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Processo n.º 565/06
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
  
 
  
 
  
 
                                  Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do 
 Tribunal Constitucional,
 
  
 
  
 
                                  1. A. vem reclamar para a conferência da 
 decisão sumária do relator, de 26 de Junho de 2006, que decidiu, no uso da 
 faculdade conferida pelo n.º 1 do artigo 78.º‑A da Lei de Organização, 
 Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 
 
 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 
 de Fevereiro (LTC), não conhecer do objecto do recurso.
 
  
 
                                  1.1. A decisão sumária reclamada tem o seguinte 
 teor:
 
  
 
 “1. A. interpôs, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de 
 Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada 
 pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 
 
 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), recurso do acórdão do Pleno da Secção de 
 Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo (STA), de 4 de 
 Maio de 2006, que julgou improcedente recurso jurisdicional deduzido contra o 
 acórdão da 2.ª Subsecção do STA, de 21 de Setembro de 2004, que, por seu turno, 
 negara provimento ao recurso contencioso de anulação da deliberação do Plenário 
 do Conselho Superior do Ministério Público, de 14 de Junho de 2000, que 
 aplicara ao recorrente a pena disciplinar de aposentação compulsiva.
 
                  Lê‑se no requerimento de interposição de recurso de 
 constitucionalidade:
 
  
 
                  «A., não se conformando com a douta decisão recorrida, vem da 
 mesma interpor recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos e ao abrigo 
 do estatuído nos artigos 70.º e seguintes da Lei do Tribunal Constitucional.
 
                  1 – O sumário do douto aresto recorrido é o seguinte:
 
  
 
                  “I – O CSMP, ao referir no acórdão punitivo que «os factos 
 praticados pelo arguido … revelam grave violação dos deveres gerais de isenção 
 e lealdade e integram a prática de … crimes … que demonstram, além de falta de 
 lisura, uma definitiva incapacidade de adaptação às exigências da função», 
 está tão‑só, no exercício do poder disciplinar que lhe compete – artigo 27.º, 
 alínea a), da LOMP, redacção da Lei n.º 60/98, de 27 de Agosto –, a qualificar, 
 a título incidental e no âmbito do procedimento disciplinar, certo comportamento 
 como integrando ilícito criminal para efeitos de avaliar da viabilidade ou não 
 da manutenção da relação funcional do arguido.
 
                  II – Não está, pois, a invadir a reserva de jurisdição dos 
 tribunais criminais para a qualificação e punição de tais condutas como 
 crimes, nem está a afirmar que a conduta do arguido cai no âmbito do direito 
 penal ou, sequer, que deve ser punida como crime, razão por que é de todo 
 indiferente, para os efeitos que vimos tratando, que tais factos tenham ou não 
 sido objecto de decisão, condenatória ou absolutória, de um tribunal criminal 
 transitada em julgado, como pretende o recorrente.
 III – Assim, a Administração, ao formular o juízo referido em I, ponderando o 
 desvalor daqueles factos na aplicação da sanção disciplinar, não está a violar 
 o princípio da presunção de inocência do arguido ou o princípio da separação de 
 poderes e exclusividade da jurisdição penal, decorrentes dos artigos 2.º e 32.º, 
 n.ºs 2 e 9, da CRP.”
 
  
 
 2 – Apesar da interpretação doutamente levada a efeito por este Alto Tribunal da 
 decisão administrativa recorrida, entende o recorrente que, no mínimo, não foi 
 alheia, à tort, a esta decisão punitiva (e ao juízo levado a efeito pela 
 Administração relativo à inadaptação que daquela decisão sancionatória emerge) o 
 desvalor de natureza jurídico‑criminal que as suas condutas supostamente 
 revelam.
 As grandes questões onde se enquadram as que se discutem nos presentes autos 
 são, aliás e também, como é consabido, objecto de viva e intensa controvérsia na 
 Corte Costituzionale italiana.
 
