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Processo n.º 1092/07
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
  
 
  
 
  
 
     Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
 
  
 
  
 
                         1. O Representante do Ministério Público no Tribunal 
 Constitucional apresentou reclamação para a conferência, ao abrigo do n.º 3 do 
 artigo 78.º‑A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal 
 Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, 
 por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra a decisão 
 sumária do relator, de 10 de Dezembro de 2007, que decidiu, no uso da 
 faculdade conferida pelo n.º 1 desse preceito, não tomar conhecimento do 
 recurso.
 
  
 
                         1.1. A decisão sumária reclamada tem a seguinte 
 fundamentação:
 
  
 
             “1. O representante do Ministério Público no Tribunal Judicial da 
 Comarca de Santo Tirso interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao 
 abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, 
 Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 
 
 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 
 de Fevereiro (LTC), contra o despacho de 8 de Outubro de 2007 da Juíza do 
 respectivo 2.º Juízo Criminal, que declarou extinto, por prescrição, o 
 procedimento criminal contra o arguido A., tendo, para o efeito, recusado a 
 aplicação da norma contida no artigo 119.º, n.º 1, do Código Penal de 1982, com 
 a interpretação que lhe foi dada pelo Assento n.º 10/2000, com fundamento em 
 inconstitucionalidade, por violação do disposto no artigo 29.º, n.ºs 1 e 3, da 
 Constituição da República Portuguesa.
 
             O recurso foi admitido por despacho de 12 de Novembro de 2007 da 
 Juíza do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Santo Tirso, decisão que, 
 como é sabido, não vincula o Tribunal Constitucional (artigo 76.º, n.º 3, da 
 LTC).
 
  
 
             2. Entende‑se que, no caso, o recurso é inadmissível, por força do 
 disposto no artigo 70.º, n.º 5, da LTC («Não é admitido recurso para o Tribunal 
 Constitucional de decisões sujeitas a recurso ordinário obrigatório, nos 
 termos da respectiva lei processual»), uma vez que, por um lado, a decisão 
 recorrida explicitamente decidiu não seguir a jurisprudência fixada pelo 
 Supremo Tribunal de Justiça sobre a questão de saber se, no domínio da vigência 
 do Código Penal de 1982 e do Código de Processo Penal de 1987, a declaração de 
 contumácia constituía causa de suspensão da prescrição do procedimento 
 criminal, o que torna obrigatória a interposição, pelo Ministério Público, de 
 recurso dessa decisão, por imposição do artigo 446.º, n.º 2, do Código de 
 Processo Penal, e que, por outro lado, apesar de este preceito estar inserido 
 em título epigrafado de «Dos recursos extraordinários», valem aqui inteiramente 
 as razões que estão na base da regra do n.º 5 do artigo 70.º da LTC: a natureza 
 necessariamente precária das decisões judiciais sujeitas a recurso obrigatório e 
 a inconveniência de o tribunal superior, na respectiva ordem jurisdicional, 
 ficar tolhido na sua liberdade de decisão pela circunstância de ter de 
 respeitar o caso julgado entretanto formado, no concreto processo em causa, pela 
 decisão do recurso de constitucionalidade pelo Tribunal Constitucional.
 
             Trata‑se de entendimento reiteradamente afirmado pelo Tribunal 
 Constitucional em casos idênticos ao presente (cf. Acórdãos n.ºs 281/2001, 
 
 282/2001, 412/2003, 470/2003, 480/2003, 503/2003, 545/2003, 558/2003, 559/2003, 
 
 3/2004, 17/2004, 28/2004, 31/2004, 49/2004, 57/2004, 58/2004, 73/2004, 309/2004, 
 
 506/2004 e 688/2004 e Decisões Sumárias n.ºs 571/2007, 573/2007, 574/2007 e 
 
 575/2007), e que não é afectado pela circunstância de, sobre a questão objecto 
 do presente recurso, já terem sido proferidas, noutros processos, decisões 
 deste Tribunal no sentido da inconstitucionalidade da interpretação normativa 
 em causa (Acórdão n.º 110/2007 e Decisão Sumária n.º 379/2007, ambos proferidos 
 em recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC).
 
