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele Tribunal de 24 de Junho de 
 
 2004. 
 
  
 
 2. Em autos de reclamação e graduação de créditos, na sequência de declaração de 
 falência da E. – Cooperativa Agrícola Leiteira do Ribatejo e Oeste, CRL, os 
 créditos dos trabalhadores foram graduados em 1º lugar, relativamente a bem 
 imóvel, pelo Tribunal Judicial da Comarca das Caldas da Rainha. Interposto 
 recurso de apelação, o Tribunal da Relação de Lisboa graduou tais créditos em 3º 
 lugar, graduando os créditos do Banco C., S. A. e da B. – Cooperativa Agrícola 
 de Produtores de Leite Centro Litoral, CRL, garantidos por hipoteca, em 1º e 2º 
 lugares, respectivamente.
 Foi então interposto recurso de revista, entre outros, pelo ora recorrente, que 
 concluiu nas respectivas alegações, para o que agora releva, o seguinte:
 
  
 
 «17- (…) é materialmente inconstitucional, por violação do princípio da 
 confiança, ínsito no princípio do Estado de Direito Democrático, consignado no 
 artigo 2º da Constituição da República, as normas contidas no artigo 12º da Lei 
 nº 17/86, de 14 de Junho, quando interpretadas, como o fez o acórdão recorrido, 
 no sentido de que a hipoteca prefere ao privilégio imobiliário geral nela 
 conferido.
 
 18- Nos termos do nº 1, alínea a) do artigo 59º da Constituição da República, 
 
 “todos os trabalhadores têm direito à retribuição do trabalho, segundo a 
 quantidade, natureza e qualidade...”
 E nos termos do nº 3 do mesmo normativo “os salários gozam de garantias 
 especiais, nos termos da Lei”.
 
 19- Ora, na prática, a dar-se como boa a solução vertida no acórdão recorrido, 
 tal teria por consequência que os trabalhadores em geral, e o recorrente em 
 particular, veriam em grave crise a possibilidade de receberem os créditos 
 emergentes das suas retribuições de trabalho, designadamente os seus salários, 
 ficando desproporcionalmente desprotegidos perante outros credores, 
 especialmente os hipotecários.
 
 20- O que, como já se referiu, não quis o legislador ordinário, e muito menos o 
 permitiria a Constituição da República.
 
 21- Assim, e mais uma vez, seria, ainda, materialmente inconstitucional, 
 designadamente por violação do direito à justa retribuição, consignada na alínea 
 a) dos nº 1 e nº 3 do artigo 59º da Constituição da República, as normas 
 contidas no artigo 12º da Lei nº 17/86, de 14 de Junho, quando interpretadas, 
 como faz o acórdão recorrido, no sentido de que os créditos garantidos por 
 hipoteca devem ser graduados com preferência aos créditos dos trabalhadores que 
 gozem de privilégios imobiliários gerais».
 
  
 
 3. Por acórdão de 24 de Junho de 2004, o Supremo Tribunal de Justiça negou a 
 revista pretendida pelo recorrente. É o seguinte, para o que agora cumpre 
 apreciar e decidir, o teor desta decisão:
 
  
 
 «As questões propostas, e a resolver, são as seguintes:
 
 (...)
 
 - Devem os créditos dos trabalhadores a que o art.12° da Lei nº17/86, de 14/6, 
 confere privilégio imobiliário geral prevalecer, ou não, sobre hipotecas 
 anteriormente registadas?
 
