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Processo n.º 384/2007
 
 3ª Secção
 Relator: Conselheiro Vítor Gomes
 
                 (Conselheira Maria Lúcia Amaral)
 
  
 
  
 Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
             I – Relatório
 
  
 
 1.  A Caixa Geral de Aposentações interpôs recurso para o Tribunal 
 Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da 
 Lei nº 28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal Constitucional), do acórdão do 
 Tribunal Central Administrativo Norte, de 22 de Fevereiro de 2007, que negou 
 provimento ao recurso pela mesma interposto da sentença do Tribunal 
 Administrativo e Fiscal de Coimbra, de 15 de Maio de 2006, que julgara 
 procedente a acção administrativa especial contra a mesma deduzida pelo 
 Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local e, consequentemente, 
 a condenara nos seguintes termos:
 
  
 
 “A ré deverá apreciar o pedido de aposentação remetido em 12 de Janeiro de 200 
 de acordo com o disposto no DL n° 116/85 de 19 de Abril, aceitando e apreciando 
 o pedido de aposentação antecipada do funcionário A., considerando que o 
 requisito de inexistência de prejuízo para o serviço se encontra preenchido, 
 procedendo à contagem do tempo de serviço do funcionário, aplicando-lhe ainda o 
 disposto nos artigos 22° e 23° do DL n° 297/2000 de 15 de Abril, conjugado com o 
 preceituado na Portaria n° 395/2000 de 15 de Abril, e no caso de este reunir os 
 
 36 anos de serviço efectivo à data de 31 de Dezembro de 2003, a ré deverá 
 proferir, no prazo de 30 dias a contar da notificação da presente decisão, o 
 despacho a que se refere o n° 7 do artigo 3° do DL 119/85 de 19 de Abril, com 
 efeitos imediatos, e comunicando esse facto aos serviços de origem.”
 
  
 
  
 Para assim decidir o acórdão recorrido entendeu dever “concluir-se pela 
 inconstitucionalidade material das normas vertidas no nº 6 do art. 01.º e do 
 art. 02.º da Lei n.° 01/04 quando entendidas no sentido, como faz agora a CGA 
 nos presentes autos, de que não é aplicável o regime do DL nº 116/85 aos 
 processos que se iniciaram antes de 31/12/2003 pelo simples facto de não terem 
 dado entrada na CGA até à data da entrada em vigor daquela Lei, por violação 
 conjugada do dispostos nos arts. 02.º e 266.º da CRP (princípios da protecção da 
 confiança e da segurança jurídica inerentes ao princípio do Estado de Direito). 
 Nessa medida, será de atender ao regime decorrente do DL nº 116/85 tanto para 
 mais que na devolução efectuada pela CGA no procedimento administrativo, já na 
 vigência da Lei nº 01/04, aquela nem sequer invocou o novo regime legal do que 
 se poderia inferir a sua consonância com o enquadramento legal a atender e 
 aplicar”.
 
  
 
  
 
 2. Nas suas alegações de recurso, a recorrente concluiu do seguinte modo:
 
  
 A) Os artigos l.°, n.° 6, e 2.°, da Lei n.° 1/2004, de 15 de Janeiro, por 
 conterem normas de efeitos retroactivos, não são inconstitucionais, já que não 
 atingem, de forma inadmissível, intolerável, arbitrária, demasiado onerosa e 
 inconsistente as legítimas expectativas daqueles que podiam requerer a pensão de 
 aposentação, de características excepcionais, prevista no regime instituído pelo 
 Decreto-Lei n.° 116/85, de 14 de Abril. 
 B) O artigo 3.°, n.° 3, da CRP, dispõe que a validade das leis do Estado depende 
 da sua conformidade com a Constituição, mas apenas a lei criminal não pode ser 
 retroactiva nos termos definidos no artigo 29.°, n.° l a 4, da mesma lei. 
 C) O princípio da não retroactividade da lei não tem actualmente, entre nós 
 
 (salvo quanto à lei criminal o artigo 29.° da CRP), assento na Constituição e, 
 daí, que o preceito do artigo 12.° do Código Civil não se impõe ao legislador. 
 D) Assim, as disposições do artigo 12.° do Código Civil não têm mais força 
 vinculativa que as de outras leis ordinárias, pelo que elas não prevalecem sobre 
 o resultado da interpretação destas (Vaz Serra, RLJ, n.° 110, página 272). 
 E) Por outro lado, o atraso na publicação da lei não invalida a produção dos 
 seus efeitos, já que a sua vigência não depende do seu conhecimento efectivo, 
 embora a sua eficácia dependa da sua publicação, tanto mais que a sua aprovação 
 foi amplamente noticiada na comunicação social e vivamente contestada pelos 
 sindicatos. 
 F) Nesta conformidade, face aos fundamentos acima expostos, a CGA entende que 
 deverá ser declarado que os artigos 1.°, n.° 6, e 2.°, da Lei n.° 1/2004, de 15 
 de Janeiro, não são, em qualquer circunstância, inconstitucionais, nem, tão 
 pouco, violam quaisquer dos princípios que emanam dos artigos 2.° e 266.° da 
 CRP.
 
  
 
  
 
 3. O recorrido apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes 
 conclusões:
 
  
 A)
 
 1. Investido da legitimidade decorrente de ter levantado a questão na petição 
 inicial (art° 17°) e alegações por escrito (art° 10°) na acção administrativa 
 especial, nas contra-alegações (conclusões d) a j)) e resposta nos termos do 
 art° 146°, nº 2 do CPTA e por ter sido parte vencedora no mui douto Acórdão do 
 TCAN, por força da inconstitucionalidade à qual também adere, o Recorrido imputa 
 
 às mesmas normas outra inconstitucionalidade a acrescer à verificada no Acórdão 
 recorrido. 
 
 2. Refere o art° 2° da Lei n° 1/2004, de 15/1: «...A presente lei entra em vigor 
 no dia 1 de Janeiro de 2004...», coisa diferente de estatuir “A presente lei 
 produz efeitos desde 1 de Janeiro de 2004”. 
 
 3. Não há nenhuma disposição neste diploma concernente à produção de efeitos da 
 norma reportando-os a momento anterior ou posterior a esta data. 
 
 4. Podendo-se, assim, inferir que o início da produção de efeitos dos normativos 
 do diploma será concomitante à entrada em vigor, incluindo-se naqueles, 
 naturalmente, os do nº 6 do art° 1°. 
 
