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Processo n.º 597/07
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
  
 
   Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
 
  
 
                                     1. A. reclama, ao abrigo dos artigos 76.º, 
 n.º 4, e 77.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal 
 Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, 
 por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra o despacho 
 do Presidente do Tribunal da Relação do Porto, de 27 de Abril de 2007, que não 
 lhe admitiu recurso interposto para o Tribunal Constitucional.
 
                                     1.1. O reclamante, advogado, havia 
 intentado, nos Julgados de Paz da Comarca do Porto, acção declarativa de 
 responsabilidade extracontratual contra B., também advogado, e a Ordem dos 
 Advogados, pedindo a sua condenação solidária no pagamento da quantia de € 
 
 3740,98, a título de indemnização por danos à sua personalidade, por, no âmbito 
 do processo disciplinar que lhe foi instaurado pela segunda demandada e 
 distribuído ao primeiro demandado como seu relator, terem permitido que fossem 
 juntas ao referido processo disciplinar duas cartas‑missivas confidenciais da 
 sua autoria.
 
                                     Da sentença do Juiz de Paz que julgou 
 improcedente a acção, por considerar não ter havido violação ilícita de direitos 
 de personalidade do demandante, mas que também não acolheu a pretensão dos 
 demandados no sentido de o autor ser condenado como litigante de má fé, 
 recorreu, quanto à primeira decisão, o ora reclamante e, quanto à não condenação 
 como litigante de má fé, recorreu subordinadamente a Ordem dos Advogados.
 
                                     Por sentença de 15 de Julho de 2005 do 1.º 
 Juízo do Tribunal de Pequena Instância Cível do Porto (fls. 210 a 220 do 
 processo principal e 19 a 28 destes autos), foi negado provimento ao recurso 
 principal (do autor) e julgado procedente o recurso subordinado (da Ordem dos 
 Advogados), condenando‑se o ora reclamante como litigante de má fé.
 
                                     Desta decisão de condenação como litigante 
 de má fé interpôs o ora reclamante recurso para o Tribunal da Relação do Porto 
 
 (fls. 236 do processo principal e 30 destes autos), que foi admitido por 
 despacho de 22 de Novembro de 2005 (fls. 274 do processo principal e 34 destes 
 autos), tendo o recorrente apresentado as respectivas alegações (fls. 292 a 297 
 do processo principal e 35 a 39 destes autos).
 
                                     Após diversas vicissitudes processuais, foi 
 proferido o despacho de 12 de Outubro de 2006 (fls. 346 a 349 do processo 
 principal e 89 a 92 destes autos), no qual, constatando‑se não ter o recorrente 
 pago a taxa de justiça devida pela interposição do referido recurso e não 
 beneficiando de apoio judiciário no âmbito do presente processo, determinou‑se a 
 sua notificação para pagar a taxa de justiça em dívida, acrescida de multa.
 
                                     O recorrente interpôs, em 31 de Outubro de 
 
 2006, recurso deste despacho (requerimento de fls. 353 a 356 do processo 
 principal e 96 a 99 destes autos), que, porém, não foi admitido por despacho de 
 
 9 de Novembro de 2006 (fls. 357 do processo principal e 100 destes autos), por o 
 valor da causa não ser superior à alçada do tribunal e por não ser aplicável o 
 estatuído no artigo 678.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC), por não se 
 verificar ofensa de caso julgado, uma vez que não houve qualquer decisão 
 anterior (quer do Julgado de Paz, quer do Tribunal de Pequena Instância Cível do 
 Porto) sobre a questão de não beneficiar o recorrente de apoio judiciário no 
 
 âmbito do presente processo.
 
                                     Notificado deste despacho, o recorrente 
 apresentou, em 28 de Novembro de 2006, o requerimento de fls. 360 do processo 
 principal e 103 destes autos, no qual, numa primeira parte, interpõe novo 
 recurso “da decisão que refere «o valor da causa não é superior à alçada deste 
 Tribunal»”, e, numa segunda parte, declara “impugna[r] por meio de recurso a 
 decisão que lhe não admitiu o recurso interposto com fundamento em ofensa de 
 caso julgado”. Por despacho de 7 de Dezembro de 2006 (fls. 361 do processo 
 principal e 104 destes autos), não foi admitido o novo recurso, por o referido 
 quanto ao valor da causa não ser uma decisão, mas a fundamentação da decisão de 
 não admissão do primeiro recurso, e, quanto à segunda parte, foi determinada a 
 notificação do recorrente para apresentar reclamação, nos termos do artigo 
 
 688.º, n.º 2, do CPC.
 
  
 
                                     1.2. Em 9 de Janeiro de 2007, o recorrente 
 deduziu reclamação para o Presidente do Tribunal da Relação do Porto (fls. 364 
 a 379 do processo principal e 2 a 16 destes autos) contra os dois despachos de 
 não admissão de recurso: (i) o de 9 de Novembro de 2006, que não admitiu o 
 recurso interposto do despacho de 12 de Outubro de 2006, que determinou a sua 
 notificação para pagar a taxa de justiça em dívida, acrescida de multa, e (ii) o 
 de 7 de Dezembro de 2006, que não admitiu o recurso da passagem do despacho de 9 
 de Novembro de 2006 que refere que “o valor da causa não é superior à alçada 
 deste Tribunal”. Essa reclamação termina com a formulação das seguintes 
 conclusões e pedidos:
 
  
 
 “1. É inconstitucional o artigo 456.° do CPC com a interpretação de um tribunal 
 cível poder condenar um advogado em litigância de má fé com fundamento em 
 prática de alegada infracção disciplinar sem existir qualquer decisão definitiva 
 sobre o cometimento dessa alegada infracção disciplinar proferida pela Ordem dos 
 Advogados ou pela jurisdição administrativa, em procedimento disciplinar 
 previsto nos termos da Lei, por infringir a presunção de inocência enunciada no 
 n.º 2 e n.º 10 do artigo 32.º da CRP e por infringir a parte final do n.º 1 do 
 artigo 211.º da CRP.
 
 2. É inconstitucional o artigo 678.º, n.º 2, do CPC, com o sentido de poder ser 
 indeferida a admissão da subida dum recurso, que é interposto com fundamento em 
 ofensa de caso julgado, por se entender que inexiste qualquer ofensa de caso 
 julgado cometida, infringindo o artigo 2.º e a parte final do n.º 4 do artigo 
 
 20.° da CRP.
 
 3. É inconstitucional o artigo 678.°, n.º 3, do CPC, com a interpretação de não 
 poder ser admitido um recurso, que é interposto com fundamento de que o valor da 
 causa excede a alçada do tribunal de que se recorre, entendendo‑se que a 
 apreciação feita sobre o valor da causa e que é objecto de recurso, no Tribunal, 
 não constitui uma decisão que admite recurso, infringindo‑se a regra dum 
 processo equitativo determinada na parte final do n.º 4 do artigo 20.º da CRP e 
 o n.º 1 do artigo 202.º da CRP.
 
 4. A ilegitimidade é de conhecimento oficioso por qualquer entidade judicial, 
 não podendo a Presidência da Relação do Porto, como entidade judicial, 
 recusar‑se a dela conhecer sob pena de infringir os seus deveres funcionais – 
 vide artigos 494.º, n.º 1, alínea e), e 495.º do CPC.
 
 5. Conforme a jurisprudência da Relação do Porto votada unanimemente no Acórdão 
 de 21 de Setembro de 2000, registado no Livro n.º 419, a fls. 184 e seguintes, 
 não tem legitimidade para recorrer da não condenação em má fé quem requereu essa 
 condenação da parte contrária sem sucesso.
 
 6. Cumpre à Presidência da Relação do Porto deliberar essa ilegitimidade, da 
 parte contrária ao aqui reclamante, a qual, precisamente; recorreu de uma 
 decisão que não condenou o aqui reclamante em litigância de má fé.
 