 (...)
 Depois de, na respectiva pág.8, a fls.1231 dos autos, largamente transcrever os 
 arts.686º, nº1º, 733°, nºs lº e 2º, 735º, nos lº, 2º, e 3º, 737º, nºlº, al.d), 
 C.Civ., e 12°, nos lº e 2°, da Lei nº17/86, de 14/6, o acórdão sob revista acaba 
 por concluir, com apoio, nomeadamente, em jurisprudência do Tribunal 
 Constitucional relativa aos créditos da segurança social e de IRS, que o art.7°, 
 al.b ), do DL 437/78, de 28/12, ao criar um privilégio imobiliário geral que, à 
 margem do registo, preferisse, nos termos do art. 751º C.Civ., à hipoteca, 
 estaria inquinado de inconstitucionalidade, por violação do art.2º da 
 Constituição (…).
 Pronunciando-se expressa e concretamente sobre essa proposição em acórdão 
 
 (nº498/2003 - Proc. nº317/2002) de 22/10/2003, publicado no DR, II Série, nº2, 
 de 3/1/2004, pp.40 a 43, aquele Tribunal decidiu - pág.43-12.- a) : 'Não julgar 
 inconstitucional a norma constante da al.b) do nº1 do artigo 12° da Lei nº17/86, 
 de 14 de Junho, na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral 
 nela conferido aos créditos emergentes do contrato individual de trabalho 
 prefere à hipoteca, nos termos do artigo 751 o do Código Civil'.
 Cuidou-se no entanto, nesse acórdão, de deixar claro não caber àquele Tribunal 
 pronunciar-se sobre as posições em confronto a este respeito no âmbito da 
 interpretação do direito ordinário - idem, 42-8.
 Neste outro âmbito, e com, aliás, o sólido apoio doutrinal que o acórdão a que 
 se vem aludindo igualmente menciona - ibidem, 7. (…), mostra-se actualmente 
 firmado neste Tribunal o entendimento de que o art. 751º C.Civ. contem um 
 princípio geral insusceptível de aplicação aos privilégios imobiliários gerais, 
 não conhecidos aquando do início da vigência desse Código, e tal assim visto 
 também que, não sujeitos a registo, afectam gravemente os direitos de terceiros, 
 sendo, pois, o art.749º C.Civ. que no caso há-de valer - v. Acs.STJ de de 
 
 3/4/2001 e de 25/6/2002 da 6ª Secção, citados no acórdão recorrido, o segundo 
 publicado na CJSTJ, X, 2º, 135, e com sumário, ambos, na edição anual 
 respectiva dos Sumários de Acórdãos Cíveis organizada pelo Gabinete dos Juízes 
 Assessores deste Tribunal., pág.127 , 2ª col. (1º-II), e 208,2ª col., V e VI, 
 ainda respectivamente.
 São no mesmo sentido acórdão da mesma Secção de 24/9/2002, publicado na CJSTJ, 
 X, 3º, 55 e com sumário na 2ª col da pág.255 (2º) da edição anual de 2002 desses 
 Sumários, e os de 6/3 e 12/6/ 2003 da 2ª Secção, e de 3/4/2003, ainda da 6ª 
 Secção, com sumário nos nºs 69, 72, e 70 dos Sumários referidos (edição mensal 
 competente), págs.18, 1ª col. ( I e II ), 33, 2ª col- VIII, e 10, 2ª col., 
 sempre respectivamente. Desta ( 7ª ) Secção, refere-se o de 27/6/2002, publicado 
 na CJSTJ, X, 2°, 146.
 Não se vê que seja de contradizer essa orientação, a qual, contra o que o 
 primeiro recorrente pretende, de modo nenhum também se entende que efectivamente 
 contrarie o princípio da confiança ínsito no princípio do Estado de direito 
 democrático estabelecido no art.2º da Constituição, nem, em boa verdade, directa 
 e desproporcionadamente afecte o direito à retribuição assegurado no art.59º, 
 nºs 1º, al.a), e 3º, ambos da Constituição”.
 
  
 
 4. Notificado para alegar, o recorrente concluiu que:
 
  
 
 «1- O douto acórdão da Relação de Lisboa julga parcialmente procedente o recurso 
 interposto pela B..
 