 5. A Lei n° 74/98 dispõe sobre a publicação, identificação e formulário dos 
 diplomas e no seu art° lº, nº 1, estabelece que: «...A eficácia jurídica dos 
 actos a que se refere a presente lei depende da publicação...», estatuindo no 
 art° 2°, n° 1, que: «...Os actos legislativos e outros actos de conteúdo 
 genérico entram em vigor no dia neles fixado não podendo, em caso algum, o 
 início da vigência verificar-se no próprio dia da publicação...». 
 
 6. É uma lei que tem como destinatários os actos legislativos e que por estes 
 deve ser respeitada. 
 
 7. O nº 3, do art° 112°, da Constituição da República Portuguesa, estatui que 
 têm valor reforçado além das leis orgânicas, as leis que careçam de aprovação 
 por maioria de 2/3, bem como aquelas que, por força da Constituição, sejam 
 pressuposto normativo necessário de outras leis ou que por outras devam ser 
 respeitadas. 
 
 8. Por força do disposto no art° 2° e 3°, nº 2, da Constituição da República 
 Portuguesa a Lei nº 1/2004 estava obrigada a respeitar e cumprir os ditames da 
 Lei n° 74/98. 
 
 9. Pela simples razão de que o povo não espera dos órgãos de soberania que se 
 vinculem a regras que posteriormente não cumpram. 
 
 10. Consequentemente, o art° 2° e 1º, n° 6 da Lei n° 1/2004 são também 
 inconstitucionais por violação do nº 3 do art° 112° da Constituição da República 
 Portuguesa. 
 B)
 
 11. O Recorrido faz suas as asserções do mui douto Acórdão do TCAN aqui em 
 causa, designadamente o douto entendimento segundo o qual o próprio art° 43°, n° 
 
 1, do Estatuto da Aposentação pode violar o princípio da confiança no sentido em 
 que, na pendência do processo, podem ocorrer alterações radicais e onerosas de 
 regime que destruam sólidas e legítimas expectativas existentes à data do pedido 
 de aposentação. 
 
 12. A partir da altura em que os subscritores abrangidos pelo âmbito de 
 aplicação do DL n° 116/85, atingiram os 36 anos criaram uma forte expectativa na 
 sua aposentação segundo o diploma, expectativa essa reforçada a partir do 
 momento em que tinham conhecimento de não ser imprescindíveis ao serviço. No 
 caso, o certo é que o pedido e o despacho liberando o subscritor são anteriores 
 
 à publicação da lei. 
 
 13. E não é o facto de a lei ter estado inserida no debate político‑social 
 recente, sobre as dificuldades orçamentais da Segurança Social ou de ter sido 
 precedida do Acórdão do Tribunal Constitucional n° 360/2003, de 8/7, que 
 proferiu decisão formal, que eximia o legislador de observar as regras e os 
 princípios da certeza e segurança jurídicas. 
 
 14. Parenteticamente, quanto a este Acórdão do Tribunal Constitucional, sem 
 querer entrar em discussão sobre a importância das questões formais pelo mesmo 
 sopesadas, as quais salvaguardam importantes direitos, designadamente, de 
 participação, diga-se que teve o efeito de encorajar muitos subscritores com 36 
 anos a avançarem com pedidos de aposentação uma vez que viram subtraída à ordem 
 jurídica uma lei que lhes impunha um regime bem mais oneroso de aposentação 
 antecipada. 
 
 15. O que está, sim, em causa é o processo legislativo sujeito a regras ditadas 
 pela certeza e segurança jurídicas cuja violação acarreta a dos princípios como 
 os de boa-fé e da protecção da confiança, de forma a evitar que uma lei que 
 ainda não veio juridicamente à luz do dia, se repercuta na esfera de direitos e 
 interesses dos seus destinatários. 
 
 16. Pouco relevando a maior ou menor informação política e social destes quanto 
 ao que poderá ser ou não ser consagrado em lei. O que releva é que a Ordem 
 Constitucional impõe a certeza e segurança jurídica. 
 
 17. Os art°s 1º nº 6 e 2° da Lei n° 1/2004, de 15/1 violam também o art° 2° e 
 
 266° da CRP. 
 C)
 
 18. Em suma, aos art°s 1º, nº 6 e 2° da Lei n° 2/2004, de 15/1 são imputáveis as 
 inconstitucionalidades decorrentes da violação dos art°s 2°, 112°, n° 3 e 266° 
 da CRP.
 
  
 
  
 II - Fundamentos
 
  
 
 4.  São submetidas à apreciação do Tribunal Constitucional, através do presente 
 recurso de constitucionalidade, as normas constantes do n.º 6 do artigo 1.º e do 
 artigo 2.º da Lei nº 1/2204. É o seguinte, o teor dos referidos preceitos: 
 
  
 
 “Artigo 1º
 Caixa Geral de Aposentações
 
 (….)
 
 6 – O disposto nos números anteriores não se aplica aos subscritores da Caixa 
 Geral de Aposentações cujos processos de aposentação sejam enviados a essa 
 Caixa, pelos respectivos serviços ou entidades, até à data de entrada em vigor 
 deste diploma, desde que os interessados reúnam, nessa data, as condições 
 legalmente exigidas para a concessão de aposentação, incluindo aqueles cuja 
 aposentação depende da incapacidade dos interessados e esta venha a ser 
 declarada pela competente junta médica após aquela data.”
 
  
 
 “Artigo 2º
 Entrada em vigor
 A presente lei entra em vigor no dia 1 de Janeiro de 2004.”
 
  
 
  
 A Lei nº 1/2004, na qual se incluem as normas questionadas, veio a estabelecer a 
 décima sétima alteração ao Estatuto da Aposentação. No elenco das mudanças 
 introduzidas conta-se – com particular relevo para o caso sob juízo – a 
 revogação, feita no n.º 3 do seu artigo 1.º, do Decreto-Lei nº 116/85, que 
 fixara o regime especial de aposentação antecipada. Tal regime conferira, v.g., 
 aos funcionários e agentes da administração central, regional e local a 
 possibilidade de, independentemente da idade que tivessem e qualquer que fosse a 
 carreira ou categoria em que se integrassem, obter a aposentação com direito a 
 pensão completa, desde que se não verificasse prejuízo para o serviço e tivessem 
 sido cumpridos 36 anos de actividade. 
 