 3 – Por isso, a interpretação que foi levada a efeito do artigo 184.º, n.º 1, 
 alíneas a) e b), ofende não só o princípio da presunção da inocência (artigo 
 
 32.º, n.º 2, da CRP), como, ademais, o princípio da separação de poderes e 
 exclusividade da jurisdição penal (artigos 2.º e 32.º, n.º 9, da CRP).
 Em suma: 
 
 – A alínea do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional com fundamento na 
 qual se interpõe o recurso é a alínea b).
 
 – As normas cuja constitucionalidade se pretende ver aferida são as alíneas a) 
 e b) do artigo 184.º, bem como o artigo 27.º, alínea a), todos do EMP.
 
 – Os princípios e normas que se entendem ter sido violados são os artigos 32.º, 
 n.ºs 2 e 9, da CRP e o artigo 2.º desta mesma Lei fundamental, como tal 
 expressamente referidas nas alegações para este Alto Tribunal.”
 
  
 
                  O recurso foi admitido por despacho do Conselheiro Relator do 
 STA, decisão que, como é sabido, não vincula o Tribunal Constitucional 
 
 (artigo 76.º, n.º 3, da LTC), e, de facto, entende‑se que, no caso, o recurso é 
 inadmissível, o que permite a prolação de decisão sumária, ao abrigo do 
 disposto no artigo 78.º‑A, n.º 1, da LTC.
 
  
 
                  2. No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, 
 a competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge‑se ao controlo da 
 inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade 
 constitucional imputada a normas jurídicas (ou a interpretações normativas, 
 hipótese em que o recorrente deve indicar, com clareza e precisão, qual o 
 sentido da interpretação que reputa inconstitucional), e já não das questões de 
 inconstitucionalidade imputadas directamente a decisões judiciais, em si 
 mesmas consideradas. A distinção entre os casos em que a 
 inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa daqueles em que é 
 imputada directamente a decisão judicial radica em que na primeira hipótese é 
 discernível na decisão recorrida a adopção de um critério normativo (ao qual 
 depois se subsume o caso concreto em apreço), com carácter de generalidade, e, 
 por isso, susceptível de aplicação a outras situações, enquanto na segunda 
 hipótese está em causa a aplicação dos critérios normativos tidos por 
 relevantes às particularidades do caso concreto.
 
                  Por outro lado, tratando‑se de recurso interposto ao abrigo da 
 alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua 
 admissibilidade depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão 
 de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo 
 processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão 
 recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2 do artigo 
 
 72.º da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio 
 decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo 
 recorrente.
 
  
 
                  3. No presente caso, no local indicado pelo recorrente como 
 sendo aquele em que teria suscitado, perante o tribunal recorrido, as questões 
 de inconstitucionalidade que pretende ver apreciadas – a saber: as alegações do 
 recurso jurisdicional interposto para o Pleno da 1.ª Secção do STA –, a 
 violação de preceitos constitucionais é directamente imputada a 
 
 «entendimentos» que teriam sido adoptados pelo acto administrativo 
 contenciosamente impugnado e pelo acórdão da 2.ª Subsecção do STA, então 
 recorrido, sem qualquer referência a normas identificadas pelos preceitos legais 
 que as suportariam, «entendimentos» esses que surgem como indissociáveis das 
 particularidades específicas do caso concreto.
 
                  As referidas alegações terminam com a formulação das seguintes 
 conclusões (e no teor daquelas nada mais se aduz de relevante para a questão 
 ora em apreço):
 
  
 
 «1. A decisão punitiva entendeu que o magistrado recorrente não se adaptava às 
 funções que desempenhou, porquanto havia cometido três crimes – cf. decisão 
 recorrida.
 
                  2. O magistrado recorrente à data da prática do acto (o que 
 sucede ainda na actualidade) estava simplesmente pronunciado pela prática de 
 tais crimes.
 
