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Processo n.º 499/06 
 
 1ª Secção
 Relator: Conselheiro Carlos Pamplona Oliveira
 
 
 ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 1ª SECÇÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
 
  
 Relatório
 
 1.         A fls. 445 foi preferida a seguinte decisão sumária:
 
  
 A., LDA. recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 
 do artigo 70º da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro (LTC), do acórdão proferido em 
 
 14 de Março de 2006 na 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo que negara 
 provimento ao recurso jurisdicional interposto da sentença proferida no tribunal 
 administrativo de 1ª instância pela qual improcedera o recurso contencioso 
 interposto contra o despacho da Vereadora do Urbanismo da Câmara Municipal de 
 Lisboa, de 28 de Junho de 1999, que indeferiu o pedido formulado pela recorrente 
 de licenciamento para construção de um edifício de habitação em prédio sito na 
 Rua Xavier Araújo, em Benfica, Lisboa.
 Esclareceu, a convite do Tribunal, que o recurso tinha como objecto 'a questão 
 de inconstitucionalidade das normas dos artigos 69.º e 70.º do Regulamento do 
 PDM de Lisboa, ratificado pela RCM 94/94, de 29 de Setembro (DR, I Série-B, de 
 
 29/09/1994)', pretendendo a recorrente 'questionar a dimensão normativa das 
 referidas disposições regulamentares, no sentido em que estas foram 
 interpretadas no douto aresto recorrido, considerando-as aplicáveis a pedido de 
 licenciamento apresentado na sequência de diversos actos administrativos 
 constitutivos de direitos anteriores à publicação e entrada em vigor daquele 
 instrumento de gestão territorial, não salvaguardando os efeitos produzidos por 
 aqueles actos que o antecederam' e, ainda, na 'dimensão normativa e sentido em 
 que foram interpretadas no douto aresto recorrido, considerando que consagram 
 restrições urbanísticas de carácter preventivo que não estariam sujeitas a 
 qualquer prazo de caducidade'. 
 Do aresto recorrido foi ainda interposto recurso por oposição de julgados para o 
 Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal 
 Administrativo, julgado findo por acórdão de 6 de Março de 2007 que não admitiu 
 a invocada oposição de jurisprudência. Depois disso, o processo foi remetido ao 
 Tribunal Constitucional, onde deu entrada em 10 de Janeiro de 2008.
 A recorrente fez, então, saber que mantém interesse no julgamento do presente 
 recurso. 
 Cumpre, por isso, verificar se ocorrem os requisitos que a lei impõe.
 Recorde-se que o recurso em causa tem natureza puramente normativa, pelo que não 
 
 é possível, através dele,  sindicar directamente a decisão recorrida ou os 
 juízos jurisdicionais nela contidos.
 Deverá, assim, verificar-se se a questão que é colocada ao Tribunal tem natureza 
 normativa, isto é, se se traduz na acusação de inconstitucionalidade de norma 
 efectivamente aplicada como ratio decidendi na decisão recorrida; tal implica 
 que haja identidade perfeita entre a norma aplicada e aquela que é definida pelo 
 recorrente como objecto do seu recurso.
 Ora, salta à vista que ao pretender sindicar artigos 69.º e 70.º do Regulamento 
 do PDM de Lisboa no entendimento de que tais normas seriam 'aplicáveis a pedido 
 de licenciamento apresentado na sequência de diversos actos administrativos 
 constitutivos de direitos anteriores à publicação e entrada em vigor daquele 
 instrumento de gestão territorial, não salvaguardando os efeitos produzidos por 
 aqueles actos que o antecederam', a recorrente está a querer sindicar a decisão 
 recorrida e não a norma aplicada, pois é manifesto que o Supremo Tribunal 
 Administrativo não a interpretou desta forma, ao contrário, aliás, do que 
 pretendia a recorrente.
 Diz – com marcada clareza – a decisão recorrida:
 