 2- Apenas na parte que se refere à graduação especial A, feito em 1ª instância, 
 decidindo que pelo produto da venda do bem imóvel descrito no número 626 da 
 freguesia de Tornada, da Conservatória do Registo Predial de Caldas da Rainha, 
 seja verificado da seguinte forma:
 
 1º Crédito do Banco C., S.A.;
 
 2º Crédito da B. até ao limite de 400.000.000$00;
 
 3º Créditos reclamados pelos trabalhadores.
 
 3- Entendendo que ao privilégio imobiliário geral estatuído na Lei nº 17/86 não 
 se deverá aplicar o artigo 751 do Código Civil, pelo que os créditos 
 hipotecários deverão ser graduados antes do crédito emergente do contrato de 
 trabalho, designadamente os relacionados com o salário.
 
 4- Ao contrário do decidido em 1ª instância que gradua os créditos dos 
 trabalhadores, nos termos do artigo 12 da Lei nº 17/86, e artigo 751º do Código 
 Civil, à frente dos créditos garantidos por hipotecas, mesmo que anteriormente 
 registados.
 
 5- O entendimento daquele acórdão da Relação de Lisboa foi seguido no acórdão do 
 Supremo Tribunal de Justiça.
 
 6- A B. quando, em 1988, constituiu a hipoteca sobre o prédio descrito sob o nº 
 
 126, fê-lo em interesse próprio.
 
 7- Bem sabendo das dificuldades económico-financeiras da falida.
 
 8- E tendo tido em consideração que já estava em vigor a lei 17/86, cuja 
 interpretação doutrinal e jurisprudencial era absolutamente unânime a definir a 
 prevalência na graduação dos créditos dos trabalhadores sobre outros créditos, 
 designadamente as garantias por hipoteca mesmo que anteriormente registadas.
 
 9- Ao contrário foi o recorrente que, convicto do seu direito, nunca antes posto 
 em causa, quer pela lei, quer pela doutrina, quer pela jurisprudência unânime 
 dos tribunais, viu violar o princípio da confiança.
 
 10- Pelo que é materialmente inconstitucional, por violação do princípio da 
 confiança, ínsito no princípio do Estado de Direito Democrático, consignado no 
 artigo 2º da Constituição da República, as normas contidas no artigo 12º da Lei 
 nº 17/86, de 14 de Junho, quando interpretadas, como o fez o acórdão recorrido, 
 no sentido de que a hipoteca prefere ao privilégio imobiliário geral nela 
 conferido.
 
 11- Nos termos do nº 1, alínea a) do artigo 59º da Constituição da República, 
 
 “todos os trabalhadores têm direito à retribuição do trabalho, segundo a 
 quantidade, natureza e qualidade...”
 E nos termos do nº 3 do mesmo normativo “os salários gozam de garantias 
 especiais, nos termos da Lei”.
 
 12- Ora, na prática, a dar-se como boa a solução vertida no acórdão recorrido, 
 tal teria por consequência que os trabalhadores em geral, e o recorrente em 
 particular, veriam em grave crise a possibilidade de receberem os créditos 
 emergentes das suas retribuições de trabalho, designadamente os seus salários, 
 ficando desproporcionalmente desprotegidos perante outros credores, 
 especialmente os hipotecários.
 
 13- O que, como já se referiu, não quis o legislador ordinário, e muito menos o 
 permitiria a Constituição da República.
 
 14- Assim, e mais uma vez, seria, ainda, materialmente inconstitucional, 
 designada mente por violação do direito à justa retribuição, consignada na 
 alínea a) dos nº 1 e nº 3 do artigo 59º da Constituição da República, as normas 
 contidas no artigo 12º da Lei nº 17/86, de 14 de Junho, quando interpretadas, 
 como faz o acórdão recorrido, no sentido de que os créditos garantidos por 
 hipoteca devem ser graduados com preferência aos créditos dos trabalhadores que 
 gozem de privilégios imobiliários gerais.
 