                  3. Foi assim assacado ao acto vício de violação de lei (por 
 erro de facto nos pressupostos), decorrente da circunstância de aquela decisão 
 punitiva ter sido proferida com fundamento em pressupostos errados e estranhos 
 ao processo disciplinar, tendo‑se adiantado que deve ser tida por irrelevante 
 qualquer consideração que se faça em função de juízos do foro criminal, 
 sobretudo quando o magistrado recorrente apenas está pronunciado pelos crimes 
 que a Administração diz que o mesmo praticou.
 
                  4. O Tribunal recorrido, depois de concluir connosco no sentido 
 de que os ilícitos, disciplinares e criminais, são efectivamente diferentes, 
 julgou que, do ponto de vista da reserva de relevância em sede disciplinar da 
 ilicitude penal, seriam três as razões pelas quais não se verificaria a 
 ilicitude assacada ao acto.
 
                  A primeira dessas razões é a seguinte:
 
                  5. “É a distinção de ilícitos que justifica a implicação 
 disciplinar dos factos passíveis de sanção disciplinar e penal em simultâneo.”
 
                  6. Face a estes dizeres, até algo genéricos, importa concluir, 
 com rigor e precisão, que os mesmos não têm qualquer força justificativa lógica 
 que seja apta a contrariar o vício de violação de lei assacado ao acto.
 
                  7. Ou seja, ninguém nega ou negou que a distinção de ilícitos 
 justifica a implicação disciplinar dos factos simultaneamente justificadores 
 de uma sanção disciplinar e penal em simultâneo.
 
                  8. Só que ... isso, como defende a lei, só ocorre depois da 
 condenação criminal, que se não verificou!!!!!
 
                  A segunda das razões é a seguinte:
 
                  9. “... sem unidade de ilicitude, o desvalor jurídico de 
 natureza penal releva no ilícito disciplinar como mero índice de qualificação da 
 infracção disciplinar, pelo alarme social que provoca e pela danosidade 
 associada que, em regra, terá para a eficácia funcional do serviço a prática de 
 uma falta disciplinar que seja, ao mesmo tempo, tipificada como crime.”
 
                  10. Se o desvalor jurídico de natureza penal releva no ilícito 
 disciplinar como mero índice de qualificação da infracção disciplinar, então 
 não pode o mesmo, como se frisou no recurso contencioso e sob pena de ocorrer 
 violação de lei, fundar uma condenação disciplinar!!!!
 
                  A terceira das razões é a seguinte:
 
                  11. “... porque no quadro de autonomia dos ilícitos e 
 independência dos processos, justificados pela diferenciação dos bens a 
 proteger, os comportamentos são apreciados à luz de normativos diversos, a 
 partir de enfoques distintos, com critérios de prova diferentemente orientados, 
 sem perigo de contradição entre a decisão disciplinar e a sentença penal, em 
 termos que ponham em causa a unidade da ordem jurídica.”
 
                  12. A aludida inexistência de contradição, a insusceptibilidade 
 de poder ocorrer quebra da unidade da ordem jurídica, não invalida, comprime, 
 prejudica, ou sequer ... belisca a conclusão de que não se afigura possível 
 concluir que um funcionário não se adapta definitivamente à função, com 
 fundamento no alegado, mas suposto, cometimento de crimes relativamente aos 
 quais o arguido apenas se encontra pronunciado!!!!
 
                  13. Numa palavra, não é possível aceitar uma campanuda 
 qualificação jurídico‑administrativa de uma conduta como tendo constituído 
 crime apenas para efeitos disciplinares, quando o arguido na sede própria apenas 
 foi pronunciado por esse crime que a Administração diz que o magistrado 
 supostamente cometeu.
 