  
 II.2.2. Assim sendo, isto é, revelando-se insubsistente algum direito 
 
 (decorrente de anterior aprovação de algum aproveitamento urbanístico almejado 
 pela recorrente) adquirido ou interesse legítimo verificado na vigência do 
 Dec.-Lei 166/70, falece o pressuposto essencial de que arrancou (e com o que 
 continua a esgrimir) a recorrente, perdendo todo o sentido falar de (não) 
 caducidade de actos de licenciamento ou aprovação de obras daí decorrentes. 
 II.2.3. Não se verificando, pois, como subsistente na ordem jurídica alguma 
 decisão administrativa que pudesse condicionar (ou que de algum modo devesse 
 conformar) a Administração, nada obstava, bem pelo contrário, a que a algum 
 pedido de aproveitamento urbanístico deduzido fosse aplicável a disciplina 
 normativa então vigente. Isto é, a um pedido como o formulado a 17.07.96 teria 
 que se aplicar o que dimanava do DL 445/91, e, para o que vai ver-se de seguida, 
 o disposto no Artigo 52.º, nº 2, alínea a), com referência ao que decorre do 
 art. 70.º do RPM, aprovado pela RCM 94/944 (cuja invocada inaplicabilidade perde 
 qualquer sentido face à insubsistência de algum anterior direito da recorrente, 
 como se viu) e que, como deflui da Mª de Fº (cf. alínea g), considera o terreno 
 em causa como inserido em área de estruturação urbanística habitacional, ali 
 identificada e, como tal, e segundo aqueles normativos, sujeito às 
 prescrições/autorizações decorrentes de um plano de urbanização que à data do 
 acto impugnado, e como regista a Mª de Fº (cf. alínea g.4.), ainda se encontrava 
 em elaboração no competente departamento da CML. 
 Nem se diga, como pretende a recorrente, que aqueles art.s 69.º e 70.º do RPM 
 consubstanciam medidas preventivas, e, como tal, e por força do disposto no art. 
 
 112.º/2 do DL 380/99, de 22 de Setembro, à data do acto impugnado (28.06.99) já 
 haviam caducado, sem o que aqueles dispositivos dos art.s 69.º e 70.º violariam 
 os art.s 2.º, 9.º, 13.º, 18.º, 62.º e 266.º da CRP. 
 Vejamos: 
 Face ao que decorre do art. 107.º do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão 
 Territorial — RJIGT —, contido no Decreto-Lei n.º 380/99 de 22 de Setembro, bem 
 como face ao que já decorria do art. 7.º do DL 69/90 de 2/MAR, as medidas 
 preventivas, e como se escreveu no acórdão deste STA de 06-07-2004, (Rec. nº 
 
 0619/04), constituem “regulamentos que têm como objectivo garantir para uma área 
 que tem em preparação um plano ou a sua revisão, que a liberdade de decisão não 
 fique condicionada por decisões entretanto tomadas em processos individuais com 
 base nos regimes que se pretendem alterar, de tal forma que inviabilize os 
 objectivos do planeamento. 
 
 “São medidas”, mais ali se disse, “sujeitas ao critério da necessidade, de 
 
 âmbito territorial limitado e de âmbito temporal também efémero, não podendo 
 vigorar por mais de dois nos e que deixam de vigorar quando entrar em vigor o 
 plano que motivou a sua emissão.”
 São, em suma, prescrições destinadas a evitar a alteração das circunstâncias e 
 das condições de facto existentes que possam limitar a liberdade de planeamento 
 ou comprometer ou tornar mais onerosa a execução do plano como refere o art. 
 
 107.º do RJIGT. 
 Ora, atentando no RPM constata-se desde logo que, como medidas preventivas (que 
 
 “prevalecem sobre as disposições do presente Regulamento”) apenas são referidas 
 as registadas no artigo 126.º, n.º 1, alínea a). 
 Por outro lado, e como de mais relevante, importa referir que o que se prescreve 
 no citado artigo 70.º do RPM não consubstancia alguma norma temporária, antes 
 sim estatuições (regras supletivos, como ali são denominadas, mas nunca de 
 carácter temporalmente efémero) de ordenamento urbanístico que na área em causa 
 e na falta dos aludidos planos apenas consentem as obras ali enunciadas, e desde 
 que se não esteja perante “construções ilegais”, como ainda ali se entendeu 
 sublinhar, modelando do modo ali prescrito os poderes de uso e fruição dos 
 imóveis respectivos. 
 E, um tal entendimento, não é de molde a afrontar algum princípio 
 constitucional, concretamente contido nalgum dos dispositivos contidos nos artºs 
 
 2.º, 9.º, 13.º, 18.º, 62.º e 266.º da CRP como a recorrente, de resto sem o 
 substanciar, invoca. 
 
