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Processo nº 1155/2007
 Plenário
 Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral
 
  
 Acordam no Plenário do Tribunal Constitucional
 
  
 I
 Relatório
 
  
 
 1.  O requerimento do Ministério Público
 O representante do Ministério Público junto deste Tribunal veio requerer, nos 
 termos do artigo 82º da Lei nº 28/82, que o Tribunal Constitucional aprecie e 
 declare, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma extraída 
 das disposições conjugadas do artigo 119º, nº 1, alínea a), do Código Penal e do 
 artigo 336º, nº 1, do Código de Processo Penal, ambos na redacção originária, na 
 interpretação segundo a qual a prescrição do procedimento criminal se suspende 
 com a declaração de contumácia.
 
  
 Diz‑se, a fundamentar o pedido, que “tal dimensão normativa foi julgada 
 inconstitucional, por violação do artigo 29º, nºs 1 e 3, da Constituição da 
 República Portuguesa através do Acórdão nº 110/2007 e das decisões sumárias nºs 
 
 379/07 e 576/07”. E acrescenta‑se ainda que o facto de o pedido se reportar a 
 uma norma já revogada não exclui o interesse processual da fiscalização 
 abstracta sucessiva dado “o elevado número de situações em que vem sendo 
 convocada a dita questão de constitucionalidade, bem ilustrada pelo número de 
 processos que têm vindo a ser distribuídos neste Tribunal Constitucional” e 
 ainda “o facto de se ter sedimentado uma divergência de entendimentos, expressa 
 no Acórdão nº 524/07, que considerou desprovida de natureza normativa tal 
 questão de constitucionalidade, abstendo-se, em consequência, de conhecer do 
 mérito do recurso – e sendo inviável dirimir os diferentes entendimentos, 
 expressos nos citados acórdãos nºs 110/07 e 524/07, através da interposição do 
 recurso para o Plenário, previsto no artigo 79º-D da Lei do Tribunal 
 Constitucional – o que poderá criar dificuldades para através da fiscalização 
 concreta, os interessados terem plena possibilidade de, com eficácia, verem 
 sempre acautelados os seus direitos e interesses, através da obtenção de uma 
 decisão de mérito sobre a questão de constitucionalidade suscitada”.
 
  
 Termina o representante do Ministério Público pedindo “a apreciação e declaração 
 de inconstitucionalidade com força obrigatória geral da norma extraída das 
 disposições do artigo 119.º, n.º 1 alínea a) do Código Penal e do artigo 336.º, 
 n.º 1, do Código de Processo Penal”. 
 
  
 
             
 
 2.  A resposta do órgão autor da norma
 Notificado o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça para os efeitos do 
 disposto nos artigos 54.º e 55.º, n.º 3 da Lei n.º 28/82, nenhuma resposta veio 
 a ser por ele apresentada.
 
  
 
  
 
 3.  O Memorando 
 Elaborado pelo Presidente do Tribunal o memorando a que se refere o artigo 63º 
 da Lei do Tribunal Constitucional, e tendo este sido submetido a debate nos 
 termos do nº 2 do referido preceito, cumpre agora decidir de acordo com a 
 orientação que o Tribunal fixou.
 
  
 II
 Fundamentos
 
  
 
 4.  A delimitação do objecto do processo
 A questão que se coloca é a de saber se terá ou não havido uma violação do 
 princípio da legalidade criminal a que alude a Constituição da República 
 Portuguesa nos números 1 e 3 do artigo 29.º, violação essa geradora de 
 inconstitucionalidade da norma extraída das disposições conjugadas do artigo 
 
 119º, nº 1, alínea a), do Código Penal e do artigo 336º, nº 1, do Código de 
 Processo Penal, ambos na redacção originária, na interpretação segundo a qual a 
 prescrição do procedimento criminal se suspende com a declaração de contumácia.
 
  
 Como se sabe, o instituto da suspensão de prescrição do procedimento criminal – 
 pela primeira vez previsto na reforma de 1972 do Código Penal de 1886 – veio a 
 ser introduzido no artigo 119º, nº 1, do Código Penal de 1982. O teor do 
 referido preceito era o seguinte: 
 
 1. A prescrição do procedimento criminal suspende‑se, para além dos casos 
 especialmente previstos na lei, durante o tempo em que:
 a)  O procedimento criminal não possa legalmente iniciar‑se ou não possa 
 continuar por falta de uma autorização legal ou de uma sentença prévia a 
 proferir por tribunal não penal, ou por efeito da devolução de uma questão 
 prejudicial para juízo não penal;
 b)  O procedimento criminal esteja pendente, a partir da notificação do despacho 
 de pronúncia ou equivalente, salvo no caso de processo de ausentes;
 c)  O delinquente cumpra no estrangeiro uma pena ou uma medida de segurança 
 privativa da liberdade.
 
  
 Em 1987 veio a ser aprovado o Código de Processo Penal que, por sua vez, criou 
 uma figura processual nova, a “declaração de contumácia”, dispondo no artigo 
 
 336.º, n.º 1, o seguinte: 
 A declaração de contumácia é da competência do presidente e implica a suspensão 
 dos termos ulteriores do processo até à apresentação ou à detenção do arguido, 
 sem prejuízo da realização de actos urgentes nos termos do artigo 320.º.
 
  
 A aprovação deste preceito gerou a interpretação de que a declaração de 
 contumácia prevista no artigo 336.º, n.º 1, do Código de Processo Penal seria 
 uma causa de suspensão da prescrição para os efeitos do artigo 119.º, n.º1, do 
 Código Penal. 
 Surgiu, também, a interpretação contrária no sentido de que tal interpretação 
 não seria possível e que a declaração de contumácia não poderia integrar a 
 previsão do artigo 119.º, n.º 1.
 A divergência jurisprudencial acabou por dar origem ao Assento n.º 10/2000 
 
 (publicado no Diário da República, 1ª Série-A, de 10 de Novembro de 2000) que 
 fixou a seguinte jurisprudência:  
 No domínio da vigência do Código Penal de 1982 e do Código de Processo Penal de 
 
 1987, a declaração de contumácia constituía causa de suspensão da prescrição do 
 procedimento criminal.
 
             
 A questão que em sede de fiscalização da constitucionalidade se coloca é a de 
 saber se será ou não conforme ao princípio da legalidade criminal, consagrado no 
 artigo 29.º, nos 1 e 3 da Constituição, admitir que, à luz do Código Penal de 
 
 1982 e do Código de Processo Penal de 1987, a declaração de contumácia constitua 
 causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal.
 
  
 Poderá, porém, questionar-se se tal problema relativo ao âmbito do princípio da 
 legalidade criminal se insere no domínio da actividade do Tribunal 
 Constitucional. 
 
  
 Esta questão não tem sido objecto de jurisprudência uniforme e tem suscitado 
 dois tipos de resposta de que são paradigmáticos os Acórdãos 110/07 e 524/07, os 
 dois contrários um ao outro e ambos com votos de vencido.  
 
  
 Assim, no Acórdão n.º 110/07 a segunda secção do Tribunal Constitucional 
 decidiu: 
 Julgar inconstitucional, por violação do artigo 29.º, n.ºs 1 e 3, da 
 Constituição da República, a norma extraída das disposições conjugadas do artigo 
 
 119.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, e do artigo 336.º, n.º 1, do Código de 
 Processo Penal, ambos na redacção originária, na interpretação segundo a qual a 
 prescrição do procedimento criminal se suspende com a declaração de contumácia.
 
             
 Pelo contrário, no Acórdão n.º 524/07, a primeira secção do Tribunal 
 Constitucional entendeu que não podia tomar conhecimento do recurso, isto é, que 
 não podia apreciar a questão de constitucionalidade que se suscitara nas 
 instâncias: 
 Nestes termos, acordam, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional, em não tomar 
 conhecimento do objecto do recurso.
 
             
 Havendo pelo menos duas decisões sumárias favoráveis a uma das duas posições 
 
 (vejam-se, nomeadamente, as decisões sumárias nºs 379/07 e 576/07), estão 
 reunidas as condições para que a questão se possa decidir em sede de 
 fiscalização abstracta, nos termos do artigo 281.º, n.º 3 da Constituição da 
 República Portuguesa e do artigo 82º da Lei do Tribunal Constitucional.
 