 É este regime, definido em 1985 com intuitos de ‘descongestionamento’ e 
 
 ‘rejuvenescimento’ da Administração Pública, que a Lei nº 1/2004 veio a revogar, 
 substituindo-o por um outro – seguramente menos favorável para os administrados 
 
 – constante do artigo 37-A do Estatuto da Aposentação (aditado a esse mesmo 
 Estatuto por força do n.º 2 do artigo 1.º da Lei nº 1/2004). 
 Ao proceder a semelhante ‘substituição’ de regimes, porém, o legislador de 2004 
 não deixou de fazer a seguinte ‘ressalva’: desde que os interessados reunissem, 
 nessa altura, as condições legalmente exigidas para a concessão da aposentação, 
 o novo – e menos favorável – regime não se lhes aplicaria, contanto que os 
 processos de aposentação fossem enviados à Caixa Geral de Aposentações, pelos 
 respectivos serviços ou entidades, até à data da entrada em vigor da Lei nº 
 
 1/2004. (n.º 6 do artigo 1.º da referida Lei). De acordo com o artigo 2.º, a Lei 
 entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2004 (vindo no entanto a ser publicada no 
 Diário da República apenas a 15 de Janeiro). 
 
 É sobre estas duas normas (a contida no nº 6 do artigo 1º da Lei nº 1/2004, e 
 aquela outra que lhe é complementar, pois que referente à entrada em vigor do 
 diploma) que incide a presente questão de constitucionalidade. 
 Com efeito, a sentença de que a Caixa Geral de Aposentações interpôs recurso 
 recusou a aplicação destas normas, por concluir «pela inconstitucionalidade 
 material [das normas contidas no n.º 6 do artigo 1.º e no artigo 2.º] quando 
 entendidas no sentido, como faz agora a CGA nos presente autos, de que não é 
 aplicável o regime do DL 116/85 aos processos que se iniciaram antes de 
 
 31/12/2003 pelo simples facto de não terem dado entrada na CGA até à data em 
 vigor daquela lei (…) Em função disso, será de atender ao regime decorrente do 
 DL nº 116/85». (fls. 238 dos autos)
 O sentido desta recusa de aplicação de normas só pode no entanto vir a ser 
 integralmente compreendido se se recordar em parte a factualidade do caso. O que 
 ocorreu – e determinou a teor da sentença recorrida – foi basicamente o 
 seguinte: um associado do Sindicato recorrido requerera a sua aposentação 
 antecipada (ainda ao abrigo, portanto, do regime velho, mais favorável) em 
 Novembro de 2003, obtendo decisão favorável do dirigente do respectivo serviço. 
 Por razões que lhe foram naturalmente alheias, a Caixa Geral de Aposentações só 
 veio a receber tal pedido em Fevereiro de 2004. Aplicando ela a literalidade do 
 preceituado no n.º 6 do artigo 1.º da Lei nº 1/2004, entretanto entrada em 
 vigor, devolveu o mesmo pedido em Abril seguinte com fundamento na sua 
 extemporaneidade. Assim sendo, o que se pergunta ao Tribunal – por intermédio de 
 recurso interposto de sentença que recusou, por inconstitucionalidade, a 
 aplicação das referidas normas – é, afinal, o seguinte: é contrária à 
 Constituição a dita literalidade do nº 6 do artigo 1º da Lei nº 1/2004 [em 
 conjugação com a norma referente à data da sua entrada em vigor]? 
 
  
 
  
 
 5. A norma que no presente recurso está sob escrutínio foi já analisada pelo 
 Tribunal, designadamente nos acórdãos n.º 615/2007, n.º 158/2008 e 211/2008 
 disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt, tendo sido julgada 
 inconstitucional em todos os casos, embora com alguma divergência de 
 fundamentação.
 
  
 Disse-se no acórdão n.º 615/2007:
 
  
 
  “6. A título prévio – e em benefício da boa decisão da causa – impõe-se 
 confrontar a jurisprudência deste Tribunal, em sede de apreciação da 
 constitucionalidade de mutações do regime jurídico de aposentação de 
 funcionários e agentes da administração pública, com as particularidades 
 próprias do caso ora em apreço.
 Com efeito, este Tribunal tem vindo a afirmar – jurisprudência que ora se 
 reitera e acompanha – que as sucessivas alterações àquele regime jurídico de 
 aposentação, ainda que desfavoráveis aos respectivos interessados, não violam o 
 princípio da segurança jurídica, salvo quando manifestamente desrazoáveis, 
 desproporcionadas e inesperadas:
 
  
 
 ‘«Como se escreveu no Acórdão n.º 287/90 (publicado no Diário da República, I 
 Série, de 20 de Fevereiro de 1991):
 
  
 
 “Nesta matéria, a jurisprudência constante deste Tribunal tem-se pronunciado no 
 sentido de que ‘apenas uma retroactividade intolerável, que afecte de forma 
 inadmissível e arbitrária os direitos e expectativas legitimamente fundados dos 
 cidadãos, viola o princípio da protecção da confiança, ínsito na ideia de Estado 
 de direito democrático (cfr. o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 11/83, de 
 
 12 de Outubro de 1982, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 1º vol., pp. 11 e 
 segs.; no mesmo sentido se havia já pronunciado a Comissão Constitucional, no 
 Acórdão n.º 463, de 13 de Janeiro de 1983, publicado no Apêndice ao Diário da 
 República de 23 de Agosto de 1983, p. 133 e no Boletim do Ministério da Justiça, 
 n. 314, p. 141, e se continuou a pronunciar o Tribunal Constitucional, 
 designadamente através dos Acórdãos nºs. 17/84 e 86/84, publicados nos 2º e 4º 
 vols. dos Acórdãos do Tribunal Constitucional, a pp. 375 e segs. e 81 e segs., 
 respectivamente).”
 
  
 E no mesmo Acórdão n.º 287/90, transcrito depois no Acórdão n.º 285/92, 
 publicado no Diário da República, I Série-A, de 17 de Agosto de 1992, 
 salientou-se que, depois de se apurar se foram afectadas expectativas 
 legitimamente fundadas, resta averiguar se essa afectação é inadmissível, 
 arbitrária ou demasiadamente onerosa. A “ideia geral de inadmissibilidade” 
 deverá ser aferida pelo recurso a dois critérios:
 
 “a) Afectação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, 
 quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os 
 destinatários das normas dela constantes não possam contar; e ainda
 b) Quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses 
 constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalentes (deve 
 recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, 
 a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18º da 
 Constituição desde a 1ª revisão).
 Pelo primeiro critério, a afectação de expectativas será extraordinariamente 
 onerosa. Pelo segundo, que deve acrescer ao primeiro, essa onerosidade torna-se 
 excessiva, inadmissível ou intolerável, porque injustificada ou arbitrária.”
 