 7. Fazendo‑o, como é seu dever oficioso, a Presidência da Relação do Porto faz 
 cumprir a sua própria jurisprudência de um modo imparcial, geral e abstracto.
 Nestes termos, declare‑se a ilegitimidade da parte contrária ao aqui reclamante 
 a partir do recurso por si interposto contra a não condenação do reclamante em 
 má fé e defira‑se a admissibilidade dos dois recursos interpostos nos termos da 
 Lei com fundamento em ofensa de caso julgado, o primeiro, e com fundamento em 
 valor da causa que excede a alçada do tribunal de que se recorre, o segundo.”
 
  
 
                                     1.3. Por despacho do Presidente do Tribunal 
 da Relação do Porto, de 10 de Março de 2007, a reclamação foi indeferida com a 
 seguinte fundamentação:
 
  
 
 “Foram precisos quase 38 anos para sermos confrontados com uma peça jurídica 
 como a dos autos. Foram precisos mais de 6 anos para nos chamarem a atenção 
 para o exercício dos nossos deveres jurisdicionais. Finalmente, quando a única 
 tábua de salvação que se encontrou é a CRP e invocada, directamente, perante o 
 PR [Presidente da Relação] e em sede de reclamação, é mais do que duvidosa 
 legalidade todo o processado. E é de tal maneira o inusitado que temos vindo a 
 dispensar longas horas para nos apercebermos do que é que aqui se discute e como 
 se discute. Na verdade, recorrer dum despacho que se pronuncia sobre a 
 admissão/não de um recurso interposto e restrito à respectiva fundamentação 
 merece tratamento, pelo menos, extrajudicial: apreciação pela Entidade que 
 superintende sobre a admissão e disciplina dos respectivos membros.
 Mas não ficamos pelas assinaladas originalidades. É que estamos perante uma 
 acção que teve o seu início, por ser essa a competência, que jamais foi 
 questionada, nos Julgados de Paz. Daí que não seja possível o recurso ao 
 Tribunal da Relação e, muito menos, ao PR. Já agora chama‑se a atenção de que 
 uma coisa é a decisão, singular, sem recurso, do PR e outra as do Tribunal da 
 Relação, em colectivo dos respectivos Juízes Desembargadores. Como também uma 
 coisa é interpor recurso dum Tribunal de Comarca a funcionar nos termos 
 regulares e outra é quando este se reveste já das funções de tribunal de 
 recurso, pelo que é ilícita – para não qualificar de forma mais gravosa – a 
 invocação generalizada de acórdãos.
 Daí que, pese embora todo o processamento, cuidado e sereno, do Juiz 
 recorrido/reclamado, os autos deveriam ter‑se ficado na 2.ª (segunda, está 
 certo) instância deste tipo de acção, vedando‑se, à nascença, a remessa ao 
 Tribunal da Relação. Tudo conforme se dispõe nos artigos 688.°, n.º 5, e 687.°, 
 n.º 3, do CPC, bem como nos seus princípios gerais de que o Juiz do processo 
 dispõe de todos os poderes de admissibilidade e regularização das peças que lhe 
 são apresentadas nos autos, sem necessidade de terem de ser não admitidas por 
 quem a elas se dirige.
 Por outro lado, o artigo 62.°, n.º 1, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, só 
 permite recurso para o Tribunal de Comarca e em condições muito restritas, pelo 
 que não é possível interpor recurso [ou] deduzir reclamação das suas decisões.
 Se, eventualmente, há ofensa da CRP, é perante o TC que se deverá reagir.
 Decidiu o Tribunal de Comarca condenando o aqui reclamante por litigância de má 
 fé, quando o não fizera o Julgado de Paz? Nada obsta, porque tudo decorreu em 
 sede de recurso. E em última instância, quer tenha sido em confirmação da 
 sentença do Julgado de Paz, quer invertendo a sua decisão, pois foi sempre em 
 sede de recurso.
 Por idênticas razões, também não obsta à inadmissibilidade do recurso pela via 
 do valor, o disposto no artigo 456.°, n.º 2, do CPC.
 De igual modo, o que versa o n.º 2 do artigo 678.° sobre ofensa de «caso 
 julgado». De qualquer maneira, finalmente, exarado fica que não é possível 
 interpor recurso – muito menos, em duplicado – de despachos de não admissão de 
 recurso restritos à fundamentação: uma decisão pode ser alterada/não mas no seu 
 objecto/fundo mérito, não por não se concordar com este ou aquele fundamento.
 Por isso, também esta reclamação poderia e deveria ter conhecido tratamento 
 mais radical, fazendo‑lhe corresponder tantas peças como apensos quantos as vias 
 por que se enveredou nas reacções às decisões judiciais. Quanto mais não fosse 
 para evitar todo um mundo de confusões numa acção, que por natureza e disciplina 
 adjectiva, pressupõe a maior simplicidade de procedimentos.
 Em consequência e em conclusão, indefere‑se a reclamação, apresentada no Rec. 
 n.º 4388/05.9THPRT‑1.°, da Pequena Instância Cível do Porto, pelo autor 
 recorrente A.. 
 
  
 
                                     1.4. Notificado desse despacho, o reclamante 
 veio, em 26 de Março de 2007: (i) dele interpor recurso para o Tribunal 
 Constitucional (fls. 120 e 121); e (ii) arguir a sua nulidade (fls. 122).
 
  
 
                                     1.4.1. O requerimento de interposição de 
 recurso para o Tribunal Constitucional é do seguinte teor:
 
  
 
 “a) Foi arguida no tribunal a quo a inconstitucionalidade do artigo 456.º do 
 CPC, com a interpretação de um Tribunal Cível poder condenar um advogado em 
 litigância de má fé com fundamento em prática de alegada infracção disciplinar 
 sem existir qualquer decisão definitiva sobre o cometimento dessa alegada 
 infracção disciplinar proferida pela Ordem dos Advogados ou pela jurisdição 
 administrativa, em procedimento disciplinar previsto nos termos da Lei, por 
 infringir a presunção de inocência enunciada no n.º 2 e n.º 10 do artigo 32.º da 
 CRP e por infringir a parte final do n.º 1 do artigo 211.º da CRP.
 O tribunal a quo não atendeu à reclamação de inconstitucionalidade dessa norma 
 pelo que a reclamação subiu para o Juiz ad quem, Presidente da Relação do Porto, 
 que a indeferiu.
 Este recurso relativamente a esta norma é ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, 
 alínea b), da LOTC.
 b) Foi arguida a inconstitucionalidade do artigo 678.º, n.º 2, do CPC, com o 
 sentido de poder ser indeferida a admissão da subida dum recurso, que é 
 interposto com fundamento em ofensa de caso julgado, por se entender que 
 inexiste qualquer ofensa de caso julgado cometida, infringindo o artigo 2.º e a 
 parte final do n.º 4 do artigo 20.º da CRP, no tribunal a quo que a não acolheu 
 pelo que a mesma subiu para o Juiz ad quem, Presidente da Relação do Porto, que 
 manteve a aplicação da referida norma arguida de inconstitucionalidade.
 Este recurso relativamente a esta norma é ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1 alínea 
 b), da LOTC.
 c) Foi arguida a inconstitucionalidade do artigo 678.º, n.º 3, do CPC, com o 
 sentido de não poder ser admitido um recurso, que é interposto com fundamento de 
 que o valor da causa excede a alçada do tribunal de que se recorre, 
 entendendo‑se que a apreciação feita sobre o valor em causa e que é objecto de 
 recurso, no Tribunal, não constitui uma decisão que admite recurso, 
 infringindo‑se a regra dum processo equitativo determinada na parte final do n.º 
 
