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Processo nº 622/07
 
 1ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria João Antunes
 
  
 Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
 
 
 
  
 
  
 I. Relatório
 
 1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é 
 reclamante A. e reclamado o Ministério Público, vem o primeiro reclamar, nos 
 termos e para os efeitos previstos nos artigos 76º e 77º da Lei da Organização, 
 Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), de despacho proferido 
 naquele Tribunal, em 10 de Maio de 2007, pelo qual se decidiu não admitir 
 recurso interposto para o Tribunal Constitucional, com os seguintes fundamentos:
 
  
 
 «O recurso para o Tribunal Constitucional não é admissível, pois que a invocada 
 inconstitucionalidade não foi arguida durante o processo nem se entende ocorrer 
 motivo bastante para dispensar o recorrente do ónus da referida arguição, tudo 
 conforme Arts. 70.º, n.º 1 – b) e 72.º, n.º 2, da Lei n.º 28/82, de 15 de 
 Novembro».
 
  
 
 2. O então recorrente havia requerido a apreciação da constitucionalidade, “nos 
 termos do art.º 70.º, n.º 1 alínea a) do D.L. nº 28/82 de 15 de Novembro”:
 
  
 
 «a) do art.° 47.º, n° 1, do C.P.P., aplicada com o sentido de não admitir o 
 Recurso, violando o art.° 32° n°1 da Constituição; b) das normas do art.° 163.°, 
 n.º 1 e 428.°, n.º 1 do C.P.P. aplicadas com o sentido que o recurso em matéria 
 de facto é limitado pela prova pericial, violando o art.° 32.°, n.º 1 da 
 Constituição; c) ao limitar o recurso à apreciação dos vícios da decisão, 
 cingindo-se ao texto da decisão revidenda e não apreciando toda a prova 
 produzida, efectuando assim uma interpretação limitada do direito ao recurso em 
 matéria de facto consagrado no art.° 428.°, n.º 1 do C.P.P., em violação do 
 princípio da presunção de inocência definido no art.° 32.°, n.º 2 da 
 Constituição».
 
  
 
 3. Do despacho que não admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional reclama 
 agora o recorrente, para o que agora releva, nos seguintes termos:
 
  
 
 «1. O Tribunal a quo entende que “O Recurso para o Tribunal Constitucional não é 
 admissível pois que a invocada inconstitucionalidade não foi arguida durante o 
 processo, nem se entende haver motivo bastante para dispensar o recorrente do 
 
 ónus da referida alegação, tudo conforme arts. 70.º n.º 1 b) e 72. ° n.º 2 da 
 Lei 28/82 de 15 de Novembro.”
 
 (…) mau grado os esforços do recorrente em ver esclarecida tão crucial questão, 
 entendeu o Acórdão do Tribunal da Relação que o despacho que decidiu a Recusa de 
 Peritos (afastando só alguns) é irrecorrível (!!!) face à redacção do artigo 
 
 47.° n.º 2 do Código de Processo Penal.
 O arguido entende que a interpretação dada à norma em apreço é inconstitucional 
 por, objectivamente, impedir, nessa parte (tão importante), o direito ao recurso 
 por parte do arguido, direito fundamental consagrado na Constituição.
 
 É claro que o arguido/recorrente não poderia arguir em momento anterior tal 
 inconstitucionalidade – como pretende o despacho do Senhor Juiz Relator do 
 Tribunal da Relação de Lisboa – pela simples razão de não poder prever que a 
 mesma se registaria em fase de Recurso!
 A inconstitucionalidade resulta da interpretação dada pelo Tribunal de Recurso à 
 norma do artigo 47.° do Código de Processo Penal. É, pois, um vício que se 
 regista somente no Acórdão que se pretende seja analisada à luz das normas da 
 Constituição.
 
 (…)
 O Acórdão recorrido, ao interpretar o artigo 163.° do Código de Processo Penal 
 no sentido de limitar a apreciação do julgador apenas ao relatório apresentado 
 pelos peritos, sem possibilidade de consideração de toda a demais prova 
 produzida em julgamento – nomeadamente os esclarecimentos prestados pelos 
 peritos em audiência (totalmente contraditórios com o que consta dos relatórios 
 periciais) fez uma interpretação do referido artigo 163.° do Código de Processo 
 Penal e artigo 420.° n.º 1 do mesmo diploma, em manifesta violação do artigo 
 
 32.° n.º 1 da Constituição (Direito ao Recurso).
 
 À semelhança do que se apresentou no ponto antecedente desta reclamação, também 
 aqui o arguido/recorrente não podia ter invocado anteriormente a violação de 
 qualquer norma constitucional. É a interpretação que o Acórdão da Relação fez 
 dos preceitos invocados (artigo 163.° n.º 1 e 420.° n.º 1 do Código de Processo 
 Penal) que gera o vício da inconstitucionalidade que se invocou.
 Se o recorrente não pudesse invocar as inconstitucionalidades resultantes da 
 interpretação e aplicação das normas feitas pelos Tribunais Superiores (Relação 
 ou Supremo Tribunal de Justiça) ficaria fora da alçada do Tribunal 
 Constitucional uma grande parte da fiscalização concreta da constitucionalidade 
 que cabe a esse alto tribunal.
 
 (…)
 Como é óbvio, também nesta particular questão o arguido/recorrente não podia 
 pressupor, intuir, que o Tribunal da Relação agiria como agiu, e interpretaria 
 as normas do Código de Processo Penal e da própria Constituição como interpretou 
 e aplicou.
 
