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Processo nº 574/2007
 
 3ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral
 
 
 
  
 Acordam, em Conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
  
 I
 Relatório
 
  
 
 1.  A., melhor identificado nos autos, vem reclamar para a conferência, ao 
 abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei n.º 28/82 (Lei Tribunal 
 Constitucional), da Decisão Sumária de 31 de Maio de 2007, que decidiu não 
 conhecer do objecto do recurso de constitucionalidade por ele interposto e 
 condená-lo em custas, com 7 (sete) unidades de conta de taxa de justiça. Tal 
 decisão teve o seguinte teor:
 
  
 I
 Relatório
 
  
 
 1.  A., arguido em processo-crime pendente no Tribunal Judicial da Comarca de 
 Tavira, recorreu para o Tribunal da Relação de Évora do despacho de pronúncia, 
 datado de 23 de Outubro de 2006, na parte em que indeferiu a arguição de 
 nulidade da intercepção realizada ao posto telefónico 351967697054, IMEI 
 
 35539500790214, alvo 1F407, com o seguinte teor:
 
  
 
 1. Ao posto 351.967.697.054, IMEI – 355.395.007.90214, alvo 1F407. 
 Veio ainda o arguido A. suscitar a nulidade das intercepções referidas, com 
 fundamento na violação do preceituado nos artigos 187°, 188° n°s 1 e 3, todos do 
 Código de Processo Penal. 
 Em seu entender, as informações policiais constantes nos autos que determinaram 
 a realização de tais escutas telefónicas, designadamente, as constantes dos 
 relatos de diligências externas que constituem fls. 197 e 337 a 341 dos autos, 
 não permitiriam retirar a ilação de que “duas ou mais pessoas encontrando-se na 
 zona de Ayamonte se tenham cruzado, falado e muito menos reunido com propósitos 
 criminais” e são insuficientes para desencadear tais escutas. 
 Em segundo lugar, alega que a escuta telefónica ao posto citado foi autorizada 
 por despacho datado de 14/6/2005 (fls. 370) e teve o seu início em 15/6/2005 
 
 (fls. 480), tendo sido determinadas várias transcrições em 21/7/2005 (fls. 
 
 1722), em 25/8/2005 (fls. 2008) e em 19/9/2005 (fls. 2214), ou seja, meses após 
 o início da intercepção, quando o n.° 1, do artigo 188°. do Código de Processo 
 Penal exige que o juiz tome imediatamente conhecimento do material gravado para 
 assim ordenar a destruição do que é relevante para a prova. 
 Em terceiro e último lugar, invoca que o juiz não ouviu o material gravado 
 relativamente ao alvo 1F407, porquanto do teor dos despachos que ordenam a 
 transcrição/destruição do material gravado não resulta a sua audição ou resulta 
 confirmada a não audição (fls. 474, 2008, 2813), considerando impossível ao juiz 
 ouvir as várias centenas de sessões que todo o material apresentado ao juiz no 
 dia 24 de Agosto de 2005 sendo que nesse mesmo dia foi proferido despacho a 
 ordenar transcrição de sessões nele contidas. 
 
  
 Cumpre apreciar e decidir. 
 
  
 Preceitua o artigo 187.°, do Código de Processo Penal: 
 
 1.  A intercepção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas só 
 podem ser ordenadas ou autorizadas, por despacho do juiz, quanto a crimes: 
 a)  Puníveis com pena de prisão superior, no seu máximo, a três anos; 
 b)  Relativos ao tráfico de estupefacientes; 
 c)  Relativos a armas, engenhos, matérias explosivas e análogas; 
 d)  De contrabando; ou 
 e)  De injúria, de ameaça, de coacção, de devassa da vida privada e perturbação 
 da paz e do sossego, quando cometidos através de telefone,
 se houver razões para crer que a diligência se revelará de grande interesse para 
 a descoberta da verdade ou para a prova. 
 
 2.  A ordem ou autorização a que alude o n.° 1 do presente artigo pode ser 
 solicitada ao juiz dos lugares onde eventualmente se puder efectivar a 
 conversação ou comunicação telefónica ou da sede da entidade competente para a 
 investigação criminal, tratando-se dos seguintes crimes: 
 a)  Terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada; 
 b)  Associações criminosas previstas no artigo 299.° do Código Penal; 
 c)  Contra a paz e a humanidade previstos no título III do livro II do Código 
 Penal; 
 d)  Contra a segurança do Estado previstos no capítulo I do título V do livro II 
 do Código Penal; 
 e)  Produção e tráfico de estupefacientes; 
 f)   Falsificação de moeda ou títulos equiparados a moeda prevista nos artigos 
 
 262.°, 264.°, na parte em que remete para o artigo 262.°, e 267.°, na parte em 
 que remete para os artigos 262.° e 264.°, do Código Penal; 
 g)  Abrangidos por convenção sobre segurança da navegação aérea ou marítima. 
 
 3.  É proibida a intercepção e a gravação de conversações ou comunicações entre 
 o arguido e o seu defensor, salvo se o juiz tiver fundadas razões para crer que 
 elas constituem objecto ou elemento de crime. 
 
  
 Sobre as formalidades a observar, estipula o artigo 188° do Código de Processo 
 Penal que: 
 
 1.  Da intercepção e gravação a que se refere o artigo anterior é lavrado auto, 
 o qual, junto com as fitas gravadas ou elementos análogos, é imediatamente 
 levado ao conhecimento do juiz que tiver ordenado ou autorizado as operações, 
 com a indicação das passagens das gravações ou elementos análogos considerados 
 relevantes para a prova. 
 
 2.  O disposto no número anterior não impede que o órgão de polícia criminal que 
 proceder à investigação tome previamente conhecimento do conteúdo da comunicação 
 interceptada a fim de poder praticar os actos cautelares necessários e urgentes 
 para assegurar os meios de prova. 
 
 3.  Se o juiz considerar os elementos recolhidos, ou alguns deles, relevantes 
 para a prova, ordena a sua transcrição em auto e fá-lo juntar ao processo; caso 
 contrário, ordena a sua destruição, ficando todos os participantes nas operações 
 ligados ao dever de segredo relativamente àquilo de que tenham tomado 
 conhecimento. 
 
 4.  Para efeitos do disposto no número anterior, o juiz pode ser coadjuvado, 
 quando entender conveniente, por órgão de polícia criminal, podendo nomear, se 
 necessário, intérprete. A transcrição aplica-se, com as necessárias adaptações, 
 o disposto no artigo 101.º, nºs 2 e 3. 
 
 5.  O arguido e o assistente, bem como as pessoas cujas conversações tiverem 
 sido escutadas, podem examinar o auto de transcrição a que se refere o n.° 3 
 para se inteirarem da conformidade das gravações e obterem, à sua custa, cópias 
 dos elementos naquele referidos.
 
  
 No que concerne à primeira das questões suscitadas pelo arguido, sempre se dirá 
 que, os factos relatados em tais relatórios em conjugação com os demais 
 elementos constantes nos autos, permitiriam considerar mais que justificada a 
 realização de uma escuta telefónica. 
 Com efeito, no momento em que são determinadas as escutas telefónicas a A., já 
 existem vários elementos probatórios que comprovara a ligação do B. ao mundo da 
 droga (sessão 317, cuja transcrição foi ordenada por despacho de fls. 116) e a 
 contactos com firmas espanholas e utilização de suas embarcações (“…” – fls. 
 
