 Imprimir acórdão
 Imprimir acórdão   
			
Processo n.º 913/06                                       
 
 1ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
 
  
 
  
 Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 I
 
  
 
  
 
 1.            Por decisão sumária de fls. 436 e seguintes, não se tomou 
 conhecimento do recurso interposto para este Tribunal por A., pelos seguintes 
 fundamentos:
 
  
 
 “[…]
 
 5. Face ao relato que antecede, apenas está em causa no presente processo a 
 apreciação do recurso interposto a fls. 202 e admitido a fls. 357 v.º (supra, 
 
 3.).
 Nos termos do artigo 75º-A, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional, o 
 requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional deve 
 indicar «a alínea do artigo 70º ao abrigo da qual o recurso é interposto e a 
 norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que o Tribunal 
 aprecie».
 O n.º 2 do mesmo artigo estabelece que, «sendo o recurso interposto ao abrigo 
 das alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70º, do requerimento deve ainda constar a 
 indicação da norma ou princípio constitucional ou legal que se considera 
 violado, bem como a peça processual em que o recorrente suscitou a questão da 
 inconstitucionalidade ou ilegalidade». 
 No presente processo, o requerimento de interposição do recurso, acima 
 transcrito, não obedece aos requisitos estabelecidos na lei: desde logo, não 
 indica a alínea do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional ao 
 abrigo da qual o recurso é interposto. 
 
 É certo que, nos termos do artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional, o 
 juiz, no tribunal recorrido, ou o relator, no Tribunal Constitucional, podem 
 convidar o recorrente a completar o requerimento de interposição do recurso.
 Tal convite seria, no caso dos autos, um acto inútil, pois, tendo em conta as 
 circunstâncias do processo, não se trata apenas de mera deficiência do 
 requerimento de interposição do recurso, mas da falta de pressupostos 
 processuais, que, como se explicará, não é possível ao recorrente suprir.
 
 6. O recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal 
 Constitucional – a única alínea susceptível de ser invocada no caso dos autos, 
 muito embora não tenha sido indicada no requerimento de interposição do recurso 
 
 – é o recurso que cabe das decisões dos tribunais «que apliquem norma cuja 
 inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo».
 Para que o Tribunal Constitucional possa conhecer de um recurso fundado nessa 
 disposição, exige-se que o recorrente suscite, durante o processo, a 
 inconstitucionalidade da norma (ou interpretação normativa) que pretende que 
 este Tribunal aprecie e que tal norma (ou tal norma, com essa interpretação) 
 seja aplicada no julgamento da causa, não obstante a acusação de 
 inconstitucionalidade que lhe foi dirigida.
 Ora, os pressupostos processuais do recurso interposto não se encontram, no 
 caso, preenchidos.
 
 7. Na verdade – e independentemente da questão de saber se o recorrente suscitou 
 de modo processualmente adequado uma autêntica questão de inconstitucionalidade 
 normativa –, certo é que a decisão recorrida não perfilhou a interpretação 
 normativa que o recorrente censura: a interpretação segundo a qual é suficiente 
 fundamentação do embargo a utilização de conceitos, que jamais foram definidos, 
 sem a imputação de qualquer facto concreto. 
 Percorrendo o texto do acórdão aqui sob recurso – o acórdão do Supremo Tribunal 
 Administrativo, de 6 de Junho de 2000, a fls. 181 e seguintes (supra, 2.) –, 
 verifica-se que em nenhum trecho desse acórdão se afirma que é suficiente para a 
 fundamentação do embargo a utilização de conceitos indefinidos, sem a imputação 
 de qualquer facto concreto: diversamente, diz-se nessa decisão que o recorrente 
 ficou a saber que o embargo ficara a dever-se à circunstância de estar a 
 proceder a uma construção nova de raiz e não a uma obra de remodelação, estando 
 consequentemente a obra em desconformidade com o licenciamento respectivo.
 Não decorrendo do texto da decisão recorrida que a interpretação normativa 
 censurada pelo recorrente tenha sido perfilhada – e sendo certo que a mera 
 discordância do recorrente em relação à fundamentação dessa decisão não legitima 
 o recurso para o Tribunal Constitucional, já que a competência deste Tribunal se 
 cinge à aferição da conformidade constitucional (ou, em certos casos, legal) de 
 normas ou interpretações normativas e não à de decisões judiciais, em si mesmas 
 consideradas –, há que concluir que não se mostra preenchido um dos pressupostos 
 processuais do presente recurso, não sendo, consequentemente possível conhecer 
 do respectivo objecto.
 
 […].”.
 