  
 
             3. Em face do exposto, decide‑se, ao abrigo do artigo 78.º‑A, n.º 1, 
 da LTC, não conhecer do presente recurso.”
 
  
 
                         1.2. A reclamação para a conferência apresentada pelo 
 recorrente é do seguinte teor:
 
  
 
             “1.º – O presente recurso foi interposto pelo Ministério Público da 
 decisão proferida já após a vigência da actual versão do Código de Processo 
 Penal.
 
             2.º – Face ao disposto no artigo 446.º do Código de Processo Penal, 
 na sua actual redacção, o recurso obrigatório do Ministério Público, a interpor 
 da decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de 
 Justiça, é expressamente delineado como recurso extraordinário, já que tem de 
 ser interposto «no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão 
 recorrida».
 
             3.º – Não cabendo, deste modo, no âmbito do disposto no artigo 70.º, 
 n.º 5, da Lei do Tribunal Constitucional, que apenas exclui a admissibilidade 
 dos recursos de fiscalização concreta relativamente a decisões sujeitas a 
 
 «recurso ordinário obrigatório», nos termos da respectiva lei de processo.
 
             4.º – Afigurando‑se, deste modo, que – face à alteração introduzida 
 expressamente pela actual versão do Código de Processo Penal no artigo 446.º do 
 Código de Processo Penal, perspectivando tal recurso como «extraordinário» – 
 terá de ser reponderada a corrente jurisprudencial que outorgava efectivamente 
 prioridade à interposição do recurso destinado a fazer acatar a jurisprudência 
 uniformizada pelo Supremo, relativamente ao recurso para o Tribunal 
 Constitucional que se fundasse na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 
 
 28/82 (vejam‑se, no mesmo sentido, as reclamações deduzidas nos Processos n.ºs 
 
 941/07 e 1004/07, da 1.ª Secção).
 
             5.º – Devendo, em consequência, ser admitido tal recurso, interposto 
 pelo Ministério Público junto do tribunal recorrido.”
 
  
 
                         1.3. O recorrido, notificado da reclamação deduzida, não 
 apresentou resposta.
 
  
 
                         Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                         2.1. A corrente jurisprudencial em que se inseriu a 
 decisão sumária ora reclamada assenta na fundamentação desenvolvida no Acórdão 
 n.º 281/2001 (posteriormente reproduzida ou seguida nos Acórdãos n.ºs 282/2001, 
 
 322/2001, 323/2001, 334/2001, 335/2001, 93/2002, 412/2003, 470/2003, 480/2003, 
 
 503/2003, 545/2003, 558/2003, 559/2003, 3/2004, 17/2004, 28/2004, 31/2004, 
 
 49/2004, 57/2004, 58/2004, 73/2004, 309/2004, 506/2004 e 688/2004), também num 
 caso de recurso interposto pelo Ministério Público, ao abrigo da alínea a) do 
 n.º 1 do artigo 70.º da LTC, contra despacho judicial de tribunal de 1.ª 
 instância, que declarara prescrito o procedimento criminal, tendo para o efeito 
 julgado inconstitucionais os artigos 119.º do Código Penal de 1982 e 336.º, n.º 
 
 1, do Código de Processo Penal de 1987, na interpretação, feita pelo “Assento 
 n.º 10/2000” do Supremo Tribunal de Justiça, de que no domínio de vigência 
 daqueles Códigos a declaração de contumácia constituía causa de suspensão do 
 procedimento criminal.
 
                         Lê‑se nesse Acórdão n.º 281/2001:
 
  
 
             “4. Na verdade, segundo o n.º 5 do artigo 70.º citado, «não é 
 admitido recurso para o Tribunal Constitucional de decisões sujeitas a recurso 
 ordinário obrigatório, nos termos da respectiva lei processual».
 
             Ora, no presente recurso, a decisão recorrida, afastando a aplicação 
 do Assento n.º 10/2000 por inconstitucionalidade, está, como resulta do disposto 
 no n.º 1 do artigo 446.º do Código de Processo Penal, sujeita a recurso 
 obrigatório por parte do Ministério Público.
 