 15- O artigo 12º da Lei nº 17/86, de 14 de Junho, na interpretação e com a 
 aplicação e alcance vertidos no acórdão da Relação de Lisboa e no acórdão do 
 Supremo Tribunal de Justiça sub judice, mostra-se ferido de 
 inconstituciona1idade material por violação do artigo 2º, artigo 18º nº 2, do nº 
 
 1 e nº 3 do artigo 59 da Constituição da República, assim como do princípio da 
 proporcionalidade».
 
  
 
 5. Contra-alegaram o Ministério Público, a B., CRL e o Banco C., S.A., 
 formulando as conclusões que de seguida se transcrevem.
 
  
 
 5.1. Ministério Público:
 
 «1º - O facto de o Tribunal Constitucional, no acórdão nº 498/03, ter julgado 
 não inconstitucional a interpretação normativa do âmbito do privilégio 
 imobiliário geral, outorgado aos trabalhadores para garantia do seu direito à 
 retribuição, segundo a qual tal garantia prefere à hipoteca, nos termos do 
 artigo 751º do Código Civil, não significa que tal solução, tida por conforme à 
 Lei Fundamental, seja por ela necessariamente imposta.
 
 2º - Na verdade, a tutela do direito aos salários mediante outorga de “garantias 
 especiais” (artigo 59º, nº 3, da CRP) é conferida “nos termos da lei”; o que 
 implica a outorga ao legislador ordinário de uma ampla margem de 
 discricionariedade na concretização de tal norma constitucional.
 
 3º - Não colide com o disposto no artigo 59º, nº 3, da Constituição da República 
 Portuguesa a interpretação normativa que – realizando uma ponderação dos 
 interesses conflituantes dos trabalhadores na garantia do seu direito à 
 retribuição e dos credores, titulares de garantias reais registadas, na 
 manutenção dos seus créditos – considera inaplicável aos privilégios gerais de 
 qualquer natureza o regime estipulado no artigo 751º do Código Civil.
 
 4º - Termos em que deverá improceder o presente recurso».
 
  
 
 5.2. B., CRL:
 
 «1ª.- A questão da inconstitucionalidade com base na qual o recorrente pretende 
 a reapreciação do acórdão do STJ por este Tribunal Constitucional, foi apreciada 
 e – aliás – decidida naquele acórdão em conformidade com as pretensões do 
 recorrente.
 
 2ª.- A decisão da revista foi tomada não no âmbito da questão da 
 constitucionalidade mas no âmbito da interpretação do direito ordinário.
 
 3ª.- Como o recorrente não suscitou no lugar próprio essa questão da 
 interpretação do direito ordinário, e como também não é essa a questão que 
 pretende ver reapreciada, então, é manifesto que o presente recurso para o 
 Tribunal Constitucional é inadmissível à luz do disposto nos arts. 70° e 72º, nº 
 
 2 da Lei do Tribunal Constitucional (Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro).
 
 4ª.- O único efeito útil do recurso desejado consistiria em apurar se a 
 interpretação do direito ordinário dada pelo acórdão sub judice à decisão da 
 hierarquização e graduação dos vários privilégios em confronto sofreria 
 eventualmente de alguma inconstitucionalidade, mas tal questão não foi suscitada 
 no processo nem é, manifestamente, objecto do presente recurso.
 Sem prescindir,
 
 5ª.- A questão que eventualmente interessaria a este Tribunal Constitucional a 
 propósito do presente recurso seria a de saber “se a interpretação normativa do 
 artº 12º, nº1, al. b) da Lei nº 17/86, de 14 de Junho, segundo a qual todos 
 créditos emergentes do contrato individual de trabalho gozam de privilégio 
 imobiliário geral e prevalecem, nos termos previstos no artigo 751° do Código 
 Civil, sobre a hipoteca, mesmo que anteriormente registada - interpretação que 
 constitui o objecto do presente recurso (…) - é ou não compatível com a 
 constituição”.
 
 6.ª- Sucede porém que essa questão está há muito definitivamente esclarecida por 
 este Tribunal Constitucional e também não foi posta em crise pelo Acórdão do STJ 
 que o presente recurso quer por em crise.
 