  
 Vejamos pois os termos em que o problema se coloca.
 
  
 Sabe-se que a Constituição não acolheu um sistema de recurso de amparo ou de 
 queixa constitucional mas sim um sistema de fiscalização normativa da 
 constitucionalidade, que impede que o Tribunal conheça de actos (não normativos) 
 dos poderes públicos que sejam directamente lesivos de direitos fundamentais, 
 constitucionalmente tutelados. Nessa medida, não pode também o Tribunal conhecer 
 da eventual inconstitucionalidade de decisões judiciais em si mesmas tomadas.
 
  
 Mantém-se exemplar, a este propósito, a explicação do Acórdão n.º 674/99 
 
 (publicado no Diário da República, II Série, de 25 de Fevereiro de 2000) que foi 
 recentemente transcrito no já citado Acórdão n.º 524/07 e que aqui se repete: 
 
 […] mesmo que se entendesse que este Tribunal ainda era competente para conhecer 
 das questões de inconstitucionalidade resultantes do facto de se ter procedido a 
 uma constitucionalmente vedada integração analógica ou a uma operação 
 equivalente, designadamente a uma interpretação ‘baseada em raciocínios 
 analógicos’, o que sempre se terá por excluído é que o Tribunal Constitucional 
 possa sindicar eventuais interpretações tidas por erróneas, efectuadas pelos 
 tribunais comuns, com fundamento em violação do princípio da legalidade.[…] 
 
 […] Aliás, se assim não fosse, o Tribunal Constitucional passaria a controlar, 
 em todos os casos, a interpretação judicial das normas penais (ou fiscais), já 
 que a todas as interpretações consideradas erróneas pelos recorrentes poderia 
 ser assacada a violação do princípio da legalidade em matéria penal (ou fiscal). 
 E, em boa verdade, por identidade lógica de raciocínio, o Tribunal 
 Constitucional, por um ínvio caminho, teria que se confrontar com a necessidade 
 de sindicar toda a actividade interpretativa das leis a que necessariamente se 
 dedicam os tribunais – designadamente os tribunais supremos de cada uma das 
 respectivas ordens –, uma vez que seria sempre possível atacar uma norma 
 legislativa, quando interpretada de forma a exceder o seu ‘sentido natural’ (e 
 qual é ele, em cada caso concreto?), com base em violação do princípio da 
 separação de poderes, porque mero produto de criação judicial, em contradição 
 com a vontade real do legislador; e, outrossim, sempre que uma tal interpretação 
 atingisse norma sobre matéria da competência legislativa reservada da Assembleia 
 da República, ainda se poderia detectar cumulativamente, nessa mesma ordem de 
 ideias, a existência de uma inconstitucionalidade orgânica.
 Ora, um tal entendimento – alargando de tal forma o âmbito de competência do 
 Tribunal Constitucional – deve ser repudiado, porque conflituaria com o sistema 
 de fiscalização da constitucionalidade, tal como se encontra desenhado na Lei 
 Fundamental, dado que esvaziaria praticamente de conteúdo a restrição dos 
 recursos de constitucionalidade ao conhecimento das questões de 
 inconstitucionalidade normativa.
 
  
 Tudo isto é verdade e terá de se manter como boa jurisprudência.
 
   
 De facto, como se disse, não vigora entre nós um sistema de recurso de amparo ou 
 de queixa constitucional, existindo, sim, um sistema de fiscalização normativa 
 da constitucionalidade que não permite que o Tribunal conheça do mérito 
 constitucional do acto casuístico de subsunção de um pormenorizado conjunto de 
 factos concretos na previsão abstracta de uma certa norma legal.
 
  
 Contudo, o problema que agora se coloca − que é o de saber se não haverá 
 porventura uma violação do princípio da legalidade criminal quando se considera 
 que a declaração de contumácia constituía uma causa de suspensão da prescrição à 
 luz do artigo 119.º n.º 1 do Código Penal de 1982 e do artigo 336.º, n.º 1 do 
 Código de Processo Penal de 1987 − tem uma especificidade que não poderá ser 
 negligenciada. 
 
  
 Esta especificidade do problema poderá ser explicada partindo de uma distinção 
 metodológica relativa ao referente da norma legal. 
 
  
 As normas podem referir-se (i) a factos concretos cujo circunstancialismo 
 envolvente será sempre inabarcável, podem também referir-se (ii) a realidades 
 típicas não configuradas pelo legislador e podem, ainda, referir-se (iii) a 
 meras categorias normativas fixadas por lei (sobre o “referente” da linguagem 
 jurídica como realidade autonomamente constituída no domínio do direito e que 
 não se identifica necessariamente com a realidade em si mesma, Castanheira 
 Neves, O actual problema metodológico da interpretação jurídica, Coimbra 2003, 
 p. 251-268). 
 Esta diferença é processualmente relevante. 
 
  
 Se no primeiro caso é líquido que a determinação do referente da norma (factos 
 concretos) está fora do domínio de actividade do Tribunal Constitucional, já o 
 mesmo não se poderá dizer, com igual certeza, no segundo caso em que o referente 
 são factos típicos com um elevado grau de abstracção e, menos ainda, no terceira 
 hipótese em que o referente sejam categorias legais. 
 
  
 O sistema português de fiscalização da constitucionalidade inclui a 
 possibilidade de apreciar a validade daquilo que geralmente se designam como 
 interpretações normativas, admitindo o artigo 80º, nº 3, da Lei do Tribunal 
 Constitucional a possibilidade de “o juízo de constitucionalidade sobre a norma 
 que a decisão tiver aplicado, ou a que tiver recusado aplicação, se fundar em 
 determinada interpretação dessa mesma norma”. 
 
  
 O controlo de constitucionalidade das “interpretações normativas”, assim 
 admitido, não atribui, porém, ao Tribunal a competência que ele não pode ter, 
 desde logo face ao disposto no artigo 221º da Constituição. Um “tribunal ao qual 
 compete especificamente administrar a justiça em matérias de natureza 
 jurídico‑constitucional” não pode, evidentemente, transformar‑se em instância 
 revisora do modo como os demais tribunais interpretam e aplicam o direito 
 infra‑constitucional, substituindo‑se‑lhes na tarefa (que exclusivamente lhes 
 pertence) de subsunção de certos factos a certo tipo de determinação legal. Tal 
 em caso algum poderá ocorrer; tal não ocorre seguramente no caso agora sub 
 judice.
 
  
 Com efeito, e ao invés do que sucede quando se pergunta se determinado conjunto 
 de factos concretos é ou não susceptível de subsunção num determinado tipo 
 legal, quando se pergunta se a declaração de contumácia é ou não susceptível de 
 integrar o universo das causas legais de suspensão da prescrição, não se está a 
 determinar se uma expressão legal é ou não susceptível de ter como referente um 
 determinado conjunto de factos concretos, mas sim um acto processual legalmente 
 definido de forma geral e abstracta. O referente é pois, em primeira linha, o 
 conteúdo geral e abstracto de uma norma legal e não um conjunto de factos 
 concretos ou típicos.
 
  
 Não se pergunta se um determina facto concreto com todo o seu circunstancialismo 
 se pode incluir no âmbito da norma. A esta pergunta não pode o Tribunal 
 Constitucional responder. 
 
  
 Não se coloca aqui, sequer, a questão de saber se um determinado facto típico 
 dotado já de um grau médio de abstracção está abrangido pelo âmbito de uma norma 
 
 − que era o que sucederia, por exemplo, se se perguntasse se a “energia 
 eléctrica” se pode considerar uma “coisa móvel” ou se o “ácido” se poderá 
 considerar uma “arma” para efeitos de um determinado tipo de crime (veja-se 
 Figueiredo Dias, Direito penal. Parte geral, Tomo I: Questões Fundamentais. A 
 Doutrina Geral do Crime, 2ª ed. Coimbra 2007, p. 188 s.).  
 
  
 Pergunta-se, sim, se um acto processual normativamente inventariado em termos 
 gerais e abstractos pela lei – a “declaração de contumácia” – é, ou não, 
 passível de ser assimilado pelos conceitos utilizados pelo texto do artigo 119.º 
 na versão originária de 1982 e, em especial, se ela se poderá configurar como um 
 
 “caso de suspensão da prescrição especialmente previsto na lei” ou como uma 
 hipótese de “falta de autorização legal para continuar o procedimento”.  
 