 […]. Ora, no caso sub iudice, compreende-se que a introdução pelo legislador de 
 um limite máximo da remuneração relevante para o cálculo da pensão de 
 aposentação afecte expectativas dos destinatários da prescrição legal. É facto 
 que não havia razão específica para os destinatários anteciparem aquela mutação 
 da ordem jurídica (a imposição daquele limite naquele momento).
 Resta, porém, saber se tais expectativas eram legítimas, no sentido de merecerem 
 a tutela do Direito, ou se o legislador acautelou a possibilidade de formação de 
 tais expectativas, advertindo os destinatários da impossibilidade de se fixar um 
 dado regime da aposentação antes de certo momento.
 Na verdade, a impossibilidade de previsão de uma mudança só frustraria 
 expectativas legítimas dos destinatários da norma em causa se estes não devessem 
 razoavelmente contar com a possibilidade da mudança, designadamente, por o 
 legislador os ter advertido do momento em que se fixa o regime da aposentação. 
 Ora, o artigo 43º do Estatuto da Aposentação incorpora, neste sentido, uma 
 previsão genérica de possibilidade de mudança de regimes, ao determinar que o 
 regime da aposentação se fixa com base na lei em vigor e na situação existente à 
 data em que se verifiquem os pressupostos que dão origem à aposentação (…). E, 
 por outro lado, este regime foi sendo, ao longo dos anos, sucessivamente 
 alterado (umas vezes em sentido favorável, outras em sentido desfavorável ao 
 interesse do recorrente), ao ponto de os destinatários de tais normas deverem 
 ter por assente que, até à constituição da sua posição de pensionistas, mudanças 
 poderiam sobrevir, ainda que imprevisíveis no seu sentido ou momento da 
 aplicação.
 Não parece, assim, desde logo, que se possa dizer que a alteração em causa 
 afectou expectativas legítimas dos destinatários da norma, sendo seguro que, 
 ainda que assim não fosse, não se poderia dizer que a alteração legislativa em 
 causa constituísse uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os 
 destinatários das normas não pudessem contar – justamente, por, como o 
 legislador esclareceu já no artigo 43º do Estatuto da Aposentação, deverem 
 contar com mutações do regime da aposentação (em sentido favorável ou 
 desfavorável, embora, evidentemente, sem poderem adivinhar o sentido preciso 
 dessas mutações) até à data em que se verifiquem os pressupostos que dão origem 
 
 à aposentação.
 Aliás, deve reconhecer-se que não existe uma relação directa entre os descontos 
 a efectuar para a Caixa Geral de Aposentações e a pensão de aposentação a 
 receber. E compreende-se que assim seja, tanto podendo, desde logo, o 
 interessado ser prejudicado como beneficiado com a falta desta relação directa 
 
 (assim se a pensão for globalmente de montante inferior àqueles pagamentos ou de 
 montante superior).
 Como já decorre do que se disse, a argumentação baseada no facto de o recorrente 
 ter efectuado pagamentos obrigatórios à Caixa Geral de Aposentações incidentes 
 sobre a sua remuneração mensal global, quando ainda não vigorava o limite das 
 remunerações mensais relevantes para cálculo da pensão de aposentação, 
 introduzido em 1993 com o n.º 5 do artigo 47º do Estatuto da Aposentação, não 
 pode proceder (limite, esse, que, aliás, se refere à remuneração relevante para 
 efeito do cálculo da pensão e que apenas por virtude do artigo 48º do Estatuto 
 da Aposentação contende com a que é considerada para efeitos de contribuições 
 para a Caixa Geral de Aposentações). É que, como se disse, o regime da 
 aposentação não se fixa no momento em que as contribuições são efectuadas, mas, 
 nos termos do referido artigo 43º, quando se verificam os pressupostos que dão 
 origem à aposentação (sendo, aliás, também por esta aposentação que o 
 interessado adquire direito à pensão mensal vitalícia).
 Não se pode, portanto, sequer afirmar que a alteração legislativa introduzida 
 pela Lei n.º 75/93 tenha eficácia retroactiva, uma vez que, nos termos do artigo 
 
 43º do Estatuto da Aposentação, o regime da aposentação não se encontrava à data 
 da entrada em vigor dessa alteração ainda fixado (e também não sendo viável 
 sustentar que a norma do artigo 43º do citado Estatuto, sobre o momento da 
 fixação do regime da aposentação – cuja constitucionalidade, aliás, não foi 
 impugnada –, permita uma retroactividade inadmissível, arbitrária ou 
 demasiadamente onerosa das alterações legislativas do regime da aposentação).
 
 [...]. Saliente-se ainda que, como já se referiu - na sequência da 
 jurisprudência anterior deste Tribunal -, mesmo a eficácia retroactiva da lei só 
 será inadmissível quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar 
 direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se 
 prevalentes, devendo recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, 
 explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no 
 n.º 2 do artigo 18º da Constituição desde a 1ª revisão.
 E deve dizer-se, quanto à motivação da mutação legislativa de 1993, que, 
 objectivamente, ela não deve desligar-se da situação da evolução de receitas e 
 despesas da segurança social. Como é notório, o prolongamento da esperança de 
 vida, a alteração da relação entre pensionistas e contribuintes para o regime e 
 a fixação de pensões de aposentação bastante elevadas ameaçam de ruptura o 
 regime de segurança social, sendo compreensíveis a introdução de reformas que 
 limitem os gastos e aumentem as receitas. Por outro lado, sabe-se que a medida 
 em causa foi igualmente ditada por razões de proporcionalidade e de harmonização 
 das retribuições pagas pelo Estado, afectando também todos os seus trabalhadores 
 no activo, incluindo titulares de órgãos de soberania.
 
 […]. Conclui-se, assim, que nem as expectativas legítimas do recorrente podem 
 ter sido afectadas de forma inadmissível ou arbitrária pela norma em apreço, nem 
 essa afectação nem a evolução legislativa deixou de se fundar na necessidade de 
 salvaguardar direitos e interesses constitucionalmente protegidos e prevalentes.
 Como concluía o Acórdão n.º 287/90 (e o Acórdão n.º 285/92 repetiu): 
 
 “Não há, com efeito, um direito à não-frustração de expectativas jurídicas ou à 
 manutenção do regime legal em relações jurídicas duradoiras ou relativamente a 
 factos complexos já parcialmente realizados. Ao legislador não está vedado 
 alterar o regime de casamento, de arrendamento, do funcionalismo público ou das 
 pensões, por exemplo, ou a lei por que se regem processos pendentes.” (itálico 
 aditado)».” (Acórdão n.º 99/99, de 10 de Fevereiro de 1999, publicado in «Diário 
 da República», IIª Série, n.º 76, de 31 de Março).
 Em sentido idêntico, voltou a pronunciar-se este Tribunal, através de decisão do 
 Plenário, em 09 de Maio de 2006:
 