                  14. A Administração poderia ter entendido fundadamente que as 
 condutas subjacentes aos ilícitos (também eventualmente passíveis de uma 
 qualificação jurídico‑criminal) eram de molde a revelar a inadaptação para o 
 exercício da função, nunca poderia era ter dito expressa e literalmente que essa 
 inadaptação se verificou em virtude de o magistrado recorrido ter cometido 
 crimes, conforme se lê da decisão punitiva.
 
                  15. Entender que a Administração pode qualificar como crime uma 
 determinada conduta, para efeitos estritamente disciplinares, sem atender à 
 qualificação criminal que está a ser levada a efeito na jurisdição penal onde o 
 arguido apenas está pronunciado por esse crime, ofende o princípio da separação 
 de poderes e a exclusividade da jurisdição penal (cf. artigos 2.º e 32.º, n.º 
 
 9, da CRP).
 
                  16. Entender que a Administração pode aplicar uma sanção 
 disciplinar qualificando as condutas como constituindo crimes ofende o 
 princípio da presunção da inocência, plasmado no artigo 32.º, n.º 2, da CRP.”
 
  
 
                  Como é patente, nesta peça processual, designadamente nas 
 conclusões 15.ª e 16.ª, não é adequadamente suscitada nenhuma questão de 
 inconstitucionalidade normativa, não se identificando qualquer norma de direito 
 ordinário que, no entender do recorrente, violasse normas ou princípios 
 constitucionais. Nas referidas alegações nenhuma referência é feita aos artigos 
 
 27.º, alínea a) [«Compete ao Conselho Superior do Ministério Público: a) Nomear, 
 colocar, transferir, promover, exonerar, apreciar o mérito profissional, exercer 
 a acção disciplinar e, em geral, praticar todos os actos de idêntica natureza 
 respeitantes aos magistrados do Ministério Público, com excepção do 
 Procurador‑Geral da República»], e 184.º, n.º 1, alíneas a) e b) [«1 – As penas 
 de aposentação compulsiva e de demissão são aplicáveis quando o magistrado: a) 
 Revele definitiva incapacidade de adaptação às exigências da função; b) Revele 
 falta de honestidade, grave insubordinação ou tenha conduta imoral ou 
 desonrosa»], do Estatuto do Ministério Público (Lei n.º 60/98, de 27 de Agosto), 
 pela primeira vez referidos no requerimento de interposição de recurso para o 
 Tribunal Constitucional.
 
                  Não tendo sido adequadamente suscitada pelo recorrente, perante 
 o tribunal que proferiu a decisão recorrida, qualquer questão de 
 inconstitucionalidade normativa, o recurso interposto surge como inadmissível 
 
 (o que nos dispensa de apurar se o acórdão recorrido efectivamente aplicou, 
 como ratio decidendi, os critérios normativos referidos no requerimento de 
 interposição de recurso de constitucionalidade), o que determina o não 
 conhecimento do respectivo objecto.
 
  
 
                  4. Em face do exposto, decide‑se, ao abrigo do disposto no n.º 
 
 1 do artigo 78.º‑A da LTC, não conhecer do objecto do presente recurso.”
 
                  
 
                                  1.2. A reclamação do recorrente apresenta a 
 seguinte fundamentação:
 
  
 
 “Dá‑se como reproduzido todo o teor da consulta escrita que acompanha o 
 presente requerimento, cujas conclusões nesta sede se reproduzem, pela seguinte 
 forma: 
 
 1) A falta de menção expressa dos artigos 27.º e 184.º do Estatuto do Ministério 
 Público nas alegações do recurso jurisdicional interposto para o Pleno da 1.ª 
 Secção do STA constitui o cerne da decisão sumária agora objecto de reclamação 
 para a conferência, nos termos do artigo 78.º‑A, n.º 3, da LTC.
 