  
 
  
 
 2.            Notificado desta decisão sumária, A. dela veio reclamar para a 
 conferência (fls. 447 e seguintes), formulando as seguintes conclusões:
 
  
 
 “[…]
 
 1ª - Fundamentou-se assim o douto despacho reclamado: – segundo o Acórdão do STA 
 
 – «o recorrente ficou a saber que o embargo se deveu a... estar a proceder a uma 
 construção nova de raiz e não a uma obra de remodelação...». Mas, 
 
 2ª - No Acórdão recorrido utiliza-se conceito – «obra nova de raiz» – (que nem 
 existe na lei) inapropriado para demonstrar desvio do projecto aprovado. 
 Como se vê nos artigos 7° a 9°. 
 Isto ao contrário do perfilhado pelo recorrente. 
 
 3ª - Omitindo a pronúncia sobre o projecto aprovado (que a recorrida subtraíra) 
 
 – de remodelação e ampliação, a executar em obra nova de raiz – o STA incorreu 
 ainda no equívoco de considerar este conceito como apropriado para fundamentar o 
 embargo. 
 Não o é – como se vê nas conclusões seguintes. 
 Essa foi a questão que o recorrente colocou, no recurso contencioso. 
 
 4ª - «Obra nova de raiz» – não existe como denominação de projecto – entre os 
 tipos de obra, previstos na lei. 
 
 É conceito – que nem é utilizado na lei, em qualquer definição dos tipos de 
 obras, nela previstos. 
 Não podendo, assim, afirmar-se: 
 
 - se executou obra nova – não remodelou nem ampliou; ou não reconstruiu. Como se 
 diz no Acórdão do STA e na sentença da 1ª instância: 
 Como se verá nas 5ª a 7ª conclusões. Isto porque, 
 
 5ª - Todos os tipos de projectos de obras, previstos na lei, são exequíveis em 
 obra nova (artigo 2° do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16/12 – interpretativo do seu 
 homólogo do Decreto-Lei n.º 445/91). 
 
 Única necessária excepção é o projecto de restauro ou limpeza – alª f) do mesmo 
 artigo. 
 Todos os outros projectos envolvem obra nova – desde as fundações: a raiz da 
 edificação – como se demonstra nos artigos 7° a 9°. 
 Ninguém admitiria que os funcionários municipais passassem agora a embargar 
 todas as obras – só porque (com aquela excepção) são obras novas de raiz. (Tal 
 como acontece com o projecto aprovado – pode ver-se entreabrindo o projecto de 
 estabilidade – o subtraído ao conhecimento da 1ª instância). Donde que, 
 
 6ª - O conceito «obra nova de raiz», não poderia corresponder à imputação de 
 facto concretizador de desvio do projecto aprovado, de remodelação e ampliação – 
 logo porque a executar em obra nova, desde as respectivas fundações. 
 
 (Como pode ver-se nos projectos de estabilidade e resistência e de comportamento 
 térmico – os que a recorrida subtraiu – mas já juntos aos autos). 
 Reconheceu-o o próprio Presidente da recorrida – quando julgou o auto de 
 contra-ordenação, da mesma ocorrência e com a mesma descrição. 
 Sendo que poderia até ter ladeado a questão – declarando o já prescrito 
 procedimento. 
 
 (Docs – que são a decisão do recorrido, Presidente da Câmara, nos referidos 
 autos e a participação da contra-ordenação – que se juntaram aos autos, com 
 requerimento de Janeiro de 2002.) 
 
 7ª - Facto seria saber se o recorrente fez ou deixou de fazer as fundações e as 
 estruturas de resistência, como estão previstas no projecto. 
 E é destas que se trata. 
 Já que o embargo ocorreu, quando a obra não tinha mais que as fundações além das 
 paredes exteriores a pouco mais de meio do rés-do-chão. 
 Da licenciada remodelação e ampliação do preexistente pequeno rés-do-chão de 
 paredes simples de adobe – para o novo edifício de 3 pisos – foi indevidamente 
 feito ou deixou de sê-lo… o quê? 
 Das numerosas sapatas e vigas de fundação (necessariamente previstas nesse 
 projecto – e em cimento e ferro, não do frágil adobe preexistente) – 
 
 - qual a que foi indevidamente construída ou deixou de sê-lo!!?? 
 O auto não o diz... a recorrida nunca o disse!!! 
 
