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Processos n.ºs 269/09 e 270/09
 Plenário
 Relatora: Conselheira Maria João Antunes
 
                 (Conselheiro João Cura Mariano)
 
 
 Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional
 
 
 I. Relatório
 
 1. Na sequência de participação apresentada pelo Partido Socialista (PS), 
 relativa à notificação efectuada em 19-2-2009, pela Câmara Municipal de Óbidos, 
 para remoção de um painel tipo outdoor, destinado à afixação de propaganda 
 política pelo PS, colocado por esta estrutura partidária em espaço público, a 
 Comissão Nacional de Eleições (CNE) decidiu, por deliberação tomada em 
 
 7-4-2009, o seguinte:
 
  
 
 «No uso dos poderes conferidos pelo art. 7.º da Lei n.º 71/87, de 27 de Dezembro 
 notifique-se o Senhor Presidente da Câmara Municipal de Óbidos para, no prazo de 
 
 48 horas, repor a propaganda do PS removida, sob pena de, não o fazendo, cometer 
 o crime de desobediência previsto e punido pelo artigo 348.º do Código Penal».
 
  
 Esta deliberação remeteu a sua fundamentação para parecer interno da CNE junto 
 aos autos.
 O Município de Óbidos interpôs recurso desta deliberação para o Tribunal 
 Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 102.º-B da Lei de Organização, 
 Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), o qual deu origem ao 
 Processo n.º 269/09. O recorrente apresentou as seguintes conclusões:
 
  
 
 «1 - O acto ora em crise, emanado pela CNE, foi proferido no âmbito de uma 
 queixa formulada pelo PS em virtude de um despacho do Vice-Presidente de um 
 
 órgão do Recorrente ter ordenado a remoção de um “outdoor” colocado por este 
 partido político numa parcela do domínio privado municipal do Recorrente. 
 
 2 – De acordo com o disposto, no artigo 5º da Lei n.º 71/78, de 27 de Dezembro, 
 a CNE tem a sua intervenção limitada à administração, disciplina e supervisão 
 dos actos de recenseamento e de eleições para os órgãos de soberania, das 
 regiões autónomas, do poder local e dos referendos. 
 
 3 – No que concerne a acções de propaganda, a área de intervenção da CNE 
 encontra-se expressamente delimitada às acções inseridas num determinado e 
 concreto processo eleitoral. 
 
 4 – Na data dos factos não se encontrava, como não se encontra em curso, 
 qualquer período destinado pela lei à realização de campanha eleitoral.
 
 5 – Fora do período formalmente destinado pela lei à realização de campanha 
 eleitoral carece a CNE de competências para fiscalizar alegadas violações das 
 regras de afixação de propaganda. 
 
 6 – A deliberação ora recorrida incidiu sobre matéria não compreendida nas 
 competências da CNE, pelo que a mesma é nula. 
 
 7 – O Tribunal Constitucional é competente para apreciar o presente recurso na 
 medida em que o acto impugnado, ao menos na sua aparência formal e configuração 
 externa, se apresenta como recorrível nos termos previstos nos artigos 8º, 
 alínea f), e 102º-B, da Lei do Tribunal Constitucional, e como tal foi 
 considerado quer pela CNE, como também pelo Recorrente».
 
  
 O PS foi notificado, nos termos do n.º 4 do artigo 102.º-B da LTC, para se 
 pronunciar sobre o conteúdo do recurso interposto e nada disse.
 
  
 
 2. Na sequência de participação apresentada pelo Partido Social Democrata 
 
 (PPD/PSD), relativa à remoção pela Câmara Municipal de Vila do Conde, em Março 
 de 2009, de uma estrutura metálica, destinada à afixação de propaganda política 
 pelo PPD/PSD, colocado por esta estrutura partidária em espaço público, a 
 Comissão Nacional de Eleições (CNE) decidiu, por deliberação tomada em 
 
 7-4-2009, o seguinte:
 
  
 
 «No uso dos poderes conferidos pelo art. 7.º da Lei n.º 71/87, de 27 de Dezembro 
 notifique-se o Senhor Presidente da Câmara Municipal de Vila do Conde, para, no 
 prazo de 48 horas, repor a propaganda do PPD/PSD removida, sob pena de, não o 
 fazendo, cometer o crime de desobediência previsto e punido pelo artigo 348.º do 
 Código Penal».
 