 À falta de tal materialização, e face ao que está em causa, sempre se dirá que, 
 estando perante um acto que denegou uma dada pretensão construtiva, nunca o 
 mesmo poderia ter violado o direito fundamental de propriedade, como irá ver-se. 
 
 
 Efectivamente, como vem sendo reiteradamente afirmado pela doutrina e 
 jurisprudência, o jus aedificandi (direito de edificar) não se inclui no direito 
 de propriedade privada, a que se refere o art. 62.º da CRP, sendo antes o 
 resultado de uma atribuição jurídica pública decorrente do ordenamento jurídico 
 urbanístico pelo qual é modelado. Por isso, os poderes de uso, fruição e 
 disposição em que o direito de propriedade se manifesta só podem ser exercidos 
 se se contiverem dentro dos limites de tal modelação e respeitarem as restrições 
 por ela impostas. 
 A propósito, e em tal sentido, poderá ver-se abundante jurisprudência deste STA. 
 Citam-se, a título de exemplo os seguintes acórdãos: de 30/09/1997 (rec. 35751), 
 de 18/02/1998 (rec. 27816-P), de 24/05/2000 (rec. 41194), de 24/01/2001 (rec. 
 
 40923), de 12/12/2001 (rec. 34981-P), de 07/03/2002 (rec. STA 48179) e de 
 
 26/SET02 (rec. 485), de 12 de Novembro de 2002 (Rec. 307/02), de 26 de Setembro 
 de 2002 (Rec. 485.02.12) e de 31-03-2004 (Rec. 035338-P). Como jurisprudência do 
 TC, poderão ver-se, v.g., o Ac. n.º 377/99 — Proc. n.º 501/96 de 22 de Junho de 
 
 1999 (in DR II n.º 49, de 28 de Fevereiro de 2000) e o AC. n.º. 544/2001 — Proc. 
 n.º 194/01, com citação de muita outra jurisprudência e doutrina. 
 Em síntese, e em conclusão, ao pedido de aproveitamento urbanístico por si 
 formulado a 17.07.96 haveria que aplicar-se o que decorre dos art.s 69.º e 70.º 
 do RPM, aprovado pela RCM 94/94, pelo que, e face ao que dimana do art. Artigo 
 
 52.º, n.º 2, alínea a) do DL 445/91, o invocado deferimento tácito, a ter-se 
 formado, mostrar-se-ia fulminado de nulidade em virtude de um tal acto ser 
 desconforme a prescrições/autorizações legalmente exigíveis, e que, no caso, não 
 consentiam a construção de “quaisquer obras novas”. 
 Ou seja, o silêncio da Administração, gerador do pretenso acto tácito, teria 
 recaído sobre um requerimento sujeito àqueles condicionamentos. 
 E, como é sabido, e segundo o regime jurídico-administrativo em causa, o acto 
 tácito mais não significa que a lei, em certas circunstâncias, mandar 
 interpretar para certos efeitos a passividade ou o silêncio de um órgão 
 administrativo como significando o deferimento ou o indeferimento do pedido, 
 quando sobre o mesmo tinha obrigação de se pronunciar, com vista a proteger o 
 interessado contra uma tal passividade. Só que, no caso, e relativamente a um 
 processo em que a Administração devia intervir nos aludidos termos, a admitir-se 
 que o seu silêncio significava o deferimento do pedido, face ao que alegadamente 
 dimana do que se contém nas mencionadas disposições legais, o mesmo teria, como 
 se viu, e se disse na sentença, de se considerar nulo. 
 II.2.4. Do antes exposto, e essencialmente porque não pode considerar-se como 
 subsistindo na esfera jurídica da recorrente, à data do acto impugnado, qualquer 
 acto administrativo (expresso ou tácito) que a tivesse investido (ou mantido) no 
 direito ou interesse legítimo que invoca (isto é, na pretensão de construir que 
 almejava e denegado pelo acto impugnado), e bem assim que pré-determinasse a 
 aferição do pedido a que se refere o ponto b) da Mª de Fº, também improcede 
 forçosamente a invocada ilegal revogação de actos administrativos constitutivos 
 de direitos por parte do ACI, assim improcedendo, e sem necessidade de outras 
 considerações, tudo a que a tal respeito é invocado pela recorrente, e que 
 perpassa por boa parte da sua alegação. 
 