 8ª - E o recorrente proporcionou-lhe oportunidade para fazê-lo – ainda no 
 recurso. Porquanto 
 Cumulativamente com a falta de fundamentação do embargo – na fundamentação do 
 recurso, o recorrente defendeu-se também pela positiva, invocando a conformidade 
 com o projecto aprovado. 
 Só a opacidade da recorrida – deslealmente (para não dizer pior) subtraindo o 
 projecto aprovado, no que reincidiu noutro posterior recurso – levou o tribunal 
 a que do projecto nunca tivesse conhecido. 
 
 9ª - Seria inaceitável que – após todos aqueles equívocos subsequentes ao não 
 conhecimento do projecto aprovado – saísse penalizada a transparência do 
 recorrente, não confinando o recurso à questão da falta de fundamentação. 
 E, após um embargo, imputando incumprimento do projecto, com base em conceitos – 
 seguido da repetida subtracção desse projecto, impedindo-se a demonstração da 
 conformidade da obra – fosse premiada a deslealdade da recorrida. 
 Legal e moralmente inadmissível e insuportável!!! 
 
 […].”.
 
  
 
  
 
                  O recorrido não respondeu (fls. 457).
 
  
 
                  Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
  
 II
 
  
 
  
 
 3.            A decisão sumária ora reclamada (supra, 1.) considerou, em 
 síntese, que não era possível conhecer do objecto do presente recurso – que, 
 conforme se explicou, só podia entender-se ter sido interposto ao abrigo da 
 alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional –, uma vez 
 que a decisão recorrida não havia aplicado a interpretação normativa censurada 
 pelo recorrente: a interpretação segundo a qual é suficiente fundamentação do 
 embargo a utilização de conceitos, que jamais foram definidos, sem a imputação 
 de qualquer facto concreto.
 
                  E explicou-se, nessa decisão sumária, por que motivo a decisão 
 recorrida não havia aplicado esta interpretação: porque, em nenhum trecho dessa 
 decisão se afirmava tal suficiência e porque, nessa decisão, se afirmava que o 
 recorrente ficara a saber que o embargo se devera à circunstância de o embargado 
 estar a proceder a uma construção nova de raiz e não a uma obra de remodelação, 
 estando consequentemente a obra em desconformidade com o licenciamento 
 respectivo.
 
  
 
                  O reclamante (supra, 2.) pretende que a decisão recorrida 
 aplicou a interpretação normativa por si censurada, afirmando que tal decisão 
 considerou ser suficiente fundamentação do embargo a utilização de conceitos, 
 que jamais foram definidos, sem a imputação de qualquer facto concreto, pois que 
 a “construção nova de raiz”, imputada ao embargado, mais não significa do que um 
 conceito inapropriado para demonstrar o desvio do projecto aprovado.
 
  
 
                  Ora, se bem se reparar, a argumentação do reclamante não põe em 
 causa os fundamentos da decisão sumária.
 
  
 
                  Na verdade, o reclamante não trata da questão de saber se a 
 interpretação normativa por si censurada se encontra consagrada, com um mínimo 
 de correspondência verbal, no texto da decisão recorrida, pois que se limita a 
 discordar da fundamentação da decisão recorrida, por a reputar insuficiente.
 
  
 
                  Atingida esta conclusão, verifica-se que a interpretação 
 normativa que o reclamante submete à apreciação do Tribunal Constitucional é uma 
 pretensa interpretação normativa: verdadeiramente, o recorrente pretende a 
 apreciação da conformidade constitucional da própria decisão recorrida, por 
 considerar insuficiente a respectiva fundamentação.
 
                  Ora, este objecto extravasa completamente os poderes de 
 apreciação do Tribunal Constitucional, que se cingem à apreciação da 
 conformidade constitucional (e, em certos casos, legal) de normas ou 
 interpretações normativas (cfr. as várias alíneas do n.º 1 do artigo 70º da Lei 
 do Tribunal Constitucional), não se estendendo às decisões judiciais, em si 
 mesmas consideradas.
 
  
 
                  Nesta medida, da presente reclamação resulta, não só que os 
 fundamentos da decisão sumária permanecem intocados, como também que outro 
 motivo existe para o não conhecimento do presente recurso: o de o seu objecto 
 não ser integrado por uma norma ou interpretação normativa, não sendo, como tal, 
 um objecto idóneo.
 
  
 
  
 III
 
  
 
  
 
 4.            Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, indefere-se a 
 presente reclamação, mantendo-se a decisão de não conhecimento do recurso, 
 constante da decisão sumária de fls. 436 e seguintes. 
 
  
 
                  Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 
 
 (vinte) unidades de conta.
 
  
 Lisboa, 9 de Janeiro de 2007
 
                                                       Maria Helena Brito
 
                                                     Carlos Pamplona de Oliveira
 
                                                       Rui Manuel Moura Ramos