 302). 
 De resto, tais ligações eram ainda acompanhadas pelas autoridades espanholas que 
 de tal puseram ao corrente a Polícia Judiciária portuguesa – cfr. fls. 337 sendo 
 manifesta a ligação entre o arguido A., B. e C., apontando-se já a fls. 341, o 
 facto da viatura Mercedes, com a matrícula ..-..-.., em que seguia C., ser 
 também utilizada pelo arguido D.. 
 Quanto ao facto do juiz ter tomado conhecimento das intercepções realizadas ao 
 Alvo 1F 407 (A.), meses após o despacho que determinou a sua realização, somos 
 em crer que, inexiste a apontada nulidade. 
 
  
 Efectivamente, por despacho datado de 14/6/2005 (fls. 370) foi autorizada, 
 durante o período de 90 dias, a intercepção e a gravação de todas as 
 conversações ou comunicações telefónicas estabelecidas e/ou recebidas através do 
 IMEI 355.395.007.902.140, quando operasse em roaming. 
 Tais intercepções tiveram o seu início em 15/6/2005 (fls. 480), o que significa 
 que continuariam a ter lugar, pelo menos, até 15/09/2005. 
 Nessa sequência, foram determinadas várias transcrições: em 21/7/2005 (fls. 
 
 1722), em 25/8/2005 (fls. 2008) e em 19/9/2005 (fls. 2214). 
 Ora, face aos elementos a que o próprio arguido faz alusão, temos que, a 
 autorização para a referida intercepção havia cessado há apenas 4 dias, quando o 
 seu último resultado é levado ao conhecimento do juiz, sendo que, no decorrer de 
 tal autorização e, uma vez por mês, foi levado conhecimento ao juiz do decorrer 
 de tais intercepções e de quais os elementos delas resultantes e relevantes para 
 a prova. 
 Quanto à última questão suscitada, antes de mais, cumpre salientar que, muito 
 embora a ora signatária também opte por não consignar no despacho que determina 
 a transcrição de certa sessão ou junção aos autos de certa imagem. a sua audição 
 ou visionamento, fá-lo por considerar tal afirmação desnecessária e redundante 
 e, jamais, por não procedido a tal audição ou visionamento. E, assim é, na 
 medida em que, ao proferir despacho no sentido da transcrição de certa sessão ou 
 junção de imagem, considerando‑as relevantes para as finalidades de recolha da 
 prova, só concluiu nesse sentido, precisamente, por ter ouvido e visto o seu 
 conteúdo. 
 Muito embora, a signatária não tenha proferido os despachos postos em crise, 
 considera ter sido este o critério da Meritíssima Juíza de Instrução que a 
 antecedeu. 
 Além do mais, o despacho que constitui fls. 474 não tinha por objecto quaisquer 
 intercepções ao Alvo 1F 407. 
 Por outro lado, o despacho que constitui fls. 2008 a 2010 dos presentes autos e 
 que determinou a transcrição das sessões 67, 68, 72, 82, 83, 85 a 90, 92, 94, 
 
 95, 97, 100, 101, 106, 109 a 112, 116, 119, 120, 122 a 124, 135, 136, 148, 150 a 
 
 154, 164 e 165 referentes ao Alvo 1407 não foi proferido pela Meritíssima Juíza, 
 no mesmo dia em que os CD’s lhe foram apresentados (24 de Agosto), mas sim, no 
 dia seguinte (vide verso de fls. 2010), sendo manifesta a falta de fundamento da 
 pretensão do arguido, a qual de resto não podia, nem devia ignorar. 
 Assim, sem necessidade de maiores considerações, julgo improcedente a arguição 
 da alegada nulidade.”
 
  
 Na motivação de recurso que apresentou no Tribunal da Relação de Évora, o 
 arguido concluiu do seguinte modo:
 
  
 CONCLUSÕES 
 
 1 – No momento em que é desencadeada a escuta telefónica, ao posto cuja nulidade 
 se arguiu, inexistiam elementos indiciários que permitissem autorizar o 
 deferimento daquele meio de obtenção de prova. 
 
 2 – Com efeito, a circunstância de o recorrente se encontrar por duas vezes com 
 um indivíduo sobre o qual existiam suspeitas de se dedicar ao comércio de haxixe 
 não é suficiente para se criar a percepção de existência de indícios do 
 cometimento do mesmo crime. 
 
 3 – Acresce que o douto despacho recorrido é omisso quanto à viabilidade do 
 prosseguimento da investigação sem o recurso a este meio de prova tão danoso. Ou 
 seja, não ponderou da possibilidade de a investigação socorrendo-se de outros 
 elementos de prova menos danosos para a privacidade do cidadão. 
 
 4 – É esta a melhor interpretação a dar à norma constante do artigo 187° do CPP. 
 Este inciso pressupõe a existência de indícios do cometimento de um dos crimes 
 de catalogo e ainda que a investigação não seja viável, sem custos elevados, 
 através de outros meios de prova menos danosos. 
 
 5 – A interpretação desta norma segundo a qual é possível autorizar uma 
 intercepção telefónica com base em suspeitas consubstanciadas no contacto 
 pessoal do visado com outros indivíduos referenciados nos autos e bem assim, a 
 não ponderação se no caso concreto era possível o prosseguimento da investigação 
 através de outros meios menos gravosos inquina aquela norma de 
 inconstitucionalidade material porquanto ofende o estatuído nos artigos 18° n° 
 
 2, 32° e 34º da CRP.
 
 6 – A escuta telefónica ao posto aqui em causa iniciou-se no dia 15/06/05, tendo 
 sido gravadas sessões entre o dia 18/6/05 até 23/6/05. 
 
 7 – Durante este período foram gravadas as seguintes sessões: 3, 7, 11, 19, 20, 
 
 21, 30, 32, 41, 42, 49, 50, 53, 67, 68, 72, 82, 83, 85, 86, 87, 88, 89, 90, 92, 
 
 94, 95, 97, 100, 101, 106, 107, 109, 110, 111, 112, 116, 119, 120, 122, 123, 
 
 124, 135, 136, 148, 150, 151, 152, 153, 154, 164 e 165. 
 
 8 – O juiz tomou posição sobre as primeiras sessões gravadas (3 que ocorreu no 
 dia 1 8/06/05 e 53 que ocorreu também no dia 18/06/06) no dia 19/09/05 (fls. 
 
 2214). 
 
 9 – Decorreram 3 meses e 4 dias entre o início da intercepção e o conhecimento 
 pelo juiz do primeiro material gravado. 
 
 10 – O juiz tomou conhecimento das sessões 53 a 165 (53 ocorreu no dia 18/06/05 
 e a 165 ocorreu no dia 23/06/05) no dia 25/08/06 (fls. 2008). 
 
 11 – Decorreram 2 meses e 7 dias desde o início da gravação destas sessões até 
 ao juiz ter proferido despacho a ordenar a transcrição das relevantes e a 
 desmagnetização das que não tinham interesse para a prova. 
 
 12 – Foi proferido um outro despacho, no dia 21/7/05 a ordenar apenas a 
 transcrição das sessões 164 e 165. 
 
 13 – O douto despacho recorrido pretende fazer crer que foram proferidos 3 
 despachos ao longo do período de gravação do material escutado, concluindo que 
 foi proferido um em cada 30 dias 
 
 14 – Como resulta das conclusões 7 a 12 tal não aconteceu pois o material 
 gravado ocorreu entre os dias 18/6/05 e 23/6/05. 
 
 15 – A lei pretende assegurar que o material gravado seja levado ao conhecimento 
 do juiz imediatamente por forma a ser ponderada a continuação da gravação, a 
 cessação imediata e/ou a transcrição/desmagnetização do material considerado com 
 ou sem interesse para a prova.
 