 4 do artigo 20.º da CRP e o n.º 1 do artigo 202.º da CRP.
 O Tribunal a quo não reconheceu a inconstitucionalidade da norma, pelo que subiu 
 a reclamação para o Juiz ad quem, Presidente da Relação do Porto, que a 
 indeferiu.
 Este recurso sobre a inconstitucionalidade desta norma é ao abrigo da alínea b) 
 do n.º 1 do artigo 70.º da LOTC.
 d) Por último, recorre‑se para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea g) 
 do n.º 1 do artigo 70.º da LOTC (Lei Orgânica do Tribunal Constitucional), da 
 aplicação que foi feita no tribunal a quo de norma já anteriormente declarada 
 inconstitucional pelo Tribunal Constitucional.
 Na contra‑alegação redigida pelo reclamante contra o recurso da aqui reclamada 
 para condenação daquele em litigância de má fé, evoca‑se o artigo 126.º, n.º 3, 
 do CPP como tutelando a nulidade da prova por violação da confidencialidade de 
 cartas, dando assim fundamento à pretensão do reclamante à não violação da 
 respectiva confidencialidade. Assim se pode ler na parte final da conclusão 1.ª 
 da contra‑alegação e até na conclusão 7.ª da alegação do recurso principal 
 redigido pelo agora reclamante.
 Perante esta fundamentação da pretensão do aqui reclamante, o tribunal a quo, 
 Pequena Instância Cível do Porto, declara que «litigou de má fé … deduzindo e 
 insistindo em … pretensão cuja falta de fundamento não ignorava».
 Deste modo, o tribunal a quo considera que a falta de fundamento da evocação do 
 artigo 126.º do CPP é tanta para obstar à valoração de cartas confidenciais 
 como meio de prova que justifica a sua condenação em litigância de má fé.
 Ao aplicar o artigo 126.º do CPP com o sentido de ser lícita a valoração de 
 cartas confidenciais como meio de prova para procedimento disciplinar e de 
 constituir litigância de má fé a sua evocação para o impedir, esse despacho do 
 tribunal a quo afronta grosseiramente o Acórdão n.º 607/2003 do Tribunal 
 Constitucional, que, por unanimidade, julga inconstitucional o artigo 126.º, n.º 
 
 3, do CPP, com o sentido de não ser ilícita a valoração como meio de prova dos 
 escritos confidenciais a que se refere a mesma norma para crimes na ausência de 
 uma ponderação, à luz dos princípios da necessidade e da proporcionalidade, 
 sobre o conteúdo, em concreto, desses escritos confidenciais, por violar os 
 artigos 1.º, 26.º, n.º 1, e 32.º, n.º 8, da CRP.
 Não estando em causa qualquer crime para a avaliação disciplinar e muito menos 
 um crime com a censurabilidade em causa no acórdão‑fundamento do Tribunal 
 Constitucional, apenas uma alegada falta disciplinar, a forma como o tribunal a 
 quo despacha a avocação feita do artigo 126.º, n.º 3, do CPP, para impedir a 
 valoração de escritos confidenciais como meio de prova, está nos antípodas desse 
 acórdão de inconstitucionalidade, muito mais quando se imputa litigância de má 
 fé a quem invoca tal norma como fundamento da sua pretensão à não ingerência 
 dum processo disciplinar no conteúdo dos seus escritos confidenciais.
 A norma em causa é, pois, o artigo 126.º, n.º 3, do CPP, julgada 
 inconstitucional pelo Acórdão n.º 607/2003, publicado no Diário da República, 
 II Série, de 8 de Abril de 2004, com a ligeireza como foi aplicada ao ponto de 
 se condenar em litigância de má fé quem pretendia a sua aplicação no espírito 
 constitucional do mesmo acórdão.
 Este recurso, nos termos da LOTC, tem efeito suspensivo com subida nos próprios 
 autos e imediatamente após a decisão que venha a recair sobre a arguição de 
 nulidade doutra parte do Despacho.”
 
                                     
 
                                     1.4.2. Por seu turno, a arguição de nulidade 
 desenvolve a seguinte argumentação:
 
  
 
 “Como seria de esperar, o Ex.mo Presidente da Relação não invalidou o mérito do 
 acórdão relatado pelo Ex.mo Dr. Camilo Camilo e aprovado por unanimidade em 
 conferência da Relação do Porto, no qual se nega legitimidade para interpor 
 qualquer recurso de uma decisão de não condenação em litigância em má fé.
 Para tal, o Despacho refere a possibilidade de recurso da não condenação em 
 litigância de má fé do Julgado de Paz para o Tribunal de Comarca como uma 
 excepção permitida pelo artigo 62.º, n.º 1, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho.
 Impõe‑se, assim, conferir se essa interpretação do artigo 62.º, n.º 1, da Lei 
 n.º 78/2001, de 13 de Julho, contrária à jurisprudência da própria Relação do 
 Porto, aprovada em Acórdão n.º 864/2000, não ofende o princípio da igualdade 
 constitucionalmente consagrada nos termos em que se aplica.
 O artigo 62.º, n.º 1, da Lei n.º 78/2001 apenas consente recurso de decisões 
 cujo valor processual exceda metade do valor da alçada do tribunal de comarca, 
 sendo‑lhe subsidiariamente aplicáveis as regras do Código de Processo Civil que 
 a jurisprudência da Relação do Porto citada diz não conferir legitimidade em 
 litigância de má fé.
 Nestes termos, ofende o principio da igualdade o artigo 62.º, n.º 1, da Lei n.º 
 
 78/2001, com a interpretação de que ao contrário das regras gerais do processo 
 civil há legitimidade para interpor recurso de uma decisão do Julgado de Paz de 
 não condenação em litigância de má fé, mas não há legitimidade para o condenado 
 em litigância de má fé interpor recurso da decisão que o condene, pela única 
 vez, preferida pelo tribunal de comarca a funcionar como tribunal de recurso.
 O segmento do Ex.mo Despacho do Presidente da Relação que atribui tal 
 interpretação taxativamente encontra‑se a meio de fls. 116:
 
  
 
 «Decidiu o Tribunal de Comarca condenando o aqui reclamante por litigância de 
 má fé, quando o não fizera o Julgado de Paz? Nada obsta, porque tudo decorreu em 
 sede de recurso. E em última instância, quer tenha sido em confirmação da 
 sentença do Julgado de Paz, quer invertendo a sua decisão, pois foi sempre em 
 sede de recurso.»
 
  
 
                   Estão, pois, em confronto a norma em causa da Lei dos Julgados 
 de Paz como assim interpretada e o Código de Processo Civil, nomeadamente, o 
 artigo 680.º do CPC, na interpretação do Acórdão n.º 864/2000, registado do 
 Livro de acórdãos n.º 419 da Relação do Porto, a fls. 184, e o artigo 456.º, n.º 
 
 3, do CPC.
 
                   Sendo, pois, a questão da legitimidade de conhecimento 
 oficioso por qualquer instância jurisdicional como a Presidência duma Relação, 
 tal como o Despacho o faz, viola o princípio fundamental da igualdade não 
 reconhecer‑se legitimidade para se interpor recurso contra a não condenação em 
 má fé no âmbito do Código de Processo Civil, mas já reconhecer‑se tal 
 legitimidade em recurso das decisões de não condenação, nos Julgados de Paz, por 
 litigância de má fé.
 Viola‑se ainda o principio fundamental da igualdade não admitir‑se recurso duma 
 decisão que em recurso doutra dos Julgados de Paz pune pela primeira vez uma 
 parte em litigância por má fé, quando nos termos do Código de Processo Civil há 
 sempre em um grau de tal condenação.
 Nos termos do Estatuto do Ministério Público, a vista desta questão tem de ser 
 dada obrigatoriamente ao Ministério Público, no caso à Procuradoria‑Geral 
 Distrital do Porto, para que promova a solução jurídica que se lhe afigure mais 
 consentânea à Constituição e aos direitos fundamentais de quem seja alvejado com 
 a litigância de má fé.
 Nos termos desta arguição por nulidade de violação à Constituição, deve ser 
 decretado inconstitucional o artigo 62.º, n.º 1, da Lei n.º 78/2001, de 13 de 
 Julho, como foi interpretado pelo Ex.mo Sr. Presidente da Relação, de que, ao 
 contrário das regras gerais do processo civil, há legitimidade para interpor 
 recurso de uma decisão do Julgado de Paz que indefere o pedido de condenação da 
 parte contrária em litigância de má fé, mas não há legitimidade para o condenado 
 em litigância de má fé interpor recurso da decisão que o condene, pela única 
 vez, proferida pelo tribunal de comarca a funcionar como tribunal de recurso, 
 violando o artigo 13.º, n.º 1, da Constituição Portuguesa.
 Requer‑se vista ao Procurador‑Geral Distrital e que se defira esta arguição de 
 nulidade.
 P.S.: O acórdão supra citado da Relação do Porto é jurisprudência pacífica no 
 sentido de não ser legítimo recorrer da não condenação por litigância de má fé 
 como se coteja no acórdão de 29 de Junho de 2004, unanimemente aprovado pela 
 Relação de Lisboa, no seu processo n.º 2205/2003‑7, sendo pois o arguido de 
 nulidade contrário.”
 
