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Processo n° 238/2007 
 
 3ª Secção 
 Relatora: Conselheira Ana Maria Guerra Martins 
 
  
 Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 I – RELATÓRIO
 
  
 
 1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos 
 do Supremo Tribunal de Justiça, em que figura como recorrente A., SA e como 
 recorrido MASSA FALIDA DE A., SA, a Relatora proferiu a seguinte Decisão 
 Sumária: 
 
 “1. No âmbito de uma acção proposta pelo LIQUIDATÁRIO DA MASSA FALIDA DE A., SA 
 contra A., SA e outras, na qual pediu a condenação das rés a reconhecer a 
 ineficácia de determinados contratos de compra e venda relativamente à massa 
 falida, e a consequente reversão dos bens para a referida massa, A., SA recorreu 
 para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n° 1 do 
 artigo 70º da Lei n° 28/82, de 15 de Novembro, do acórdão do Supremo Tribunal de 
 Justiça de 16 de Junho de 2007, de fls. 837, pretendendo a apreciação da 
 
 «inconstitucionalidade dos art. 265 e 653 do C.P.C.», por violação do «disposto 
 nos art. 2°, 3°, 13°, 20° e 205° da Constituição da República Portuguesa». 
 Afirma ainda que suscitou a inconstitucionalidade «nas alegações de recurso». 
 O recurso foi admitido, por decisão que não vincula este Tribunal (n° 3 do 
 artigo 76° da Lei n° 28/82). 
 
 2. Apenas para o que agora releva, o Supremo Tribunal de Justiça, confirmando o 
 acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14 de Dezembro de 2005, de fls. 
 
 758, que apenas considerara procedente a impugnação de parte dos contratos em 
 discussão, pronunciou-se nos seguintes termos:
 
 «Invocam as recorrentes a prática de nulidade susceptível de influir na decisão 
 da causa (art° 201º e ss do CPC) por o tribunal não ter determinado o depoimento 
 das outras testemunhas das recorrentes, nos termos do art° 265°, 3 do CPC. Das 
 actas da audiência resulta que foram ouvidas todas as testemunhas convocadas e 
 presentes, sendo certo que a ilustre mandatária prescindiu das restantes (fls. 
 
 259). 
 Assim sendo, nada impunha, até porque aos autos não terá chegado qualquer 
 informação que a isso aconselhasse, que o Ex.mo Juiz procedesse, oficiosamente à 
 sua inquirição. 
 Ao agir por esta forma não agiu o Ex.mo Julgador em contravenção com qualquer 
 princípio estruturante do processo civil, nem beliscou, por qualquer outra 
 forma, nenhum princípio com guarida constitucional. 
 Com efeito, para ser efectivada a justiça, necessário se torna que o juiz, com a 
 colaboração das partes, persiga a verdade, que consiga a realização da justiça 
 material». 
 Referindo-se em especial ao n.° 3 do artigo 265° do Código de Processo Civil, 
 que enquadrou no âmbito do «encontro entre o princípio da oficiosidade ou 
 inquisitório e o princípio do contraditório», e explicitou à luz do princípio da 
 cooperação (artigo 266° do Código de Processo Civil) e da evolução do «processo 
 liberal e individualístico (...) para o processo social e publicístico», o 
 Supremo Tribunal de Justiça considerou que, «na situação dos autos, nada 
 aconselhava que o Ex.mo Juiz encetasse a realização de qualquer tipo de 
 diligência, oficiosamente, no caso procedesse à inquirição de testemunhas já 
 prescindidas pela parte apresentante. 
 Na verdade o princípio da oficiosidade não pode pôr em crise nem o princípio do 
 dispositivo nem o da auto-responsabilidade das partes na condução do processo. 
 
 (...) Não resulta, na situação em apreço qualquer colisão ao aludido princípio 
 da igualdade, na sua vertente «igualdade de armas». 
 