 2) Pelo facto de não terem sido mencionados os preceitos mencionados em 1., o 
 Ex.mo Juiz Conselheiro Relator terá entendido não ter sido adequadamente 
 suscitada uma qualquer questão de inconstitucionalidade normativa. Não é, porém, 
 possível ao recorrente saber a que tipo de questão de inconstitucionalidade 
 normativa se refere o Ex.mo Juiz Conselheiro Relator. Mais ainda, não resulta 
 com total clareza se afinal a inadmissibilidade do recurso interposto pelo 
 recorrente não decorrerá de o Ex.mo Juiz Conselheiro Relator ter entendido 
 tratar‑se de um recurso de decisão judicial. Não sendo totalmente seguro para o 
 recorrente «quem são os seus inimigos», torna‑se difícil escolher «as melhores 
 armas» para se defender, para defender direitos básicos à tutela da dignidade 
 humana – valor essencial de um Estado de Direito –, direitos que, como pessoa e 
 cidadão, lhe assistem.
 
 3) Admitindo a hipótese, que nos parece a mais provável (mas, sublinhamos, não 
 totalmente líquida), de que o Ex.mo Juiz Conselheiro Relator considerou que não 
 foi adequadamente suscitada uma questão de inconstitucionalidade normativa 
 resultante de interpretação, essa desadequação só poderá decorrer de não terem 
 sido expressamente mencionados os citados preceitos legislativos. Com efeito, 
 nas alegações do recurso jurisdicional interposto para o Pleno da 1.ª Secção do 
 STA, está patente quais são as interpretações feitas pela Administração que, no 
 entender do recorrente, se afiguram notoriamente inconstitucionais, por violação 
 das normas constitucionais devidamente identificadas pelo mesmo nas várias 
 peças processuais apresentadas.
 
 4) No caso presente, o entendimento dos artigos 27.º e 184.º do Estatuto do 
 Ministério Público, que o recorrente pretende que se declare inconstitucional, 
 
 é claramente uma interpretação das normas referidas, o que corresponde portanto 
 ainda [a] uma inconstitucionalidade normativa, de acordo com a jurisprudência 
 firmada pelo Tribunal Constitucional. Diversamente, num outro aresto deste 
 Tribunal – o Acórdão n.º 612/94 – o «entendimento» a que o recorrente se 
 reportava correspondia, aí sem margem para dúvidas, aos termos da própria 
 decisão judicial, desligados de uma qualquer interpretação normativa, como o 
 próprio Juiz Relator doutamente soube fundamentar. E só por isso, aliás, o 
 Tribunal Constitucional veio então indeferir o requerimento em causa.
 
 5) O artigo 75.º‑A da LTC, nos seus n.ºs 5 e 6, estabelece que deverá ser 
 endereçado ao requerente um convite no sentido de este prestar as indicações 
 relativas a elementos exigidos neste preceito e que se considere estarem em 
 falta.
 
 6) A importância deste convite é por demais evidente pois que, desde logo, teria 
 permitido ao Ex.mo Juiz Conselheiro Relator divisar com total certeza qual o 
 sentido da pretensão do recorrente no recurso de inconstitucionalidade 
 interposto e, em consonância, lhe permitiria ter dado uma resposta cabal ao 
 recurso de constitucionalidade por ele interposto. Ainda que se entenda que essa 
 pretensão está devidamente identificada – não foi adequadamente suscitada uma 
 questão de inconstitucionalidade normativa resultante de interpretação –, o 
 facto de não ter sido feito aquele convite ao recorrente impediu‑o de suprir uma 
 irregularidade do seu requerimento, o que parece motivar a decisão sumária 
 objecto de reclamação para a conferência.
 
 7) Quer a indeterminação da motivação da decisão sumária, quer a circunstância 
 de não ter sido concedida ao recorrente a possibilidade de regularizar o 
 recurso jurisdicional por si interposto, cerceiam completamente, em planos 
 distintos, o direito do recorrente a uma tutela jurisdicional efectiva, pedra 
 basilar de um Estado que se quer de Direito (constituindo uma densificação da 
 ideia ineliminável da protecção jurídica dos cidadãos), e constante 
 genericamente do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa («Acesso 
 ao direito e tutela jurisdicional efectiva»). O princípio do acesso ao direito e 
 tutela jurisdicional efectiva constitui ainda uma dimensão essencial do regime 
 geral dos direitos fundamentais dos cidadãos.
 Termos em que,
 pelas aí razões invocadas, deve ser dado provimento à presente reclamação, com 
 todas as consequências legais.”
 