             Sucede, porém, que o Código de Processo Penal qualifica este recurso 
 como um recurso extraordinário (no sentido de que é interposto após o trânsito 
 em julgado da decisão recorrida); assim, coloca‑se a questão de saber se este 
 caso está ou não abrangido pelo citado n.º 5 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82.
 
             5. Para o efeito, cabe averiguar se a razão que justifica o regime 
 previsto neste n.º 5 – apenas recorrer para o Tribunal Constitucional da 
 decisão que proferir a última palavra na ordem dos tribunais que julgaram a 
 causa – ocorre no caso presente, e, em caso afirmativo, se deve prevalecer não 
 obstante se tratar, por um lado, de um recurso interposto ao abrigo do disposto 
 na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, e, por outro, de um 
 recurso obrigatório extraordinário.
 
             É sabido que a Lei n.º 28/82 apenas impõe a prévia exaustão das vias 
 de recurso no âmbito dos recursos interpostos ao abrigo do disposto nas alíneas 
 b) e f) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, ou seja, interpostos de 
 decisões que aplicaram norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade foi 
 suscitada durante o processo; e que, diferentemente, abre recurso directo para o 
 Tribunal Constitucional de decisões não definitivas (ainda susceptíveis de 
 recurso ordinário) de recusa de aplicação de normas, pelos mesmos motivos, como 
 
 é o caso presente.
 
             Ora, quer num caso, quer no outro, a não ser interposto previamente 
 o recurso obrigatório dentro da ordem a que pertence o tribunal que julgou a 
 causa, pode vir a subsistir uma decisão sujeita a recurso obrigatório que versa 
 exactamente sobre a norma julgada pelo Tribunal Constitucional; e o problema 
 põe‑se da mesma forma quando é o recurso previsto no artigo 446.º do Código de 
 Processo Penal que está em causa, apesar de ser qualificado por lei como recurso 
 extraordinário.
 
             Vejamos o caso, precisamente, do recurso imposto por este preceito.
 
             A ser julgado primeiro o recurso interposto para o Tribunal 
 Constitucional por recusa de aplicação de uma norma, se o Tribunal 
 Constitucional confirmar o juízo de inconstitucionalidade ou de ilegalidade, 
 subsiste uma decisão contrária a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de 
 Justiça – logo, ainda sujeita a recurso obrigatório, que não pode deixar de ser 
 interposto.
 
             Interposto esse recurso – e vamos admitir que chegamos ao Supremo 
 Tribunal de Justiça –, este Tribunal, para respeitar o caso julgado formado no 
 processo sobre a questão de constitucionalidade, nos termos do disposto no n.º 1 
 do artigo 80.º da Lei n.º 28/82, tem de alterar a orientação jurisprudencial que 
 definiu, revendo o assento, sem ter tido a oportunidade de se pronunciar sobre a 
 decisão que recusou a respectiva aplicação por inconstitucionalidade. Do ponto 
 de vista das relações institucionais entre o Supremo Tribunal de Justiça e o 
 Tribunal Constitucional, há‑de concordar‑se não ser esta a melhor solução.
 
             Nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, o 
 intérprete há‑de presumir, ao fixar o sentido da lei, que o legislador 
 consagrou a solução mais acertada. E essa directriz leva‑nos a não distinguir, 
 para efeitos de aplicação do disposto no n.º 5 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, 
 entre recursos ordinários e o recurso previsto no artigo 446.º do Código de 
 Processo Penal.”
 
  
 
                         Conforme consignado na passagem das alegações do 
 Ministério Público transcrita no Acórdão n.º 93/2002:
 
  
 
 “Orientando‑se, deste modo, a jurisprudência do Tribunal Constitucional para a 
 elaboração de um específico conceito de recurso «ordinário», teleológica e 
 funcionalmente orientado em torno das relações – e dos poderes cognitivos – do 
 Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal de Justiça, autónomo e 
 diferenciado relativamente à natureza que tal recurso detém face à lei adjectiva 
 que rege o «processo‑pretexto» – e sendo, nesta perspectiva, irrelevante a 
 existência ou inexistência de normais vias impugnatórias para pôr em crise a 
 decisão recorrida, dentro do ordenamento jurisdicional comum – cumpriria 
 
 «esgotar» previamente o recurso tipificado no citado artigo 446.º, o que conduz 
 a que se não deva, neste momento, conhecer do recurso interposto para o Tribunal 
 Constitucional.”
 