 (...) 
 Pretendem as recorrentes, no que se reporta ao dever de fundamentação, que não 
 foi dado cumprimento pelo tribunal recorrido ao disposto no n.° 2 do art° 653° 
 do CPC. É também desprovida de fundamento esta conclusão: com efeito foram 
 identificados os elementos probatórios, quer testemunhais, quer documentais, que 
 se consideraram determinantes das respostas dadas, sendo feita explicitação 
 suficiente para a plena compreensão do processo decisório. Não foi estabelecida 
 uma fundamentação em bloco, conforme sustentam as recorrentes. 
 Com efeito, nesta sede, e no que concerne ao dever de fundamentar as decisões 
 judiciais é sabido que tal obrigação decorre directamente do art. 205° n.°1 da 
 Constituição da República e nesse dever de fundamentação radica, na sua 
 essencialidade, segundo diversos Autores, a própria legitimação democrática do 
 poder judicial”. 
 Referindo-se depois ao artigo 205° da Constituição, o acórdão recorrido observou 
 que o não respeita uma interpretação “minimalista” do n.° 2 do artigo 653º do 
 Código de Processo Civil que se bastasse com a indicação dos meios de prova que 
 serviram de base à convicção do tribunal: 
 
 “Assim, ao declarar os factos que julga provados e os que julga não provados, o 
 julgador deve analisar criticamente as provas e especificar motivadamente as que 
 considera decisivas para a sua convicção e as que têm valor probatório fixado 
 por lei (arts. 653ºn.º 2 e 659º n.º3 do C.P.C.). 
 No caso ora em análise, constata-se que o Ex. mo Juiz fundamentou, em termos 
 assaz satisfatórios, a convicção a que chegou (...), apreciando criticamente a 
 prova testemunhal tendo também ponderado criteriosamente os documentos juntos. 
 Não foi, assim, violado o art. 653º n.º 2 do C.P. C. e, consequentemente não foi 
 beliscado o normativo constitucional constante do art. 205° n.º 1 da 
 Constituição da República “. 
 
 3. O recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade de normas 
 interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 
 
 28/82, de 15 de Novembro, como é o caso, destina-se a que este Tribunal aprecie 
 a conformidade constitucional de normas, ou de interpretações normativas, que 
 foram efectivamente aplicadas na decisão recorrida, não obstante ter sido 
 suscitada a sua inconstitucionalidade “durante o processo” (al. b) citada), e 
 não das próprias decisões que as apliquem. Assim resulta da Constituição e da 
 lei, e assim tem sido repetidamente afirmado pelo Tribunal (cfr. a título de 
 exemplo, os acórdãos nºs 612/94, 634/94 e 20/96, publicados no Diário da 
 República, II Série, respectivamente, de 11 de Janeiro de 1995, 31 de Janeiro de 
 
 1995 e 16 de Maio de 1996). 
 
 É, ainda, necessário que tal norma tenha sido aplicada com o sentido acusado de 
 ser inconstitucional, como ratio decidendi (cfr., nomeadamente, os acórdãos nºs 
 
 313/94, 187/95 e 366/96, publicados no Diário da República, II Série, 
 respectivamente, de 1 de Agosto de 1994, 22 de Junho de 1995 e de 10 de Maio de 
 
 1996); e que a inconstitucionalidade haja sido “suscitada durante o processo” 
 
 (citada ai. b) do n° 1 do artigo 70°), como se disse, o que significa que há-de 
 ter sido colocada “de modo processualmente adequado perante o tribunal que 
 proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer” 
 
 (nº 2 do artigo 72º da Lei nº 28/82). 
 Para além disso, e como o Tribunal Constitucional também já observou inúmeras 
 vezes, o recurso de constitucionalidade tem natureza instrumental, o que implica 
 que é condição do conhecimento do respectivo objecto a possibilidade de 
 repercussão do julgamento que nele venha a ser efectuado na decisão recorrida 
 
 (ver, por exemplo, o acórdão deste Tribunal com o nº 463/94, publicado no Diário 
 da República, II Série, de 22 de Novembro de 1994). 
 
 4. Do que acabou de ser exposto decorre que não estão reunidos os pressupostos 
 necessários para que o Tribunal Constitucional possa conhecer do recurso, porque 
 o acórdão recorrido não aplicou as normas dos preceitos indicados no 
 requerimento de interposição de recurso — artigos 265º e 653º do Código de 
 Processo Civil — com o sentido que, no momento processualmente adequado para o 
 efeito (cfr. alegações apresentadas no recurso de revista, a fls. 801), a 
 recorrente acusou de ser inconstitucional. 
 Com efeito, e como se pode verificar da transcrição atrás efectuada, o acórdão 
 recorrido não interpretou, nem o artigo 265º com o sentido de que “não obriga a 
 que o Tribunal averigue oficiosamente os factos relevantes para o pleno 
 apuramento da verdade e a justa composição da causa”, nem o artigo 653º com o 
 sentido de que dele não resulta “que na fundamentação da matéria de facto deve o 
 juiz discriminar os factos que julga provados e não provados separadamente e 
 analisar criticamente as provas enunciando as razões determinantes da formação 
 da sua convicção “. 
 Ora foi a inconstitucionalidade dessas interpretações que a recorrente suscitou 
 
