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Proc. n.º 101/04   
 1ª Secção Relatora: Maria Helena Brito 
 
 Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional: 
 
 I 
 
 
 1. A. deduziu reclamação do despacho da Juíza do Tribunal do Trabalho de Lisboa que não admitiu o recurso que pretendia interpor para o Tribunal Constitucional. 
 
 2. Resulta dos autos que: 
 
 2.1. No Tribunal do Trabalho de Lisboa foi julgada parcialmente procedente a acção declarativa com processo comum intentada por B., tendo sido condenada a Ré A. a pagar à Autora determinadas importâncias a título de remunerações vencidas e de indemnização por despedimento ilícito (sentença de 11 de Abril de 
 2003, a fls. 250 e seguintes). 
 
 2.2. A. interpôs recurso de apelação e, com o objectivo de obter efeito suspensivo para tal recurso, requereu que lhe fosse admitido “prestar caução, por depósito ou fiança bancária”, invocando o disposto no artigo 83º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho (requerimento de fls. 270/286). 
 
 2.3. Por despacho manuscrito de fls. 313, foi determinada a notificação da Ré “para prestar caução pelo valor em que foi condenada no prazo legal”. 
 
 2.4. A. arguiu a nulidade de tal despacho, “por se tratar de despacho [...] manuscrito em letra que [...] não consegue perceber, estando assim impedido de compreender e de apreender o respectivo sentido e, consequentemente, de o cumprir ou fazer cumprir” (requerimento de fls. 316). Foi então proferido despacho que indeferiu a arguição de nulidade, tanto mais que “a R. limita-se a dizer que [o despacho] é nulo mas sem invocar qual é a norma violada” (fls. 
 319). 
 
 2.5. A. apresentou novo requerimento (fls. 326 e seguintes), em que, depois de pedir esclarecimento “quanto a saber se o recurso foi, ou não, admitido”, afirmou: 
 
 “[...] 
 2. Sendo certo que, no modo de ver da Ré – Recorrente, não lhe é exigível que preste caução, seja por que meio e em que montante, para obter com a interposição do recurso o efeito suspensivo que pretende, sem saber se o mesmo foi, ou não, admitido. 
 [...] 
 4. A este propósito, e prevenindo por cautela de patrocínio entendimento diverso por parte de V. Ex.ª deve desde já invocar-se a inconstitucionalidade das normas dos n.ºs 1 e 2 do artigo 83º do Código de Processo do Trabalho, na interpretação segundo a qual o despacho de admissão, não admissão ou rejeição do recurso só deve ser proferido depois de se mostrar prestada a caução, por violação do direito de acesso ao direito e aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva, consagrado no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa. 
 [...] 
 [...] a Ré – Recorrente considera que a norma do artigo 83º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho é (ainda) inconstitucional, por violação do princípio da igualdade e (ainda) por violação do direito de acesso ao direito e aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva, consagrado no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, na medida em que, se literalmente interpretado nessa parte, impõe sem qualquer justificação e em absoluto que a caução seja prestada por depósito efectivo na Caixa Geral de Depósitos ou por fiança bancária. 
 [...].” 
 
 
 2.6. A Juíza do Tribunal do Trabalho de Lisboa proferiu novo despacho, através do qual indeferiu o pedido de esclarecimento, por nada haver a esclarecer, admitiu o recurso de apelação e renovou o despacho “para a R. prestar caução pelo valor em que foi condenada, por qualquer das formas admissíveis na lei” (fls. 331 e seguinte). 
 