 16 – No caso concreto o lapso de tempo entre o início da gravação e a 
 apresentação ao juiz para este proferir despacho em conformidade foi 
 excessivamente longo tendo ultrapassado 2 meses com excepção das sessões 164 e 
 
 165.
 
 17 – O artigo 188° n° 1 do CPP impunha que o juiz tivesse imediatamente 
 conhecimento do material gravado e proferisse decisão sobre o destino a dar-lhe. 
 
 
 
 18 – Entendemos que tendo o material gravado sido levado ao conhecimento do 
 juiz, e por este proferido despacho no sentido de ordenar a transcrição do 
 material relevante u ordenar a desmagnetização daquele que entender 
 desnecessário para a prova, após mais de 2 meses desde o início da intercepção, 
 não cumpre os requisitos impostos pelo artigo 1880 n° 1, quando obriga que esse 
 material tenha de ser apresentado imediatamente, no sentido da existência de um 
 acompanhamento da realização da escuta pelo juiz.
 
 19 – Outra interpretação que não esta fere de inconstitucionalidade material a 
 norma constante do artigo 188° n° 1 do CPP por contender com o estatuído nos 
 artigo 18° n° 2, 32° n°s. 1 e 8 e 34° n°s. 1 e 4 da CRP. 
 
 20 – Por outro lado não foi o juiz que procedeu à selecção do material gravado 
 limitando-se a sufragar a sugestão da P.J. 
 
 21 – Com efeito, não consta, tal corno devia, documentação a demonstrar a 
 audição do material gravado pelo juiz sendo certo que resultam vários elementos 
 do processo no sentido da não audição. 
 
 22 – Na verdade, constata-se dos autos que o juiz ordenou a transcrição de 
 sessões antes de ter nomeado intérprete a fim de este traduzir o material 
 gravado. 
 
 23 – Acresce que o material que era apresentado ao juiz continha centenas de 
 sessões sendo fisicamente impossível a sua audição pois é proferido despacho no 
 mesmo dia em que os autos lhe foram conclusos. 
 
 24 – O artigo 188° n° 3 do CPP impõe que seja o juiz a seleccionar o material 
 relevante para a prova ainda que por indicação do OPC. Porém, é o juiz que 
 decide em última análise se as sessões sugeridas são ou no relevantes bem como 
 se alguma das sessões no sugeridas interessam para a prova, designadamente para 
 a defesa do arguido que apenas tem o juiz como única entidade acima das partes 
 
 25 – É esta a melhor interpretação a dar à norma constante do artigo 138° n° 3 
 do CPP, ou seja, a de que é indispensável que conste documentação dos autos que 
 demonstre que o juiz ouviu todo o material gravado e tenha sido ele a escolher 
 as sessões consideradas relevantes para a prova não bastando ter conhecimento 
 apenas do conteúdo, ainda que resumido, das sessões sugeridas pelo OPC. 
 
 26 – Outra interpretação fere de inconstitucionalidade material a norma 
 constante do artigo 188° n° 3 do CPP por contender com o estatuído nos artigos 
 
 18° n° 2, 32° n°s. 1, 5 e 8 e 34° n°s. 1 e 4, todos da CRP. 
 Violaram‑se as seguintes disposições:
 
 –  Artigos 18º, 32º e 34º da CRP
 
 –  Artigos 187º, 188º do CPP
 
  
 O Tribunal da Relação de Évora, por acórdão de 10 de Abril de 2007, negou 
 provimento ao recurso, considerando o seguinte:
 
  
 Invoca o recorrente a violação do disposto nos artigos 18°, 32° e 34° da 
 Constituição da República Portuguesa. 
 Ora o n.° 4 do artigo 34° citado previu a ingerência das autoridades públicas 
 nas telecomunicações nos casos previstos na lei em matéria de processo penal, 
 pelo que atenta a natureza e a gravidade dos crimes a que se aplica o artigo 
 
 187° do Código de Processo Penal justificam o recurso a tal meio de prova, sem 
 se infringirem os limites da necessidade e da proporcionalidade consagrados no 
 invocado artigo 18° da Lei Fundamental. 
 Os artigos 187° a 190° do Código de Processo Penal foram estruturados dentro dos 
 parâmetros do artigo 34° n° 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa, 
 exigindo-se expressamente que haja “razões para crer que a diligência se 
 revelará de grande utilidade para a descoberta da verdade ou para a prova”, nada 
 mais se exigindo nomeadamente que existam indícios do crime, ou a ponderação da 
 possibilidade da investigação prosseguir com outros meios de prova, para além da 
 pendência de procedimento criminal. Nestes termos atenta a existência de 
 procedimento criminal e a natureza dos crimes em investigação tráfico de droga e 
 associação criminosa conclui-se que se verificam no caso dos autos os requisitos 
 exigidos pela lei e ainda como se refere no despacho recorrido a decisão que 
 autorizou as escutas remetendo para elementos do processo que a antecedem 
 ponderou o elemento da necessidade da realização das mesmas pelo que nesta parte 
 não assiste razão ao recorrente. Decorrendo, assim, dos autos que a autorização 
 foi concedida com observância do disposto no citado preceito do Código de 
 Processo Penal e com respeito pela Lei Fundamental. 
 Mais invoca o recorrente que o material não foi apresentado de imediato ao Juiz 
 pelo que foi violado o disposto no artigo 188° n.°1 do referido Código de 
 Processo Penal. 
 Resulta dos autos que as intercepções foram autorizadas e apresentadas ao Juiz, 
 dentro do prazo concedido pelo mesmo, sendo ainda de entender-se que o 
 
 “imediatamente” significa “no mais curto prazo possível” devendo atender-se às 
 dificuldades próprias da tarefa e às disponibilidades dos meios técnicos e 
 humanos para o efeito (neste sentido, exemplarmente, Ac. do STJ de 29 de Outubro 
 de 1998, BMJ 480, 292, sumariado na pág. 436 do Código de Processo Penal Anotado 
 de Maia Gonçalves, 13° edição e Acórdãos da Rel. de Lisboa de 16/08/1996 e de 20 
 de Março de 2001, respectivamente nas C.J. XXI, tomo 4, 155 e C.J. XXVI, tomo 2, 
 
 128 sumariados na mesma obra, pág. 435 e 434). 
 Finalmente quanto à última questão suscitada pelo recorrente de não se encontrar 
 documentado nos autos a audição pelo Juiz de todo o material gravado e que tenha 
 sido ele a seleccionar o material gravado, também não lhe assiste razão. 
 Como tem sido entendido na jurisprudência “É válida a prática do juiz que toma 
 conhecimento do conteúdo dos suportes digitais das escutas que lhe foram 
 apresentadas pelo órgão de polícia criminal, reconhecendo a fidelidade e a 
 relevância das transcrições efectuadas pelo mesmo órgão de polícia e que ordenou 
 a sua junção aos autos” (Ac. da Rel. de Coimbra de 15/02/2006, C.J. ano XXXI, 
 tomo 1, pág. 46). 
 Tal entendimento resulta claramente do disposto no artigo 188° do Código de 
 Processo Penal, o qual não exige como pretende o recorrente que esteja 
 demonstrada nos autos a audição integral pelo Juiz. Também o Tribunal 
 Constitucional rejeitou como constitucionalmente imposta a obrigação de audição 
 integral pelo Juiz, como consta nomeadamente do Acórdão do mesmo n.° 426/05, de 
 
 25 de Agosto de 2005, publicado no D.R., II, Série de 5/12, aí se consignando 
 
 “Não julgar inconstitucional a norma do artigo 188° n.° 1, 3 e 4, do Código de 
 Processo Penal, interpretado no sentido de que são válidas as provas obtidas por 
 escutas telefónicas cuja transcrição foi, em parte, determinada pelo juiz de 
 instrução, não com base em prévia audição pessoal das mesmas, mas por leitura de 
 textos contendo a sua reprodução, que lhe foram espontaneamente apresentados 
 pela Polícia Judiciária, acompanhados das fitas gravadas ou elementos análogos 
 
 (...)”. 
 Mostra-se assim irrelevante este argumento do recorrente perante o acerto do 
 despacho recorrido que não violou qualquer norma constitucional e se encontra 
 devidamente fundamentado tendo interpretado devidamente os artigos do Código de 
 Processo Penal.
 
