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Processo n.º 27/08
 
 2ª Secção
 Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
 
 
 
      Acordam, em conferência, na 2ª secção do Tribunal Constitucional
 
             
 
 1. Nos presentes autos de reclamação, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, A. 
 e B. reclamam para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º 
 da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional 
 
 (LTC), do despacho daquele Supremo Tribunal, de 08.11.2007, que indeferiu o seu 
 requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional.
 Para tanto, invocam o seguinte:
 
 «[…] 1° O despacho que indeferiu o requerimento de interposição de recurso 
 apresentado pelos Recorrentes, ora Reclamantes, fundamentou-se no facto de não 
 ter sido suscitada, durante o processo, a inconstitucionalidade da norma 
 aplicada pelo Tribunal “a quo“, como dispõe o art.° 280.°, n.° 1, b), da C.R.P., 
 e o art.° 70.°, n.° 1, b) da LOFPTC. 
 
 2° Entendemos, contudo, salvo o devido respeito, que a fundamentação com base na 
 qual se indeferiu aquele requerimento de recurso não reflecte a questão de fundo 
 apresentada. 
 
 3° Com efeito, os Recorrentes, ora Reclamantes, invocaram, no seu recurso, a 
 necessidade de se suspender a instância devido à renúncia ao mandato por parte 
 do seu mandatário. 
 
 4° Os Recorrentes, ora Reclamantes, entendem que há, como houve, uma diferença 
 de tratamento entre cidadãos, no caso entre Autor e Réus, quando se verifica a 
 renúncia ao mandato, facto que contraria o estatuído no art.° 13.°, n.° 1, da 
 C.R.P. 
 
 5° Na verdade assim é por que, quando verificado aquele facto, o Autor, para 
 além de notificado, ainda lhe é concedido o prazo de vinte dias para a 
 constituição de novo mandatário, com a consequente suspensão da instância, como 
 determina o art.° 39.°, n.° 3, do C.P.C. 
 
 6° Todavia, se o mandatário renunciante for do Réu, o processo segue os seus 
 termos, isto é, não se verifica qualquer suspensão para que o Réu constitua novo 
 mandatário. 
 
 7º Ora, ainda que se argumente que o legislador quis, deste modo, evitar que o 
 Réu retardasse indefinidamente o andamento do processo, tal argumento não merece 
 acolhimento, até por força da lei processual. 
 
 8° De facto, a lei confere ao julgador, caso se convença que qualquer das 
 partes, no caso presente, os Réus, se servem do processo para conseguir um fim 
 proibido por lei, a faculdade de obstar a prossecução desse mesmo objectivo 
 anormal do processo, através da aplicação do art.° 665.° do C.P.C. 
 
 9° Assim, permanece válida a tese defendida pelos Recorrentes, ora Reclamantes, 
 de que a instância deveria ter sido suspensa e ser-lhes concedido prazo para a 
 constituição de novo mandatário. 
 
 10º Esta mesma tese, aliás, mereceu já a adesão de vários Tribunais, justamente 
 por considerarem estar quebrada a relação de confiança que deve existir entre 
 mandante e mandatário, e, por isso, não estar o mandatário renunciante obrigado 
 a comparecer em audiência de julgamento, uma vez que já se produziram os efeitos 
 da renúncia ao mandato, em virtude da expressão “sem prejuízo “, estatuída no 
 n.° 2, in fine, do art.° 39.° do C.P.C. não se referir aos efeitos sobre o 
 mandato, mas, unicamente, à faculdade conferida ao mandante para constituição de 
 novo mandatário. 
 
 11.º Este entendimento reforça, como se vê, a tese defendida pelos ora 
 Reclamantes. 
 
 12° Transcreve-se, de seguida, o seguinte aresto: 
 
 “Outra, que embora minoritária, tem sido adoptada por alguns Tribunais de 1ª 
 Instância, com a adaptação processual da tramitação (art.° 265.°, a), do 
 C.P.C.), considerando que, porque já se produziram os efeitos da renúncia ao 
 mandato (art.° 39.°, n.° 2, do C.P.C.), não está o mandatário renunciante 
 obrigado a comparecer em audiência de julgamento, em virtude da expressão “sem 
 prejuízo “, estatuída no n.° 2 in fine do art.° 39.° do C.P. C. não se referir 
 aos efeitos sobre o mandato, mas tão só à faculdade conferida ao mandante para 
 constituição de novo mandatário. Mas mesmo que assim se não considerasse, 
 estaria consolidada a quebra de confiança entre mandante e mandatário, não 
 constituindo violação de qualquer dever deontológico a sua falta à audiência de 
 julgamento, em virtude da mandatário (queremos que haverá erro de amanuense e 
 ter-se-á querido dizer mandante), já se encontrar notificado da renúncia ao 
 mandato. 
 Com base nesta interpretação, existirá fundamento para, ao abrigo do disposto no 
 art.° 279.º n.° 1 (motivo justificado), ex vi, art.° 39.°, n.º 3, ambos do 
 C.P.C., ser determinada a suspensão da instância e consequentemente, da 
 audiência de julgamento, por forma a permitir a regularização do mandato” (in 
 renúncia ao mandato: efeitos sobre audiência de julgamento já designada. Autor: 
 Dr. Joel Timóteo Ramos Pereira, Juíz de Direito, publicado na Revista “O 
 Advogado”, n° 36 - Outubro de 2003, ponto 2.3.2, 
 
 www.verbojuridico.net/doutrina/artigod/renunciamandato.html). 
 