              
 Trata-se apenas de saber se − em abstracto − será possível incluir o conteúdo 
 normativo constante de uma norma – o artigo 336.º do Código de Processo Penal – 
 no conteúdo normativo constante de outra norma – o artigo 119.º, n.º 1, do 
 Código Penal, na versão originária de 1982.
 
  
 Assim, os argumentos fundamentais invocados para não conhecer das eventuais 
 violações do princípio da legalidade não valem para este caso em que o possível 
 referente da norma é uma outra norma geral e abstractamente fixada por lei.
 
  
 Note-se que, a este respeito, é indiferente entender (como fez o Supremo 
 Tribunal de Justiça no Assento n.º 10/2000) que se trata de uma interpretação da 
 norma legal do artigo 119.º do Código Penal ou pelo contrário de uma norma 
 implícita (conjecturada porventura segundo o método previsto no artigo 10.º, n.º 
 
 3, do Código Civil) como parece decorrer do já referido acórdão do Tribunal 
 Constitucional n.º 110/07.    
 
  
 De facto, mantém-se válido o que se explicou no Acórdão n.º 205/99, a respeito 
 da questão de saber se violava ou não o princípio da legalidade considerar a 
 declaração de contumácia como uma causa de interrupção da prescrição para 
 efeitos do artigo 120.º, n.º 1, alínea a) do CP: 
 Questão afim da anterior é a de saber se o objecto do recurso é efectivamente o 
 artigo 120.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal ou antes uma norma construída 
 pelo julgador através de um processo de integração de lacuna por analogia, nos 
 termos do artigo 10.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil. Note‑se, porém, que em 
 ambos os casos estaremos confrontados com uma norma cuja conformidade à 
 Constituição é sindicável perante o Tribunal Constitucional. Na primeira 
 hipótese, concluir‑se‑á que a aplicação analógica ainda constitui uma actividade 
 interpretativa, em sentido amplo, dando como resultado uma certa dimensão 
 normativa que pode contrariar normas ou princípios constitucionais. Na segunda 
 hipótese, estará em causa uma norma não escrita igualmente susceptível de 
 afrontar a Constituição quer quanto ao seu conteúdo quer quanto à sua génese (a 
 circunstância de ser obtida mediante uma aplicação analógica vedada pelo artigo 
 
 29.º, n.ºs 1 e 3, da Constituição feri‑la‑á de inconstitucionalidade material).
 Todavia, esta questão acaba por ser de cunho puramente teorético na medida em 
 que estará sempre em causa a questão de saber se é compatível com a Constituição 
 a norma que determina a interrupção da prescrição obtida a partir do artigo 
 
 120.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal. E, independentemente de estar em causa 
 uma interpretação extensiva ou aplicação analógica desta norma legal, o que se 
 pergunta é se a norma, dimensão, sentido ou interpretação obtidos contrariam ou 
 não, na sua génese, o princípio da legalidade e, em concreto, a exigência de lex 
 certa que lhe é ínsita.”
 
             
 Nos acórdãos n.os 412/2003 e 110/2007, o Tribunal Constitucional entendeu que, 
 para que houvesse um objecto apto à apreciação da constitucionalidade, bastaria 
 que se estivesse perante 
 um critério normativo, dotado de elevada abstracção e susceptível de ser 
 invocado e aplicado a propósito de uma pluralidade de situações concretas. 
 
             
 Seria pois necessário que a questão se colocasse com um grau suficiente de 
 generalidade e abstracção, de tal modo que se pudesse dizer que se trataria de 
 uma interpretação normativa que não dependeria do circunstancialismo concreto 
 dos factos. 
 
  
 Se admitimos que este critério possa gerar dúvidas no que respeita a realidades 
 típicas sem previsão legal, já o mesmo não se poderá dizer quando está em causa 
 uma figura processual abstracta normativamente prevista como é o caso da 
 declaração de contumácia.    
 Nestes termos, está o Tribunal Constitucional habilitado a tomar conhecimento da 
 questão da constitucionalidade que aqui se coloca quer o objecto do processo 
 seja entendido como uma interpretação normativa do artigo 119.º do Código Penal 
 de 1982, quer seja entendido como norma extraída das disposições conjugadas do 
 artigo 119.º, nº 1, do Código Penal e do artigo 336.º, nº 1, do Código de 
 Processo Penal, ambos na redacção originária, na interpretação segundo a qual a 
 prescrição do procedimento criminal se suspende com a declaração de contumácia 
 
 (sobre o problema das “normas implícitas” como objecto idóneo de fiscalização da 
 constitucionalidade, Rui Medeiros, “A Força expansiva do conceito de norma no 
 sistema português de fiscalização concentrada da constitucionalidade”, in 
 Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Armando Marques Guedes, Lisboa, 2004, p. 
 
 187 ss., esp., p. 193 s., onde se “recoloca” o problema da fiscalização do 
 cumprimento do princípio da legalidade criminal por parte do Tribunal 
 Constitucional).            
 
  
 
  
 
 5.  A questão da violação do princípio constitucional da legalidade criminal
 Tudo está pois em saber se foi ou não efectivamente violado o princípio da 
 legalidade criminal. Este princípio resulta dos artigos 29.º, n. 1 e 3, da 
 Constituição da República Portuguesa: 
 Ninguém pode ser sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior que 
 declare punível a acção ou a omissão, nem sofrer medida de segurança cujos 
 pressupostos não estejam fixados em lei anterior” e “Não podem ser aplicadas 
 penas ou medidas de segurança que não estejam expressamente cominadas em lei 
 anterior. 
 
  
 O princípio aqui consignado é um “princípio-garantia”; visa, portanto, 
 
 “instituir directa e imediatamente uma garantia dos cidadãos” (Gomes Canotilho, 
 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª ed., p. 1167). 
 
  
 Não se trata, pois, apenas de um qualquer princípio constitucional mas de uma 
 
 “garantia dos cidadãos”, uma garantia que a nossa Constituição – ao invés de 
 outras que a tratam a respeito do exercício do poder jurisdicional – 
 explicitamente incluiu no catálogo dos direitos, liberdades e garantias 
 relevando, assim, toda a carga axiológico-normativa que lhe está subjacente. Uma 
 carga que se torna mais evidente quando se representa historicamente a 
 experiência da inexistência do princípio da legalidade criminal na Europa do 
 Antigo Regime e nos Estados totalitários do século XX (cf. Figueiredo Dias, 
 Direito Penal. Parte Geral, I, p. 178). 
 Nos Estados de Direito democráticos, o Direito penal apresenta uma série de 
 limites garantísticos que são, de facto, verdadeiras “entorses” à eficácia do 
 sistema penal; são reais obstáculos ao desempenho da função punitiva do Estado. 
 
 É o que sucede, por exemplo, com o princípio da culpa, com o princípio da 
 presunção de inocência, com o direito ao silêncio e, também, com o princípio da 
 legalidade (nullum crimen sine lege certa). Estes princípios e direitos parecem 
 não ter qualquer cabimento na lógica da prossecução dos interesses 
 político-criminais que o sistema penal serve. Estão, todavia, carregados de 
 sentido: são a mais categórica afirmação que, para o Direito, a liberdade 
 pessoal tem sempre um especial valor mesmo em face das prementes exigências 
 comunitárias que justificam o poder punitivo. 
 
  
 Não se pense pois que estamos perante um princípio axiologicamente neutro ou de 
 uma fria indiferença ética, que não seja portador de qualquer valor substancial. 
 
 
 
  
 O facto de o princípio da legalidade exigir que num momento inicial do processo 
 de aplicação se abstraia de qualquer fim ou valor decorre de uma opção 
 
 “axiológica” de fundo que é a de, nas situações legalmente imprevistas, colocar 
 a liberdade dos cidadãos acima das exigências do poder punitivo.  
 
  
 Assim se justifica que nem mesmo os erros e falhas do legislador possam ser 
 corrigidos pelo intérprete contra o arguido.  
 