  
 
                                     1.5. Por despacho de 30 de Março de 2007 do 
 Presidente do Tribunal da Relação do Porto, a arguição de nulidade foi 
 indeferida, nos seguintes termos:
 
  
 
                   “Em 26 de Março de 2007, a fls. 12[2], vem arguir‑se a 
 nulidade da nossa decisão de fls. 113 a 117, de 10 de Março de 2007, na parte em 
 que viola o princípio da igualdade, enquanto não seguimos, em seu entender, um 
 acórdão desta mesma Relação. Jamais este não seguimento constituirá uma 
 nulidade. Assim, não a admito, indeferindo‑a.”
 
  
 
                                     1.6. Notificado deste despacho, dele veio o 
 reclamante interpor um segundo recurso para o Tribunal Constitucional, através 
 de requerimento de 19 de Abril de 2007 (fls. 126), do seguinte teor:
 
  
 
 “Este recurso, nesta parte, tanto é interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 
 do artigo 70.º da LOTC, pois o artigo 62.º, n.º 1, da Lei n.º 78/2001, de 13 de 
 Julho, foi aplicado no Despacho inicial que julga a reclamação com a norma de 
 que, ao contrário das regras gerais do processo civil, há legitimidade para 
 interpor recurso de uma decisão do Julgado de Paz que indefere o pedido de 
 condenação da parte contrária em litigância de má fé, mas não há legitimidade 
 para o condenado em litigância de má fé interpor recurso da decisão que o 
 condene, pela única vez, proferida pelo tribunal de comarca a funcionar como 
 tribunal de recurso, em flagrante violação do artigo 13.º, n.º 1, da 
 Constituição Portuguesa, o mesmo que dizer, do principio constitucional da 
 igualdade.
 Como tanto é interposto ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LOTC, 
 porquanto em acórdão aprovado por unanimidade pelo próprio Tribunal 
 Constitucional foi declarada inconstitucional a norma concreta (Fallnorm) que 
 obsta à admissibilidade imperativa de recurso em um grau das condenações em 
 litigância de má fé proferidas por um qualquer tribunal que não esteja no topo 
 da respectiva hierarquia judiciária por estar em causa o principio da igualdade, 
 ou seja, a violação do artigo 13.º, n.º 1, da Constituição, que exige um 
 tratamento digno e com garantias de defesa para quem for arguido de litigância 
 de má fé, à semelhança de outros processos sancionatórios.
 Ao não permitir‑se recurso das decisões que pela primeira vez condenam uma 
 parte em litigância de má fé, pelo tribunal de comarca a funcionar como 
 instância de recurso dos julgados de paz, contraria‑se a declaração de 
 inconstitucionalidade proferida unanimemente pelo Acórdão n.º 453/2002, Processo 
 n.º 71/2002, transitado, do Tribunal Constitucional.”
 
  
 
                                     1.7. Este segundo recurso não foi admitido 
 pelo despacho do Presidente do Tribunal da Relação do Porto, de 27 de Abril de 
 
 2007 (fls. 127), nos seguintes termos:
 
  
 
                   “A questão do duplo grau de jurisdição já está apreciada na 
 decisão da Reclamação e do recurso que se lhe seguir. Assim, não tem qualquer 
 sentido interpor recurso para o Tribunal Constitucional do despacho de 30 de 
 Março, tanto mais que o mesmo foi no sentido de nem sequer se colocar a questão 
 de nulidade, ou seja, considerou‑se que o problema não é de nulidade.
 
                   Não admito, pois, o recurso para o Tribunal Constitucional 
 interposto em 19 de Abril de 2007, a fls. 126.”
 
  
 
                                     1.8. É contra este despacho que vem deduzida 
 a presente reclamação, do seguinte teor:
 
  
 
                   “Para melhor orientação do que está em causa nesta reclamação 
 dá‑se uma sinopse por paginação e datas do iter recursório seguido para o 
 Tribunal Constitucional:
 
                   a) A fls. 114, 115, 116 e 117, na data de 5 de Dezembro de 
 
 2006, é proferida a douta decisão da Reclamação.
 
                   b) A fls. 120 e 121, na data de 26 de Março de 2007, entra o 
 recurso para o Tribunal Constitucional sobre a decisão da Reclamação na parte em 
 que indefere as inconstitucionalidades das normas aí arguidas.
 
                   c) A fls. 122, o reclamante argúi nulidade da decisão de 
 Reclamação por aplicar norma já anteriormente julgada inconstitucional com tal 
 sentido interpretativo, quando nada antes faria prever que a Presidência da 
 Relação, nesse processo, aplicasse tal norma assim interpretada.
 
                   d) A fls. 123, em 30 de Março, despacha‑se não haver qualquer 
 violação ao princípio constitucional da igualdade, pelo que se indeferiu a 
 nulidade.
 
                   e) A fls. 126, em 19 de Abril de 2007, o reclamante recorre 
 para o Tribunal Constitucional, também, por haver violação ao princípio 
 constitucional da igualdade na aplicação que é feita da norma aí arguida, 
 conforme, aliás, já tinha sido acordado anteriormente pelo próprio Tribunal 
 Constitucional.
 
                   f) A fls. 127, profere‑se o despacho aqui em crise no qual não 
 se admite o último recurso interposto a fls. 126, em 19 de Abril de 2007, por o 
 duplo grau de jurisdição quanto à inconstitucionalidade já estar assegurado na 
 apreciação feita na decisão da Reclamação e no recurso que se seguir, interposto 
 a fls. 120 e 121, em 26 de Março, para o Tribunal Constitucional.
 
                   O teor do despacho é o seguinte:
 
  
 
                   «A questão do duplo grau de jurisdição já está apreciada na 
 decisão da Reclamação e do recurso que se lhe seguir. Assim, não tem qualquer 
 sentido interpor recurso para o Tribunal Constitucional do despacho de 30 de 
 Março, tanto mais que o mesmo foi no sentido de nem sequer se colocar a questão 
 de nulidade, ou seja, considerou‑se que o problema não é de nulidade.
 
                   Não admito, pois, o recurso para o Tribunal Constitucional 
 interposto em 19 de Abril de 2007, a fls. 126.»
 
  
 
                   Está, indubitavelmente, em causa saber se o segundo recurso 
 não admitido deverá acompanhar o primeiro que o Ex.mo Sr. Presidente da Relação 
 do Porto considera ser o único recurso a seguir para o Tribunal Constitucional.
 
                   Salvo o devido respeito, a mesma Excelência do Sr. Presidente 
 da Relação do Porto já teve entendimento há alguns anos atrás de que nenhum 
 recurso poderia haver para o Tribunal Constitucional das suas decisões, o que 
 foi objecto de decisão contrária pelo Tribunal Constitucional, fazendo com que 
 daí em diante se começassem a admitir os recursos em matérias de 
 inconstitucionalidade, pelo próprio Presidente da Relação do Porto.
 
                   A matéria dos recursos para o Tribunal Constitucional tem sido 
 objecto de extensa jurisprudência, inclusivamente para o ponto aqui em ordem, 
 isto é, em que medida o recurso para o Tribunal Constitucional pode ser 
 precedido duma arguição da inconstitucionalidade posterior à decisão principal.
 
                   E o problema não está no «pode», mas até estará no «deve».
 
                   Sobre esse problema o Tribunal Constitucional acquiescit em 
 numerosas decisões suas na eventualidade de perante uma decisão surpreendente, 
 inesperada ou extravagante em face da jurisprudência dos tribunais ou daquilo 
 que é o curso dos autos possa ser arguida a inconstitucionalidade da norma assim 
 interpretada posteriormente.
 