 
 2.7. Notificada deste despacho, A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, através de requerimento assim redigido (requerimento de fls. 344 e seguinte): 
 
 “[...] 
 1. O douto despacho em causa não admite recurso ordinário, por a lei o não prever. 
 2. Assim, porque com o mesmo se não pode conformar e porque no requerimento de aclaração havia invocado a inconstitucionalidade de tais normas, Requer a V. Ex.ª Seja admitida a interpor do citado douto despacho Recurso para o Tribunal Constitucional, para ser declarada a inconstitucionalidade: 
 – das normas dos n.ºs 1 e 2 do artigo 83° do Código de Processo do Trabalho, na interpretação segundo a qual o despacho de admissão, não admissão ou rejeição do recurso só deve ser proferido depois de se mostrar prestada a caução, por violação do direito de acesso ao direito e aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva, consagrado no artigo 20° da Constituição da República Portuguesa; 
 – e da norma do artigo 83° n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, por violação do princípio da igualdade e (ainda) por violação do direito de acesso ao direito e aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva, consagrado no artigo 20° da Constituição da República Portuguesa, na medida em que, se literalmente interpretado, impõe sem qualquer justificação e em absoluto que a caução seja prestada por depósito efectivo na Caixa Geral de Depósitos ou por fiança bancária. 
 [...].” 
 
 
 2.8. Através do despacho de fls. 355 e seguintes, decidiu-se não admitir o recurso para o Tribunal Constitucional pelas razões a seguir indicadas: 
 
 “[...] O caso em análise compreende-se no âmbito da al. b) do n.° 1 do art° 70 da L 
 13-A/98. A R. veio interpor recurso do despacho que indeferiu o pedido de aclaração que formulou. Interpõe recurso com dois fundamentos: 
 – para ser declarada a inconstitucionalidade das normas dos n.ºs 1 e 2 do art° 
 83 do CPT, na interpretação segundo a qual o despacho de admissão, não admissão ou rejeição do recurso só deve ser proferido depois de se mostrar prestada a caução, por violação do direito ao acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva, consagrado no art° 20 da CRP. 
 – para ser declarada a inconstitucionalidade da norma do art° 83/1 do CPT por violação do princípio da igualdade e (ainda) por violação do direito de acesso ao direito e aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva, consagrado no art° 20° da CRP, na medida em que literalmente interpretado, impõe sem qualquer justificação e em absoluto que a caução seja prestada por depósito efectivo na Caixa Geral de Depósitos ou por fiança bancária. Ora no 1º caso é manifesto que a recorrente não tem qualquer fundamento para o recurso. Se bem que no despacho de fls. 313 foi ordenado que a R. prestasse caução sem previamente ter sido admitido o recurso, posteriormente, no despacho de fls. 331 e 332 foi admitido o recurso e renovado o despacho para a R. prestar caução. Assim tendo o recurso sido admitido e concedido novo prazo para a R. prestar caução, não tem qualquer fundamento para o recurso. Quanto à 2ª inconstitucionalidade invocada: 
 É a própria R. que a fls. 286 no seu requerimento de interposição de recurso da sentença proferida nestes autos que vem dizer e passo a citar «3. Para obter efeito suspensivo para este Recurso, requerer que seja admitido a prestar caução por depósito ou fiança bancária (cfr. artigo 83º, n° 1, do C.P.T.)». Ora é a própria R. que vem oferecer a prestação de caução em conformidade com o disposto no artº 83/1 do CPT, sem suscitar a inconstitucionalidade do mesmo. A R. só depois de ter sido deferido o que ela própria requereu é que veio alegar que, afinal, o artº 83 era inconstitucional, interpretado no sentido da prestação de caução ser apenas efectuada nos moldes em que ela própria o tinha requerido. Além de manifestamente infundado o recurso interposto pelas razões expostas, sempre seria de rejeitar por extemporâneo, uma vez que a arguição de inconstitucionalidade não foi feita no primeiro momento em que o recorrente poderia ter suscitado a inconstitucionalidade da norma e que era no próprio requerimento em que requer[eu] a prestação de caução. Agora não pode requerer ao Tribunal algo e depois de deferido o que requereu, vir dizer que afinal não cumpre o que ela própria pediu para cumprir, porque a interpretação no sentido do que ela própria requereu é inconstitucional. 
 [...].” 
 