 “De qualquer modo, na maior extensão desse efeito desfavorável ao subscritor 
 pressuposta pela argumentação do requerente ou neste outro de mais reduzida 
 expressão quantitativa, considera-se que não existem razões para que o Tribunal 
 se afaste da jurisprudência firmada no Acórdão nº 99/99 (cit.), em que estava em 
 causa uma questão em tudo semelhante à colocada no presente processo: a de saber 
 se a introdução de uma diferente e menos favorável fórmula de cálculo da pensão 
 de aposentação afecta expectativas – e, mais precisamente, expectativas 
 legítimas – dos subscritores da Caixa Geral de Aposentações. 
 Para alcançar a conclusão de que não existe, neste domínio, uma expectativa 
 legítima dos subscritores da Caixa Geral de Aposentações, o citado Acórdão nº 
 
 99/99 teve presente, desde logo, a norma do artigo 43.º do Estatuto da 
 Aposentação, que dispõe: 
 
 «1 – O regime da aposentação fixa-se com base na lei em vigor e na situação 
 existente à data em que: 
 a) Se profira despacho a reconhecer o direito a aposentação voluntária que não 
 dependa de verificação de incapacidade; 
 b) Seja declarada a incapacidade pela competente junta médica, ou homologado o 
 parecer desta, quando a lei especial o exija; 
 c) O interessado atinja o limite de idade; 
 d) Se profira decisão que imponha pena expulsiva ou se profira condenação penal 
 definitiva da qual resulte a demissão ou que coloque o interessado em situação 
 equivalente. 
 
 2 – O disposto no nº 1 não prejudica os efeitos que a lei atribua, em matéria de 
 aposentação, a situações anteriores. 
 
 3 – …».
 Como se vê, o n.º 1 do artigo 43.º é claro na determinação de que é no momento 
 da aposentação – ou, mais rigorosamente, no momento em que se verifique qualquer 
 das situações previstas nas alíneas a) a d) daquele n.º 1 – que se fixa, com 
 base na lei em vigor nesse momento, o respectivo regime.  
 Significa isto, como sublinhou o Acórdão n.º 99/99, que não possuem os 
 subscritores da Caixa Geral de Aposentações no activo qualquer expectativa 
 legítima na imutabilidade ou fixidez do statu quo vigente, antes não podendo 
 deixar de contar, por força do que está expressamente preceituado no artigo 43.º 
 do Estatuto da Aposentação, com eventuais alterações do regime jurídico da 
 aposentação. Em bom rigor, só no momento em que se aposentar – di-lo claramente 
 aquela norma – será possível ao subscritor conhecer, nos seus precisos contornos 
 e em toda a sua complexidade, as regras que lhe irão ser aplicáveis. E, como se 
 afirmou no Acórdão nº 99/99, «(…) a impossibilidade de previsão de uma mudança 
 só frustraria expectativas legítimas dos destinatários da norma em causa se 
 estes não devessem razoavelmente contar com a possibilidade da mudança, 
 designadamente, por o legislador os ter advertido do momento em que se fixa o 
 regime da aposentação». Ora - prossegue o Acórdão nº 99/99 -, «o artigo 43.º do 
 Estatuto da Aposentação incorpora, neste sentido, uma previsão genérica de 
 possibilidade de mudança de regimes, ao determinar que o regime da aposentação 
 se fixa com base na lei em vigor e na situação existente à data em que se 
 verifiquem os pressupostos que dão origem à aposentação (…). E, por outro lado, 
 este regime foi sendo, ao longo dos anos, sucessivamente alterado (umas vezes em 
 sentido favorável, outras em sentido desfavorável ao interesse do recorrente), 
 ao ponto de os destinatários de tais normas deverem ter por assente que, até à 
 constituição da sua posição de pensionistas, mudanças poderiam sobrevir, ainda 
 que imprevisíveis no seu sentido ou momento da aplicação. Não parece, assim, 
 desde logo, que se possa dizer que a alteração em causa afectou expectativas 
 legítimas dos destinatários da norma, sendo seguro que, ainda que assim não 
 fosse, não se poderia dizer que a alteração legislativa em causa constituísse 
 uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das 
 normas não pudessem contar – justamente por, como o legislador esclareceu já no 
 artigo 43º do Estatuto da Aposentação, deverem contar com mutações do regime da 
 aposentação (em sentido favorável ou desfavorável, embora, evidentemente, sem 
 poderem adivinhar o sentido preciso dessas mutações) até à data em que se 
 verifiquem os pressupostos que dão origem à aposentação». 
 Afigura-se manifesto que não existe qualquer expectativa dos subscritores digna 
 de tutela pelo Direito que tenha sido intoleravelmente atingida por ter passado 
 a ser relevante para o cálculo da pensão a média das remunerações do último 
 triénio em vez do quantitativo correspondente ao vencimento do cargo pelo qual 
 se verifica a aposentação acrescido da média das demais retribuições do último 
 biénio. Na verdade a pretensa «expectativa» dos subscritores não se baseia em 
 qualquer contribuição que hajam feito, mas tão-só numa noção difusa de 
 manutenção ou cristalização do statu quo do regime da aposentação em todas as 
 suas vertentes – ideia que, no limite, inviabilizaria toda e qualquer 
 intervenção reformadora do legislador neste domínio.
 
  Decisivamente, não pode afirmar-se, sem mais, que os trabalhadores possuam uma 
 expectativa a que o cálculo da pensão de aposentação seja efectuado sempre da 
 mesma maneira ao longo da sua carreira contributiva. Ponto é que as alterações 
 que venham a ser introduzidas não importem, à luz de critérios de 
 proporcionalidade e de razoabilidade, uma lesão de tal forma grave ou profunda 
 na «confiança no sistema» que os trabalhadores depositaram durante a sua 
 carreira contributiva. 
 A convocação de critérios de razoabilidade e de proporcionalidade para averiguar 
 de eventuais violações do princípio da confiança já foi efectuada por este 
 Tribunal, como se viu, podendo referir-se os já citados Acórdãos n.º 287/90 e 
 n.º 580/99 ou, mais remotamente, o Acórdão nº 141/85 (in Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 6.º vol., pp. 39 ss.). Ora, o abandono do critério da 
 retribuição base do cargo pelo qual se verifica a aposentação como factor de 
 referência e o alargamento de dois para três anos do período relevante para a 
 determinação da média, atenta a sua reduzida dimensão temporal, a ampla 
 liberdade de conformação reconhecida ao legislador e, mais decisivamente, a 
 circunstância de os trabalhadores não beneficiarem, no quadro da Constituição, 
 de um qualquer direito à «imutabilidade do sistema» são factores que militam no 
 sentido de se poder concluir que a alteração introduzida não afectou, de forma 
 absolutamente intolerável ou desproporcionada, quaisquer expectativas dignas de 
 tutela jurídica dos trabalhadores e, portanto, o princípio da confiança, ínsito 
 no princípio do Estado de direito democrático.” (Acórdão n.º 302/2006, de 09 de 
 Maio de 2006, publicado in «Diário da República», IIª Série, n.º 113, de 12 de 
 Junho).
 