  
 Ainda inconformado, A. veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional “nos 
 termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82 de 15/11”.
 No requerimento de interposição de recurso, o recorrente afirmou o seguinte:
 
  
 I
 O douto acórdão interpretou a norma constante do artigo 188° n°1, do CPP, com o 
 sentido de que a expressão “imediatamente”, aí inserida, deve ser entendida, “no 
 mais curto prazo possível devendo atender-se às dificuldades próprias da tarefa 
 e as disponibilidades dos meios técnicos e humanos para o efeito.” 
 Ou seja, o douto acórdão de que agora se recorre, entende que se verificou 
 correcto acompanhamento judicial das escutas telefónicas ainda que o material 
 gravado viesse a ser junto aos autos alguns meses depois do início das 
 intercepções. No caso concreto o juiz tomou conhecimento de uma primeira parte 
 do material gravado 3 meses e 4 dias após o início das intercepções enquanto que 
 tomou conhecimento de uma segunda parte do material gravado 2 meses e 7 dias 
 após a intercepção desse material. 
 Nem se diga que a circunstância de parte do material gravado ter sido 
 apresentado ao juiz dentro do prazo concedido para a gravação respeita a 
 exigência da entrega “imediata”. Na verdade, o juiz sempre poderia autorizar uma 
 escuta telefónica por períodos excessivamente longos, por exemplo 1 ano, e nem 
 por isso se cumpriria a imediata entrega do material gravado caso este fosse 
 entregue dentro do prazo de autorização mas no último mês, ou seja, volvidos 11 
 meses desde o início da intercepção. 
 Entendemos que a referida norma – artigo 188° n° 1, do CPP – deve ser 
 interpretada com o sentido de que a primeira audição, pelo juiz, das gravações 
 efectuadas deve ocorrer no máximo 15 dias após o inicio da intercepção e 
 gravação das comunicações telefónicas. 
 A este propósito a defesa solicitou parecer aos Professores Jorge Figueiredo 
 Dias e Manuel da Costa Andrade que opinaram: “na certeza em qualquer caso de 
 que, em matéria de intromissões ou invasões dos direitos fundamentais, a 
 Constituição só define e baliza, o campo, dentro de cujos limites cabe à lei 
 ordinária modelar as soluções a positivar. Se é certo que o legislador ordinário 
 não pode ultrapassar as marcas ou limites decorrentes da Constituição, ele pode 
 ficar muito aquém, não esgotando o campo de compressão constitucionalmente 
 tolerado. Vale por dizer que a solução definitiva do caso concreto é, em última 
 instância, um problema de interpretação e aplicação da lei ordinária.” 
 Assim a interpretação que foi dada pelo douto acórdão viola o estatuído nos 
 artigos 18° n° 2, 34° n° 1 e 32° n° 1, da CRP, na medida em que não houve o 
 necessário acompanhamento judicial permitindo-se que as escutas permanecessem 
 por longos períodos sem que o juiz tivesse conhecimento do seu conteúdo a fim 
 de, caso se justificasse, ordenar a sua cessação ou manutenção. 
 
  
 II
 O douto acórdão interpretou a norma constante do artigo 187° do CPP com o 
 sentido de que para se desencadear uma escuta telefónica apenas se exige que 
 haja “razões para crer que a diligência se revelará de grande utilidade para a 
 descoberta da verdade ou para a prova, nada mais se exigindo nomeadamente que 
 existam indícios do crime, ou da ponderação da possibilidade da investigação 
 prosseguir com outros meios de prova, para além da pendência de procedimento 
 criminal.” 
 Entendemos que esta norma deve ser interpretada com o sentido de que para além 
 da verificação dos crimes de catalogo enunciados nas alíneas do n° 1 do artigo 
 
 187°, do CPP, é mister que, em concreto, se verifiquem outros requisitos 
 nomeadamente os relativos à existência de suspeitas fundadas sobre o utilizador 
 do telefone em causa e ainda que o prosseguimento da investigação não possa 
 continuar com o recurso a outros meios de prova. 
 A interpretação sufragada no douto acórdão ofende os artigos 18° n° 2, 32° e 34° 
 da CRP na medida em que deixa a descoberto que um cidadão possa ser invadido na 
 sua privacidade com base na simples instauração de um processo crime desde que 
 esteja em causa um dos crimes mencionados no artigo 187° do CPP. Esta 
 possibilidade seria desproporcional na medida em que permitiria a invasão do 
 direito à palavra em casos da inexistência de suspeitas do cometimento de 
 qualquer crime. De resto a desproporcionalidade sempre existiria quando a 
 investigação fosse viável através de outros meios probatórios menos danosos. 
 Também sobre este ponto os Professores Figueiredo Dias e Costa Andrade se 
 pronunciaram no parecer junto a este recurso opinando a necessidade da 
 verificação de dois requisitos, para além da exigência de um crime de catálogo, 
 para a autorização de uma escuta telefónica: 
 
 “Em segundo lugar, exige-se uma suspeita qualificada da prática de um crime de 
 catálogo. 
 
 …
 Por outro lado, resulta seguro que não bastam «meras suposições ou boatos não 
 confirmados» e inconsistentes. Na clarificadora formulação de ROXIN: «Tem de 
 haver factos concretos a fundamentar a suspeita de que alguém praticou, como 
 autor ou participante» de um ou mais crimes do catálogo. 
 
 …
 Decisiva, em terceiro lugar, a exigência da subsidiariedade da escuta. 
 Acolhendo-nos mais uma vez a lição de ROXIN, sendo de natureza subsidiária, a 
 escuta «só pode ter lugar quando a investigação dos factos ou a descoberta do 
 lugar onde se encontra o suspeito seria, de outra forma, impossível ou 
 resultaria essencialmente dificultada». Para expressar esta mesma exigência, 
 serviu-se o legislador português da fórmula «houver razões para crer que a 
 diligência se revelará de grande interesse para a descoberta da verdade ou para 
 a prova»” 
 
  
 III
 Por último, o douto acórdão interpretou a norma constante do artigo 188° n° 3 do 
 CPP, com o sentido de que o juiz não tem de tomar conhecimento de todo o 
 material gravado a fim de ordenar a transcrição dos diálogos que entender 
 relevantes para a prova. 
 Repare-se que o recorrente não contesta a relevância do material gravado nem 
 sequer a circunstância de o juiz ter ordenado a transcrição das sessões 
 indicadas pelo OPC. O que entendemos violar a Constituição é a circunstância de 
 o juiz não ter tomado conhecimento de todo o material gravado e, na sequência, 
 ordenar a transcrição de todas ou parte das sessões sugeridas pelo OPC e bem 
 assim ordenar a transcrição daqueles diálogos não sugeridos pelo OPC que 
 entendesse relevantes para a prova. Ora só podia tomar posição sobre esta última 
 parte caso tivesse ouvido ou tomado conhecimento de todo o material gravado. 
 A interpretação dada pelo douto acórdão contende com o estatuído nos artigos 18° 
 n° 2, 32° e 34° da CRP, na medida em que apenas uma das partes – a acusação – 
 sugere a transcrição dos diálogos relevantes para a prova sem qualquer controlo 
 pelo juiz no sentido de ponderar se a parte do material gravado, mas cuja 
 transcrição não foi sugerida pelo OPC, também era relevante para a prova 
 designadamente para a defesa do suspeito.
 