 7.ª- O que a este respeito o STJ decidiu foi que o que está em causa é uma 
 questão de interpretação e aplicação do direito ordinário, no que toca aos 
 princípios legais e doutrinários a que obedece a hierarquização dos vários 
 privilégios - neles incluindo o instituído pelo art° 12º da citada Lei 17/86 - 
 no sentido de saber se essa interpretação (…) é ou não sindicável pelo Tribunal 
 Constitucional.
 
 8ª- E, no âmbito dessa questão, o STJ mais não fez do que aderir ao decidido 
 pois este Tribunal Constitucional – supõe-se que com força obrigatória geral – 
 no sentido de que não cabe ao Tribunal Constitucional pronunciar-se sobre as 
 posições em confronto no âmbito de interpretação do direito ordinário.
 
 9ª.- É o que se espera que venha a ser confirmado no Acórdão que vier a recair 
 sobre o presente recurso,
 Ainda e sempre sem prescindir,
 
 10ª.- Embora sejam irrelevantes - salvo o devido respeito - as conclusões 6 10 
 das alegações do recorrente, o certo é que, se relevo tivessem, estaria por 
 demonstrar no interesse de quem é que foi constituída a hipoteca que protege o 
 crédito da B., designadamente se não terá sido no interesse dos trabalhadores da 
 E. e do próprio recorrente, por ter por base empréstimos para lhes pagar já os 
 salários que, a vencer a sua tese, estaria a pagar segunda vez sem obrigação de 
 o fazer; e quando, por outro lado, se fala de confiança, ocorreria perguntar 
 porque não mereceria tutela a confiança da Cooperativa B. e de todos os seus 
 trabalhadores e associados produtores agrícolas quando decidiram ajudar a 
 Cooperativa E. e os seus trabalhadores emprestando-lhes dinheiro para a sua 
 sobrevivência confiando na protecção, segurança, estabilidade, certeza e 
 garantia que lhes resultava do registo legítimo da hipoteca».
 
  
 
 5.3. Banco C., S.A.:
 
 «1. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, entende que a graduação especial 
 efectuada pelo Tribunal de comarca das Caldas da Rainha, não podia ter sido 
 alterada relativamente ao Banco C. S.A., porquanto não tinha o banco recorrido 
 dessa decisão.
 
 2. Não obstante, esta linha argumentativa, vem o Tribunal “A Quo” proceder a 
 nova graduação, em total oposição com o que proferira acerca do Acórdão do 
 Tribunal da Relação de Lisboa.
 
 3. De tal graduação resulta que o crédito do banco que anteriormente se 
 encontrava em primeiro lugar passe para terceiro lugar.
 
 4. Ou seja, o crédito do aqui alegante, garantido por hipoteca de 1.º grau, foi 
 graduado atrás de um crédito garantido por hipoteca de 2.º grau.
 
 5. Tal decisão, profundamente contraditória com a argumentação utilizada pelo 
 próprio Supremo Tribunal de Justiça, violou o Direito de Propriedade do banco.
 Direito esse constitucionalmente garantido pelo art. – 62.º da Constituição da 
 República Portuguesa».
 
  
 
 6. Notificado para se pronunciar sobre o entendimento da B., CRL no sentido do 
 não conhecimento do objecto do recurso de constitucionalidade, o recorrente não 
 apresentou qualquer resposta.
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 II. Fundamentação
 
 1. Nos presentes autos é questionada a constitucionalidade do artigo 12º da Lei 
 nº 17/86, de 14 de Junho, na interpretação segundo a qual o privilégio 
 imobiliário geral de que gozam os créditos dos trabalhadores não prefere à 
 hipoteca anteriormente registada, por referência aos artigos 2º e 59º, nºs 1, 
 alínea a), e 3, da Constituição da República Portuguesa.
 Esta questão de constitucionalidade foi suscitada pelo recorrente, durante o 
 processo (cf. supra ponto 2. do Relatório), pelo que, verificados os demais 
 pressupostos do recurso interposto, nada obsta ao conhecimento do seu objecto.
 