                   É a chamada teoria da imprevisibilidade da invocação na norma 
 ou dum seu sentido normativo na decisão principal que consente a sua arguição de 
 inconstitucionalidade posteriormente.
 
                   A página 4231 do Diário da República publicado em 23 de Março 
 de 1999 na 2.ª série encontra‑se jurisprudência do Tribunal Constitucional a 
 vincar essa possibilidade.
 
                   Nesse Acórdão n.º 709/98, que ocorreu em processo do Tribunal 
 Constitucional n.º 605/98, a secção, composta por dois Conselheiros que vieram 
 a ocupar a presidência do mais alto tribunal da nossa justiça, decidiu por 
 unanimidade e num tom bastante forte que a arguição da inconstitucionalidade não 
 
 é um mero expediente para a rejeição dos recursos para o mais alto tribunal.
 
                   Aí se lê que, estando em causa inconstitucionalidade de norma 
 ou sentido de norma que vicie a decisão principal, nada obsta a que a arguição 
 se faça, posteriormente, recorrendo‑se dessa posterior decisão sobre a arguição 
 para o Tribunal Constitucional.
 
                   Cremos que muito bem esse Acórdão distingue a norma ou sentido 
 normativo julgado pela decisão recorrida, depois da sua arguição prévia pelo 
 recorrente, da norma ou sentido normativo que vicie a própria decisão 
 recorrida, cuja arguição, naturalmente, só poderia ser feita depois de 
 proferida essa decisão, recorrendo‑se da que recaia sobre essa arguição 
 posterior para o Tribunal Constitucional.
 
                   Se o Tribunal Constitucional não tivesse esta jurisprudência 
 natural, seria caso para parafrasear um termo ouvido numa conferência dum 
 eminente jurista que recentemente ascendeu ao mais alto tribunal, ou seja, teria 
 uma jurisprudência «rejeicionista».
 
                   De acordo com a palestra desse eminente jurista, hoje 
 Conselheiro Constitucional, a atitude dos Tribunais Constitucionais só pode ser 
 a que tem o Bundesverfassungsgericht perante os recursos, havendo decisões 
 sumárias ou extensas sobre a apreciação da inconstitucionalidade conforme a 
 discutibilidade dos temas em julgamento, não podendo as decisões sumárias 
 converter‑se num surto «rejeicionista» procurando abortar pela forma o 
 julgamento da infracção constitucional, visto como as decisões sumárias do BVG 
 que podem ter duas páginas ou pouco mais julgam da inconstitucionalidade 
 recorrida em vez de gastarem mais páginas para limar a rejeição do conhecimento 
 do recurso.
 
                   Se se rejeitam os recursos de inconstitucionalidade por razões 
 de celeridade mais do que por evidente léxis de forma, melhor seria que o tempo 
 que se serve para alinhavar a rejeição por forma se empregasse para uma decisão 
 sumária da inconstitucionalidade que bem poderia ser de procedência do recurso 
 como ocorre com o BVG.
 
                   Nessa mesma palestra a que nos referimos, era grande o 
 destaque dado ao tema por via de o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem 
 condenar sucessivamente o Estado português por causa de álibis «rejeicionistas» 
 empregues pelos nossos tribunais a fim de não se conhecerem os recursos em prol 
 da celeridade processual.
 
                   Como solução para melhorar a imagem dos nossos tribunais era 
 dada a possibilidade da figura das decisões sumárias sobre o fundo da questão, 
 que bem poderiam ser de procedência do recurso.
 
                   Questionado sobre a força e imagem jurídica desse tipo de 
 decisões sumárias, o mesmo palestrante retorquiu que melhorariam o 
 funcionamento global do sistema por ganharem mais relevo os trabalhos 
 preparatórios dos advogados e procuradores nas suas alegações.
 
                   Esta urgência de prestigiosidade do nosso sistema é grande a 
 tal ponto que há alguns anos atrás um dos nossos maiores professores vivos de 
 Direito, Doutor Castanheira Neves, pouco satisfeito com o rumo formalista e 
 estatística maioritária de não conhecimento dos recursos no Tribunal 
 Constitucional, disse que este se estava a converter num «petit comité» e a 
 deixar de ser um tribunal que se impunha.
 
                   Pelo estudo que fazemos do nosso direito constitucional que 
 não tem meças a dever aos direitos congéneres e pela fé que temos na 
 magistralidade dos nossos juízes constitucionais e no seu amor ao Direito, 
 certamente maior do que o nosso que é bem grande, temos o Tribunal 
 Constitucional como o templo de reparação das injustiças cometidas pelo sistema, 
 imune a pressões de celeridade ou tratamento diferenciado de quem a ele recorre, 
 a despeito da radiciação política na eleição dos seus membros.
 
                   Batemo‑nos e bater‑nos‑emos para que o Tribunal Constitucional 
 se mantenha como está, pois a alternativa para os que recusam a imagem de 
 
 «petit comité» seria a substituição do nosso mais alto tribunal por uma secção 
 constitucional no STJ, o que seria catastrófico, pois as injustiças figadais 
 como as que nos vêm sendo feitas neste tortuoso processo em que as instâncias 
 comuns nos transformaram, de repente, de autor lesado na sua integridade moral 
 num arguido de litigância de má fé depois das vastas referências doutrinais e 
 jurisprudenciais que carreamos para o processo, de nada valendo, havendo a 
 
 única esperança que um tribunal fora da hierarquia comum analise friamente e sem 
 expeditórios a inconstitucionalidade das normas com o sentido com que as nos 
 aplicaram, o que não seria credível se essa tarefa estivesse à luz duma singela 
 secção da mais alta instância comum, quantas vezes fautora de iguais 
 injustiças.
 
                   Rumando para o caso em reclamação para a conferência do alto 
 tribunal, o despacho, que refere só ser de seguir o primeiro recurso para o 
 Tribunal Constitucional do indeferimento das arguições de inconstitucionalidades 
 antes feitas em relação à decisão da Reclamação e por haver já, por isso, o 
 duplo grau de jurisdição não ser de admitir o recurso de inconstitucionalidade 
 arguida em sede de nulidade contra a decisão de Reclamação, não será de manter 
 pela conferência do Tribunal Constitucional.
 
                   É que a norma cuja inconstitucionalidade se argúi em sede 
 posterior contra a decisão de Reclamação vicia gravemente essa decisão, é de 
 todo inesperada em face da ordem jurídica e do que é expectável das suas 
 instâncias a quem cabe o ius dicere que não pode ser uma cisma de Delphos.
 
                   Na parte em crise, a decisão da Reclamação surge com a norma 
 do artigo 62.º, n.º 1, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, imputando‑lhe um 
 sentido de todo inesperado fora da sua letra, contexto ou expectativa jurídica, 
 porquanto a mesma apenas reza que não são recorríveis as decisões dos julgados 
 de paz cujo valor exceda metade da alçada da 1.ª instância, ao passo que a 
 decisão da Reclamação extrai desta norma legal que as decisões dos julgados de 
 paz de não condenação por litigância de má fé são recorríveis ao invés do que 
 ocorre nos tribunais comuns e que por condenação em litigância de má fé na 
 comarca a funcionar como instância de recurso dos julgados de paz é impossível 
 recorrer da mesma ao contrário do que ocorre as decisões condenatórias em 
 litigância de má fé nos tribunais comuns, onde há sempre um grau de recurso para 
 essa condenação, independentemente da alçada ou do valor da causa.
 
                   Tal sentido normativo aplicado pela decisão da Reclamação é 
 duplamente inesperado e absolutamente imprevisível no quadro do Direito onde as 
 respectivas decisões se esperam no sentido da Lei ou do Direito.
 
                   Tal sentido normativo que emerge da decisão de Reclamação 
 contraria em primeiro lugar toda a jurisprudência pacífica dos tribunais comuns.
 
                   A litigância de má fé é hoje um instituto jurídico enquadrado 
 nos processos sancionatórios, carecendo por isso de alguns cuidados.
 
                   Por um lado, cimentou‑se a ideia de que não é recorrível pela 
 parte sedenta da condenação qualquer decisão que não condene em litigância de má 
 fé.
 