  
 
 É o que bem explica Figueiredo Dias (Direito Penal. Parte Geral, Tomo I, 
 
 2ª ed., p. 180): 
 Esquecimentos, lacunas, deficiências de regulamentação ou de redacção funcionam, 
 por isso, sempre contra o legislador e a favor da liberdade, por mais evidente 
 que se revele ter sido intenção daquele (ou constituir finalidade da norma) 
 abranger na punibilidade também outros comportamentos. Neste sentido se tornou 
 célebre a afirmação de v. Liszt segundo a qual a lei penal constitui a magna 
 Charta do criminoso.
 
  
 No mesmo sentido, diz Taipa de Carvalho (Direito Penal, I, Porto 2003, 
 p. 210 s.): 
 O texto legal constitui, porém, um limite às conclusões interpretativas 
 teleológicas, no sentido de impedir a aplicação da norma a uma situação que não 
 esteja abrangida pelo teor literal da norma, isto é, por um ou vários 
 significados da(s) palavra(s) do texto legal. Poder-se-á dizer que, assim, 
 ficarão, por vezes, fora do âmbito jurídico-penal situações tão ou mais graves 
 do que as expressamente abrangidas pela norma legal (…). Responde-se que assim 
 
 é, e tem de ser quer em nome da tal garantia política do cidadão quer na linha 
 do carácter fragmentário do direito penal.
 
  
 A amplitude do processo hermenêutico e argumentativo de aplicação da lei penal 
 encontra aqui, na moldura semântica do texto, uma barreira intransponível − uma 
 barreira que apenas se explica pela preferência civilizacional que o Direito 
 concede à liberdade pessoal sobre a necessária realização das finalidades 
 político‑criminais que justificam a instituição do sistema penal e que está na 
 base da especial força normativa que a nossa Constituição concede à garantia 
 pessoal de não punição fora do domínio da legalidade, ao inclui-la no catálogo 
 dos direitos, liberdades e garantias (artigo 29.º, n.º 1 e 3 da Constituição da 
 República Portuguesa).   
 
  
 No domínio da legalidade criminal, a linguagem da lei perde o sentido pragmático 
 que geralmente tem no âmbito do direito para, excepcionalmente, se conter dentro 
 de um sentido semântico que abstrai da concreta teleologia da norma legal. Isto 
 em nome da garantia da liberdade ético-pessoal que se situa no cerne da 
 teleologia última do Direito. 
 
  
 Saliente-se, aliás, que os autores que, no domínio do direito criminal, 
 expressamente criticam o modelo da subsunção, e que apelam para uma metodologia 
 hermeneuticamente aberta em que a analogia desempenhe um papel nuclear, são 
 extremamente rigorosos no que respeita ao cumprimento do princípio da 
 legalidade. É assim que eles entendem que os “sentidos literais possíveis” do 
 texto são um limite garantístico relevante, mas insuficiente! (veja-se, por 
 exemplo, Arthur Kaufmann, Filosofia do Direito, p. 191, n. 55). O que significa 
 que se em geral, no Direito penal, a analogia tem um papel ampliador das 
 soluções previstas pelo legislador, nos domínios garantidos pelo princípio da 
 legalidade criminal só poderá ter um papel limitador obrigando a reduzir a 
 moldura do texto legal ao âmbito necessariamente mais restrito do “tipo de 
 ilícito”.  
 
    
 Pode colocar-se a questão de saber se as causas de suspensão da prescrição 
 estão, ou não, abrangidas por este princípio-garantia da legalidade criminal. Na 
 Alemanha, por exemplo,, esta matéria tem sido excluída do âmbito da garantia 
 constitucional da legalidade, por se considerar a prescrição como mero 
 pressuposto processual que se refere exclusivamente às condições de exercício da 
 acção penal (assim Leibholz/Rink, Grundgesetz Kommentar, Art. 103., Köln, 
 
 1975/2005,  Rz. 1492; sobre a aceitação generalizada da prescrição como mero 
 pressuposto processual na jurisprudência, Lemke, in Strafrechtgesetzbuch, hrsg. 
 Kindhäuser/ /Neumann/Paeffgen, Bd 1, 2. Aufl., 2005, p. 2146). 
 
  
 Como explica Claus Roxin, a natureza da “prescrição” não é irrelevante, pois 
 dela depende a aplicabilidade do princípio da legalidade que “se limita ao 
 direito penal substantivo” (Strafrecht, 3. Aufl., 1997, p. 912 s.). 
 
  
 A posição da nossa doutrina é porém diferente. Ela admite, e bem, que a 
 prescrição tem, pelo menos em parte, uma natureza substantiva (sobre a dupla 
 natureza processual e substantiva do instituto da prescrição, Jorge de 
 Figueiredo Dias, Direito Penal Português. Parte Geral, II, As Consequências 
 Jurídicas do Crime, Coimbra 1993, p. 698 ss. e Germano Marques da Silva, Direito 
 Penal Português, III, Lisboa 1999, p. 225), sendo certo que se considera em 
 geral que o princípio da legalidade se deverá impor sempre que ele funcione como 
 garantia do arguido, ou seja, sempre que a ultrapassagem do sentido semântico da 
 norma criminal funcione contra o arguido. É o que parece resultar das palavras 
 de Figueiredo Dias: 
 Depois do que ficou dito, torna-se evidente que o argumento de analogia, 
 largamente admitido na generalidade dos ramos do direito tem em direito penal de 
 ser proibido, por força do conteúdo de sentido do princípio da legalidade, 
 sempre que este funcione contra o agente e vise servir a fundamentação ou 
 agravação da sua responsabilidade (Direito penal, p. 187).
 
  
 Assim sendo, tudo está em saber se a interpretação normativa que foi dada ao 
 artigo 119.º, n.º 1, do Código Penal na versão originária de 82 respeita ou não 
 os limites do princípio da legalidade criminal, equacionando‑se do seguinte modo 
 o problema agora colocado: pode o artigo 336.º do CPP ser considerado − 
 juridicamente − como um “caso especialmente previsto na lei” de suspensão da 
 prescrição ou de “falta de autorização legal” para efeitos do artigo 119.º, n.º 
 
 1, alínea a), do CP de 1982?
 Diz a este respeito o Assento n.º 1/2000: 
 Como resulta do conteúdo das actas, nenhum membro da comissão revisora entendeu 
 que a situação de contumácia poderia ser abrangida nos segmentos «o procedimento 
 criminal não possa legalmente iniciar-se ou não possa continuar por falta de uma 
 autorização legal» ou nos «casos especialmente previstos na lei» usados no 
 transcrito artigo 119.º. 
 
  
 Logo depois salienta-se, no mesmo parágrafo, que todos os membros da comissão 
 revisora estiveram de acordo em que a lei deveria ser alterada: 
 Mas também parece resultar claro que foi entendimento da comissão que, dado o 
 seu regime legal, a contumácia deveria ser considerada como causa da suspensão 
 do procedimento criminal.
 
  
 Finalmente, explica-se o modo como se chegou à conclusão de que a declaração de 
 contumácia deveria implicar a suspensão da prescrição: 
 Ao preceituar-se no n.º 1 do artigo 119.º «para além dos casos especialmente 
 previstos na lei» não se pode deixar de considerar abrangidos quer aqueles casos 
 que de momento já se encontrem previstos em leis quer aqueles que, de futuro, 
 venham a ser consagrados em diplomas legais. Na verdade, nada impede que, desde 
 logo, se preveja a possibilidade de, em normas avulsas ou não, se venha a 
 consagrar situações que determinem a suspensão da prescrição do procedimento 
 criminal. É como que um dar aqui como reproduzido o estabelecido nas tais normas 
 futuras.
 Dizendo o artigo 336.º do Código de Processo Penal que a declaração de 
 contumácia implica a suspensão dos termos ulteriores do processo até à 
 apresentação do arguido, só poderá querer ter tido em vista aquela suspensão 
 relacionada com a prescrição do procedimento criminal. O efeito visado coincide 
 com o previsto no artigo 119.º, n.º 3: desde o momento de declaração de 
 contumácia até àquele em que caduca – n.º 3 do artigo 336.º - a prescrição não 
 corre.
 