 É a seguinte a redacção do artigo 12º (Privilégios creditórios) daquela lei:
 
  
 
 «1 – Os créditos emergentes de contrato individual de trabalho regulados pela 
 presente lei gozam dos seguintes privilégios:
 a) Privilégio mobiliário geral;
 b) Privilégio imobiliário geral.
 
 2 – Os privilégios dos créditos referidos no nº 1, ainda que resultantes de 
 retribuições em falta antes da entrada em vigor da presente lei, gozam de 
 preferência nos termos do número seguinte, incluindo os créditos respeitantes a 
 despesas de justiça, sem prejuízo, contudo, dos privilégios anteriormente 
 constituídos, com direito a ser graduados antes da entrada em vigor da presente 
 lei.
 
 3 – A graduação dos créditos far-se-á pela ordem seguinte:
 a) Quanto ao privilégio mobiliário geral, antes dos créditos referidos no nº 1 
 do artigo 747º do Código Civil, mas pela ordem dos créditos enunciados no artigo 
 
 737º do mesmo Código;
 b) Quanto ao privilégio imobiliário geral, antes dos créditos referidos no 
 artigo 748º do Código Civil e ainda dos créditos de contribuições devidas à 
 Segurança Social.
 
 4 – Ao crédito de juros de mora é aplicável o regime previsto no número 
 anterior».
 
  
 
 2. A norma que é objecto deste recurso foi, recentemente, julgada não 
 inconstitucional por este Tribunal – Acórdão nº 284/07, tirado no Processo nº 
 
 891/04 –, com os seguintes fundamentos:
 
  
 
 «5.                Como dá conta o Acórdão n.º 498/03 (DR, II Série, de 3 de 
 Janeiro de 2004) citado pelos recorrentes, o Tribunal Constitucional já foi 
 solicitado a pronunciar-se, por diversas vezes, sobre questão idêntica, isto é, 
 sobre a questão da constitucionalidade de normas que, tal como aquela que agora 
 está em causa, ligam privilégios imobiliários gerais a determinados créditos, 
 considerando valer para tais privilégios a prevalência fixada no artigo 751º do 
 Código Civil. Tal questão tem sido analisada à luz do princípio da confiança 
 
 (artigo 2º da Constituição), quando, tal como agora, concorre com uma hipoteca, 
 anteriormente registada, que onera um imóvel abrangido pelo privilégio.
 Assim, nos Acórdãos 362/2002 e 363/2002 (DR, I Série-A, de  16 de Outubro de 
 
 2002), o Tribunal Constitucional declarou a inconstitucionalidade, com força 
 obrigatória geral, por violação do artigo 2º da Constituição, da norma que, no 
 Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares confere privilégio 
 imobiliário geral à Fazenda Pública, com preferência sobre a hipoteca, nos 
 termos do artigo 751º do Código Civil e “das normas constantes do artigo 11º do 
 Decreto-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio, e do artigo 2º do Decreto-Lei n.º 512/76, 
 de 3 de Julho, na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral 
 nelas conferido à segurança social prefere à hipoteca, nos termos do artigo 751º 
 do Código Civil”. 
 Ao fundamentar o juízo de inconstitucionalidade, o Tribunal notou que, em tais 
 casos, a lei garante com um privilégio imobiliário geral, não sujeito a registo, 
 onerando todos os imóveis do património do devedor, um crédito 'desprovido de 
 qualquer conexão' com aqueles imóveis e com eles não relacionado. Reconheceu-se, 
 em suma, que nesses casos o privilégio preferia sobre  direitos reais de 
 garantia, da titularidade de terceiros, aos quais não era acessível o 
 conhecimento da existência do crédito, em virtude de estar protegido pelo 
 segredo fiscal, e do correspondente ónus, devido à inexistência de registo. 
 