  
 
                                  A reclamação é acompanhada de parecer jurídico, 
 da autoria de Maria Benedita Urbano, cujas conclusões foram transcritas como 
 fundamentação daquela reclamação.
 
  
 
                                  1.3. O recorrido (Conselho Superior do 
 Ministério Público), notificado da dedução da presente reclamação, não 
 apresentou qualquer resposta.
 
  
 
                                  Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                                  2. Resulta claramente da decisão sumária 
 reclamada que a razão determinante do não conhecimento do objecto do recurso 
 assentou na constatação de não ter sido pelo recorrente, perante o tribunal que 
 proferiu a decisão recorrida, “adequadamente suscitada nenhuma questão de 
 inconstitucionalidade normativa, não se identificando qualquer norma de direito 
 ordinário que, no entender do recorrente, violasse normas ou princípios 
 constitucionais”. E isto porque “no local indicado pelo recorrente como sendo 
 aquele em que teria suscitado, perante o tribunal recorrido, as questões de 
 inconstitucionalidade que pretende ver apreciadas – a saber: as alegações do 
 recurso jurisdicional interposto para o Pleno da 1.ª Secção do STA –, a 
 violação de preceitos constitucionais é directamente imputada a 
 
 «entendimentos» que teriam sido adoptados pelo acto administrativo 
 contenciosamente impugnado e pelo acórdão da 2.ª Subsecção do STA, então 
 recorrido, sem qualquer referência a normas identificadas pelos preceitos 
 legais que as suportariam, «entendimentos» esses que surgem como indissociáveis 
 das particularidades específicas do caso concreto”. Nessas alegações, 
 designadamente, “nenhuma referência é feita aos artigos 27.º, alínea a) (…), e 
 
 184.º, n.º 1, alíneas a) e b) (…), do Estatuto do Ministério Público (…), pela 
 primeira vez referidos no requerimento de interposição de recurso para o 
 Tribunal Constitucional”.
 
                                  É certo que, como refere Fernando Alves Correia 
 
 (Direito Constitucional – A Justiça Constitucional, Coimbra, 2001, pp. 69‑70), 
 
 “de harmonia com a jurisprudência reiterada do Tribunal Constitucional, objecto 
 do controlo de constitucionalidade são as normas jurídicas e não os preceitos 
 normativos que as contêm”, mas, prossegue o mesmo autor, “de qualquer modo, o 
 controlo de «normas» há‑de sempre incidir sobre um «texto» ou um «preceito» 
 
 (legal ou regulamentar) que lhe sirva de suporte ou, por outras palavras, o 
 pedido de fiscalização de constitucionalidade tem sempre por objecto normas 
 vasadas ou concretizadas em preceitos legais ou regulamentares (em determinados 
 suportes formais)”. Na verdade, apesar da autonomia dos conceitos de norma e de 
 preceito (cf., quanto às relações entre norma e preceito, designadamente em sede 
 de fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade, o Acórdão n.º 
 
 57/95) e embora uma norma sujeita a controlo de constitucionalidade possa 
 resultar da conjugação de vários preceitos ou reportar-se apenas a parte de um 
 preceito ou mesmo a um seu segmento ideal, o certo é que – tirando o caso 
 excepcionalíssimo das normas consuetudinárias (autor e obra citados, p. 70) – a 
 identificação da norma que se pretende submeter ao juízo do Tribunal 
 Constitucional sempre terá de ser feita por referência aos preceitos que a 
 suportam.
 