 (…) 
 O facto de ser desconhecido, à data da entrada em vigor do Código Penal de 1982, 
 o instituto da contumácia não justifica a afirmação de que o n.º 1 do artigo 
 
 119.º não se podia referir ao mesmo. A expressão usada, «casos especialmente 
 previstos na lei», não se quer referir a denominações, mas a situações, a certos 
 conteúdos. É isto que interessa, e não o nome que se lhes aplica. Para efeitos 
 iguais tem de haver soluções idênticas.
 
  
 Há sem dúvida analogia entre os casos previstos no artigo 119.º do Código Penal 
 e a declaração de contumácia. E é verdade que o legislador entendeu que se 
 justificava que a declaração de contumácia funcionasse como causa de suspensão 
 da prescrição de tal forma que acabou por acrescentar uma nova alínea ao 
 preceito que expressamente o previsse. 
 Não pode todavia negar-se que a declaração de contumácia não era um caso de 
 suspensão da prescrição especialmente previsto na lei.
 Ela não estava legalmente prevista, enquanto tal, na versão originária do Código 
 Penal de 1982. 
 Só passou a estar a partir da revisão de 1995. 
 E não era sequer absolutamente necessário que assim sucedesse. Note-se que a 
 própria suspensão da prescrição é um instituto excepcional, formulado primeiro 
 em 1972 e depois adoptado pelo Código Penal de 1982.
 Pode, sem dúvida, dizer-se que a declaração de contumácia era uma situação 
 análoga às especialmente previstas no artigo 119.º do Código Penal de 1982. Mas 
 não podem restar dúvidas de que a declaração de contumácia não foi prevista em 
 
 1982 como causa de suspensão da prescrição. O intérprete poderá dizer que tal se 
 justificaria de um ponto de vista teleológico; o legislador poderá alterar a lei 
 de modo a inclui-la entre as causas de suspensão da prescrição. Mas não se pode 
 dizer que esse efeito estivesse previsto na lei. De facto, não estava.  
 
      
 Aliás, é de recordar que o Tribunal – e a propósito de questão próxima da que 
 agora se coloca – já considerou inconstitucional a criação de uma causa de 
 interrupção da prescrição pelo facto de não estar prevista na lei ou seja, por 
 violação do princípio da legalidade. 
 
  
 Na verdade, o Acórdão n.º 412/03 decidiu:
 Julgar inconstitucionais, por violação do artigo 29.º, n.ºs 1 e 3, da 
 Constituição, as normas dos artigos 335.º e 337.º do Código de Processo Penal de 
 
 1987, conjugados com o artigo 120.º, n.º 1, alínea d), do Código Penal de 1982 
 
 (redacção originária), na interpretação segundo a qual a declaração de 
 contumácia pode ser equiparada, como causa de interrupção da prescrição do 
 procedimento criminal, à marcação de dia para julgamento em processo de 
 ausentes, aí prevista”.
 
  
 Poderia dizer-se que a situação da suspensão é diferente da interrupção. 
 A possibilidade de uma solução diversa foi aberta pelo próprio Acórdão n.º 
 
 412/03 que fez um referência incidental ao problema:
 Relativamente à recusa de aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade, 
 das normas dos artigos 335.º e 337.º do Código de Processo Penal de 1987, 
 conjugados com o artigo 119.º, n.º 1, do Código Penal de 1982 (redacção 
 originária), na interpretação, dada pelo Supremo Tribunal de Justiça no 
 
 “Assento” n.º 10/2000, segundo a qual a declaração de contumácia constitui causa 
 de suspensão da prescrição do procedimento criminal, a solução não teria de ser 
 necessariamente no mesmo sentido, atentos a diferente natureza e os distintos 
 efeitos das duas figuras (interrupção e suspensão) e o carácter taxativo do 
 elenco das causas de interrupção do originário artigo 120.º do Código Penal de 
 
 1982 em confronto com a norma de remissão para outras “situações especialmente 
 previstas na lei” como causas de suspensão constante do n.º 1 do 119.º do mesmo 
 Código.
 
  
 Contudo, não há razão suficiente para uma diversidade de tratamento. Não há 
 qualquer justificação para considerar abrangidas no âmbito do princípio da 
 legalidade criminal as normas relativas à interrupção da prescrição e não 
 considerar também as normas relativas à suspensão da prescrição. 
 
  
 A distinção conjecturada obiter dicta pelo acórdão n.º 412/03 baseia-se na 
 contraposição do carácter aberto das causas de suspensão ao carácter taxativo 
 das causas de interrupção da prescrição. 
 
  
 Simplesmente, este argumento parece colocar o âmbito do princípio constitucional 
 da legalidade criminal dependente do modo mais ou menos aberto com que a lei 
 ordinária regula a questão. Ora a primazia normativa da Constituição não se 
 compadece com uma tal inversão. Aliás, se a lei regula a questão de modo aberto, 
 através de um conceito amplo ou de uma remissão para outros casos especialmente 
 previstos na lei, menos razão há para não se respeitarem as exigências do 
 princípio da legalidade. 
 
  
 Poderia dizer-se que a interrupção da prescrição é mais gravosa para o arguido 
 do que a suspensão da prescrição. Logo, dir-se-ia, o princípio da legalidade 
 vale para as causas de interrupção da prescrição mas não para as causas de 
 suspensão dessa mesma prescrição. 
 
  
 A diferença seria porém de mero grau. Em ambos os casos, as regras que se 
 inserem no mesmo instituto funcionam contra o mesmo destinatário, o arguido e em 
 semelhante medida. E, bem vistas as coisas, nem sequer será totalmente 
 verdadeira a afirmação de que a interrupção fosse mais gravosa do que a 
 suspensão da prescrição na versão originária do Código Penal de 1982. Pois a 
 interrupção não impedia o funcionamento de um prazo peremptório de prescrição, 
 enquanto a suspensão, pelo contrário, não tinha um limite temporal máximo que 
 estivesse legalmente previsto.  
 Seria estranho que todo o sistema jurídico-penal estivesse limitado pelo 
 princípio garantístico da legalidade e apenas a suspensão da prescrição 
 estivesse isenta das mesmas exigências garantísticas que todas as normas da 
 Parte Geral do Código Penal que possam funcionar contra o arguido.
 
  
 Resta pois apenas perguntar, como se disse no Acórdão n.º 110/07, se “o tribunal 
 recorrido, ao adoptar um entendimento das disposições conjugadas do artigo 
 
 119.º, n.º 1, do Código Penal, e do artigo 336.º, n.º 1, do Código de Processo 
 Penal, na redacção originária, segundo o qual a prescrição do procedimento 
 criminal se suspende com a declaração de contumácia, respeitou o princípio da 
 legalidade, previsto no artigo 29.º, n.os 1 e 3, da Constituição da República”.
 A este respeito, terá de se manter a resposta apresentada neste mesmo Acórdão:
 as expressões “suspensão do processo” e “suspensão da prescrição” do 
 procedimento não são sinónimas, nem sequer existe entre si qualquer relação de 
 implicação: não existe norma, ou qualquer princípio geral, no sentido de que 
 qualquer suspensão da instância (suspensão do processo) conduz a uma suspensão 
 da prescrição (e, por definição, esta começa mesmo a correr antes do início do 
 procedimento criminal, “desde o dia em que o facto se consumou” – artigo 118.º, 
 n.º 1, do Código Penal, na redacção de 1982), e há também casos de suspensão da 
 prescrição que se não ligam a qualquer suspensão do processo. 
 
  
 Não estando a declaração de contumácia legalmente prevista como causa de 
 suspensão da prescrição nem estando a suspensão da prescrição legalmente 
 prevista como um efeito necessário da declaração de contumácia, torna-se 
 evidente que − dentro dos limites do princípio garantístico da legalidade − não 
 se poderá considerar que a declaração de contumácia (enquanto acto 
 normativamente previsto no artigo 336º do Código de Processo Penal) constituía 
 já à luz da redacção originária do artigo 119º, nº 1, do Código Penal uma causa 
 legalmente prevista de suspensão da prescrição. 
 
  
 Não foi, por isso, respeitado o princípio da legalidade criminal 
 constitucionalmente consagrado enquanto princípio-garantia “directa e 
 imediatamente aplicável aos cidadãos”.
 