  
 Ao contrário do que argumentava a recorrente, o acórdão recorrido concluiu, como 
 se vê, que os aludidos preceitos seriam aplicáveis ao pedido de licenciamento 
 formulado pelo recorrente, pois desconsiderou a invocada 'sequência de diversos 
 actos administrativos constitutivos de direitos anteriores à publicação e 
 entrada em vigor daquele instrumento de gestão territorial' julgando totalmente 
 irrelevantes quaisquer efeitos produzidos por aqueles actos.
 Na mesma linha se inscreve a questão suscitada também a propósito dos referidos 
 artigos 69.º e 70.º do Regulamento do PDM de Lisboa, mas agora reportada à 
 
 'dimensão normativa' segundo a qual tais normas 'consagram restrições 
 urbanísticas de carácter preventivo que não estariam sujeitas a qualquer prazo 
 de caducidade'. 
 Na verdade, o aresto não perfilhou um entendimento totalmente concordante com a 
 questionada 'dimensão', pois – como se lê no transcrito texto – recusou atribuir 
 a estas normas carácter preventivo, antes ponderou que o que se prescreve no 
 citado artigo 70.º do RPM não consubstancia alguma norma temporária, antes sim 
 estatuições (regras supletivos, como ali são denominadas, mas nunca de carácter 
 temporalmente efémero) de ordenamento urbanístico que na área em causa e na 
 falta dos aludidos planos apenas consentem as obras ali enunciadas, e desde que 
 se não esteja perante “construções ilegais”, como ainda ali se entendeu 
 sublinhar, modelando do modo ali prescrito os poderes de uso e fruição dos 
 imóveis respectivos.
 Porém, mais significativo é esta matéria surgir como um argumento destinado a 
 moldar uma determinada solução, que não uma autónoma acusação de 
 inconstitucionalidade à norma.
 E a prova disto é a circunstância de os preceitos de que falamos apresentarem 
 estatuições plúrimas, e não se saber – porque o recorrente não a identifica – 
 qual foi efectivamente a regra adoptada pela decisão em análise. É que, sem 
 poder desligar-se a questão do complexo preceito legal contido no artigo 69º, a 
 verdade é que mesmo o artigo 70º do Regulamento em causa comporta pelo menos 3 
 normas, aplicáveis a diversas situações, e nenhuma delas é apontada como tendo 
 sido adoptada pelo aresto em análise.
 Nestes termos, não é possível conhecer-se do presente recurso. Decide-se, por 
 isso, com fundamento no artigo 78º-A n.º 1 da LTC, não conhecer do seu objecto.
 
  
 
 2.
 Contra esta decisão reclama a recorrente dizendo, essencialmente, o seguinte:
 
  
 A., LDA., recorrente no processo à margem referenciado, não se conformando com a 
 douta decisão sumária de 2008.01.24, vem, ao abrigo do art. 78º-A da LTC, 
 reclamar para a conferência, nos termos e com os fundamentos seguintes: 
 
 1. [...] a ora reclamante recorreu, em 2005.02.04, para a Secção do Contencioso 
 Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo (STA), invocando nas 
 conclusões 8.ª e 12.ª das respectivas alegações de recurso, as seguintes 
 questões de inconstitucionalidade: 
 
 “8.ª Os referidos actos constitutivos de direitos são muito anteriores à entrada 
 em vigor do PDM de Lisboa, ratificado pela RCM 94/94, de 29 de Setembro (v. DR, 
 I Série B, de 1994.09.29, págs. 5916 e segs.), pelo que este instrumento de 
 ordenamento do território é inaplicável in casu e nunca poderia determinar o 
 indeferimento da pretensão formulada pela recorrente (v. arts. 119.º e 266.º da 
 CRP e arts. 12.º e 13.º do Cód. Civil) — cfr. texto nºs. 13 e 14; 
 
 12.ª Os arts. 69.º e 70.º do Regulamento do PDM de Lisboa, interpretados no 
 sentido de não estarem sujeitos a qualquer prazo de caducidade, são 
 inconstitucionais por violação dos arts. 2º, 9º, 13º, 18º, 62º e 266º CRP, pois 
 os particulares ficariam indefinidamente impedidos de aproveitar 
 urbanisticamente terrenos situados em zonas urbanas, sem qualquer compensação — 
 cfr. texto nºs. 17 e 18”. 
 Por Acórdão da 1.º Secção do STA, de 2006.03.14, foi negado provimento ao 
 recurso jurisdicional interposto pela ora reclamante. 
 Não se conformando com o referido aresto, a ora reclamante recorreu para este 
 Venerando Tribunal Constitucional, invocando novamente as referidas questões de 
 inconstitucionalidade. 
 Por despacho proferido pelo Senhor Conselheiro Relator, da 1.º Secção do STA, de 
 