  
 Cumpre decidir.
 
  
 II
 Fundamentação
 
  
 
 2.  Profiro para este caso Decisão Sumária, ao abrigo do nº 1 do artigo 78º‑A da 
 Lei do Tribunal Constitucional (Lei nº 28/82), por entender que, nele, o 
 Tribunal não pode conhecer do objecto do recurso.
 O recorrente A. pretende ter interposto, junto do Tribunal Constitucional, 
 recurso de constitucionalidade de normas nos termos da alínea b) do nº 1 do 
 artigo 280º da Constituição e da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do 
 Tribunal Constitucional.
 Contudo, o que na verdade e por um tal meio se vem requerer ao Tribunal é que 
 este julgue da constitucionalidade de uma decisão judicial por esta ter, 
 alegadamente, lesado de modo imediato direitos inscritos na Constituição. Ora, e 
 como se sabe, de um tal pedido – que configura o que, em certos ordenamentos 
 estrangeiros, se designa por queixa constitucional ou recurso de amparo – não 
 deve este Tribunal conhecer.
 
  
 
 3.  Pressupõe o recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) do nº 1 do 
 artigo 280º da Constituição, e na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do 
 Tribunal Constitucional, que a decisão judicial recorrida faça aplicação de 
 norma(s) cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
 Como tem dito, repetidamente, o Tribunal Constitucional, o conceito de norma – 
 como objecto do controlo de constitucionalidade – deve ser entendido 
 funcionalmente, como “regra de conduta para os particulares ou para a 
 Administração, ou [como] critério de decisão para esta última ou para o Juiz” 
 ou, em geral, como padrão de valoração de comportamentos (Acórdão nº 26/85, in 
 Acórdãos do Tribunal Constitucional, 5º vol., pp. 18-19).
 De acordo com esta orientação sedimentada, permanecem fora do objecto do 
 controlo de constitucionalidade – por se situarem também fora de qualquer 
 possível compreensão do conceito de norma ou de normatividade – as decisões 
 judiciais, enquanto actos de aplicação de regras ou padrões valorativos 
 pré‑determinados (Ibidem; e ainda Acórdão nº 172/93, in Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 24º vol., p. 459).
 Semelhante jurisprudência não pode deixar de se manter intacta nos casos em que 
 se considera que o objecto do controlo de constitucionalidade não é tanto “a 
 norma” em si – ou seja, a regra de conduta ou o padrão de valoração de 
 comportamentos tomados independentemente do modo da sua aplicação ao caso 
 concreto – quanto a interpretação normativa de tal regra ou padrão – ou seja, o 
 modo como, nos processos de fiscalização concreta, a norma é interpretada pelo 
 julgador.
 
 É evidente que, também em tais casos, terá o objecto do controlo de 
 constitucionalidade que ter natureza normativa, desde logo face ao disposto no 
 nº 1 do artigo 277º da Constituição.
 Ora, é uma tal natureza normativa que falta sempre que o pretenso recurso de 
 constitucionalidade for interposto, não tendo em conta o critério normativo que 
 orientou a decisão judicial – critério esse que há‑de ser identificado e 
 enunciado sem necessidade de referência às circunstâncias únicas e irrepetíveis 
 do caso concreto –, mas tendo em conta, somente, a “concreta e casuística 
 valoração das circunstâncias próprias e específicas de um caso concreto, em boa 
 medida indissociáveis da matéria de facto e das «presunções naturais» em que se 
 alicerça a conclusão do Tribunal” (Acórdão nº 81/2001, disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt). 
 
  
 
 4.  Pretende o recorrente ter suscitado durante o processo a 
 inconstitucionalidade de três normas do Código de Processo Penal – a saber, a 
 contida no nº 1 do artigo 187º, in fine; a contida no nº 1 do artigo 188º e a 
 contida no nº 3 do mesmo artigo – por violação do princípio da proporcionalidade 
 consagrado no artigo 18º, nº 2, da Constituição, e por violação dos direitos 
 fundamentais inscritos nos seus artigos 32º e 34º.
 Por isso, pretende ainda o recorrente (no recurso de constitucionalidade que 
 interpôs junto deste Tribunal) que a decisão nele recorrida (o acórdão do 
 Tribunal da Relação de Évora) aplicou efectivamente, ao caso, as normas cuja 
 inconstitucionalidade ele próprio antes suscitara. Estariam portanto perfeitos – 
 diz – os pressupostos de interposição do recurso, previstos tanto na alínea b) 
 do nº 1 do artigo 280º da Constituição quanto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º 
 da Lei do Tribunal Constitucional.
 Mas sem nenhuma razão o diz: na verdade, suscitada durante o processo foi a 
 inconstitucionalidade da decisão judicial em si mesma considerada e não a 
 inconstitucionalidade de qualquer norma. Senão vejamos.
 
  
 
 5.  A primeira questão de constitucionalidade que o recorrente suscita durante o 
 processo é a relativa à parte final do nº 1 do artigo 187º do CPP:
 
  
 A intercepção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas só podem 
 ser ordenadas ou autorizadas (…) se houver razões para crer que a diligência se 
 revelará de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova.
 
  
 Contudo, a alegação de inconstitucionalidade vem assim formulada: 
 
  
 Ora, a interpretação desta norma segundo a qual é possível autorizar uma 
 intercepção telefónica com base em suspeitas consubstanciadas no contacto 
 pessoal do visado com um indivíduo que é referenciado no crime indicado, bem 
 assim, a não ponderação, se no caso concreto era possível o prosseguimento da 
 investigação através de outros meios menos gravosos, inquina aquela norma de 
 inconstitucionalidade material porquanto ofende o estatuído nos artigos 18°, n° 
 
 2, 32° e 34° da CRP.
 
  
 Como é bem de ver, não é aqui identificado nem enunciado um qualquer critério 
 normativo que tenha orientado a decisão judicial e que possa valer para além da 
 irremediável singularidade do caso concreto. O que se impugna (por se entender 
 directamente lesiva dos preceitos constitucionais invocados) é a própria 
 valoração, feita pelo julgador, das circunstâncias próprias e específicas do 
 mesmo caso.
 
  
 
 6.  A segunda questão de constitucionalidade suscitada durante o processo é a 
 relativa ao nº 1 do artigo 188º do CPP, na parte em que este determina que
 
  
 Da intercepção e gravação a que se refere o artigo anterior é lavrado auto, o 
 qual (…) é imediatamente levado ao conhecimento do juiz que tiver ordenado ou 
 autorizado as operações (…)
 
  
 Contudo, e uma vez mais, o que aqui se contesta é a decisão judicial em si mesma 
 tomada e não uma qualquer dimensão normativa que a terá orientado e que possa 
 ser identificada independentemente das irrepetíveis especificidades do caso. 
 Afirma o recorrente a fls. 6608:
 
  
 Entendemos que tendo o material gravado sido levado ao conhecimento do juiz, e 
 este ter proferido despacho no sentido de ordenar a transcrição do material 
 relevante ou ordenar a desmagnetização daquele que entendeu desnecessário para a 
 prova, após mais de 2 meses desde o início das intercepções, não cumpre os 
 requisitos impostos pelo artigo 188° n° 1, designadamente da expressão 
 imediatamente, no sentido da existência de um acompanhamento da realização da 
 escuta pelo juiz. 
 Outra interpretação que não esta fere de inconstitucionalidade material a norma 
 constante do artigo 188° n° 1 do CPP por contender com o estatuído nos artigos 
 
 18°, nº 2, 32° n°s 1 e 8 e 34° n°s 1 e 4 da CRP.
 