                   Tal são entendimento pacífico nos tribunais comuns decorre, 
 por um lado, da regra na qual se um juiz não vê má fé na tese jurídica 
 professada é por a mesma ter alguns defensores ou hipóteses de viabilidade 
 discursiva.
 
                   Por outro lado, à semelhança dos crimes públicos ou 
 semi‑públicos de natureza mais grave não deve haver pelo assistente legitimidade 
 para recorrer da decisão condenatória por lhe faltar legitimidade, já que não há 
 vencido só por se querer a vindicta.
 
                   Por muito menor razão, em naturezas sancionatórias menos 
 graves como a litigância de má fé, se justificaria o reconhecimento dessa 
 legitimidade à parte contrária dum processo que, naturalmente, sempre espreita a 
 desforra por ter sido accionado.
 
                   Esse entendimento não persecutório do recurso contra a não 
 condenação em litigância de má fé é pacífico na jurisprudência, como se nota em 
 acórdão n.º 864/2000 da própria Relação do Porto disponível em página 
 informática no seu sumário e em acórdão de 28 de Junho de 2004, proferido no 
 processo n.º 2205/2007 da Relação de Lisboa, disponível em versão integral no 
 formato informático da rede.
 
                   Inexplicavelmente, a decisão da Reclamação vai conscientemente 
 pelo sentido contrário quanto ao caso em questão, ninguém percebendo porque terá 
 de ser assim para os processos provindos do julgado de paz, onde nem se 
 vislumbra sequer na letra da sua Lei a possibilidade de qualquer parte que aí 
 proponha uma acção qualquer haver de ser condenada por litigância de má fé.
 
                   Se tal sentido normativo que vicia a decisão de reclamação é 
 totalmente inesperado no quadro jurídico que nos rege e por isso susceptível de 
 arguição posterior, o que dizer dum sentido normativo extraído da mesma norma no 
 qual se contraria a jurisprudência do Tribunal Constitucional sufragada?
 
                   É que como está bem notado no requerimento em que se argúi a 
 inconstitucionalidade de tal sentido normativo é pacífico neste alto tribunal 
 que só nos tribunais que estejam no topo da hierarquia judiciária se permite não 
 haver recurso das decisões condenatórias em má fé processual, por razões óbvias, 
 de resto haverá sempre recurso em um grau de qualquer decisão sancionatória.
 
                   Vir a decisão de Reclamação com a surpreendência de aplicar 
 uma norma com o sentido de a mesma obstar a que mesmo em caso de condenação 
 primária em litigância de má fé se interponha qualquer recurso disso a partir do 
 tribunal de comarca ou, mais precisamente, de uma instância menor da hierarquia 
 viola a jurisprudência do Tribunal Constitucional, razão suficiente para 
 considerar que essa decisão nasce viciada, cujo vício era imprevisível salvo se 
 acharmos normal que os tribunais comuns afrontem a jurisprudência rata do 
 Tribunal Constitucional.
 
                   Aliás, todo o processo desde o seu início abunda em decisões 
 imprevisíveis como condenar em litigância de má fé quem está munido de 
 vastíssimas referências em seu favor e por si citadas no processo ou ser 
 condenado por pedir honorários a um constituinte oficioso sem haver constituição 
 oficiosa, ou melhor, depois da constituição oficiosa indeferida por quem de 
 direito.
 
                   Mais, acusa‑se, julga‑se e sanciona‑se o aqui reclamante pela 
 mesma entidade a pretexto duma infracção disciplinar quando nenhuma das 
 entidades com o privilégio de acusar, julgar ou sancionar tais infracções se ter 
 sequer pronunciado em primeira instância sobre a eventual culpa de algo que não 
 passa duma acusação infundamentada por documentos.
 
                   Isto de um qualquer tribunal se arrogar à pretensão de 
 acumular em si o poder de acusar, julgar e sancionar uma sanção disciplinar cuja 
 competência lhe está legalmente excluída diz tudo.
 
                   Não só … para condenar o aqui recorrente em custas valeu o 
 Código das Custas Judiciais, mas quando esse Código impunha a ineficácia do 
 recurso subordinado, em benefício, já não foi esse o Código que se quis aplicar 
 mas uma portaria das custas do julgado de paz que, por respeitarem unicamente à 
 tramitação interna e específica dessa ordem, nada referem sobre as custas dos 
 recursos das decisões dos julgados de paz para a comarca.
 
                   Note‑se que toda a literatura jurídica, que é unânime em que a 
 falta de pagamento de taxa de justiça inicial pela interposição de recursos 
 contra os julgados de paz impede o conhecimento do respectivo recurso, 
 reconhece que o não conhecimento dum recurso principal ou que este seja dado sem 
 efeito faz com que o recurso subordinado também fique ex lege sem efeito.
 
                   Como ex professo havia de se condenar o advogado, parte na 
 causa, nem a Lei, nem a Doutrina e nem a Jurisprudência lhe valeram, 
 remanescendo‑lhe o Tribunal Constitucional, cuja ultima ratio lhe pertence para 
 reparar linchamentos da personalidade moral das partes nos tribunais comuns 
 através da guarda dos direitos, liberdades e garantias pessoais que lhe é 
 confiada pela Constituição da República.
 
                   Se não se cometessem injustiças nos tribunais comuns seria 
 desnecessária a existência dos tribunais constitucionais para julgar a 
 inconstitucionalidade das normas como são aplicadas por essa ordem comum.
 
                   Há pois que examinar, estudar e decidir o que for de direito, 
 não sendo este decisionismo, utilitarismo, comodismo ou ajuste entre profissões 
 jurídicas, mas sim um espólio das leis iguais para todos e dos princípios 
 civilizacionais do direito natural que impedem o uso das normas como palmatória 
 para manter em formatura quem denuncia e combate iniquidade e abusos de poder.
 
                   O V.º Despacho reclamado para a conferência do Tribunal ad 
 quem alinha pela ideia que basta o primeiro recurso para estar garantido assim 
 o duplo grau de jurisdição em matéria de inconstitucionalidades.
 
                   Temos por seguro que o recurso para o Tribunal Constitucional 
 também abarcará os vícios normativos das próprias decisões em últimas 
 instâncias, cujas inconstitucionalidades das normas assim aplicadas apenas 
 poderão ser arguidas a posteriori, não tendo os recorrentes feitiço do mal que 
 lhes permita antever vícios dessas decisões em última instância como violação 
 inesperada de jurisprudência constitucional sobre a matéria.
 
                   Veja‑se na arguição de nulidades contra o venerando despacho 
 da Reclamação o pedido de vista ao Ministério Público quanto à norma viciadora 
 desse despacho aplicada com uma interpretação francamente inconstitucional não 
 só por contrariar jurisprudência pacífica das Relações mas ainda por colidir com 
 a jurisprudência do Tribunal Constitucional dimanada com o escopo de se fazerem 
 respeitar os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos pela ordem comum.
 
                   A instância a quo não deu a vista ao Ministério Público, como 
 foi requerido, quanto à matéria de arguição da nulidade.
 
                   O Ministério Público é uma magistratura cuja intervenção nas 
 causas civis não se limita apenas, como alguns julgam, a executar as custas 
 processuais.
 
                   No seu estatuto cabe‑lhe velar para que a função jurisdicional 
 se exerça conforme à Lei e à Constituição e fiscalizar concretamente a 
 constitucionalidade das normas como são aplicadas nos tribunais.
 
                   Tal como deve haver vista obrigatória quando algum juiz afasta 
 qualquer norma legal por inconstitucionalidade com recurso obrigatório, também 
 nos parece que o estatuto de magistratura do Ministério Público impõe essa vista 
 quando arguida a nulidade de dissensão com a jurisprudência constitucional.
 
                   Como poderia a magistratura do Ministério Público cumprir a 
 sua alta missão de velar para que os tribunais actuem conforme à Constituição 
 se não lhe for dada vista quando se argua violação por esses tribunais do 
 entendimento que faz o Tribunal Constitucional dos direitos e garantias cravadas 
 na Constituição?
 