  
 Esta deliberação remeteu a sua fundamentação para parecer interno da CNE junto 
 aos autos.
 O Município de Vila do Conde interpôs recurso desta deliberação para o Tribunal 
 Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 102.º-B da LTC, o qual deu 
 origem ao Processo n.º 270/09. Recorreu nos termos e com os fundamentos 
 seguintes:
 
  
 
 «FACTOS:
 
 1º - No dia 16 de Março de 2009, a fiscalização municipal detectou na Av. 
 Brasil, em Vila do Conde, uma estrutura metálica, composta por quatro pilares 
 com perfil em 1, cravados no pavimento do passeio público, e por vigas 
 aparafusadas nos referidos pilares, a qual pela sua localização e configuração 
 se tornava um elemento perigoso, constituindo um obstáculo à mobilidade dos 
 muitos utilizadores daquele espaço; (Doc. 1) 
 
 2º - Aquela estrutura não tinha qualquer identificação, conforme melhor se 
 alcança da informação da fiscalização junta; (Doc. 2) 
 
 3º - Admitiu-se, por isso, que a colocação da referida estrutura poderia ter 
 como objectivo o anúncio de um qualquer evento ou produto, que não teria sido 
 licenciado, razões que levaram à sua remoção; 
 
 4º - Só após a notificação da CNE para repor a estrutura é que a Câmara 
 Municipal percebeu que a colocação da mesma alegadamente teria sido da 
 responsabilidade do PPD/PSD; 
 
 5º - Efectivamente, aquela força política, por ofício registado na Câmara 
 Municipal em 29 de Fevereiro de 2009, comunicou que iria proceder à colocação 
 de várias estruturas visando a propaganda politica; 
 
 6º - Todavia, identificou os locais de colocação de forma vaga, nomeadamente o 
 local onde colocou a estrutura removida, identificado como Av. Marginal, 
 topónimo que não existe em Vila do Conde; 
 
 7º - Após participação daquela força politica, a CNE, em 7 de Abril de 2009, 
 notificou a Câmara Municipal de Vila do Conde para «no prazo de 48 horas, repor 
 a propaganda do PPD/PSD removida, sob pena de, não o fazendo, cometer o crime de 
 desobediência previsto e punido pelo artigo do 348º do Código Penal»; 
 DIREITO: 
 
 8º - Diga-se, desde logo, que a Câmara Municipal não actuou de forma a limitar a 
 actividade de propaganda política do PPD/PSD, primeiro porque não removeu 
 qualquer propaganda, mas antes uma estrutura; 
 
 9º - Tal actuação foi claramente feita na defesa do espaço público, uma vez que 
 a fixação dos pilares da estrutura em causa danificou o passeio público de forma 
 definitiva, pois para tal foram abertos quatro buracos no pavimento betuminoso 
 com características especiais, que contêm um elemento agregador do tipo 
 calcário, que lhe dá uma tonalidade especial; 
 
 10º - De referir que o passeio em causa se localiza numa zona de recente 
 qualificação ao abrigo do Programa Pólis, projecto da responsabilidade dos 
 arquitectos Siza Vieira e Alcino Soutinho, representando a colocação da 
 estrutura uma clara violação à concepção urbanística daqueles autores; 
 
 11º - Por isso, resultam violados direitos autor com protecção legal; 
 
 12º - Acresce que atenta a definição de “Edificação”, constante da alínea a) do 
 artigo 2º do D.L. nº 555/99, de 16 de Dezembro, com as alterações introduzidas 
 pela Lei n.º 60/2007, de 4 de Setembro, a colocação da estrutura enquanto 
 construção que se incorpora no solo com carácter de permanência fica sujeita ao 
 regime jurídico da urbanização e da edificação; 
 
 13º - Ora, assim sendo, a danificação do pavimento causou evidentes prejuízos de 
 milhares de euros ao património público, sendo de difícil reposição dadas as 
 suas características, ficando para sempre um remendo naquela tão importante 
 artéria – Av. Brasil – da cidade de Vila do Conde; 
 
 14º - Provisoriamente, na defesa do interesse público e da segurança dos peões, 
 nomeadamente de crianças, idosos e cidadãos de mobilidade reduzida, o pavimento 
 foi reposto a título precário; 
 
 15º - Pelo que, contrariamente ao que afirma a deliberação da CNE, para além de 
 não se ter limitado qualquer actividade, de propaganda, porque não estava lá 
 qualquer mensagem, a remoção findou-se numa razão objectiva, falta de 
 licenciamento e violação do estabelecido nas alíneas a) e c) do nº 1 do artigo 
 
 4º da Lei n.º 97/88, de 17 de Agosto; 
 
 16º - Ou seja, para além de afectar a estética e o ambiente do local, como vimos 
 recentemente objecto de qualificação, foram ainda causados prejuízos 
 irreparáveis num bem do domínio público municipal; 
 
 17º - Entende, por isso a Câmara Municipal que o PPD/PSD deve ser 
 responsabilizado pelos danos causados, devendo indemnizar o erário público 
 quanto às despesas de reposição do pavimento e a remoção e transporte da 
 estrutura pelos serviços municipais; 
 