  
 A afirmação contrasta com uma outra, que é sustentada pelo tribunal a quo na 
 própria decisão recorrida:
 
  
 Ora, face aos elementos a que o próprio arguido faz alusão, temos que, a 
 autorização para a referida intercepção havia cessado há apenas 4 dias, quando o 
 seu último resultado é levado ao conhecimento do juiz, sendo que, no decorrer de 
 tal autorização e, uma vez por mês, foi levado conhecimento ao juiz do decorrer 
 de tais intercepções e de quais os elementos delas resultantes e relevantes para 
 a prova.
 
  
 Como não cabe ao Tribunal Constitucional corrigir a forma pela qual o tribunal a 
 quo interpreta e aplica o direito ordinário – visto que tão somente lhe cabe 
 apurar se uma tal interpretação, aceite como um dado da questão, é ou não 
 constitucionalmente conforme (assim mesmo, Acórdão nº 4/2006, DR, II Série, nº 
 
 32, p. 2111) – a averiguação dos motivos que poderão explicar o contraste de 
 afirmações atrás descrito é coisa que se situa, naturalmente, fora do âmbito dos 
 poderes cognitivos deste Tribunal.
 
  
 
 7.  A terceira e última questão de constitucionalidade que o recorrente suscita 
 
 é a relativa ao nº 3 do artigo 188º do CPP: 
 
  
 Se o juiz considerar os elementos recolhidos, ou alguns deles, relevantes para a 
 prova, ordena a sua transcrição em auto e fá-lo juntar ao processo; caso 
 contrário, ordena a sua destruição, ficando todos os participantes nas operações 
 ligados ao dever de segredo relativamente àquilo de que tenham tomado 
 conhecimento. 
 
  
 A referida inconstitucionalidade é suscitada do seguinte modo:
 
  
 
 É esta a melhor interpretação a dar à norma constante do artigo 188° n° 3 do 
 CPP, ou seja, a de que é indispensável que conste documentação dos autos que 
 demonstre que o juiz ouviu todo o material gravado e tenha sido ele a escolher 
 as sessões consideradas relevantes para a prova não bastando ter conhecimento 
 apenas do conteúdo, ainda que resumido, das sessões sugeridas pelo OPC. 
 Outra interpretação fere de inconstitucionalidade material a norma constante do 
 artigo 188° n° 3 do CPP por contender com o estatuído nos artigos 18° n° 2, 32° 
 nºs 1, 5 e 8 e 34° n°s 1 e 4, todos da CRP.
 
  
 Também aqui se pede que o Tribunal Constitucional conheça de questões que estão, 
 naturalmente, fora do âmbito dos seus poderes cognitivos. Não é, com efeito, a 
 este Tribunal que cabe averiguar se, in casu, o juiz terá ouvido ou não todo o 
 material gravado; ou se, não o tendo feito, a sua decisão viola directamente a 
 Constituição.
 E nem se diga em contrário que, quanto a esta última questão, foi devidamente 
 identificada a dimensão normativa que terá orientado a decisão judicial (a 
 saber, que uma interpretação constitucionalmente conforme do nº 3 do artigo 188º 
 obrigaria que “consta[sse] documentado nos autos que o juiz ouviu todo o 
 material gravado”).
 A dificuldade em sustentar a idoneidade de uma tal “dimensão normativa” – como 
 quid susceptível de valer para além das especificidades do caso e das valorações 
 que para ele fez o legislador [julgador] – torna‑se patente quando se confrontam 
 os conteúdos das duas pretensas “normas” ou “dimensões normativas”: o conteúdo 
 daquela cuja inconstitucionalidade foi (pretensamente) suscitada durante o 
 processo e o conteúdo daquela outra que o tribunal a quo efectivamente aplicou.
 Os dois conteúdos não são coincidentes, sendo inevitável a sua não coincidência. 
 Como, durante o processo, se não chega nunca a colocar uma verdadeira questão de 
 inconstitucionalidade de normas, o conteúdo da questão que é suscitada apresenta 
 os contornos incertos e variáveis que decorrem da sua inextrincável ligação ao 
 caso concreto.
 
  
 III
 Decisão
 
  
 Por estes motivos decide‑se não conhecer do objecto do recurso, nos termos do nº 
 
 1 do artigo 78º‑A da Lei do Tribunal Constitucional (Lei nº 28/82).
 
  
 Diz-se na reclamação apresentada:
 
  
 A., por não se conformar com a douta decisão sumária proferida nestes autos, vem 
 da mesma reclamar para a conferência nos termos do n° 3 do art.° 78-A da Lei 
 
 28/82 de 15 de Novembro, pelos seguintes fundamentos:
 Entendeu a douta decisão agora em crise, que não estão reunidos os pressupostos 
 de interposição do recurso de constitucionalidade, pois durante o processo o 
 arguido não suscitou a inconstitucionalidade de qualquer norma mas sim da 
 própria decisão judicial recorrida. 
 
  
 N° 1 do artigo 187° do C.P.P. 
 Salvo o devido respeito, o que o arguido fez foi alegar a inconstitucionalidade 
 desta norma, com a interpretação dada pela decisão recorrida, norteada pelo caso 
 concreto. 
 Repare-se que o Tribunal da Relação de Évora, no seu acórdão’ aplicou 
 inquestionavelmente o art. 187º do CPP, com referência ao n°1 e n° 4 do art. 34° 
 da C.R.P., escrevendo que aquela norma, exige expressamente que haja “razões 
 para crer que a diligência se revelará de grande utilidade para a descoberta da 
 verdade ou para a prova”, nada mais se exigindo nomeadamente que existam 
 indícios do crime, ou a ponderação da possibilidade da investigação prosseguir 
 com outros meios de prova, para além da pendência de procedimento criminal. 
 Foi com esta interpretação, que o recorrente colocou em causa a 
 constitucionalidade da norma ínsita no n°1 do art. 187° do CPP. Ou seja, a 
 decisão recorrida entendeu que para se iniciar uma intercepção telefónica não 
 são necessários indícios do crime e que não se exige a ponderação da 
 possibilidade de a investigação da [sic] prosseguir com outros meios de prova. O 
 recorrente concretizou no seu requerimento de interposição de recurso para este 
 TC. 
 E a decisão da Relação de Évora, demonstra que compreendeu o sentido e alcance 
 da alegação de inconstitucionalidade que o arguido fez para aquele tribunal 
 superior. O acórdão recorrido apreciou a questão da inconstitucionalidade 
 levantada, e verifica-se que bem a compreendeu, expendendo sobre aquela variada 
 argumentação sempre associada à sua interpretação da lei fundamental. 
 E o recorrente, no seu requerimento de interposição do recurso de 
 inconstitucionalidade, fez precisamente o que lhe competia, individualizou a 
 interpretação que a Relação de Évora fez da norma constante do n°1 do art. 187° 
 do CPP:
 O douto acórdão interpretou a norma constante do artigo 187° do CPP com o 
 sentido de que para se desencadear uma escuta telefónica apenas se exige que 
 haja “razões para crer que a diligência se revelará de grande utilidade para a 
 descoberta da verdade ou para a prova, nada mais se exigindo nomeadamente que 
 existam indícios do crime, ou da ponderação da possibilidade da investigação 
 prosseguir com outros meios de prova, para além da pendência de procedimento 
 criminal.” 
 Adiantou ainda o ora recorrente qual a sua posição: 
 Entendemos que esta norma deve ser interpretada com o sentido de que para além 
 da verificação dos crimes de catálogo enunciados nas alíneas do n° 1 do artigo 
 