  
 
                         As alterações introduzidas no artigo 446.º do CPP pela 
 recente Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, imporão a revisão da apontada 
 jurisprudência, como sustenta o reclamante?
 
  
 
                         2.2. A esta questão, este Tribunal já respondeu 
 negativamente, ao apreciar reclamações idênticas à ora em causa, através dos 
 Acórdãos n.ºs 621/2007 e 622/2007, com a seguinte fundamentação:
 
  
 
             “1. A presente reclamação levanta a questão de saber se é de manter 
 ou não a corrente jurisprudencial que outorgava prioridade à interposição do 
 recurso destinado a fazer acatar a jurisprudência uniformizada pelo Supremo, 
 relativamente ao recurso para o Tribunal Constitucional que se fundasse na 
 alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, considerando o que agora 
 dispõe o artigo 446.º do Código de Processo Penal:
 
  
 
             «1 – É admissível recurso directo para o Supremo Tribunal de 
 Justiça de qualquer decisão proferida contra jurisprudência por ele fixada, a 
 interpor no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão 
 recorrida, sendo correspondentemente aplicáveis as disposições do presente 
 capítulo.
 
             2 – O recurso pode ser interposto pelo arguido, pelo assistente ou 
 pelas partes civis e é obrigatório para o Ministério Público.
 
             3 – (…).»
 
  
 
             Numa primeira aproximação, a questão é pertinente, tendo em conta a 
 regra da aplicação imediata da lei processual penal que alterou o Código de 
 Processo Penal (artigo 5.º, n.º 1, deste Código), já que a Lei n.º 48/2007, de 
 
 29 de Agosto, entrada em vigor no dia 15 de Setembro do mesmo ano, modificou a 
 redacção do artigo 446.º
 
             Na redacção anterior, o artigo 446.º do Código de Processo Penal 
 dispunha o seguinte:
 
  
 
             «1 – O Ministério Público recorre obrigatoriamente de quaisquer 
 decisões proferidas contra jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de 
 Justiça, sendo o recurso sempre admissível.
 
             2 – (…).
 
             3 – (…).»
 
  
 
             2. Face a esta redacção, o Tribunal Constitucional foi entendendo, 
 de forma reiterada, que não podia tomar conhecimento do objecto do recurso 
 interposto de decisão proferida contra jurisprudência fixada, se não tivesse 
 sido previamente interposto o recurso obrigatório previsto no artigo 446.º do 
 Código de Processo Penal (…).
 
             O entendimento de que o recurso previsto no artigo 446.º do Código 
 de Processo Penal tinha precedência sobre o recurso de constitucionalidade 
 fundava‑se no artigo 70.º, n.º 5, da LTC – não é admitido recurso para o 
 Tribunal Constitucional de decisões sujeitas a recurso ordinário obrigatório, 
 nos termos da respectiva lei processual –, independentemente da qualificação de 
 tal impugnação obrigatória como recurso ordinário ou recurso extraordinário. No 
 primeiro caso, aplicava‑se directamente o disposto no n.º 5 do artigo 70.º, face 
 
 à letra deste preceito (neste sentido, cf. Acórdão n.º 506/2004); no segundo, 
 aplicava‑se o estabelecido no n.º 5 do artigo 70.º, por deverem valer também 
 quanto ao recurso extraordinário obrigatório as razões que justificam a regra da 
 precedência do recurso ordinário obrigatório sobre o recurso de 
 constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º 
 da LTC (neste sentido, cf. Acórdão n.º 281/2001).
 
             
 
             3. As dúvidas levantadas pela redacção anterior do artigo 446º do 
 Código de Processo Penal foram agora resolvidas no sentido de configurar a 
 impugnação obrigatória de decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo 
 Supremo Tribunal de Justiça como recurso extraordinário, já que o prazo para a 
 respectiva interposição é contado do trânsito em julgado da decisão recorrida 
 
 (…). 
 