                                  Já no Acórdão n.º 302/94 se afirmava que “o 
 Tribunal Constitucional vem entendendo, em jurisprudência uniforme e constante, 
 que ao suscitar qualquer questão de inconstitucionalidade de uma norma, deverá 
 sempre ser indicado o preceito ou preceitos de que ela se extrai, sem o que 
 essa norma não estará devidamente identificada”.
 
                                  E no Acórdão n.º 57/95, tirado em sede de 
 fiscalização abstracta sucessiva de constitucionalidade, consignou‑se:
 
  
 
 “Ora, como tem salientado este Tribunal em jurisprudência reiterada e uniforme, 
 objecto de fiscalização da constitucionalidade são normas jurídicas, entendidas 
 estas como todo e qualquer acto do poder público que contiver uma «regra de 
 conduta» para os particulares ou para a Administração, um «critério de decisão» 
 para esta última ou para o juiz ou, em geral, «um padrão de valoração de 
 comportamento» [cf., inter alia, os Pareceres da Comissão Constitucional n.ºs 
 
 3/78, 6/78 e 13/82 (in Pareceres da Comissão Constitucional, 4.º vol., pp. 221 e 
 segs. e 303 e segs., e 19.º vol., pp. 149 e segs.) e os Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional n.ºs 26/85, 63/91, 146/92, 255/92 e 186/94, publicados no Diário 
 da República, II Série, de 26 de Abril de 1985, 3 de Julho de 1991, 24 de Julho 
 de 1992, 26 de Agosto de 1992 e 14 de Maio de 1994, respectivamente]. Não se 
 trata, porém, de normas abstractamente consideradas, mas de normas vasadas ou 
 concretizadas num preceito. Por outras palavras, o Tribunal Constitucional, 
 quando aprecia a constitucionalidade de uma norma jurídica, tem de referir essa 
 norma a um preceito concreto, que constitui o seu suporte formal.”
 
  
 
                                  De acordo com estes critérios, que se reiteram, 
 
 é óbvio que não constitui modo adequado de suscitar uma questão de 
 inconstitucionalidade normativa a alegação de que “entender que a Administração 
 pode qualificar como crime uma determinada conduta, para efeitos estritamente 
 disciplinares, sem atender à qualificação criminal que está a ser levada a 
 efeito na jurisdição penal onde o arguido apenas está pronunciado por esse 
 crime, ofende o princípio da separação de poderes e a exclusividade da 
 jurisdição penal (cf. artigos 2.º e 32.º, n.º 9, da CRP)” (conclusão 15.ª da 
 alegação do recorrente) ou de que “entender que a Administração pode aplicar uma 
 sanção disciplinar qualificando as condutas como constituindo crimes ofende o 
 princípio da presunção da inocência, plasmado no artigo 32.º, n.º 2, da CRP” 
 
 (conclusão 15.ª da alegação do recorrente), sem a mínima referência aos 
 preceitos legais que suportariam esses “entendimentos”, directamente imputados 
 ao órgão administrativo autor do acto punitivo e à decisão judicial que negou 
 provimento ao recurso contencioso de anulação desse acto.
 
                                  Por outro lado, tratando‑se de deficiência 
 localizada na fase de suscitação da questão de inconstitucionalidade perante o 
 tribunal que proferiu a decisão recorrida, é manifesto que se trata de 
 deficiência insusceptível de ser corrigida através de eventual aperfeiçoamento 
 do requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, razão 
 pela qual não pode proceder a pretensão do reclamante no sentido de ser 
 formulado o convite previsto no n.º 6 do artigo 75.º‑A da LTC.
 
  
 
                                  3. Em face do exposto, acordam em indeferir a 
 presente reclamação.
 
                                  Custas pelo recorrente, fixando‑se a taxa de 
 justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
 Lisboa, 20 de Setembro de 2006.
 Mário José de Araújo Torres
 Paulo Mota Pinto
 Rui Manuel Moura Ramos