 2006.04.30, foi admitido o referido recurso interposto para o Tribunal 
 Constitucional quanto às questões de inconstitucionalidade suscitadas pela ora 
 reclamante. 
 Na douta decisão sumária ora reclamada decidiu-se que não podia tomar-se 
 conhecimento do recurso interposto, pois: 
 a) A recorrente “ao pretender sindicar os artigos 69.º e 70.º do Regulamento do 
 PDM de Lisboa (...) está a querer sindicar a decisão recorrida e não a norma 
 aplicada (sendo que) o acórdão recorrido concluiu (...) que os aludidos 
 preceitos seriam aplicáveis ao pedido de licenciamento formulado nela 
 recorrente” (v. fls. 2 e 5). 
 b) A recorrente não cumpriu o ónus de definição das normas jurídicas julgadas 
 inconstitucionais pois “os preceitos (...) apresent(am) estatuições plurimas 
 
 (...) e nenhuma delas é apontada como tendo sido adoptada pelo aresto em 
 análise” (v. fls. 6). 
 Salvo o devido respeito, cremos que a decisão reclamada não pode manter-se. 
 Vejamos. 
 
 2. No caso sub judice verifica-se que o pedido de licenciamento de construção 
 apresentado pela ora reclamante na Câmara Municipal de Lisboa foi indeferido por 
 despacho da Senhora Vereadora Margarida Magalhães, de 1999.06.28, num simples 
 
 “concordo”. 
 No despacho em causa declara-se que se concorda com a informação do Senhor 
 Director do DMPGU, de 1999.06.02, que, por sua vez, remete para a proposta de 
 indeferimento formulada pelo Senhor Arquitecto Jorge Contreiras, em 1999.02.05, 
 com o seguinte teor: 
 
 “...propõe-se o indeferimento do processo sendo a fundamentação de facto o 
 incumprimento dos arts. 69.º e 70.º do RPDM e a fundamentação de direito o 
 incumprimento da b) do n.º 1 do art. 63.º do DL 445/91 com a nova redacção dada 
 pelo DL 250/94”. 
 O despacho sub judice indicou as referidas normas como fundamento da decisão de 
 indeferimento, não tendo contudo sido minimamente explicitadas as razões 
 jurídicas, face às “estatuições plurimas” emergentes das referidas normas, para 
 o indeferimento dos pedidos de aprovação de projectos e de licenciamento 
 apresentados. 
 Face à aplicação das referidas normas daquele instrumento de gestão territorial 
 a ora reclamante recorreu daquele acto de indeferimento para os Tribunais 
 Administrativos, invocando no decurso do recurso contencioso as questões de 
 inconstitucionalidade acima enunciadas. 
 Apesar de terem sido proferidas duas decisões judiciais a negar provimento à 
 pretensão formulada pela ora reclamante, em nenhum delas se indicou ou 
 concretizou, nos termos exigidos pela decisão sumária ora reclamada, qual das 
 
 “estatuições plurimas” dos preceitos em análise – arts. 69.º e 70.º do PDM de 
 Lisboa – foi subsumida e aplicada ao caso concreto, tendo-se concluindo apenas 
 no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 2006.03.14, que: [...] 
 Em qualquer dos casos, a impossibilidade de melhor identificação das normas em 
 causa nunca poderá ser imputada à ora reclamante, que suportou na sua esfera 
 jurídica as consequências do referido acto administrativo lesivo, tendo 
 procedido à sua impugnação pelas vias judiciais adequadas (v. art. 268º/4 da 
 CRP), invocando a inconstitucionalidade dos normativos em causa (v. arts. 2º, 
 
 9º, 130, 18º, 62º, 1190 e 266º da CRP). 
 
 [...] é manifesto que a decisão reclamada não pode manter-se. 
 
 3. Em primeiro lugar, a ora requerente não pretende e nunca pretendeu “sindicar 
 o mérito da decisão recorrida” proferida pelo STA, tendo apenas questionado a 
 constitucionalidade da dimensão normativa dos referidos preceitos, face ao 
 sentido e alcance que lhe foram atribuídos in casu (v. art. 70/1/b da LTC). 
 