 187°, do CPP, é mister que, em concreto, se verifiquem outros requisitas 
 nomeadamente os relativos à existência de suspeitas fundadas sobre o utilizador 
 do telefone em causa e ainda que o prosseguimento da investigação não possa 
 continuar com o recurso a outros meios de prova. 
 Acrescentando ainda, sumariamente, algumas razões para a declaração de 
 inconstitucionalidade desta norma, socorrendo-se do teor do parecer junto a 
 estes autos da autoria dos professores Figueiredo Dias e Costa Andrade: 
 A interpretação sufragada no douto acórdão ofende os artigos 180 n° 2, 32° e 34º 
 da CRP na medida em que deixa a descoberto que um cidadão possa ser invadido na 
 sua privacidade com base na simples instauração de um processo crime desde que 
 esteja em causa um dos crimes mencionados no artigo 187° do CPP. Esta 
 possibilidade seria desproporcional na medida em que permitiria a invasão do 
 direito à palavra em casos da inexistência de suspeitas do cometimento de 
 qualquer crime. De resto a desproporcionalidade sempre existiria quando a 
 investigação fosse viável através de outros meios probatórios menos danosos. 
 Também sobre este ponto os Professores Figueiredo Dias e Costa Andrade se 
 pronunciaram no parecer junto a este recurso opinando a necessidade da 
 verificação de dois requisitos, para além da exigência de um crime de catálogo, 
 para a autorização de uma escuta telefónica: 
 
 “Em segundo lugar, exige-se uma suspeita qualificada da prática de um crime de 
 catálogo.
 
 … 
 Por outro lado, resulta seguro que não bastam «meras suposições ou boatos não 
 confirmados» e inconsistentes. Na clarificadora formulação de ROXIN: 
 
 «Tem de haver factos concretos a fundamentar a suspeita de que alguém praticou, 
 como autor ou participante» de um ou mais crimes do catálogo. 
 
 …
 Decisiva, em terceiro lugar, a exigência da subsidiariedade da escuta. 
 Acolhendo-nos mais uma vez à lição de ROXIN, sendo de natureza subsidiária, a 
 escuta «só pode ter lugar quando a investigação dos factos ou a descoberta do 
 lugar onde se encontra o suspeito seria, de outra forma, impossível ou 
 resultaria essencialmente dificultada». Para expressar esta mesma exigência, 
 serviu-se o legislador português da fórmula «houver razões para crer que a 
 diligência se revelará de grande interesse para a descoberta da verdade ou para 
 aprova»” 
 O tribunal recorrido formou pois, sobre a norma aplicada um juízo de 
 constitucionalidade, que constitui a ratio decidendi da decisão. 
 Salvo o devido respeito, a questão da constitucionalidade foi colocada durante o 
 processo, de forma clara para que o tribunal recorrido possa saber que tem 
 aquela questão para resolver.
 E resolveu-a da forma que melhor entendeu, aplicando as normas colocadas em 
 crise pelo recorrente. 
 Diga-se aliás, e salvo o devido respeito, que, os apontados critérios 
 jurisprudenciais não hão-se ser tomados rigidamente, de jeito a não permitir o 
 recurso quando ao interessado se depare uma decisão relativamente à qual não 
 seria razoável exigir uma prognose de um conteúdo e de um despacho inesperados, 
 anómalos ou excepcionais.
 
 É que o critério normativo que veio a ser adoptado pelo acórdão agora recorrido, 
 foi de todo inesperado, mesmo confrontado com a decisão de 1ª instância, por 
 acolher um entendimento que vai contra toda a jurisprudência e doutrina 
 autorizada. 
 
  
 N° 1 do artigo 188° do CPP 
 Também aqui, entendeu a douta decisão sumária agora em crise, que o arguido 
 atacou a decisão judicial e não uma qualquer dimensão normativa. 
 Salvo o devido respeito, discordamos desta apreciação. 
 Esta questão, relacionada com a expressão imediatamente, já foi alvo de vários 
 acórdãos pelo tribunal constitucional. Pelo que a interpretação normativa dada 
 pela decisão recorrida àquela expressão, ínsita na norma do n°1 do art.° 188° do 
 CPP, decidirá da constitucionalidade da norma. 
 Como se sabe, é no caso concreto que o Tribunal Constitucional deve analisar a 
 eventual violação da lei fundamental. 
 Pode-se seguramente isolar na argumentação da recorrente, imediatamente anterior 
 
 à decisão recorrida, a suscitação, com suficiente precisão, de uma questão de 
 inconstitucionalidade normativa referida ao n° 1 do artigo 188° do CPP este só 
 será constitucionalmente 1egítimo face ao artigo 34° n° 4 da Lei Fundamental, 
 quando os lapsos de tempo aí em causa sejam entendidas em termos 
 quantitativamente restritivos. 
 O recorrente cumpriu por isso todos os pressupostos para que o seu recurso seja 
 aqui conhecido. 
 O acórdão da relação, interpretou a norma em causa, com o critério normativo que 
 o recorrente colocou perante este TC: 
 Resulta do autos que as intercepções foram autorizadas e apresentadas ao juiz, 
 dentro do prazo concedido pelo mesmo, sendo ainda de entender-se que o 
 
 “imediatamente” significa “no mais curto prazo possível” devendo atender-se às 
 dificuldades próprias da tarefa e as disponibilidades dos meios técnicos e 
 humanos para o efeito …
 Daqui, logo resulta, que o acórdão recorrido compreendeu bem a questão da 
 constitucionalidade que lhe foi colocada, dela decidindo, interpretando a norma 
 do n°1 do art. 188º do CPP, com um critério normativo que julgamos 
 inconstitucional. 
 E o recorrente, no seu recurso de inconstitucionalidade, levantou precisamente a 
 interpretação normativa constante do acórdão recorrido: 
 O douto acórdão interpretou a norma constante do artigo 188° n°1, do CPP, com o 
 sentido de que a expressão “imediatamente” aí inserida, deve ser entendida, “no 
 mais curto prazo possível devendo atender-se às dificuldades próprias da tarefa 
 e as disponibilidades dos meios técnicos e humanos para o efeito.” 
 Ou seja, o douto acórdão de que agora se recorre, entende que se verificou 
 correcto acompanhamento judicial das escutas telefónicas ainda que o material 
 gravado viesse a ser junto aos autos alguns meses depois do início das 
 intercepções. No caso concreto o juiz tomou conhecimento de uma primeira parte 
 do material gravado 3 meses e 4 dias após o início das intercepções enquanto que 
 tomou conhecimento de uma segunda parte do material gravado 2 meses e 7 dias 
 após a intercepção desse material. 
 Acrescentando, algumas razões, socorrendo-se a um excerto do parecer elaborado 
 pelos professores Figueiredo Dias e Costa Andrade nestes autos: 
 A este propósito a defesa solicitou parecer aos Professores Jorge Figueiredo 
 Dias e Manuel da Costa Andrade que opinaram: “na certeza em qualquer caso de 
 que, em matéria de intromissões ou invasões dos direitos fundamentais, a 
 Constituição só define e baliza, o campo, dentro de cujos limites cabe à lei 
 ordinária modelar as soluções a positivar. Se é certo que o legislador ordinário 
 não pode ultrapassar as marcas ou limites decorrentes da Constituição, ele pode 
 ficar muito aquém, não esgotando o campo de compressão constitucionalmente 
 tolerado. Vale por dizer que a solução definitiva do caso concreto é, em última 
 instância, um problema de interpretação e aplicação da lei ordinária.” 
 O Tribunal da Relação de Évora, compreendeu a questão de inconstitucionalidade 
 que lhe foi colocada, pois acabou por aplicar a norma fazendo uma interpretação 
 normativa, que o recorrente veio a isolar neste recurso para o TC. 
 Cumpriu-se pois todos os requisitos para o recurso de inconstitucionalidade. 
 Por fim, e sempre com o devido respeito, nada impede o Tribunal Constitucional 
 de apreciar a norma numa dimensão mais ou menos extensa do que aquela que vem 
 delimitada pelo recorrente. Todas as questões que vieram agora a ser decididas 
 pelo acórdão recorrido, estiveram sempre em discussão nestes autos, tendo sido 
 sempre respondidas pelo acórdão recorrido.
 