  
 
  
 
  
 III
 Decisão
 
  
 Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional declara, com 
 força obrigatória geral, a inconstitucionalidade, por violação do disposto no 
 artigo 29º, nºs 1 e 3, da Constituição, da norma extraída das disposições 
 conjugadas do artigo 119º, nº 1, alínea a), do Código Penal e do artigo 336º, nº 
 
 1, do Código de Processo Penal, ambos na redacção originária, na interpretação 
 segundo a qual a prescrição do procedimento criminal se suspende com a 
 declaração de contumácia.
 
  
 Lisboa, 12 de Março de 2008
 Maria Lúcia Amaral
 Maria João Antunes
 João Cura Mariano
 Joaquim de Sousa Ribeiro
 Mário José de Araújo Torres
 Carlos Fernandes Cadilha
 José Borges Soeiro (vencido, relativamente ao conhecimento,     de harmonia com 
 a declaração de voto que junto).
 Carlos Pamplona de Oliveira –
 
 - Vencido conforme declaração.
 Gil Galvão (vencido, conforme declaração junta)
 Vítor Gomes (vencido, conforme declaração anexa).
 Ana Maria Guerra Martins (vencida quanto ao conhecimento e quanto ao fundo, no 
 essencial, pelos fundamentos constantes da declaração de voto do Exmo. Senhor 
 Conselheiro Vice – Presidente, para a qual remeto).
 Benjamim Rodrigues (vencido nos termos da declaração anexa)
 Rui Manuel Moura Ramos
 
  
 
  
 VOTO DE VENCIDO
 Vencido, quanto ao conhecimento da questão de constitucionalidade, pois que, na 
 linha da jurisprudência, até há pouco maioritária, deste Tribunal postulava que 
 não constitui questão normativa a que, em áreas constitucionalmente abrangidas 
 pelo princípio da legalidade, na sua vertente de tipicidade (portanto, nos 
 campos do direito fiscal e do direito penal), se traduz na sindicância do 
 processo interpretativo efectuado pela instância recorrida extravasando, por 
 conseguinte, as competências que lhe assistem em sede de fiscalização concreta 
 da constitucionalidade.
 Como se escreveu no Acórdão n.º 331/2003 (publicado no Diário da República, II 
 Série, de 17 de Outubro), a propósito de questão semelhante à dos autos, “em 
 rectas contas, aquilo que o juiz a quo veio a considerar desarmónico com a lei 
 fundamental foi uma interpretação dada a um dado conjunto normativo (…) e da 
 qual resultava, ao fim e ao resto, um entendimento que extravasava o campo 
 semântico natural dos conceitos jurídicos utilizados pelo legislador, o que, por 
 consequenciar uma interpretação ‘extensiva’ ou ‘analógica’, conflituaria com o 
 princípio da legalidade criminal. Ora, se assim é, então haverá que concluir-se 
 que aquilo que, verdadeiramente, foi censurado por aquele juiz foi, não o 
 confronto directo com a Constituição (…) mas sim a determinação do âmbito 
 aplicativo que a jurisprudência dos tribunais (ou de alguns tribunais) deu 
 
 àquele mesmo conjunto normativo.”
 O problema da concretização da competência do Tribunal Constitucional para 
 conhecer de questões atinentes à violação do princípio da legalidade penal ou 
 fiscal tem sido, como se disse, objecto de díspares abordagens na jurisprudência 
 constitucional. 
 No entanto, embora com votos de vencido, nas duas ocasiões em que o Plenário se 
 pronunciou sobre esta questão, vingou a tese de que não assiste competência 
 
 àquele sempre que o objecto do recurso incida já não sobre uma norma ou segmento 
 normativo mas sobre o resultado de actividade hermenêutica desenvolvida pelo 
 Tribunal a quo cujo resultado extravasa, mercê de interpretação extensiva ou 
 analógica, o campo semântico dos conceitos jurídicos mobilizados pelo 
 legislador.
 Assim, conforme se decidiu no Acórdão n.º 674/99 (publicado no Diário da 
 República, II Série, de 25 de Fevereiro de 2000), 
 
 “ […] mesmo que se entendesse que este Tribunal ainda era competente para 
 conhecer das questões de inconstitucionalidade resultantes do facto de se ter 
 procedido a uma constitucionalmente vedada integração analógica ou a uma 
 operação equivalente, designadamente a uma interpretação ‘baseada em raciocínios 
 analógicos’, o que sempre se terá por excluído é que o Tribunal Constitucional 
 possa sindicar eventuais interpretações tidas por erróneas, efectuadas pelos 
 tribunais comuns, com fundamento em violação do princípio da legalidade. […]”
 Exarou-se, ainda, no aludido aresto:
 
 “ […] Aliás, se assim não fosse, o Tribunal Constitucional passaria a controlar, 
 em todos os casos, a interpretação judicial das normas penais (ou fiscais), já 
 que a todas as interpretações consideradas erróneas pelos recorrentes poderia 
 ser assacada a violação do princípio da legalidade em matéria penal (ou fiscal). 
 E, em boa verdade, por identidade lógica de raciocínio, o Tribunal 
 Constitucional, por um ínvio caminho, teria que se confrontar com a necessidade 
 de sindicar toda a actividade interpretativa das leis a que necessariamente se 
 dedicam os tribunais – designadamente os tribunais supremos de cada uma das 
 respectivas ordens –, uma vez que seria sempre possível atacar uma norma 
 legislativa, quando interpretada de forma a exceder o seu ‘sentido natural’ (e 
 qual é ele, em cada caso concreto?), com base em violação do princípio da 
 separação de poderes, porque mero produto de criação judicial, em contradição 
 com a vontade real do legislador; e, outrossim, sempre que uma tal interpretação 
 atingisse norma sobre matéria da competência legislativa reservada da Assembleia 
 da República, ainda se poderia detectar cumulativamente, nessa mesma ordem de 
 ideias, a existência de uma inconstitucionalidade orgânica.
 Ora, um tal entendimento – alargando de tal forma o âmbito de competência do 
 Tribunal Constitucional – deve ser repudiado, porque conflituaria com o sistema 
 de fiscalização da constitucionalidade, tal como se encontra desenhado na Lei 
 Fundamental, dado que esvaziaria praticamente de conteúdo a restrição dos 
 recursos de constitucionalidade ao conhecimento das questões de 
 inconstitucionalidade normativa.”
 Com efeito, e de forma semelhante à decidida no Acórdão n.º 674/99, que vimos 
 acompanhando, posição que viria a ser retomada no Acórdão n.º 196/2003, também 
 do Plenário (publicado no Diário da República, II Série, de 16 de Outubro de 
 
 2003), para ser posteriormente contrariada pelo Acórdão n.º 110/2007 (publicado 
 no Diário da República, II Série, de 20 de Março de 2007), o que se questiona, 
 nos presentes autos, não é que o conteúdo das normas, com a interpretação 
 adoptada, seja compatível com o texto constitucional. O que se questiona é 
 tão-somente que o julgador possa alcançar esse mesmo conteúdo normativo através 
 de um processo interpretativo, já que, ao fazê-lo através de uma forma 
 desrespeitadora dos limites fixados à interpretação da lei criminal, violaria o 
 princípio da legalidade penal.
 Deste modo, e como referiu o Conselheiro Benjamim Rodrigues, na declaração de 
 voto aposta ao Acórdão n.º 110/2007, citado, 
 
 “(…) não constitui uma questão de constitucionalidade normativa a apreciação da 
 correcção do processo hermenêutico desenvolvido pelo tribunal a quo, tendente a 
 determinar o sentido das normas, bem como do resultado a que o mesmo chegou. O 
 princípio da legalidade penal ou (fiscal) opera como mero limite constitucional 
 
 à admissibilidade do resultado interpretativo a que se chegou no processo de 
 interpretação, obrigando o intérprete a excluir aqueles resultados que não 
 tenham na letra da lei um mínimo de correspondência verbal. Deste modo, ele não 
 
 é portador de qualquer sentido axiológico substancial com o qual possa ser 
 contrastado directamente certa norma de direito infraconstitucional, para 
 aferir, da sua validade, mas tão só para excluir o resultado de um processo 
 concreto de conhecimento judicial da norma.”
 Assim, entendendo-se que, no caso dos autos, não está em causa uma verdadeira 
 questão de constitucionalidade normativa, mas apenas a sindicância do resultado 
 alcançado pelo processo interpretativo efectuado pelo Tribunal a quo, resultante 
 da leitura combinada dos artigos 119.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal e 
 