                   O pedido de intervenção do Ministério Público nessa arguição 
 foi feito por convicção legal e não por aquilo que se desconhece ter sido a 
 razão de não ter sido dada vista naquele momento e para aquele propósito.
 
                   Não nos parece que a vista automática dada nos tribunais 
 superiores logo que notificada uma decisão final às partes seja suficiente para 
 cobrir a pronúncia que se requer posteriormente em sede de nulidades.
 
                   A circunstância de na vista final o Ministério Público não se 
 pronunciar sobre o desfecho dos processos não equivale a que esteja de acordo 
 com tudo quanto foi decidido, aliás nunca vimos o Ministério Público 
 pronunciar‑se sequer nessa vista final pois não lhe compete interferir em 
 contendas civis, apenas velar pela garantia de cumprimento constitucional dos 
 direitos dos cidadãos se estes se queixarem e requererem a sua intervenção no 
 processo apenas para esse fim.
 
                   A nossa impressão, no momento em que requeremos a interventiva 
 promoção do Ministério Público antes da decisão que recairia sobre a arguição 
 feita, era que o Ministério Público, nos termos do seu estatuto autónomo, 
 deveria ter a oportunidade de se pronunciar, o que não foi entendido pelo 
 despacho que ex abrupto indeferiu a nulidade em poucas linhas, reafirmando a 
 inexistência de violação ao principio constitucional da igualdade com a norma 
 em causa talqualmente interpretada.
 
                   Achamo‑nos no direito de pensar que perante o acórdão 
 constitucional e respectiva jurisprudência conforme de ser sempre admissível 
 recurso em um grau para as condenações em litigância de má fé, salvo em 
 condenações nos tribunais supremos, o Ministério Público não se iria conformar 
 com a inconstitucionalidade da norma como foi aplicada pelo Venerando 
 Presidente da Relação do Porto quanto mais a interpretação dada à norma 
 absolutamente desadequada com esta e insensível ao seu espírito da Lei dos 
 Julgados de Paz, repetimos de «Paz», onde não se coaduna no seu contexto a 
 possibilidade de condenação das suas partes em litigância de má fé.
 
                   Pretender a condenação duma parte que recorre aos julgados de 
 paz em má fé contraria todos os princípios que norteiam essa ordem, havendo, no 
 passado da nossa história do direito, quem defendesse que só poderia ser uma 
 parte condenada em litigância de má fé se o Ministério Público o requeresse para 
 afastar o facilitismo de um juiz embrenhado no calor da contenda se ver atraído 
 por condenar a parte perdedora, quantas vezes injustamente, como se vê na sorte 
 dos recursos julgados procedentes.
 
                   Temos para nós ser um retrocesso na nossa ordem jurídica que o 
 
 «visto de má fé» necessário para se condenar alguém em litigância de má fé tenha 
 desaparecido, sendo hoje recorrente como no nosso caso haver condenação em 
 litigância de má fé duma das partes sem promoção ou até consulta ao Ministério 
 Público.
 
                   No tempo processual em que o «visto de má fé» era 
 imprescindível não se conheciam casos processuais como actualmente em que uma 
 parte acaba por ser condenada em litigância de má fé, por perder a final, depois 
 de ter vencido numa instância intermédia ou inicial de julgamento ou depois de 
 ter carreado para o processo vastíssimas referências doutrinais e 
 jurisprudenciais em seu favor.
 
                   Parafraseando o saudoso Prof. Mota Pinto, um dos nossos 
 maiores juspersonalistas de sempre, digno herdeiro dum outro Doutor Manuel de 
 Andrade, regressamos ao tempo da justiça «à bruta» em que os avanços 
 revolucionários introduzidos no nosso Código Civil pela Reforma de 1966 não são 
 tidos em conta, hoje, pelos nossos tribunais na defesa dos direitos de 
 personalidade.
 
                   Quem fizer um estudo da matéria, perfeitamente revolucionária 
 para a época e ainda hoje, introduzida pelos reformadores de 1966 na secção dos 
 direitos de personalidade e a comparar com outros códigos civis estrangeiros 
 chega à mesma conclusão do espírito desbravador dessa reforma em que tiveram 
 parte activa os maiores juspersonalistas portugueses que muito falta nos fazem.
 
                   O capítulo das cartas‑missivas confidenciais em que nos 
 fundamentamos para mover a acção inicial é simplesmente sem igual no direito 
 comparado quer pela extensão da protecção como pela sistemática dos seus quatro 
 artigos, merecendo elogios rasgados em muita dogmática estrangeira.
 
                   Pena é que a invocação que fizemos desses artigos para nosso 
 direito moral tivesse como resposta de quem nos condenou por litigância de má fé 
 que assim teríamos «descoberto a forma de qualquer cidadão poder impunemente 
 praticar em relação a outro os imagináveis crimes passíveis de serem cometidos 
 por meio de carta a este dirigida».
 
                   Por justiça, importa dizer que quem descobriu a protecção das 
 cartas‑missivas confidenciais não fomos nós mas os brilhantes juspersonalistas 
 que fizeram a reforma do Código Civil nesta e noutras matérias e, em segundo 
 lugar, estes criaram a possibilidade de suprimento judicial obrigatório para a 
 quebra de confidencialidade contra a vontade do autor das cartas, depois de num 
 processo especial e que ainda se mantém especial no nosso Código de Processo 
 Civil serem ponderados os direitos de quem quer quebrar a confidencialidade com 
 os direitos de quem escreveu e o fez na suposição de absoluta confidencialidade, 
 sem a qual não escreveria.
 
                   Os tempos agora são outros … de 1966 até hoje passámos duma 
 era em que se legislava pela confidencialidade de cartas assim o desejasse e 
 mencionasse o seu autor para outra era em que quem assim o faça é visto como 
 vulgar criminoso.
 
                   É a hora de ser dada a palavra ao Tribunal Constitucional.
 
                   Assim seja.
 
                   Conclusões:
 
                   1 – O Ex.mo Presidente da Relação do Porto proferiu despacho 
 em que decide a reclamação apresentada por não subida de recursos, indeferindo 
 as inconstitucionalidades arguidas e aplicando, imprevistamente, o artigo 62.º, 
 n.º 1, da Lei n.º 78/2001, que regula os Julgados de Paz com o duplo sentido de 
 serem recorríveis as decisões do Julgado de Paz que não condenem em litigância 
 de má fé, mas não serem recorríveis as decisões do tribunal de comarca, a 
 funcionar em recurso, de condenação primária em litigância de má fé.
 
                   2 – O aqui reclamante interpôs recurso do Despacho que 
 indeferiu as inconstitucionalidades arguidas para o Tribunal Constitucional e 
 arguiu a nulidade desse Despacho por surpreender o reclamante com uma norma 
 interpretada dum modo que era contrário à jurisprudência pacífica das Relações 
 
 (vide acórdão da Relação do Porto n.º 864/2000 ou acórdão da Relação de Lisboa, 
 de 29 de Junho de 2004, in processo n.º 2205/2003‑7) que não reconhecem 
 legitimidade para se recorrer duma não condenação em má fé e dum outro modo 
 contrário à jurisprudência do Tribunal Constitucional que exige um grau de 
 recurso contra as decisões condenatórias em má fé salvo se em tribunal supremo.
 
                   Nessa arguição de nulidades suscita‑se a evidente 
 inconstitucionalidade da norma assim aplicada.
 
                   3 – O Ex.mo Presidente da Relação do Porto indefere a arguição 
 de nulidade, negando a evidente violação do princípio constitucional da 
 igualdade como fora já aliás decidido em acórdão do Tribunal Constitucional 
 aprovado por unanimidade.
 
                   4 – O aqui reclamante interpôs, também, recurso para o 
 Tribunal Constitucional desse despacho que indefere a nulidade e cita o Acórdão 
 n.º 453/2002 do Tribunal Constitucional em sua defesa.
 
                   5 – O despacho agora reclamado decide que apenas é de seguir o 
 primeiro recurso para o Tribunal Constitucional, satisfazendo o duplo grau de 
 jurisdição, não sendo de admitir o segundo recurso por o duplo grau de 
 jurisdição já ficar cumprido com o conhecimento do primeiro e por a arguição de 
 nulidade ter sido indeferida.
 