 [...] 
 Contrariamente ao que consta da decisão reclamada, a ora recorrente não 
 pretendeu “sindicar a decisão recorrida”, mas sim a dimensão e alcance normativo 
 que foi atribuído aos arts. 69º e 70º do RPDM de Lisboa pela decisão recorrida. 
 
 [...] 
 No caso sub judice está em causa um recurso de constitucionalidade interposto 
 nos termos do art. 70º/l/b) da LTC de decisão de Tribunal que aplicou “norma 
 cuja inconstitucionalidade foi suscitada durante o processo”, pelo que nunca 
 poderia deixar de se entender que é “determinante do juízo a proferir o concreto 
 teor da decisão recorrida” (v. Ac. TC nº. 366/94, de 6 de Março, Proc. 226/94). 
 Ora, a requerente apenas questionou a constitucionalidade da dimensão normativa 
 restritiva atribuída no douto aresto recorrido às normas sindicadas, na medida 
 em que tal “sentido mediatizado pela decisão recorrida” (v. Ac. TC nº. 433/2006, 
 de 12 de Julho, Proc. 430/2006), afronta as normas e princípios constitucionais 
 consagrados nos arts. 2º, 90, 13º, 18º, 62º, 119º e 266º da CRP. 
 Trata-se assim claramente, nas palavras da decisão reclamada, de uma 
 
 “sindic(ância) (d)a decisão recorrida”, quanto ao sentido normativo atribuído às 
 normas impugnadas, mas assente na violação de parâmetros e critérios 
 constitucionais, pelos resultados e desconformidade constitucional de tal 
 interpretação, e não por simples critérios de “interpretação (da) decisão 
 recorrida” sobre a “aplica(bilidade) ao pedido de licenciamento formulado pela 
 recorrente” das normas impugnadas, discutindo-se, v.g., se tal interpretação 
 seria admissível ao abrigo do disposto nos arts. 12º e 13º do C. Civil (cfr. 
 art. 70º/1/b) da LTC). 
 No presente recurso, a ora requerente nunca questionou a admissibilidade de tal 
 interpretação, por violação de critérios de “interpretação (e) aplicabilidade” 
 das normas impugnadas, mas apenas a constitucionalidade das normas em causa com 
 o alcance, sentido e dimensão normativa que lhes foi efectivamente atribuído in 
 casu, pelo que se impõe a respectiva admissão (v. art. 70º/1/b) da LTC). 
 
 4. Em segundo lugar, a ora reclamante enunciou e definiu — como lhe competia — 
 as normas jurídicas que considerou inconstitucionais (v. art. 75º-A/1 e 2 da 
 LTC). 
 
 [...] 
 A ora reclamante identificou assim adequada e suficientemente a questão de 
 constitucionalidade (v. art. 75º-A/1 e 2 da LTC). 
 
 4.1. Por um lado, a ora reclamante referiu expressamente as normas constantes do 
 Regulamento do PDM de Lisboa, que considerou inconstitucionais no corpo das suas 
 alegações e conclusões de recurso. 
 
 4.2. Por outro lado, a ora reclamante indicou expressamente o sentido ou 
 critério normativo que foi atribuído às normas em causa pelo aresto recorrido, 
 que, além do mais, considerou-as aplicáveis a pedido de licenciamento na 
 sequência de diversos actos administrativos constitutivos de direitos anteriores 
 
 à publicação e entrada em vigor daquele instrumento de gestão territorial, não 
 salvaguardando os efeitos produzidos por aqueles actos que o antecederam, 
 desconsiderando que consagram restrições urbanísticas de carácter preventivo não 
 sujeitas a qualquer prazo de caducidade e restrições de carácter preventivo, 
 pelas quais os particulares ficariam indefinidamente impedidos de aproveitar 
 urbanisticamente terrenos situados em zonas urbanas, sem qualquer compensação ou 
 indemnização. 
 