             Face ao teor literal do n.º 5 do artigo 70.º da LTC, subsiste, 
 assim, a questão da precedência (ou não) do recurso obrigatório previsto no 
 artigo 446.º sobre o recurso de constitucionalidade interposto de decisão que 
 recuse a aplicação de norma com fundamento em inconstitucionalidade. Subsiste a 
 questão, não havendo, contudo, qualquer motivo para divergir do entendimento 
 jurisprudencial, entretanto firmado neste Tribunal, de que a razão 
 justificativa do regime previsto naquele n.º 5 também ocorre nos casos em que 
 há, por um lado, a interposição do recurso ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do 
 artigo 70.º da LTC e, por outro, a previsão de um recurso extraordinário 
 obrigatório (no sentido da manutenção da jurisprudência anterior, cf. Decisão 
 Sumária n.º 575/2007, proferida por referência à redacção vigente do artigo 
 
 446.º do Código de Processo Penal). De resto, uma tal posição fundava‑se já no 
 carácter extraordinário do recurso de decisão proferida contra jurisprudência 
 fixada, expressamente assumido na redacção vigente do artigo 446.º do Código de 
 Processo Penal.”
 
  
 
                         2.3. Face à anterior redacção do artigo 446.º do CPP 
 poderia efectivamente questionar‑se a sua qualificação como recurso 
 extraordinário, não sendo decisiva, para esse efeito, a sua inserção em título 
 epigrafado Dos Recursos Extraordinários. Na verdade, poderia sustentar‑se que 
 verdadeiramente extraordinário seria o recurso para fixação de jurisprudência, 
 regulado nos artigos 437.º a 445.º do CPP, já que se revestiria das duas notas 
 que a doutrina associa a esse tipo de recursos: ser interponível após o trânsito 
 em julgado da decisão recorrida e ser endereçado (no caso de oposição de 
 acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça) ao próprio tribunal que proferiu a 
 decisão recorrida [Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, 2.ª 
 edição, Lisboa, 1994, p. 136: “Ao passo que os recursos ordinários são vistos 
 como meios de impugnação de decisões judiciais que visam a sua reforma, através 
 de um «novo exame da causa, por parte de órgão jurisdicional hierarquicamente 
 superior» (Alberto dos Reis), os recursos extraordinários são julgados pelo 
 próprio tribunal que proferiu a sentença ou pelo próprio tribunal que proferiu 
 o acórdão impugnado, já transitado em julgado”; Fernando Amâncio Ferreira, 
 Manual dos Recursos em Processo Civil, 4.ª edição, Coimbra, 2003, p. 75: “Face 
 ao critério seguido pelo nosso legislador (…), os recursos ordinários só são 
 admissíveis para reapreciação de uma decisão ainda não transitada em julgado, 
 enquanto os recursos extraordinários só podem ser implementados depois do 
 trânsito em julgado da sentença ou acórdão. (…) os recursos ordinários visam um 
 novo exame da decisão impugnada por parte do órgão jurisdicional 
 hierarquicamente superior, configurando‑se assim como recursos devolutivos, 
 enquanto os recursos extraordinários são julgados pelo mesmo órgão 
 jurisdicional que proferiu a decisão impugnada, caracterizando‑se, 
 consequentemente, como recursos não devolutivos”]. Nesta compreensão das coisas, 
 a inserção da norma do artigo 446.º no referido Título justificar‑se‑ia por 
 
 óbvias razões de proximidade temática, como meio de assegurar eficácia às 
 decisões de fixação de jurisprudência, sem que daí necessariamente decorresse 
 que esses recursos de decisões proferidas contra jurisprudência fixada fossem 
 de qualificar, também eles, como recursos extraordinários.
 