 7. Esclarecido este aspecto, impõe-se, contudo, aferir da similitude entre 
 aquelas situações controvertidas que deram lugar à jurisprudência supra 
 reproduzida e a situação concreta em apreço nos presentes autos.
 Deve notar-se, em primeiro lugar, que este Tribunal, nos acórdãos supra 
 referidos, afrontou um problema geral – o de saber se a introdução de uma 
 diferente e menos favorável fórmula de cálculo da pensão de aposentação afecta 
 expectativas legítimas dos subscritores da Caixa Geral de Aposentações. E a esse 
 problema optou por responder negativamente, isto porque os princípios da 
 segurança jurídica e da tutela da confiança não fundamentam o reconhecimento de 
 expectativas legítimas à manutenção de um regime de aposentação mais favorável 
 que haja vigorado ao longo da carreira contributiva do candidato a aposentado. 
 Além disso, é de sublinhar que a jurisprudência deste Tribunal quando invoca o 
 artigo 43º do Estatuto da Aposentação o faz, apenas, enquanto elemento da 
 previsibilidade genérica de mudança do regime de aposentação ao longo da 
 carreira contributiva do subscritor e não no âmbito do problema específico da 
 alteração dos pressupostos da constituição da situação do aposentado ocorrida no 
 decurso de processos de aposentação pendentes.  
 O problema que se coloca no caso em apreço nos presentes autos é, portanto, 
 diferente.
 Sublinhe-se que, neste caso, foi o próprio legislador que pretendeu assegurar um 
 grau mais intenso de protecção da segurança jurídica e da legítima confiança de 
 alguns subscritores da Caixa Geral de Aposentações, garantindo que a extinção, 
 por revogação, do regime especial previsto no Decreto-Lei n.º 116/85, de 19 de 
 Abril, “não se aplica aos subscritores da Caixa Geral de Aposentações cujos 
 processos de aposentação sejam enviados a essa Caixa, pelos respectivos serviços 
 ou entidades, até à data de entrada em vigor deste diploma”. Significa isto que, 
 ciente das consequências jurídicas do artigo 43º do Estatuto da Aposentação – 
 que permitiria a aplicação imediata do novo regime a partir da sua entrada em 
 vigor –, o legislador quis adoptar – e adoptou – uma norma transitória que 
 permitia que os subscritores da Caixa Geral de Aposentações continuassem a 
 beneficiar do regime anterior de aposentação, desde que os pedidos fossem 
 enviados – e não recebidos, note-se – até à entrada em vigor da Lei n.º 1/2004, 
 de 15 de Janeiro.
 Daqui decorre que o regime da aposentação destes subscritores – nos quais se 
 insere o filiado do recorrido – não seria fixado com base na lei em vigor à data 
 em que “se profira despacho a reconhecer o direito a aposentação voluntária que 
 não dependa de verificação de incapacidade”, conforme determinado pela alínea a) 
 do n.º 1 do artigo 43º do Estatuto da Aposentação, mas com base na lei vigente à 
 data em que os “processos de aposentação sejam enviados a essa Caixa, desde que 
 os interessados reúnam, nessa data, as condições legalmente exigidas para a 
 concessão da aposentação”, nos termos do n.º 6 do artigo 1º da Lei n.º 1/2004.
 Consequentemente, por força da adopção pelo legislador desta norma transitória, 
 o regime jurídico da aposentação do filiado do recorrido passa a depender do 
 acaso de o seu processo ser, ou não, enviado pelos serviços antes da entrada em 
 vigor do novo regime jurídico da aposentação. 
 Mas a verdade é que a partir do momento em que o serviço em causa reconhece que 
 a aposentação do filiado do recorrido poderia ocorrer “sem prejuízo para o 
 serviço”, este criou legitimamente expectativas que o legislador considerou 
 merecedoras de tutela, uma vez que introduziu um desvio ao regime geral. 
 
 8. Afigura-se, contudo, que o critério utilizado pelo legislador para a 
 aplicação de um ou outro regime jurídico conduz ele próprio ao arbítrio, pelo 
 que atinge o destinatário de forma inadmissível, intolerável, opressiva e 
 demasiado onerosa. 
 Senão vejamos:  
 a)        A aplicação de um ou de outro regime jurídico baseia-se na álea 
 administrativa de os serviços enviarem o processo de aposentação para a Caixa 
 Geral de Aposentações, mais cedo ou mais tarde, ficando assim dependente do 
 acaso e não de qualquer critério objectivo, o que viola o princípio do Estado de 
 Direito (artigo 2º CRP);
 b)        A álea associada ao regime jurídico em análise agrava-se ainda mais se 
 pensarmos que esta lei entrou em vigor em 01 de Janeiro de 2004 (n.º 7 do artigo 
 
 1º), mas só foi publicada em “Diário da República”, em 15 de Janeiro de 2004, 
 pelo que se aplica aos pedidos enviados pelos serviços entre 1 e 15 de Janeiro 
 de 2004, como é o caso do filiado do recorrido;
 c)        Acresce ainda que o critério utilizado pela lei conduz ao tratamento 
 desigual de situações idênticas, em função de o processo ser ou não enviado à 
 Caixa Geral de Aposentações, o que não pode deixar de violar o princípio da 
 igualdade enquanto manifestação do princípio do Estado de Direito. 
 
 9. Assim, ao fixar uma norma transitória que determina que, ao contrário do 
 previsto pela alínea a) do n.º 1 do artigo 43º do Estatuto da Aposentação, quem 
 vir os respectivos processos de aposentação enviados à recorrente até à entrada 
 em vigor da Lei n.º 1/2004, de 15 de Janeiro verá aplicada à sua situação o 
 regime instituído pelo Decreto-Lei n.º 116/85, o n.º 6 do artigo 1º daquela lei 
 determina que todos os factos necessários à produção dos efeitos jurídicos devem 
 ocorrer antes da entrada em vigor da norma. Ora, conforme provado nos autos 
 recorridos, as condições atributivas da aplicação excepcional do regime de 
 aposentação anterior já estavam preenchidas em 14 de Janeiro de 2004, ou seja, 
 um dia antes da publicação da Lei n.º 1/2004.
 Ao determinar a sua entrada em vigor em 01 de Janeiro de 2004, e apesar de só 
 ter sido publicada em 15 de Janeiro de 2004, o artigo 2º da Lei n.º 1/2004 
 acarreta consigo o efeito perverso de permitir a aplicação do novo regime a 
 factos ocorridos anteriormente à sua publicação.
 Como tal, quando o associado da recorrida, em 11 de Novembro de 2003, requereu 
 ao Presidente da Câmara Municipal da Figueira da Foz que enviasse o seu pedido 
 de aposentação à ora recorrente, ou seja, antes de o decreto que viria a dar 
 lugar à Lei n.º 1/2004 ter sequer sido discutido e votado na generalidade em 
 Assembleia da República, não seria exigível que aquele contasse – de modo seguro 
 
 – que o seu pedido de aposentação não poderia beneficiar do regime até então 
 instituído pelo Decreto-Lei n.º 116/85. 
 