 4.3. Por outro lado ainda, a ora reclamante indicou também expressamente a 
 violação dos princípios constitucionais consagrados nos arts. 2º, 9º, 13º, 18º, 
 
 62º, 119.º 266º da CRP, suscitando a inconstitucionalidade formal e material das 
 normas constantes do Regulamento do PDM de Lisboa (v. Jorge Miranda, Manual de 
 Direito Constitucional, 3 ed., 1996, 11/342 e segs.). 
 Acresce que a ora reclamante fundamentou sucintamente a inconstitucionalidade 
 das referidas normas, de acordo com o sentido em que foram interpretadas no 
 douto aresto recorrido, na violação dos princípios da confiança, da segurança 
 jurídica, igualdade, proporcionalidade, da justiça, propriedade privada e 
 respeito pelos interesses legalmente protegidos (v. Ac. TC 71/03, de 12 de 
 Fevereiro, Proc. 592/02, Cons. Mário Torres, www.tribunalconstitucional.t). 
 
 4.4. Finalmente, a referência genérica feita às normas constantes do Regulamento 
 do PDM de Lisboa — arts. 69º e 70º — tem que ser entendida à luz do quadro 
 jurídico-material subjacente à decisão recorrida, ao despacho da Senhora 
 Vereadora Margarida Magalhães, de 1999.06.28, à informação do Senhor Director do 
 DMPGU, de 1999.06.02 e à proposta de indeferimento do Senhor Arquitecto Jorge 
 Contreiras, de 1999.02.05. 
 
 [...]
 Ora, dado que o indeferimento da pretensão da ora reclamante foi sustentado à 
 luz do Regulamento do PDM de Lisboa e na aplicação genérica dos arts. 69º e 70.º 
 daquele instrumento de gestão territorial, sem ter sido individualizada em 
 concreto ou explicitadas as razões jurídicas, face às “estatuições plurimas” 
 emergentes das referidas normas para o indeferimento dos pedidos de 
 licenciamento apresentados pela recorrente, é manifesto que a ora reclamante 
 nunca poderia proceder a tal individualização, desconsiderando a interpretação e 
 aplicação feitas no caso concreto pelas referidas entidades e serviços e 
 substituindo-se na fundamentação das respectivas decisões e informações (v. art. 
 
 268º/3 da CRP e arts. 124º e 125º do CPA). 
 
 É pois manifesto que, contrariamente ao decidido na douta decisão reclamada, a 
 reclamante cumpriu o ónus de definição das normas jurídicas julgadas 
 inconstitucionais, pois enunciou e definiu — como lhe competia e de acordo com 
 os elementos de que dispõem — as normas jurídicas julgadas inconstitucionais. 
 A não se entender assim, teríamos de concluir que não seriam objecto de tutela 
 judicial efectiva (v. art. 20.º da CRP) os casos em que, por razões aparentes 
 imputáveis a entidades administrativas e órgãos judiciais, nunca fosse 
 identificada — como não foi no caso sub judice — a “estatuição” secreta, obscura 
 e não publicada de determinado norma do referido instrumento de gestão 
 territorial, apesar de tal norma ter sido aplicada e determinado a lesão dos 
 direitos e interesses da ora requerente, que integram precisamente o objecto de 
 presente processo (v. art. 268º/4 da CRP). 
 
 5. Do exposto resulta assim que o douto aresto recorrido aplicou as normas do 
 Regulamento do PDM de Lisboa e a ora recorrente invocou questões de 
 constitucionalidade relativamente às normas dos arts. 69.º e 70.º do referido 
 instrumento de gestão territorial, no sentido e com a dimensão normativa que lhe 
 foram atribuídas in casu, pelo que é manifesta a admissibilidade do presente 
 recurso (v. art. 70º/1/b) da LTC). 
 Nestes termos, deverá ser julgada procedente a presente reclamação, revogando-se 
 a decisão reclamada, admitindo-se o recurso interposto pela ora reclamante e 
 prosseguindo o presente processo os seus ulteriores termos, com as consequências 
 legais.
 
  
 
  
 
  
 
 3.
 A entidade administrativa foi ouvida, pronunciando-se contra o deferimento da 
 reclamação. 
 
  
 Fundamentos
 
 4.
 Na decisão sumária em análise foram explicadas, detalhadamente, as razões pelas 
 quais se não pode conhecer do objecto do presente recurso, interposto ao abrigo 
 da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC.
 A reclamante visa questionar o entendimento sufragado pelo Supremo Tribunal 
 Administrativo quando interpretou as disposições contidas nos artigos 69.º e 
 