  
 
 6.                   Porém, no já referido Acórdão n. 498/2003, o Tribunal 
 recusou julgar inconstitucional precisamente a norma constante da alínea b) do 
 n.º 1 do artigo 12º da Lei n.º 17/86 de 14 de Junho, na interpretação segundo a 
 qual o privilégio imobiliário geral nela conferido aos créditos emergentes do 
 contrato individual de trabalho prefere à hipoteca, nos termos do artigo 751º do 
 Código Civil.
 Nesse caso, o Tribunal reconheceu ser constitucionalmente lícito ao legislador 
 orientar-se por uma outra solução, atendendo às circunstâncias concretas:  não 
 só não podia afirmar-se inexistir uma “qualquer conexão” entre os créditos 
 laborais reclamados e os imóveis onerados, visto que em causa estavam 
 privilégios incidentes sobre os bens imóveis da empresa ao serviço da qual se 
 encontram os trabalhadores beneficiários – ligação que atenuaria o carácter 
 oculto e imprevisível dos créditos laborais para o credor com garantia real 
 registada –, mas também por não haver segredo impeditivo do conhecimento da 
 existência dos aludidos créditos; por outro lado, os trabalhadores não têm à sua 
 disposição os meios alternativos de que, quer a Fazenda Pública, quer a 
 Segurança Social dispõem para cobrar os seus créditos, para além de, no caso de 
 falência do empregador, o único meio seguro de garantir a cobrança do crédito 
 laboral poderia consistir na prevalência da garantia creditória que os protege, 
 em homenagem à sua natureza de direito constitucionalmente incluído entre os 
 direitos fundamentais dos trabalhadores, conforme o artigo 59º n.º 1 alínea a) 
 da Constituição. A restrição do princípio da confiança operada pela norma então 
 impugnada seria um meio adequado e necessário à salvaguarda do direito dos 
 trabalhadores à retribuição, pelo que não havia contra tal solução obstáculo 
 constitucional.
 
  
 
 7.                   Só que destas considerações – suficientes para aceitar a 
 conformidade constitucional de uma solução legislativa que admita que os 
 créditos laborais preferem ao crédito que é garantido por hipoteca anteriormente 
 registada –, não decorre a obrigação constitucional de a lei ordinária conferir 
 obrigatoriamente aos créditos laborais uma prevalência sobre crédito garantido 
 por uma hipoteca anteriormente registada.
 O princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático, 
 consagrado no artigo 2º da Constituição da República postula um mínimo de 
 certeza nos direitos das pessoas e nas expectativas que lhes são juridicamente 
 criadas, censurando as afectações inadmissíveis, arbitrárias ou excessivamente 
 onerosas, com as quais não se poderia razoavelmente contar. 
 E a verdade é que, conforme se decidiu no já referido Acórdão n.º 363/2002, 
 tirado em plenário sem votos discordantes, 'o registo predial tem uma finalidade 
 prioritária que radica essencialmente na ideia de segurança e protecção dos 
 particulares, evitando ónus ocultos que possam dificultar a constituição e 
 circulação de direitos com eficácia real sobre imóveis, bem como das respectivas 
 relações jurídicas – que, em certa perspectiva, possam afectar a segurança do 
 comércio jurídico imobiliário”.
 Ora, a norma impugnada respeita o princípio da confiança, constitucionalmente 
 consagrado.
 
  
 