 10. Por último, e apesar de a jurisprudência do Tribunal Constitucional, a 
 propósito da sucessão de regimes de aposentação, ter vindo a afirmar 
 reiteradamente a liberdade conformativa do legislador para alterar os quadros 
 normativos vigentes em determinados períodos, concluindo pela ausência de 
 qualquer violação do princípio da igualdade (ver, por exemplo, o Acórdão n.º 
 
 580/99, de 20/10/99), o caso dos presentes autos apresenta particularidades que 
 conduzem a uma diferente ponderação. 
 Como já se viu, não está aqui em causa a liberdade conformadora do legislador, 
 mas antes o resultado a que conduz o critério por ele eleito para tutelar, 
 através de uma norma de direito transitório, a situação daqueles subscritores 
 que reuniam os pressupostos de aposentação e tinham pedidos de aposentação 
 formulados ao abrigo do regime especial agora revogado. Recapitulando, ao 
 adoptar, como factor determinante do regime aplicável aos processos pendentes, a 
 data do envio do processo à Caixa Geral de Aposentações pelos respectivos 
 serviços ou entidades, o legislador socorreu-se de um elemento sem relação com 
 os pressupostos materiais da situação e que, pelo seu carácter aleatório, está 
 inteiramente dependente da actuação administrativa, não apresentando nenhuma 
 ligação com nenhum momento procedimental constitutivo, introduzindo deste modo 
 um critério arbitrário e gerador de desigualdades entre requerentes da 
 aposentação ao abrigo do DL nº 116/85 em idêntica situação.     
 Nos presentes autos não se cura, portanto, da constitucionalidade de uma norma 
 que imponha um tratamento desigual entre indivíduos sujeitos a um novo regime de 
 aposentação e aqueles que ainda beneficiaram de um regime anterior mais 
 favorável. A questão relevante repousa na determinação da admissibilidade 
 constitucional de uma norma que trata de modo diferente membros da categoria dos 
 indivíduos que, potencialmente, poderão ver-lhes aplicável o antigo regime 
 especial de aposentação.
 Tal decorre da circunstância de o legislador ter determinado que o novo regime 
 
 “não se aplica aos subscritores da Caixa Geral de Aposentações cujos processos 
 de aposentação sejam enviados a essa Caixa, pelos respectivos serviços ou 
 entidades, até à data da entrada em vigor deste diploma” (com sublinhado nosso). 
 Significa isto que um mesmo grupo de sujeitos jurídicos – os funcionários e 
 agentes da administração pública que reunissem as condições previstas no n.º 1 
 do artigo 1º do Decreto-Lei n.º 116/85 até à data em vigor do novo regime de 
 aposentação – veriam ser-lhes aplicado um regime jurídico distinto, em exclusiva 
 função da celeridade (ou da demora) de cada um dos serviços que integram a 
 administração central, regional e local, institutos públicos que revistam a 
 natureza de serviços personalizados ou de fundos públicos e organismos de 
 coordenação económica.
 Daqui resulta que a norma constante do n.º 6 do artigo 1º da Lei n.º 1/2004, ao 
 fazer depender a aplicação de um regime jurídico do envio por parte dos serviços 
 dos quais dependem os candidatos a aposentados, trata de modo arbitrário e 
 casuístico os destinatários daquela norma, sem que haja fundamento 
 constitucional para tal desigualdade de tratamento. A circunstância de dois 
 indivíduos colocados na mesma situação de preenchimento das condições exigidas 
 para a aposentação, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 116/85, poderem ver aplicados 
 regimes jurídicos distintos, em exclusiva função da celeridade ou da demora com 
 que os respectivos serviços enviam os processos de aposentação à recorrente, 
 atenta – de modo manifesto – contra o princípio da proibição de tratamento 
 desigual injustificado, consagrado pelo artigo 13º da Lei Fundamental.
 Aliás, quanto ao caso em apreço nos autos, deu-se como provado que o associado 
 do recorrido entregou o competente pedido de aposentação, em 11 de Novembro de 
 
 2003, e que o Município da Figueira da Foz, do qual aquele dependia, apenas o 
 remeteu à Caixa Geral de Aposentação, em 12 de Janeiro de 2004, apesar de o n.º 
 
 2 do artigo 3º do Decreto-Lei n.º 116/85, impor aos serviços competentes um 
 
 “prazo de 30 dias a contar da data da entrada”. Como tal, torna-se evidente que 
 o associado do recorrido nem tão pouco pode ser alvo de um juízo de 
 censurabilidade por não ter contribuído para que o processo de aposentação fosse 
 efectivamente enviado à Caixa Geral de Aposentações. Impõe-se mesmo frisar que, 
 caso a Câmara Municipal da Figueira da Foz tivesse enviado o referido processo 
 de aposentação no prazo legal fixado, aquele teria sido enviado à recorrente, 
 pelo menos, em 11 de Dezembro de 2003, ou seja, em momento anterior a 01 de 
 Janeiro de 2004.
 Em conclusão, consideram-se inconstitucionais o n.º 6 do artigo 1º e do artigo 
 
 2º da Lei n.º 1/2004, quando interpretados no sentido de que o regime de 
 aposentação fixado pelo Decreto-Lei n.º 116/85 não é aplicável aos contribuintes 
 que hajam reunido os pressupostos para a sua aplicação antes de 31 de Dezembro 
 de 2003, ainda que os respectivos pedidos tenham sido enviados à Caixa Geral de 
 Aposentações até à data de publicação da Lei n.º 1/2004, ou seja, até 15 de 
 Janeiro de 2004, dado que depende da álea administrativa que é o grau de 
 celeridade com que os serviços de que dependem os subscritores enviem o processo 
 de aposentação à Caixa Geral de Aposentações, por violação dos princípios do 
 Estado de Direito Democrático (artigo 2º da CRP) e da igualdade (artigo 13º da 
 CRP)”.
 
  
 
             É este entendimento que se perfilha, pelo que, com estes 
 fundamentos, se confirma a decisão recorrida quanto ao juízo de 
 inconstitucionalidade da norma em causa e, consequentemente, se nega provimento 
 ao recurso.
 