 70.º do Regulamento do PDM de Lisboa, considerando-as 'aplicáveis a pedido de 
 licenciamento apresentado na sequência de diversos actos administrativos 
 constitutivos de direitos anteriores à publicação e entrada em vigor daquele 
 instrumento de gestão territorial, não salvaguardando os efeitos produzidos por 
 aqueles actos que o antecederam' e, ainda, considerando 'que consagram 
 restrições urbanísticas de carácter preventivo que não estariam sujeitas a 
 qualquer prazo de caducidade'.
 Alega a recorrida que tal entendimento é desconforme com a Constituição. Mas, na 
 verdade, a crítica está apontada à decisão, cujo resultado seria infractor da 
 Constituição, e não às ditas normas. 
 Vejamos:
 
 É manifesto que o Supremo Tribunal Administrativo não interpretou as referidas 
 normas com o questionado sentido de serem 'aplicáveis a pedido de licenciamento 
 apresentado na sequência de diversos actos administrativos constitutivos de 
 direitos anteriores à publicação e entrada em vigor daquele instrumento de 
 gestão territorial, não salvaguardando os efeitos produzidos por aqueles actos 
 que o antecederam'. E não as aplicou com este sentido porque não aceitou a tese 
 sufragada pela recorrente de que se tinham sedimentado na ordem jurídica, antes 
 da entrada em vigor do mencionado Regulamento camarário, 'actos administrativos 
 constitutivos de direitos'.
 
 É certo que a recorrente entende que não é legítimo não qualificar a actividade 
 que desenvolveu com a Câmara Municipal de Lisboa, assim recusando a existência 
 de actos constitutivos de direitos fixados na sua esfera jurídica; mas o certo é 
 que ao pretender questionar tal entendimento, a recorrente está a atacar a 
 decisão jurídica perfilhada, a valoração jurídica dos factos, e não as normas 
 que ela aplicou para adoptar uma tal solução. Ou seja: para poder concluir-se, 
 no sentido proposto pela recorrente, que as apontadas normas são infractoras da 
 Constituição seria necessário previamente adoptar um outro julgamento, diverso 
 daquele que o Tribunal recorrido perfilhou, quanto ao significado da mencionada 
 actividade administrativa. A errada perspectiva com que a recorrente coloca a 
 questão de inconstitucionalidade no presente recurso, cifra-se, ainda na 
 constatação de que as normas questionadas não foram, como já se disse, aplicadas 
 na decisão recorrida com o sentido impugnado.
 De igual forma, ao questionar a conformidade constitucional das mesmas normas, 
 interpretadas no sentido de que 'que consagram restrições urbanísticas de 
 carácter preventivo que não estariam sujeitas a qualquer prazo de caducidade', a 
 recorrente está, na verdade, a atacar a decisão por, em seu entender, dela 
 resultar que as medidas provisórias previstas nestes preceitos regulamentares 
 conduzirem a 'restrições urbanísticas de carácter preventivo que não estariam 
 sujeitas a qualquer prazo de caducidade' e que assim afectariam, por tempo 
 indeterminado, a capacidade construtiva do prédio. Mas também aqui a crítica se 
 desloca para a decisão, que não para as normas. Na verdade, também nesta parte o 
 Tribunal recorrido aplicou estes preceitos de forma diversa, considerando que 'o 
 citado artigo 70.º do RPM não consubstancia alguma norma temporária, antes sim 
 estatuições (regras supletivos, como ali são denominadas, mas nunca de carácter 
 temporalmente efémero) de ordenamento urbanístico que na área em causa e na 
 falta dos aludidos planos apenas consentem as obras ali enunciadas'.
 Para além de tudo isto, cumpre reafirmar que não seria possível julgar 
 inconstitucionais normas definidas genericamente como sendo 'os artigos 69º e 
 
 70º do RPM de Lisboa', preceitos que integram uma pluralidade de normas, sem uma 
 rigorosa identificação da norma efectivamente aplicada, o que, ao contrário do 
 que pretende a reclamante, constitui tarefa do recorrente, cabendo-lhe fazer 
 corresponder o sentido da norma impugnada ao enunciado de um preceito jurídico 
 concreto. O que, no caso, manifestamente não acontece.
 Não procede, enfim, a reclamação apresentada.
 
  
 Decisão
 
 5.
 Em face do exposto, decide-se indeferir a reclamação e confirmar a decisão 
 sumária de não conhecimento do recurso. Custas pela reclamante, fixando-se a 
 taxa de justiça em 20 UC.
 
  
 Lisboa, 27 de Fevereiro de 2008
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Maria João Antunes
 Gil Galvão