 8.                   Sustentam os recorrentes que a norma ofende o princípio da 
 dignidade humana, o direito à retribuição do trabalho e o direito à segurança no 
 emprego, previstos respectivamente no artigo 1º,  artigo 59º n.º 1 alínea a) e 
 no artigo 53º da Constituição.
 Na verdade, o artigo 1º da Constituição, para além de tudo o mais, pretende 
 garantir a dignidade da pessoa humana, como valor eminente de cada pessoa, 
 respeitando o direito à vida, à integridade pessoal, à identidade, à capacidade 
 civil, à cidadania, às liberdades cívicas, e concretiza-se num leque muito 
 variado de opções, em que sobressai, para o que agora releva, o estabelecimento, 
 pelo legislador ordinário, de garantias mínimas de subsistência e de condições 
 materiais de vida.
 Estes valores desenvolvem-se em múltiplas outras normas da Constituição, 
 designadamente, como alegam os recorrentes, no artigo 59º, no qual se afirmam os 
 direitos fundamentais dos trabalhadores. A alínea a) do n.º 1 deste artigo 59º 
 consagra o direito fundamental a uma justa remuneração, que permita uma 
 existência condigna, e a mecanismos que garantam a tutela daquela retribuição. A 
 referida alínea a) protege, portanto, essencialmente o direito à retribuição 
 segundo a quantidade, a natureza e a qualidade do trabalho prestado, impondo que 
 a remuneração do trabalho obedeça a princípios de justiça.
 O artigo 53º da Constituição tem outro âmbito: estabelece a garantia da 
 segurança no emprego, com proibição de despedimentos sem justa causa, e uma 
 proibição de princípio ao trabalho precário, ou a termo, à redução do período 
 normal de trabalho, à suspensão do contrato de trabalho, ou à modificação 
 substancial da relação de emprego.
 Acontece, no entanto, que a protecção do direito à retribuição não é absoluta. 
 
 É certo que o legislador está vinculado, pelo n.º 3 do artigo 59º da 
 Constituição, a criar um regime de protecção especial dos salários dos 
 trabalhadores. Mas esta protecção não conduz necessariamente a uma solução 
 legislativa que consagre um privilégio creditório absoluto para garantia destes 
 créditos. 
 Na verdade, a referida incumbência constitucional confere ao legislador 
 suficiente liberdade para optar, num leque de soluções possíveis, por aquelas 
 que repute mais eficazes, habilitando-o a adoptar outros mecanismos de protecção 
 salarial, como, por exemplo, o sistema de garantia salarial, instituído pelo 
 Decreto-Lei n.º 50/85 de 27 de Fevereiro, e revisto pelo Decreto-Lei 219/99 de 
 
 15 de Junho – entre outras, precisamente com a finalidade de o articular com o 
 Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência –, 
 regulamentado pelo Decreto-Lei n.º 139/2001 de 24 de Abril, hoje previsto no 
 artigo 380º do Código do Trabalho e na Lei n.º 35/2004 de 29 de Julho, que 
 regulamenta este Código; ou quando proíbe a penhora em dois terços do salário do 
 executado (artigo 824º n.º 1 do Código de Processo Civil, na versão aplicável).
 Todavia, o legislador ordinário dispõe, ainda assim, de uma ampla margem de 
 liberdade de conformação nesta matéria como aconteceu, por exemplo, quando criou 
 um regime de prescrição de créditos laborais (artigo 38º da Lei Geral do 
 Trabalho, hoje artigo 381º do Código do Trabalho), impensável num regime de 
 protecção absoluta do direito à retribuição, apesar de beneficiar os 
 trabalhadores face ao regime geral de prescrição de créditos.
 Em suma, não é constitucionalmente proibido que a lei ordinária confira 
 prevalência ao crédito garantido por uma hipoteca anteriormente registada sobre 
 os créditos laborais. Nesta conformidade, deve entender-se que o princípio da 
 confiança, assim defendido pela norma impugnada, não encontra obstáculo 
 constitucional».
 
  
 
 É este entendimento que agora se reitera, o que justifica que seja negado 
 provimento ao recurso interposto.
 
  
 III. Decisão
 Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso, confirmando a decisão 
 recorrida no que diz respeito ao juízo de não inconstitucionalidade.
 Custas pelo recorrente, fixando-se em 20 (vinte) unidades de conta a taxa de 
 justiça.
 
  
 Lisboa, 8 de Maio de 2007
 Maria João Antunes
 José Borges Soeiro
 Gil Galvão
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Rui Manuel Moura Ramos