 336.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, nas respectivas redacções 
 originárias, falha o pressuposto de conhecimento do recurso interposto ao abrigo 
 do artigo 70.º, n.º 1, alínea a) da Lei do Tribunal Constitucional – recusa de 
 aplicação de norma com fundamento em inconstitucionalidade. 
 Lisboa, 12 de Março de 2008
 José Borges Soeiro
 
  
 
  
 
  
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 Vencido. 
 Entendi, em primeiro lugar, que o Tribunal não deveria tomar conhecimento do 
 recurso, cujo objecto não é, em minha opinião, uma norma, mas uma construção 
 dogmática de natureza jurisprudencial, ligada a peculiaridades do caso concreto, 
 que constitui, tipicamente, o veredicto judicial – artigo 70º n.º 1 alínea b) da 
 Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro. 
 Uma vez que o Tribunal ultrapassou este obstáculo ao conhecimento do recurso, 
 encarando a impugnada determinação jurídica como uma regra dotada de suficiente 
 generalidade e abstracção e comportando, por isso, natureza normativa, divergi 
 do julgamento de inconstitucionalidade dessa 'norma' fundado apenas na sua 
 origem jurisprudencial. Na verdade, mesmo que se admita que, na área do direito 
 penal, o Tribunal pode intervir, em sede de fiscalização concreta, numa 
 perspectiva de violação do princípio da legalidade, o certo é que os tribunais 
 não estão constitucionalmente impedidos de, no cumprimento da tarefa de 
 aplicação concreta de normas, adoptarem determinações genéricas retiradas do 
 sistema, desde que o resultado dessas operações não concretize violação de lei. 
 Ora, no caso concreto, não só se apura que a norma 'criada' não é materialmente 
 desconforme com a Constituição, como se verifica que, estando expressamente 
 motivada no Assento n.º 10/2000 (DR, 1ª série-A de 10 de Novembro de 2000), 
 representa, afinal, a aplicação de um instrumento jurídico manifestamente apto a 
 validamente criar a 'regra' que constituiu o objecto do recurso.
 Em suma, entendi que a norma não se mostra desconforme com os n.ºs 1 e 3 do 
 artigo 29.º da Constituição.
 
  
 
  
 Carlos Pamplona de Oliveira
 
  
 
  
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 Votei vencido o presente acórdão.
 
  
 Em primeiro lugar, quanto ao conhecimento do recurso, no essencial, pelas razões 
 constantes, entre muitos outros, dos acórdãos 674/99, 331/2003 e 336/2003, 
 entendendo que não constitui uma questão de constitucionalidade normativa, sobre 
 a qual possam recair os poderes cognitivos do Tribunal Constitucional, a 
 fiscalização de um alegado processo interpretativo que conduziria a uma 
 aplicação de uma norma que, por força do princípio da legalidade penal, 
 ultrapassasse o campo semântico dos conceitos que o legislador penal terá 
 utilizado; ou seja, entendendo que não é constitucionalmente permitido a este 
 Tribunal a verificação da ocorrência de uma alegada interpretação («extensiva», 
 
 «analógica» ou «actualista») de uma norma penal, em invocada colisão com os 
 princípios da legalidade e da tipicidade.
 
  
 Na sequência, porque, não sendo o alegado processo interpretativo susceptível de 
 ser sindicado por este Tribunal, está o mesmo, então, confrontado com uma norma 
 
 – assumida como um dado - que, pura e simplesmente, afirma que a declaração de 
 contumácia suspende a prescrição. Ora, quanto a uma norma com um tal teor 
 entendo que de nenhuma inconstitucionalidade padece.
 
                                            Gil Galvão
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
  
 
             Vencido. 
 
 1. Pelo essencial das razões em que se sustenta a linha jurisprudencial 
 materializada, por último, no acórdão 524/2007 que versou sobre a questão agora 
 em apreciação, entendo não constituir questão de constitucionalidade normativa, 
 susceptível de ser conhecida em recurso de fiscalização concreta pelo Tribunal 
 Constitucional e, consequentemente, também não poder ser objecto de apreciação 
 com vista à declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral ao 
 abrigo do artigo 82.º da LTC, saber se implica violação do princípio 
 constitucional da legalidade criminal a interpretação das disposições conjugadas 
 dos artigos 119.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal de 1982 e do artigo 336.º, 
 n.º 1, do Código Penal, na sua redacção originária, no sentido de que a 
 contumácia era causa de suspensão do procedimento criminal. Nos termos em que a 
 questão é colocada, não se pretende censurar uma deficiência estrutural dos 
 enunciados normativos dos preceitos em causa para cumprir as exigências 
 constitucionais do princípio da legalidade (as exigências acrescidas da 
 determinabilidade da lei em matéria penal). Nem sequer é objecto de apreciação 
 uma norma (ou uma determinada interpretação dela pelos tribunais, ainda que 
 implícita) que verse sobre os critérios de interpretação da lei penal (v. gr. 
 artigo 1.º do Código Penal) a propósito da qual se discuta se habilita os 
 tribunais à aplicação das normas penais de modo que possa contrariar o princípio 
 constitucional da legalidade, designadamente, a possibilidade de usar certos 
 modos de interpretação ou a analogia em determinado domínio. É certo que a 
 apreciação da questão submetida tem por pressuposto a resposta positiva à 
 questão da inclusão da regulação da prescrição do procedimento criminal no 
 
 âmbito dos n.ºs 1 e 3 do artigo 29.º da Constituição, mas não é essa a questão 
 constitucional principal. Apesar do esforço de afinação categorial a que o 
 acórdão procedeu, o Tribunal acabou por ter de apreciar se determinada 
 interpretação conferida pelos tribunais comuns a certo conjunto normativo (a 
 interpretação que fez vencimento no Assento n.º 10/2000, do Supremo Tribunal de 
 Justiça) é errónea com fundamento em violação do princípio da legalidade. Aquilo 
 que se está a julgar desconforme à Constituição é o percurso hermenêutico que 
 está na génese da determinação desse sentido normativo e não o resultado dessa 
 actividade interpretativa dos tribunais. O que o Tribunal é chamado a decidir é 
 se o sistema de direito ordinário previa determinada causa de suspensão da 
 prescrição e não se podia prevê-la. 
 
  
 
 2. Ultrapassada esta questão, também não acompanho o julgamento de 
 inconstitucionalidade a que se chegou. 
 Adiro às razões do referido Assento n.º 10/2000, que me parece ter determinado o 
 sentido normativo questionado por um processo hermenêutico que não colide com as 
 exigências de certeza que decorrem dos n.ºs 1 e 3 do artigo 29.º da 
 Constituição. A conclusão de que a contumácia era causa de suspensão da 
 prescrição é obtida por um processo interpretativo que ainda se contém nos 
 limites da interpretação extensiva, método que não é vedado pelas referidas 
 normas constitucionais, pelo menos relativamente à matéria da prescrição do 
 procedimento criminal. Aceita-se que o fundamento de segurança jurídica do 
 princípio da legalidade impõe que o intérprete seja particularmente cauteloso na 
 determinação do “significado literal possível” dos enunciados legais in mala 
 partem no direito penal. Porém, no domínio da prescrição do procedimento, sem 
 contestar a natureza substantiva do instituto, a exigência de exacta 
 cognoscibilidade por parte do agente (seguramente quanto às representações no 
 momento da prática do facto, mas também no momento da ocorrência do evento que 
 interfere com a contagem do prazo) é menos intensa do que sucede relativamente 
 aos elementos cobertos pelos ditames da tipicidade. Não estamos perante normas 
 directamente ordenadoras do comportamento do agente (modelos negativos de 
 comportamento), cujo menor grau de certeza (ou cognoscibilidade) colida 
 intoleravelmente com a tutela da confiança, da liberdade e da segurança, como 
 sucede com as normas que respeitem à descrição da matéria proibida ou, mais 
 amplamente, com as normas penais positivas, isto é, as normas que geram ou 
 agravam a responsabilidade. 
 Além do que se diz no Assento, relembro a génese do artigo 119.º do Código Penal 
 na sua versão originária, que demonstra que a suspensão do processo imposta por 
 uma disposição especial da lei foi querida pelo legislador como causa de 
 suspensão da prescrição. Este artigo corresponde, com ligeiras alterações (a 
 comentarística dos primeiros tempos de vigência do Código Penal de 1982 é assim 
 que se lhe refere – cfr. maia gonçalves, Código Penal Português, Anotado, 1983, 
 pág. 187), ao artigo 110.º do projecto do Código Penal segundo o qual “[a] 
 prescrição suspende-se durante o tempo em que: 1.º - O procedimento criminal não 
 pode iniciar-se ou continuar por falta de uma autorização legal ou de uma 
 sentença prévia a proferir por tribunal não penal, por efeito da devolução de 
 uma questão prejudicial para um juízo não penal, bem como em todos os casos em 
 que a suspensão do processo penal é imposta por uma disposição especial da lei; 
 
 [itálico aditado]. Esta opção de erigir em causa de suspensão da prescrição os 
 casos de suspensão do procedimento por determinação especial da lei não mereceu 
 nenhuma objecção substantiva no seio da Comissão revisora (cfr. Actas das 
 Sessões da Comissão Revisora do Código Penal, Parte Geral, I volume, págs. 
 