 13° Por conseguinte, os ora Reclamantes entendem, sem margem para dúvidas que o 
 direito foi invocado, sendo que o S.T.J. fez uma interpretação, salvo o devido 
 respeito, inconstitucional do art.° 39.°, n.° 3, do C.P.C. 
 
 14° Por isso, os ora Reclamantes entenderam que não tinham necessidade de citar 
 a norma em causa, porquanto a constitucionalidade que se discute, é a 
 interpretação que foi dada ao art.° 39.°, n.° 3, do C.P.C. pelo S.T.J. e que 
 constitui, na opinião dos ora Reclamantes, uma decisão surpresa porquanto não 
 tiveram a possibilidade de prestar quaisquer esclarecimentos. 
 
 15° Importa, aliás, sobre esta matéria, atentar no que escreve o Prof. Lebre de 
 Freitas: 
 
 “A decisão deve ser proferida com base num fundamento de direito sobre o qual as 
 partes não tenham tido a possibilidade de previamente se pronunciar. Assim é que 
 o C.P.C. francês é expresso em estabelecer que o Juiz não pode fundar a sua 
 decisão numa questão de direito de conhecimento oficioso sem previamente 
 convidar as partes a apresentar as suas observações sobre ele Aliás, como 
 aparece realçado em obra de Nicolà Trocker dedicada ao tema do Processo e 
 Constituição, esta derivação está de acordo com as concepções mais modernas 
 sobre a aplicação do direito, a qual já hoje não é tida como um mero produto dum 
 silogismo abstracto, mas como um devir contínuo, ao qual importa a dinâmica 
 estabelecida entre intérprete e a norma, na medida em que esta ultima contém 
 múltiplas cláusulas gerais e conceitos indeterminados a que aos Tribunais cabe 
 dar conteúdo. As decisões-surpresa não devem, pois, ter lugar sem ofensa do 
 princípio do contraditório. Ora, no nosso C.P.C., as decisões-surpresa são 
 possíveis (no despacho liminar, no despacho saneador, na sentença final, em 
 recurso), quer com base na aplicação na lei de processo, quer com base na 
 aplicação da lei substantiva (numa tendência que, longe de se atenuar, se 
 acentuou com a reforma do C.P.C. de 1985 e que o Projecto do novo C.P.C., embora 
 enunciando uma regra geral proibitiva das decisões-surpresa, se propunha 
 acentuar ainda) “. (Prof Lebre de Freitas, in ROA, Ano 52, Vol. 1, Abril de 
 
 1992, págs. 37 e 38). 
 
 16° Ora, o art.° 202.º, n.° 2 da C.R.P. diz, taxativamente, que, “na 
 administração da justiça incumbe aos Tribunais assegurar a defesa dos direitos e 
 interesses legalmente protegidos dos cidadãos... “. 
 
 17° Significa isto que, por maioria de razão, o S.T.J. teria de interpretar de 
 outro modo o art.° 39.°, n.° 3 do C.P.C., até por haver decisões de Tribunais 
 contrárias à interpretação por si dada, nada consentânea, aliás, com a sociedade 
 hodierna. 
 
 18° Com efeito, relevemos uma vez mais as sábias palavras do Prof. Lebre de 
 Freitas: “Há, pois, que fazer uma interpretação extensiva do art.° 20.º da 
 Constituição, conforme como os citados factos internacionais (dos quais a 
 Declaração Universal é, por disposição expressa do art.° 17.°-2 da Constituição 
 hoje art.° 16.°-2 — Direito Constitucional Interno), com a prática do Tribunal 
 Europeu dos Direitos do Homem, com os ensinamentos do VII Congresso 
 Internacional de Direito Processual (realizado em 1983 em Wurtzburg) e com o 
 conhecimento da jurisprudência dos Tribunais Constitucionais de outros países 
 democráticos”. (Prof. Lebre de Freitas, ob. Citada, pág. 32). 
 
 19° Assim, a indicação da norma que se pretende invocar como inconstitucional só 
 
 é necessária quando isso não resulte, expressamente, da questão em litígio.  
 
 20º Ora, nos presentes autos a discussão centrou-se, única e exclusivamente, em 
 torno da interpretação que as instâncias deram ao art.° 39.°, n.° 3 do C.P.C., 
 em sentido contrário ao que resulta da Constituição, nomeadamente, o supra 
 citado art.° 20.º. 
 