                         E, na verdade, como informam Simas Santos e 
 Leal‑Henriques (Recursos em Processo Penal, 6.ª edição, Lisboa, 2007, p. 195), 
 foram objecto de controvérsia jurisprudencial as questões de saber se se 
 impunha a interposição do recurso ordinário que no caso coubesse contra as 
 decisões em causa e qual o termo a quo do prazo da sua interposição (15 dias a 
 contar da notificação da decisão contrária a jurisprudência fixada, de acordo 
 com o artigo 411.º, aplicável por força do artigo 448.º, ou 30 dias a contar do 
 trânsito dessa decisão, por força do n.º 1 do artigo 438.º, aplicável ex vi 
 artigo 446.º, n.º 2, todos do CPP). A jurisprudência do STJ orientou‑se 
 dominantemente no sentido da necessidade de interposição de recursos ordinários 
 que coubessem contra a decisão contrária a jurisprudência fixada (cf. acórdãos 
 de 18 de Maio de 2006, proc. n.º 1387/06, de 5 de Julho de 2007, proc. n.º 
 
 2258/07, de 21 de Junho de 2007, proc. n.º 2259/07, de 12 de Julho de 2007, 
 procs. n.ºs 2423/07 e 2573/07, de 20 de Setembro de 2007, proc. n.º 2574/07, e 
 de 22 de Novembro de 2007, proc. n.º 3492/07), mas, no caso de não ser cabível 
 recurso ordinário dessa decisão, apenas após o trânsito em julgado da mesma (cf. 
 acórdão do STJ de 27 de Novembro de 2007, proc. n.º 3871/07, este, como os 
 anteriormente citados, disponível em www.dgsi.pt/jstj).
 
                         A nova redacção do artigo 446.º do CPP dada pela Lei n.º 
 
 48/2007 veio esclarecer esses dois pontos controversos e, por isso, é hoje mais 
 sustentável a sua classificação, no âmbito do processo penal, como recurso 
 extraordinário.
 
                         Mas daqui não se segue, contrariamente ao defendido pelo 
 reclamante, a necessidade de revisão da anterior jurisprudência deste Tribunal, 
 já que – como atrás se assinalou e resulta expressamente da sua fundamentação – 
 no Acórdão n.º 281/2001 se aceitou estar em causa um recurso obrigatório 
 qualificável como extraordinário, o que não se considerou impeditivo de, por 
 identidade de razão, lhe tornar extensivo o regime do n.º 5 do artigo 70.º da 
 LTC.
 
                         Na verdade, cumpre adoptar, como já se assinalava nas 
 citadas alegações do Ministério Público transcritas no Acórdão n.º 93/2002, “um 
 específico conceito de recurso «ordinário», teleológica e funcionalmente 
 orientado em torno das relações – e dos poderes cognitivos – do Tribunal 
 Constitucional e do Supremo Tribunal de Justiça, autónomo e diferenciado 
 relativamente à natureza que tal recurso detém face à lei adjectiva que rege o 
 processo pretexto”. Do que se trata é de não condicionar – porque tal seria 
 manifestamente desrazoável – a admissibilidade de recursos para o Tribunal 
 Constitucional (quer no âmbito do n.º 2, quer do n.º 5 do artigo 70.º da LTC) à 
 exaustão de “verdadeiros recursos extraordinários”, cuja admissibilidade, por 
 natureza, é sempre problemática e muitas vezes dependente da verificação de 
 factos futuros e incertos. Mas essa razão já não vale quando é seguro, em face 
 dos próprios termos do processo onde foi proferida a decisão recorrida, que o 
 apelidado “recurso extraordinário” é, no caso, claramente admissível, como 
 ocorre quando a decisão recorrida surge em patente oposição a jurisprudência 
 fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça.
 
                         Seja como for, mesmo que se considere hoje mais 
 inequívoca a classificação do recurso do artigo 446.º do CPP como recurso 
 extraordinário, o certo é que continuam a valer as razões, expendidas no Acórdão 
 n.º 281/2001 e posteriormente reiteradas, no sentido de se dever atribuir 
 prioridade a esse recurso, em detrimento do recurso da alínea a) do n.º 1 do 
 artigo 70.º da LTC.
 
  
 
                         3. Em face do exposto, acorda‑se em indeferir a presente 
 reclamação, confirmando a decisão sumária reclamada.
 
                         Sem custas.
 Lisboa, 12 de Fevereiro de 2008.
 Mário José de Araújo Torres
 João Cura Mariano
 Rui Manuel Moura Ramos