 223-227). Apenas foi entendido que “a redacção da 2.º parte deste número (“bem 
 como”) não joga certo com o corpo do artigo”. E, em conformidade, 'a Comissão 
 expendeu o desejo que em uma futura revisão fosse considerada a necessidade de 
 concatenar perfeitamente a fórmula do proémio com a da 2.ª parte do n.º 1.º 
 
 (“bem como …”). Embora de modo imperfeito, a fórmula que foi encontrada na 
 versão final, deslocando a previsão para o corpo do preceito, ainda dá um mínimo 
 de correspondência verbal a esta intenção legislativa de fazer corresponder as 
 causas especiais de suspensão do processo penal a causas de suspensão do prazo 
 de prescrição do procedimento criminal (Refira-se que a circunstância de a 
 declaração de contumácia ser figura ao tempo desconhecida pelo ordenamento e, 
 consequentemente, não ser qua tale prevista pelo legislador penal de 1982, não 
 obsta à sua inclusão na remissão aberta para causas legais de suspensão 
 constante do n.º 1 do artigo 119.º do Código Penal, como se decidiu no acórdão 
 n.º 449/02, publicado no Diário da República, II Série, de 12 de Dezembro de 
 
 2002). 
 
                            Vítor Gomes
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
  
 
 1 – Votámos vencido quanto ao conhecimento e quanto ao fundo, na esteira da 
 maioria dos acórdãos do Tribunal Constitucional que versaram sobre a matéria, e 
 que são muitos, entre os quais lembramos os n.ºs 674/99, 196/03, 197/03.
 
  
 
             2 – Na verdade, entendemos, de uma parte, que não se configura uma 
 questão de constitucionalidade normativa, mas de sindicabilidade da decisão 
 judicial em si própria, e, do outro, que o resultado interpretativo a que chegou 
 o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de Fixação de Jurisprudência, n.º 
 
 10/2000 respeita inteiramente o princípio da legalidade criminal condensado no 
 art.º 29.º, n.ºs 1 e 3, da Constituição.
 
  
 
             3 – Não negamos a configuração do princípio da legalidade criminal 
 como uma garantia fundamental dos cidadãos no Estado de direito democrático que 
 o acórdão subscreve e o valor axiológico que o mesmo comporta.
 
             Mas esse valor axiológico, como garantia de defesa contra o Estado, 
 opera no plano da conformação da lei penal (não podendo o legislador ignorá-lo 
 quando, na criação da lei, pretenda criminalizar acções e omissões e estatuir a 
 respectiva pena) e, decorrentemente, no da determinação do seu sentido pelos 
 tribunais que a aplicam.
 
             Nesse sentido reafirmamos aqui o que escrevemos no voto de vencido 
 aposto ao Acórdão n.º 110/2007: “O princípio da legalidade penal (ou fiscal) 
 opera como mero limite constitucional à admissibilidade do resultado 
 interpretativo a que se chegou no processo de interpretação, obrigando o 
 intérprete a excluir aqueles resultados que não tenham na letra da lei um mínimo 
 de correspondência verbal”.
 
             Sendo assim, esse princípio manifesta a efectividade da sua força 
 constitucionalmente vinculante no momento em que o órgão que aplica a lei 
 criminal tem de responder à questão sobre se existe lei anterior que declare 
 punível a acção ou omissão e comine a respectiva pena.
 
             Ora, esse momento é um momento da decisão judicial e não um momento 
 normativo. É o momento em que o juiz, no exercício da sua actividade 
 judicativo-hermenêutica, procede à determinação da lei ordinária aplicável ao 
 caso, à fixação do sentido da mesma face aos textos legais. É claro que, 
 tratando-se de um juízo objectivamente externado, ele pode ser repetido. Mas 
 repetido apenas pelo tribunal superior da respectiva instância judicial.
 
             Nesta perspectiva, o controlo do resultado interpretativo obtido 
 como tendo expressão verbal no texto da lei criminal por parte da decisão 
 judicial não é uma questão normativa, mas uma questão de controlo da correcção 
 do juízo judicial desenvolvido, dentro da aplicação dos cânones que regem a 
 actividade hermenêutica, com vista à fixação do sentido emergente do texto 
 verbal da lei criminal infraconstitucional.
 
             Dir-se-á que, vindo a conclusão desse juízo a ser fixada em termos 
 gerais e abstractos, como sucede no Acórdão de Fixação de Jurisprudência, a 
 questão se converte numa questão normativa, em termos semelhantes aos que se 
 passam com a interpretação concretamente dada a certa norma legal (“o preceito 
 interpretado no sentido de que…”).
 
             Mas se ainda consentimos que a questão possa ser vista deste ângulo, 
 o certo é que uma tal conclusão nunca autorizará depois que o problema de 
 constitucionalidade se resolva com completo desconhecimento do processo genético 
 de obtenção desse resultado interpretativo ou seja, com o desconhecimento de que 
 o tribunal chegou a essa norma em face do texto da lei criminal e que o vê nela 
 exprimido em termos correspondentes. Chegados a esse ponto, a única coisa que 
 será permitido é perguntar se, interpretado o texto da lei criminal em certo 
 sentido e concluído que esse sentido tem no texto da lei correspondência verbal, 
 essa acepção do preceito criminal respeita ou não o princípio da legalidade 
 criminal, entendido este com a axiologia retratada no acórdão.
 
             Ora, não é essa a pergunta que o acórdão fez. O que o acórdão fez 
 foi demandar se o critério normativo que foi determinado [no Acórdão de fixação 
 de jurisprudência, por via interpretativa] encontra no texto da lei ordinária o 
 necessário suporte verbal.
 
             E assim sendo, o acórdão não fez outra coisa do que sindicar a 
 correcção do processo intelectual de apuramento do sentido da lei levado a cabo 
 pelo tribunal que fixou o critério normativo em causa. 
 
             O acórdão não efectuou qualquer confronto entre o critério normativo 
 e o parâmetro constitucional cujo sentido vinculante previamente determinou. O 
 acórdão resolveu a questão que disse ser de constitucionalidade no plano do 
 direito infraconstitucional, corrigindo o resultado interpretativo e a 
 actividade hermenêutica desenvolvida pelo tribunal sobre o texto da lei 
 ordinária. O Tribunal Constitucional corrigiu, pois, o juízo de determinação do 
 sentido da lei infraconstitucional, fazendo prevalecer o seu juízo 
 interpretativo relativo à lei ordinária sobre o do Supremo Tribunal de Justiça. 
 O Tribunal Constitucional julgou segundo os termos de um recurso de amparo que a 
 nossa Constituição não prevê.
 
  
 
             4 – Mas, independentemente de não se tratar de uma questão de 
 constitucionalidade normativa, temos, também, para nós que a correcta 
 interpretação da lei infraconstitucional é a que foi levada a cabo pelo Acórdão 
 de Fixação de Jurisprudência do STJ e não aquela que é sufragada no acórdão a 
 que esta declaração está apendiculada, pelas razões que nele são densamente 
 expendidas.
 Benjamim Rodrigues