 “durante o processo “, como exige a alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei nº 
 
 28/82. 
 Se o Tribunal Constitucional as apreciasse, estaria a proferir uma decisão 
 inútil, já que, ainda que viesse a concluir no sentido da inconstitucionalidade, 
 nenhuma repercussão teria tal julgamento na decisão recorrida. 
 
 5. Estão, pois, reunidas as condições para que se proceda à emissão da decisão 
 sumária prevista no nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82. 
 Nestes termos, decide-se não conhecer do objecto do recurso. 
 
 2. O recorrente vem agora reclamar para a Conferência, ao abrigo do artigo 
 
 78º-A, nº 3, da LTC, nos seguintes termos:
 
  
 
 “A., S.A., recorrente nos autos à margem referenciados, tendo sido notificada da 
 decisão sumária proferida nos autos, vem, nos termos do disposto no art. 78-A da 
 Lei do Tribunal Constitucional, 
 
  
 Deduzir Reclamação para a Conferência, 
 
  
 Com os seguintes fundamentos: 
 
  
 A ora reclamante interpôs recurso para esse Venerando Tribunal, ao abrigo do 
 disposto na al. b) do nº1 do art. 70 da Lei 28/82 de 15 de Novembro. 
 
  
 A reclamante pretendia fosse apreciada a inconstitucionalidade dos art. 265 e 
 
 653 do CPC, em virtude de tais normas violarem o disposto no art. 2º, 3º, 13º, 
 
 20 e 205 da Constituição da República Portuguesa. 
 
  
 Tal recurso foi admitido por douta decisão proferida pelo Egrégio Conselheiro 
 Relator junto do STJ. 
 
  
 Subidos que foram os Autos a esse Venerando Tribunal foi proferida douta decisão 
 sumária, nos termos do disposto no nº1 do art. 78-A da Lei 28/82, a qual decidiu 
 não conhecer do objecto do recurso. 
 
  
 A Ilustre Conselheira Relatora considerou não estarem reunidos os pressupostos 
 necessários para que o Tribunal possa conhecer do recurso, em virtude de o 
 Acórdão recorrido não ter aplicado as normas constantes dos preceitos indicados 
 nos art. 265 e 653 do CPC, com o sentido que “a recorrente acusou de 
 inconstitucionalidade”. 
 
  
 Constitui entendimento da Ilustre Conselheira Relatora destinar-se o recurso de 
 fiscalização concreta de constitucionalidade de normas interposto nos termos do 
 disposto na al. b) do nº1 do art.70 da Lei 28/82 de 15 de Novembro, o Tribunal 
 Constitucional a apreciar a “conformidade constitucional de normas ou 
 interpretação normativas que foram efectivamente aplicadas na decisão recorrida 
 e não das próprias decisões que as apliquem, considerando ainda “necessário que 
 tal norma tenha sido aplicada com o sentido acusado de ser inconstitucional como 
 ratio decidendi”. 
 
  
 Nos termos do preceituado no nº 1 da al. b) do art.70 da Lei 28/82 de 15 de 
 Novembro, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões que apliquem 
 norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
 
  
 Nos autos subjudice a ora reclamante suscitou a inconstitucionalidade das normas 
 constantes dos art. 265 e 653 do CPC, nas alegações de recurso apresentada no 
 
 âmbito do processo de revista nº 3677/06-1. 
 
  
 Nos termos do disposto no art. 70 nº2 da LTC o recurso para o Tribunal 
 Constitucional de decisões que apliquem norma cuja inconstitucionalidade tenha 
 sido suscitada durante o processo apenas cabe das decisões que não admitem 
 recurso ordinário, o que se verifica no caso subjudice. 
 
  
 Em suma, a admissibilidade do recurso da constitucionalidade previsto na al. b) 
 do art.70 da LTC depende da verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: 
 a) que a decisão recorrida tenha aplicado norma arguida de inconstitucional 
 durante o processo; b) que tenha sido suscitada pela recorrente durante o 
 processo (art.280 nº4 da CRP e 72 nº2 da LTC) e c) que a decisão recorrida não 
 seja passível de recurso ordinário (art. 70 nº2 da LTC), o que se verificou no 
 caso subjudice. 
 