  
 
  
 III -  Decisão
 
  
 Pelo exposto, decide-se:
 
             a) Julgar inconstitucionais, por violação dos artigos 2.º e 13.º, 
 n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, as normas constantes dos artigos 
 
 1.º, n.º 6, e 2.º da Lei n.º 1/2004, de 15 de Janeiro, quando interpretados no 
 sentido de que aos subscritores da Caixa Geral de Aposentações que, antes de 31 
 de Dezembro de 2003, hajam reunido os pressupostos para a aplicação do regime 
 fixado pelo Decreto‑Lei n.º 116/85, de 19 de Abril, e hajam requerido essa 
 aplicação, deixa de ser reconhecido o direito a esse regime de aposentação pela 
 circunstância de o respectivo processo ter sido enviado à Caixa, pelo serviço 
 onde o interessado exercia funções, após a data da entrada em vigor da Lei n.º 
 
 1/2004; 
 
             b) Consequentemente, confirmar a decisão recorrida, na parte 
 impugnada.
 Lisboa, 21 de Abril de 2008
 Vítor Gomes
 Ana Maria Guerra Martins
 Maria Lúcia Amaral (com declaração de voto)
 Carlos Fernandes Cadilha (com declaração idêntica à da Exma. Conselheira
 Maria Lúcia Amaral, para que remeto)
 Gil Galvão
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 Dissenti, neste caso, da fundamentação que a maioria acolheu. Já o tinha feito 
 em caso semelhante, decidido pelo Acórdão nº 615/2007 que aqui se segue e 
 transcreve. Nessa altura apenas enunciei, sem desenvolver, as razões do meu 
 desacordo. Desenvolvo-as agora: o facto de ter sido, neste processo, a relatora 
 vencida do projecto inicial a tanto me induz.  
 Decidiu o Tribunal que as normas constantes dos artigos 1º, nº 6 e 2º da Lei nº 
 
 1/2004 eram inconstitucionais por violação do artigo 2º (princípio do Estado de 
 direito democrático) e do artigo 13º (princípio da igualdade) da Constituição. 
 O princípio do Estado de direito democrático integra em si mesmo o núcleo 
 essencial de todo o sistema constitucional: o seu conteúdo é, assim, tão vasto e 
 diversificado quanto intensa é a sua ‘carga’ ou ‘densidade’ axiológica. 
 Recomenda-se por isso que só em último caso profira o Tribunal decisões de 
 inconstitucionalidade que sejam directamente fundadas na sua violação: uma 
 invocação do princípio como parâmetro directo e imediato de controlo dos actos 
 do legislador que não seja severamente escrutinada (isto é, que não apareça como 
 ultima ratio face à impossibilidade de convocação de outros parâmetros, mais 
 precisos e de menor densidade axiológica) corre o risco da imprecisão e da 
 banalização, num domínio em que nem uma nem outra são aconselháveis. 
 O princípio da protecção da confiança decorre do princípio do Estado de direito 
 
 (não, note-se, do princípio democrático) mas – como é evidente – com ele se não 
 confunde. É apenas uma das suas dimensões não escritas, impostas pela ideia de 
 segurança; e da precisão do seu conteúdo se tem encarregado suficientemente a 
 jurisprudência do Tribunal. Não pude entender por que não foi ele, in casu, o 
 fundamento do juízo de inconstitucionalidade. Na verdade, todos os elementos que 
 permitem a convocação do princípio como parâmetro de controlo estão aqui 
 presentes. As normas sob juízo são normas de direito transitório, que elegem um 
 certo critério para a solução de conflitos de aplicação, no tempo, de diferentes 
 regimes. O critério que a lei elegeu tem no entanto consequências tais que 
 implicam a afectação, de forma ‘demasiado onerosa’, ‘intolerável’ ou 
 
 ‘arbitrária’, das legítimas expectativas dos particulares quanto ao Direito que 
 lhes viria a ser aplicável. O que aqui está em causa, portanto, é a tutela 
 constitucional do ‘direito’ dos cidadãos a saber com o que contam, em situações 
 de substituição de lei velha por lei nova, menos favorável. Ao Tribunal cabia, 
 pois, dizer se existia ou não, no caso, um tal ‘direito’, através de um juízo de 
 ponderação entre o peso do eventual interesse público na criação da lei nova – e 
 na fixação por ela de um regime transitório com o conteúdo daquele que foi 
 escolhido – e o peso das expectativas dos particulares quanto à continuação da 
 aplicação, nas suas circunstâncias, da lei velha. Em vez disso, porém, escolheu 
 a maioria invocar uma violação genérica do princípio do Estado de direito 
 democrático. Não a pude acompanhar. 
 Além disso, invocou-se também a violação do princípio da igualdade. 
 Não há dúvida que ambos os princípios – o da protecção da confiança e o da 
 igualdade – apresentam, quando concretizados, certas contiguidades de conteúdo, 
 sustentadas sobretudo numa comum referência à proibição constitucional do 
 
 ‘arbítrio legislativo’. Mas enquanto a ‘proibição do arbítrio’, na protecção da 
 confiança, está inscrita no problema da sucessão no tempo de diferentes regimes 
 legais – e, sobretudo, nos limites que a Constituição não pode deixar de impor 
 ao legislador sempre que este cria leis novas, menos favoráveis –, a ‘proibição 
 do arbítrio’ que decorre do nº 1 do artigo 13º tem um diferente campo de 
 inscrição: o que com ela se pretende impedir é que, perante diferentes regimes 
 que sejam entre si contemporâneos, se não encontre – face a um denominador comum 
 que sirva como parâmetro de comparabilidade – um qualquer sentido justificativo 
 das diferenças instituídas. Por isso, são bem distintas as raízes fundas em que 
 se ancoram tradicionalmente os dois juízos: a segurança para a protecção da 
 confiança; a justiça para o princípio da igualdade. 
 Ao ‘diluir’ o juízo de segurança no juízo de igualdade, a fundamentação de que 
 dissenti acaba por pôr em causa a autonomia do princípio da protecção da 
 confiança. Em última análise, e se se levar às últimas consequências a 
 argumentação nela adoptada, todos os fenómenos de sucessão de leis no tempo que 
 implicarem para as pessoas uma retrospectividade [ou uma retroactividade] 
 demasiado onerosa (com a qual, portanto, ninguém poderia razoavelmente contar), 
 serão inconstitucionais porque desiguais. Não vejo que ganhos poderão advir 
 deste esbatimento de fronteiras entre dois princípios com conteúdos tão 
 claramente distintos.
 
   Maria Lúcia Amaral