  
 O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional respondeu 
 pela seguinte forma à referida reclamação:
 
  
 
 1°
 A presente reclamação é, a nosso ver, improcedente. 
 
 2°
 Radicando a argumentação do reclamante na circunstância de não ter na devida 
 conta a natureza estritamente normativa da fiscalização de constitucionalidade 
 cometida a este Tribunal Constitucional. 
 
 3°
 Movendo-se, consequentemente, no âmbito de um verdadeiro “recurso de amparo”, 
 direccionado, não contra qualquer critério normativo efectivamente aplicado à 
 dirimição do caso, mas na perspectiva de uma análise estritamente concreta e 
 casuística da intercepção e gravação de comunicações telefónicas realizadas no 
 processo. 
 
 4º
 Não cabendo obviamente no âmbito do referido controlo normativo a ponderação das 
 possibilidades concretas de prosseguimento das investigações, por outros meios; 
 a definição do prazo exacto em que o juiz que autorizou as escutas deve proceder 
 ao respectivo controlo, em função de uma directa análise dos factos processuais 
 relevantes; e a verificação do grau de “diligência” com que tal controlo foi, no 
 caso concreto, porventura exercitado.
 
  
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
  
 II
 Fundamentos
 
  
 
 2.  No recurso de constitucionalidade que procurou interpor junto do Tribunal 
 Constitucional, o reclamante A. invocou a inconstitucionalidade de três normas 
 do Código de Processo Penal: a contida no nº 1 do artigo 187º, in fine, a 
 contida no nº 1 do artigo 188º e a contida no nº 3 do mesmo artigo.
 Por Decisão Sumária, o Tribunal não conheceu do objecto do recurso na sua 
 totalidade, isto é, quanto às três normas cuja inconstitucionalidade fora 
 invocada.
 Vem agora A. reclamar para a Conferência desta mesma decisão apenas no que diz 
 respeito ao exame das duas primeiras normas atrás referidas. Assim sendo, 
 relativamente à terceira – a contida no nº 3 do artigo 188º do Código de 
 Processo Penal – fixa‑se o conteúdo da Decisão Sumária.
 
  
 
  
 
 3.  Quanto às restantes normas, sustenta o reclamante que o recurso de 
 constitucionalidade que pretende interpor cumpre, efectivamente, os pressupostos 
 exigidos pela alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82 (Lei do Tribunal 
 Constitucional). 
 Assim não é, porém.
 Como muito bem se sabe – e como inúmeras vezes tem sido repetido pela 
 jurisprudência constitucional – através deste tipo de recursos [previstos, antes 
 do mais, pela alínea b) do nº 1 do artigo 280º da Constituição] só pode o 
 Tribunal Constitucional conhecer de questões relativas à constitucionalidade de 
 normas. As decisões judiciais, em si mesmas consideradas, não são, em direito 
 português, objecto do controlo de constitucionalidade. Nas palavras do Acórdão 
 nº 44/85: “saber se a norma era ou não aplicável ao caso, ou se foi ou não bem 
 aplicada – isso é da competência dos tribunais comuns, e não da competência do 
 Tribunal Constitucional” (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 5, 1985, p. 
 
 408).
 A exigência de prévia suscitação da questão de constitucionalidade [prévia, 
 note‑se, à prolação da decisão recorrida] faz todo o sentido, no quadro dos 
 pressupostos de um recurso de constitucionalidade assim estruturado. Tratando‑se 
 este de um recurso que incide sobre normas e não sobre decisões, lógico é que se 
 pressuponha que o tribunal a quo, de cuja sentença se recorre, tenha nessa mesma 
 sentença aplicado a norma cuja constitucionalidade, antes, durante o processo, 
 se questionou.
 
  
 
  
 
 4.  Como se disse na Decisão Sumária reclamada, toda esta orientação se mantém 
 intacta – não pode deixar de se manter intacta – para aqueles casos em que se 
 considera que objecto do controlo de constitucionalidade não é tanto a “norma”, 
 isoladamente tomada, mas antes a “sua dimensão interpretativa” – ou seja, o modo 
 pelo qual o julgador, num processo de fiscalização concreta, interpretou a regra 
 de conduta ou o padrão de valoração de comportamentos aplicável ao caso. É 
 evidente que também para estes casos se mantém a exigência de suscitação prévia 
 da questão de constitucionalidade. Ponto é que essa mesma questão tenha conteúdo 
 ou dimensão normativa, ou seja, possa ser identificada, e enunciada, sem 
 necessidade de referências às circunstâncias únicas e irrepetíveis do caso 
 concreto. Uma questão que só possa ser enunciada e identificada com referência 
 
 às particularidades do caso, à matéria de facto que nele se julgou e às 
 valorações que para ela fez o julgador não tem dimensão normativa.
 
  
 
  
 
 5.  A reclamação agora apresentada por A. apoia‑se, toda ela, na pretensa 
 inconstitucionalidade das normas que, segundo afirma, teriam sido aplicadas pelo 
 Tribunal da Relação de Évora na decisão recorrida. No entanto, quanto à 
 exigência de prévia suscitação da questão de constitucionalidade – entendida no 
 sentido atrás precisado – nada de novo diz. Bem pelo contrário: como, a certa 
 altura (fls. 316 dos autos) parece querer introduzir, em seu favor, a tese – não 
 fundamentada – segundo a qual tal decisão teria constituído uma verdadeira 
 
 “decisão surpresa”, o reclamante acaba assim por admitir que não cumpriu a 
 exigência da prévia suscitação da questão de constitucionalidade normativa. 
 Aliás, e justamente porque tal sucede, nunca chega a haver coincidência entre o 
 conteúdo da norma, que é efectivamente aplicada na decisão recorrida pelo 
 tribunal a quo, e o conteúdo da (pretensa) norma cuja inconstitucionalidade 
 fora, antes, alegada durante o processo. Diz o reclamante que o juiz de 
 instrução não ponderou a decisão de autorização de escutas; sustenta o contrário 
 a decisão recorrida. Diz o reclamante que o juiz não tomou conhecimento, em 
 tempo côngruo, das escutas que ele próprio autorizara; sustenta o contrário a 
 decisão recorrida. De nenhuma destas questões deve, evidentemente, o Tribunal 
 Constitucional conhecer.
 São por isso de manter todas as objecções feitas pela Decisão Sumária reclamada, 
 quanto ao preenchimento do pressuposto processual relativo à exigência de prévia 
 suscitação da questão de inconstitucionalidade da norma.
 
  
 
  
 III
 Decisão
 
  
 Pelos fundamentos expostos, decide‑se indeferir a reclamação, mantendo‑se a 
 Decisão Sumária reclamada.
 
  
 
  
 Custas pelo reclamante, fixando-se em  20  u.c. a taxa de justiça. 
 
  
 
  
 Lisboa, 26 de Junho de 2007
 Maria Lúcia Amaral
 Carlos Fernandes Cadilha
 Gil Galvão