 É com a prolação do Acórdão, e só nessa altura, que se tornam patentes os vícios 
 e manifesta a interpretação inconstitucional dada às normas, afrontando de 
 maneira gritante e inadmissível o Estado de Direito e processo Democrático, 
 pondo em causa princípios que deviam estar mais do que consolidados na ordem 
 jurídica portuguesa:
 
 (…)
 Assim sendo, o recorrente tem o Direito a ver apreciado o Recurso interposto 
 para o Tribunal Constitucional no sentido de controlar a constitucionalidade:
 a) do art.° 47.º, n° 1, do C.P.P., interpretado e aplicado pelo Tribunal da 
 Relação no sentido de não admitir o Recurso, violando o art.° 32° n°1 da 
 Constituição;
 b) das normas do art.° 163.°, n.º 1 e 428.°, n.º 1 do C.P.P. interpretadas e 
 aplicadas com o sentido de que o recurso em matéria de facto é limitado pela 
 prova pericial, violando-se assim o art.° 32.°, n.º 1 da Constituição;
 c) ao limitar o recurso à apreciação dos vícios da decisão, cingindo-se ao texto 
 da decisão revidenda e não apreciando toda a prova produzida, efectuando assim 
 uma interpretação limitada do direito ao recurso em matéria de facto consagrado 
 no art.° 428.°, n.º 1 do C.P.P., em violação do princípio da presunção de 
 inocência definido no art.° 32.°, n.º 2 da Constituição».
 
  
 
 4. Neste Tribunal os autos foram com vista ao Ministério Público, que se 
 pronunciou pela forma seguinte:
 
  
 
 «As questões de constitucionalidade não foram suscitadas de modo processualmente 
 adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida em termos de estar 
 obrigado a delas conhecer, como o impõem o n.º 2 do artigo 72.º da LTC, não 
 revelando, por outro lado, um grau de surpresa e imprevisibilidade 
 suficientemente relevante, para que conduzissem à eventual dispensa do 
 cumprimento de tal ónus.
 Afugura-se-me, assim, que a presente reclamação deverá ser indeferida».
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 II. Fundamentação
 O despacho reclamado não admitiu o recurso de constitucionalidade interposto, 
 com fundamento no disposto nos artigos 70º, nº 1, alínea b), e 72º, nº 2, da 
 LTC, porque a invocada inconstitucionalidade não foi arguida durante o processo, 
 não ocorrendo motivo bastante para dispensar o recorrente do ónus da referida 
 arguição. 
 
  
 
 1. Sucede, porém, que o recurso foi interposto ao abrigo da alínea a) do nº 1 do 
 artigo 70º da LTC (cf. supra, ponto 2. do Relatório), da qual decorre que cabe 
 recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que recusem a 
 aplicação de qualquer norma com fundamento em inconstitucionalidade.
 Assim sendo, importa verificar, desde logo, face ao disposto no nº 4 do artigo 
 
 77º da LTC, se o requerimento de interposição de recurso – peça processual que 
 define o objecto do recurso – satisfaz o requisito da indicação da norma cuja 
 inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie (nº 1, parte final, do 
 artigo 75º-A da LTC). Indicação que “desempenha um papel essencial, no sistema 
 de fiscalização concreta da constitucionalidade instituída no direito português, 
 em que a violação de preceitos ou princípios constitucionais tem de ser 
 reportada a normas”, sendo “em função dela que vai proceder-se à verificação dos 
 pressupostos específicos do recurso interposto” (Acórdão do Tribunal 
 Constitucional nº 450/2004, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). 
 Ora, do teor do requerimento de interposição de recurso – bem como do da 
 presente reclamação – não resulta, de todo, a indicação de qualquer norma cuja 
 aplicação o tribunal recorrido tenha recusado com fundamento em 
 inconstitucionalidade. Pelo que, não podendo ser conhecido o objecto do recurso 
 interposto, cumpre concluir pelo indeferimento da presente reclamação.
 
  
 
 2. E não se diga, face ao teor do requerimento de interposição de recurso e da 
 reclamação em apreciação (fls. 4 e ss. e 37 e ss.), que cabe a este Tribunal 
 convolar o recurso que o recorrente diz interpor “nos termos do art.º 70.º, n.º 
 
 1 alínea a) do D.L. nº 28/82 de 15 de Novembro” para o previsto na alínea b) do 
 nº 1 deste artigo. Com efeito, “sendo ao recorrente que compete indicar o tipo 
 de recurso que pretende interpor, não confere a lei ao Tribunal qualquer poder 
 oficioso de convolar para um outro recurso aquele que o recorrente indicou 
 naquele requerimento” (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 77/2000, disponível 
 em www.tribunalconstitucional.pt).
 De todo o modo, assinale-se, que, ainda que o recorrente tivesse indicado a 
 alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC, subsistiriam sempre razões para 
 acompanhar o despacho agora reclamado: não poderia ser dado como verificado o 
 requisito da suscitação prévia das questões de inconstitucionalidade formuladas 
 no requerimento de interposição de recurso (artigo 280º, nº 1, alínea b), da 
 Constituição e artigos 70º, nº 1, alínea b), e 72º, nº 2, da LTC); e impor-se-ia 
 concluir que o recorrente não estava, no caso, dispensado do ónus de, 
 antecipando a possibilidade de aplicação pelo tribunal agora recorrido das 
 normas em causa, questionar previamente a constitucionalidade das mesmas (sobre 
 isto cf., entre outros, o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 61/92, Diário da 
 República, II Série, de 18 de Agosto de 1992). Ou seja, não seria de acolher o 
 entendimento que se extrai da presente reclamação de que o Tribunal 
 Constitucional pode, em regra, conhecer ex novo das questões de 
 inconstitucionalidade postas ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da 
 LTC. 
 
  
 III. Decisão
 Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
 Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de 
 conta.
 
  
 Lisboa, 19 Junho de 2007
 Maria João Antunes
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Gil Galvão