 21° A questão foi, aliás, sobejamente exposta e levantada, incluindo com a 
 evocação de decisões de Tribunais e no sentido da tese defendida pelos 
 Recorrentes, ora Reclamantes, como supra se mencionou e documentou através do 
 aresto citado. 
 
 22° Significa isto que estamos perante duas interpretações distintas sendo que 
 uma delas, exactamente a que as instâncias, no caso em apreço, vieram a adoptar, 
 viola a Constituição.
 
 23° Assim, uma vez que há duas interpretações divergentes entre si, urge definir 
 qual delas é a que se enquadra no espírito da Constituição e à luz dos 
 princípios constitucionais mais abrangentes, consagrados no art.° 16.º da C.R.P. 
 
 
 Pelo exposto, deve a presente Reclamação ser recebida e provida, e, em 
 consequência, revogar-se o despacho que indeferiu o requerimento de interposição 
 de recurso apresentado pelos Recorrentes, ora Reclamantes, ordenando-se a sua 
 admissão.»
 O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional emitiu 
 parecer, nos termos seguintes:
 
 «A presente reclamação é manifestamente improcedente.
 Na verdade, é evidente que o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão que se 
 pretendeu impugnar não aplicou a norma que os recorrentes vieram indicar apenas 
 no âmbito da presente reclamação, fundando-se o decidido exclusivamente na norma 
 
 − limitativa do acesso ao Supremo em sede de questões procedimentais − que 
 consta do n.º 2 do art. 754.º do CPC.»
 
  
 
 2. Com relevância para a presente decisão resulta dos autos o seguinte:
 
 − C. instaurou na Comarca de Cascais, contra A. e mulher, acção com processo 
 ordinário, pedindo, designadamente, o reconhecimento do direito de propriedade 
 sobre o imóvel identificado nos autos, a restituição do referido imóvel à A. e o 
 pagamento de uma indemnização.
 
 − O Tribunal de primeira instância proferiu sentença julgando a acção 
 parcialmente procedente, condenando os réus a reconhecerem que a autora é 
 proprietária do imóvel, a restituírem o prédio livre de pessoas e bens e a 
 pagarem à autora determinada quantia.
 
 − Desta decisão apelaram ambas as partes.
 
 − Por acórdão de 29.03.2007, o Tribunal da Relação de Lisboa negou provimento 
 aos recursos, confirmando a sentença.
 
 − Novamente inconformados, A. e mulher interpuseram recurso de revista para o 
 Supremo Tribunal de Justiça que, por acórdão de 04.10.2007, negou provimento ao 
 recurso.
 
 − Ainda inconformados, os recorrentes interpuseram recurso do acórdão do Supremo 
 Tribunal de Justiça para o Tribunal Constitucional.
 
 − Este recurso não foi admitido por despacho de 08.11.2007, ora reclamado.
 
  
 
 3. É manifesto que a presente reclamação tem de improceder.
 Para além de o requerimento de interposição do recurso não cumprir minimamente 
 os requisitos exigidos pelo artigo 75.º-A, n.ºs 1 e 2, da LTC (nele não se 
 identifica nem a norma cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada, nem 
 o princípio constitucional que se considera violado, nem a peça processual em 
 que tal questão foi suscitada), verifica-se ainda a falta insanável de 
 pressupostos do recurso de constitucionalidade.
 Na verdade, são pressupostos específicos do recurso de constitucionalidade 
 previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC a efectiva aplicação, pela 
 decisão recorrida, de norma cuja  inconstitucionalidade tenha sido suscitada”de 
 modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão 
 recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer” (artigo 72.º, n.º , 
 da LTC). 
 Ora, constata-se que os reclamantes não satisfizeram, no decurso da lide, esta 
 exigência. Só em sede da presente reclamação invocaram, pela primeira vez, uma 
 inconstitucionalidade reportada ao artigo 39.º, n.º 3, do CPC – norma que também 
 só agora, aliás, identificam como sendo a norma cuja constitucionalidade 
 pretendem questionar.
 Para além disso, e como bem salienta o representante do Ministério Público, a 
 decisão recorrida não fez efectiva aplicação da norma indicada. 
 O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 04.10.2007, que se pretende 
 impugnar, não conheceu de qualquer questão referente ao artigo 39.º, n.º 3, do 
 Código de Processo Civil, pela simples razão de ter considerado − na parte 
 respeitante à nulidade processual invocada pelos recorrentes, única que agora 
 releva −  não ser admissível o recurso de revista para aquele Supremo Tribunal, 
 por aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 754.º do CPC, constituindo este o 
 
 único fundamento da decisão na parte referida.
 Assim, por não se encontrarem verificados os respectivos pressupostos, não pode 
 o presente recurso ser admitido.
 
  
 
 4. Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação do despacho que não admitiu o 
 presente recurso de constitucionalidade.
 Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de 
 conta.
 Lisboa, 20 de Fevereiro de 2008
 Joaquim de Sousa Ribeiro
 Benjamim Rodrigues
 Rui Manuel Moura Ramos