  
 Na nossa modesta opinião o Tribunal de 1° Instância aplicou normas cuja 
 inconstitucionalidade foi suscitada, se não de forma expressa, de forma 
 implícita. 
 
  
 A ora reclamante partilha do entendimento de Guilherme da Fonseca e Inês 
 Domingos in “de Direito” Processual Constitucional” … de que “a aplicação da 
 norma tanto pode ser expressa como implícita “ e a questão da 
 inconstitucionalidade tanto pode reportar-se apenas a certa dimensão ou trecho 
 da norma como a uma certa interpretação da mesma” 
 
  
 Nesse sentido veja-se Acórdão do Tribunal Constitucional “afirmar que uma norma, 
 na interpretação que lhe foi dada pelo Tribunal, afronta a lei fundamental, vale 
 como arguição de inconstitucionalidade e é assim fundamento de recurso” 
 
  
 Assim sendo, constitui entendimento da ora reclamante verificarem-se no caso 
 subjudice os pressupostos constantes dos art. 70 e ss da Lei 28/82 de 15 
 Novembro e 280 da CRP. 
 
  
 Termos em que deve ser julgada procedente a presente reclamação, revogando-se a 
 douta decisão, ora reclamada, substituindo-se por outra que conheça do objecto 
 do recurso interposto pela ora reclamante”.
 
  
 
  
 II – FUNDAMENTAÇÃO
 
  
 
 3. Tendo o processo sido redistribuído por, entretanto, ter cessado funções 
 neste Tribunal a Ex.ma Juíza Relatora, cumpre decidir. 
 
  
 A ora reclamante afirma que suscitou a questão da inconstitucionalidade das 
 normas constantes dos artigos 265º e 653º do CPC, nas alegações de recurso 
 apresentadas no âmbito do processo de revista nº 3677/06-1, as quais foram 
 aplicadas pelo Tribunal de 1ª instância, senão de forma expressa, pelo menos de 
 forma implícita.
 
  
 No entanto, não procede a reclamante à demonstração de que as normas em causa 
 tenham sido aplicadas na decisão recorrida com o sentido acusado de ser 
 inconstitucional, como ratio decidendi.  
 Tendo em conta que a Decisão Sumária reclamada se fundamentou, essencialmente, 
 no facto de o acórdão recorrido não ter interpretado, nem o artigo 265º com o 
 sentido de que “não obriga a que o Tribunal averigue oficiosamente os factos 
 relevantes para o pleno apuramento da verdade e a justa composição da causa” 
 
 [cfr. §11 das conclusões, a fls. 827 e 828], nem o artigo 653º com o sentido de 
 que dele não resulta “que na fundamentação da matéria de facto deve o juiz 
 discriminar os factos que julga provados e não provados separadamente e analisar 
 criticamente as provas enunciando as razões determinantes da formação da sua 
 convicção” [cfr. § 37 das conclusões, a fls. 831], caberia à reclamante ter 
 demonstrado cabalmente o contrário.
 Além disso, tendo a Decisão Sumária colocado o acento tónico na natureza 
 instrumental do recurso de constitucionalidade e na consequente inutilidade da 
 decisão deste Tribunal no sentido da inconstitucionalidade no caso em apreço – 
 por não haver qualquer possibilidade de repercussão desse julgamento na decisão 
 recorrida –, a reclamante também não logrou demonstrar o contrário.
 
  
 Por fim, nem se diga – como ensaia a ora reclamante – que as interpretações 
 normativas dos artigos 265º e 653º do CPC, reputadas de inconstitucionais, terão 
 sido aplicadas de forma implícita.
 
  
 
 É que basta ler as partes do acórdão transcrito supra para se verificar que 
 assim não aconteceu. 
 
  
 Assim, a reclamante não conseguiu abalar a bondade da fundamentação da decisão 
 sumária reclamada. 
 
  
 
  
 III - DECISÃO
 
  
 Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação, confirmando-se, 
 consequentemente, a Decisão Sumária reclamada. 
 
  
 Custas pela reclamante, fixando-se em 20 UC´s, a taxa de justiça, nos termos do 
 artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
 Lisboa, 9 de Maio de 2007
 Ana Maria Guerra Martins
 Vítor Gomes
 Gil Galvão