 
 2.9. A. veio deduzir reclamação do despacho de não admissão do recurso, através do requerimento de fls. 362 e seguinte, nestes termos: 
 
 “[...] Não se podendo conformar com a não admissão do recurso, da respectiva decisão vem agora reclamar para o Tribunal Constitucional, o que faz nos termos do n.º 4 do artigo 76º da Lei n.º 28/82, renovando e aqui dando por reproduzido o requerimento de interposição de recurso na parte respeitante à 2ª inconstitucionalidade invocada. 
 [...].” 
 
 
 3. No Tribunal Constitucional, o Ministério Público emitiu parecer (fls. 
 370 v.º), do seguinte teor: 
 
 “A presente reclamação carece ostensivamente de qualquer fundamento. Na verdade – e como se demonstra cabalmente no despacho que indeferiu o recurso de constitucionalidade – a primeira das normas indicadas não foi manifestamente aplicada com o sentido, alegadamente inconstitucional, indicado pelo recorrente; e, quanto à segunda de tais normas, é manifesto que a recorrente não cumpriu o 
 ónus de suscitação, durante o processo, da questão da respectiva inconstitucionalidade.” 
 
 
 Cumpre apreciar e decidir. 
 
 II 
 
 
 4. Embora do requerimento de interposição do recurso não conste a indicação do respectivo fundamento, fácil é concluir que no caso dos autos a ora reclamante pretendia interpor recurso de constitucionalidade da decisão proferida pelo Tribunal do Trabalho de Lisboa, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional. 
 
 A Juíza não admitiu o recurso, por entender que não estavam verificados no caso os pressupostos processuais exigidos pela disposição mencionada, designadamente – para o que aqui releva – por não ter sido suscitada durante o processo a questão de inconstitucionalidade que a ora reclamante pretende submeter à apreciação do Tribunal Constitucional. 
 
 
 5. Não merece censura o despacho reclamado. 
 
 Na verdade, resulta do teor da reclamação apresentada que a ora reclamante pretendia submeter à apreciação do Tribunal Constitucional apenas a segunda questão que tinha enunciado no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, isto é, a questão relativa à norma do artigo 83°, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, “por violação do princípio da igualdade e 
 (ainda) por violação do direito de acesso ao direito e aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva, consagrado no artigo 20° da Constituição da República Portuguesa, na medida em que, se literalmente interpretado, impõe sem qualquer justificação e em absoluto que a caução seja prestada por depósito efectivo na Caixa Geral de Depósitos ou por fiança bancária” (cfr. supra, 2.7. e 
 2.9.). 
 
 Assim sendo, e para que pudesse ser-lhe reconhecida legitimidade para requerer ao Tribunal Constitucional a apreciação da conformidade constitucional de tal norma no âmbito do recurso previsto na alínea b) do n.º1 do artigo 70º da LTC, a ora reclamante tinha o ónus de suscitar a questão perante o tribunal que proferiu a decisão de que pretendia recorrer (cfr. ainda o artigo 72º, n.º 2, da LTC). 
 
 É manifesto que a ora reclamante não suscitou a questão da inconstitucionalidade em momento adequado, sendo certo que teve oportunidade processual de o fazer, concretamente quando requereu que lhe fosse admitido 
 “prestar caução, por depósito ou fiança bancária”, com o objectivo de obter efeito suspensivo para tal recurso, precisamente invocando a norma do artigo 
 83º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho (requerimento de fls. 270/286, supra, 2.2.). 
 
 
 6. Conclui-se assim que, não tendo sido suscitada de modo processualmente adequado perante o tribunal recorrido a inconstitucionalidade da norma que se pretende submeter à apreciação do Tribunal Constitucional, não podem dar-se como verificados no caso os pressupostos processuais do tipo de recurso interposto. 
 
 III 
 
 
 7. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação. 
 
 Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em vinte unidades de conta. 
 
 Lisboa, 30 de Março de 2004 
 Maria Helena Brito Carlos Pamplona de Oliveira Rui Manuel Moura Ramos