                   6 – O reclamante não satisfeito apenas com a subida do 
 primeiro recurso para o Tribunal Constitucional reclama para a conferência deste 
 em nome da teoria da imprevisibilidade da invocação de norma ou sentido 
 normativo por uma decisão final, a fim de que lhe seja também admitido o 
 segundo recurso pela conferência, porquanto as normas ou sentidos normativos que 
 viciem as decisões finais dos processos são arguíveis de inconstitucionalidade 
 posteriormente, não podendo ser antes por os recorrentes não serem obrigados a 
 antever o cometimento de crassas inconstitucionalidades nas decisões finais como 
 melhor se lê e compreende no Acórdão n.º 709/98 aprovado unanimemente pelo 
 Tribunal Constitucional.
 
                   7 – Requer‑se conclusão ao Presidente do Tribunal 
 Constitucional para que determine a intervenção do plenário de juízes, pois a 
 natureza da questão se são ou não recorríveis as inconstitucionalidades arguidas 
 depois das decisões finais assim o impõe, de modo que se solidifiquem os 
 critérios pelos quais serão de admitir recursos para o Tribunal Constitucional 
 por inconstitucionalidade de normas aplicadas nas decisões finais, visto como 
 seria pernicioso que pudesse acolher‑se a tese de que normas ou sentidos 
 normativos inconstitucionais e contrários mesmo à jurisprudência do Tribunal 
 Constitucional não fossem recorríveis, apenas ao constarem de decisões finais, 
 impossibilitando a sua arguição prévia aos recorrentes.
 
                   Pede‑se ao Tribunal Constitucional o deferimento desta 
 reclamação com a admissão da subida dos dois recursos e não apenas do primeiro 
 recurso como ocorreria se esta reclamação fosse indeferida.”
 
                   
 
                                     1.9. Neste Tribunal, o representante do 
 Ministério Público emitiu o seguinte parecer:
 
  
 
                   “Sendo manifesta a falta de pressupostos processuais de 
 admissão do recurso para o Tribunal Constitucional, a que acresce o facto de não 
 operar de modo minimamente relevante a ocorrência de decisões imprevisíveis, que 
 dispensassem o ónus de suscitação prévia das questões de constitucionalidade, 
 afigura‑se‑me que a presente reclamação deverá ser indeferida.”
 
  
 
                                     Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                                     2. Como resulta do precedente relatório, na 
 presente reclamação está apenas em causa o despacho de 27 de Abril de 2007 (fls. 
 
 127) do Presidente do Tribunal da Relação do Porto, que não admitiu o recurso 
 interposto para o Tribunal Constitucional, pelo ora reclamante, em 19 de Abril 
 de 2007 (fls. 126), contra o despacho da mesma entidade, de 30 de Março de 2007 
 
 (fls. 123), que desatendeu a arguição de nulidade, deduzida em 26 de Março de 
 
 2007 (fls. 120), contra o despacho de 10 de Março de 2007 (fls. 114 a 117), que 
 indeferiu a reclamação apresentada nos termos do artigo 688.º do CPC.
 
                                     Não está, assim, em causa, na presente 
 reclamação, a admissibilidade do recurso para o Tribunal Constitucional, 
 interposto em 26 de Março de 2007 (fls. 120 e 121), contra o referido despacho 
 de 10 de Março de 2007 (fls. 114 a 117), recurso esse cuja admissão, aliás, o 
 reclamante, na presente reclamação, por mais de uma vez dá por assente (embora 
 não tenhamos detectado nos presentes autos qualquer despacho a admiti‑lo). 
 
                                     O recurso cuja admissibilidade está ora em 
 causa foi interposto ao abrigo das alíneas b) e g) do n.º 1 do artigo 70.º da 
 LTC, pretendendo o recorrente ver apreciada, a coberto da primeira alínea, a 
 constitucionalidade da interpretação da norma do artigo 62.º, n.º 1, da Lei n.º 
 
 78/2001, de 13 de Julho, no sentido de que há legitimidade para interpor recurso 
 de uma decisão do Julgado de Paz que indefere o pedido de condenação da parte 
 contrária em litigância de má fé, mas não há legitimidade para o condenado em 
 litigância de má fé interpor recurso da decisão que o condene, pela única vez, 
 proferida pelo tribunal de comarca a funcionar como tribunal de recurso, o que 
 violaria o princípio constitucional da igualdade; e, a coberto da segunda 
 alínea, a constitucionalidade da norma que não permite o recurso das decisões 
 que pela primeira vez condenam uma parte em litigância de má fé, pelo tribunal 
 de comarca a funcionar como instância de recurso dos julgados de paz, o que 
 contrariaria a declaração de inconstitucionalidade constante do Acórdão n.º 
 
 453/2002 do Tribunal Constitucional.
 
                                     É manifesta a inadmissibilidade do recurso 
 assim delineado, pois a decisão recorrida não fez aplicação, como ratio 
 decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais.
 
                                     O despacho impugnado, de 30 de Março de 
 
 2007, limitou‑se a constatar que não constitui causa de nulidade de decisão 
 judicial a circunstância de pretensamente não ter seguido um anterior acórdão da 
 mesma Relação. A norma aplicada foi, assim, a do artigo 668.º, n.º 1, do CPC, 
 que enumera as nulidades das sentenças, aplicável aos despachos por força do n.º 
 
 3 do artigo 666.º do mesmo Código.
 
                                     Não tendo o despacho recorrido feito 
 aplicação das normas cuja constitucionalidade o reclamante pretende ver 
 apreciada, é manifesta a inadmissibilidade do presente recurso, o que dispensa a 
 indagação da verificação dos restantes requisitos específicos dos recursos 
 interpostos: quanto ao interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º 
 da LTC, ter o recorrente suscitado a questão de inconstitucionalidade, de forma 
 processualmente adequada, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, 
 antes de esta ter sido emitida; e, quanto ao interposto ao abrigo da alínea g) 
 do mesmo preceito, existir identidade entre a norma aplicada na decisão 
 recorrida e a norma anteriormente julgada inconstitucional pelo Tribunal 
 Constitucional.
 
                                     Apenas se acrescentará que são de todo 
 irrelevantes as considerações tecidas pelo reclamante quanto à admissibilidade 
 do recurso relativo à condenação por litigância de má fé, pois o recurso 
 interposto dessa decisão (de 15 de Julho de 2005) do 1.º Juízo do Tribunal de 
 Pequena Instância Cível do Porto para o Tribunal da Relação do Porto foi 
 admitido por despacho de 22 de Novembro de 2005 (fls. 274 do processo principal 
 e 34 destes autos), estando o seguimento desse recurso apenas dependente do 
 pagamento, pelo recorrente, da taxa de justiça e da multa em dívida (cf. 
 despacho de 12 de Outubro de 2006, a fls. 346 a 349 do processo principal e 89 a 
 
 92 destes autos) ou do reconhecimento de que esse pagamento afinal não é devido 
 
 (caso o recurso deste último despacho viesse a ser admitido e a obter 
 provimento). O objecto da reclamação para o Presidente da Relação do Porto 
 respeitava apenas à não admissão dos recursos interpostos do referido despacho 
 de 12 de Outubro de 2006 (que determinara a notificação do recorrente para pagar 
 a taxa de justiça e a multa em dívida) e de parte da fundamentação do despacho 
 de 9 de Novembro de 2006 (que não admitira o recurso anterior), nada tendo a ver 
 com as questões relacionadas com a condenação do recorrente como litigante de má 
 fé, que – repete‑se – constituem objecto de outro recurso para o Tribunal da 
 Relação do Porto, recurso que foi admitido.
 
                                     
 
                                     3. Em face do exposto, acordam em indeferir 
 a presente reclamação.
 
                                     Custas pelo reclamante, fixando‑se a taxa de 
 justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
 Lisboa, 19 de Junho de 2007.
 Mário José de Araújo Torres 
 João Cura Mariano
 Rui Manuel Moura Ramos