 18º - Acresce que, conforme reconhece a CNE, a falta de identificação da 
 estrutura, afastava a protecção legal concedida ao alegado “material” de 
 propaganda; 
 
 19º - Logo, carece de legitimidade a deliberação da CNE ao ordenar à Câmara 
 Municipal de Vila do Conde a reposição em espaço público da estrutura sem 
 qualquer mensagem de natureza politica ou eleitoral; 
 
 20º - A CNE não possuía, por isso, no caso em apreço qualquer tipo de poder de 
 
 índole sancionatória ou de polícia, não sendo competente para actuar nesta 
 matéria, a não ser que estivesse em causa uma mensagem de índole eleitoral, o 
 que não era o caso; 
 
 21º - A este propósito dos limites de competência de actuação da CNE, se 
 pronunciou o recente Acórdão nº 312/08 do Tribunal Constitucional; 
 
 22º - Importa ainda referir que o PPD/PSD, antes de formular a participação 
 junto da CNE, oficiou a Câmara Municipal no sentido de repor a estrutura, para 
 logo a seguir por oficio do mesmo dia vir reconhecer que a manutenção da 
 estrutura em causa seria objecto de avaliação antes de solicitarem a sua 
 reposição; (Doc.s 3 e 4) 
 
 23º - Por tudo, e contrariamente ao constante da deliberação da CNE, a Câmara 
 Municipal também não estava obrigada à prévia notificação da força politica em 
 causa, já que nenhuma identificação lá estava, podendo a remoção ser, como foi, 
 imediata; 
 SEM PRESCINDIR 
 
 24º - A remoção da estrutura pela Câmara Municipal de Vila do Conde é 
 perfeitamente conforme à lei e à Constituição e não põe em causa o livre 
 exercício da actividade de propaganda conferida às forças politicas; 
 
 25º - Tal remoção consubstancia um acto de fiscalização do cumprimento da Lei nº 
 
 97/88, de 17 de Agosto e do Regulamento Municipal sobre Mensagens de Publicidade 
 e Propaganda, resultado aliás de um apelo feito pela Câmara Municipal às várias 
 forças politicas no sentido de a imagem da cidade e do concelho ser preservada; 
 
 (Doc. 5) 
 
 26º - Apesar de a CNE afirmar que a lei supra referida não confere qualquer 
 margem de decisão aos órgãos autárquicos para determinar locais proibidos para 
 a afixação de propaganda, não pode deixar de se reconhecer que a lei contém 
 outros princípios e valores de natureza ambiental, paisagística, patrimonial, 
 estética, de segurança pessoal e rodoviária; 
 
 27º - Estes, claramente valores com protecção constitucional, ao nível dos 
 direitos fundamentais, qualificáveis como verdadeiros direitos, liberdades e 
 garantias; 
 
 28º - Tal significa que a liberdade de propaganda tem que ser compatibilizada 
 com aqueles direitos e valores, sempre que eles conflituem no caso concreto; 
 
 29º - Por isso reafirmamos que a actuação da Câmara Municipal de Vila do Conde, 
 no caso concreto, não pôs em causa a liberdade de divulgação da mensagem 
 politica do PPD/PSD, que aliás possui diversas estruturas noutros locais da 
 cidade e do concelho, implantadas em pavimento adequado, ou seja, sem causarem 
 danos para o património municipal, razão pela qual aí permanecem sem qualquer 
 objecção; 
 
 30º - Por fim, a reposição da estrutura será sempre uma medida desajustada, que 
 não pode ser aplicada, porque violadora do interesse público e susceptível de 
 reacções de desagrado da população que vê o seu património ser danificado de 
 forma irresponsável e gratuita».
 
  
 Notificado, nos termos do n.º 4 do artigo 102.º-B da LTC, o PPD/PSD apresentou 
 requerimento em que manifestou a sua concordância com a deliberação da CNE, 
 pronunciando-se pela improcedência do recurso.
 
  
 II. Fundamentação
 
 1. A alínea f) do artigo 8.º da LTC, sob a epígrafe “Competência relativa a 
 processos eleitorais”, atribui competência ao Tribunal Constitucional para 
 julgar os recursos contenciosos interpostos de actos administrativos definitivos 
 e executórios praticados pela Comissão Nacional de Eleições ou por outros órgãos 
 da administração eleitoral. E o artigo 102.º-B da mesma lei regula o processo 
 relativo aos “Recursos de actos de administração eleitoral”: recurso contencioso 
 de deliberações da Comissão Nacional de Eleições (n.ºs 1 a 6); e recurso de 
 decisões de outros órgãos da administração eleitoral (n.º 7).
 Estas disposições legais colocam a questão prévia de saber se estão preenchidos 
 os pressupostos necessários ao conhecimento do objecto dos recursos interpostos 
 das deliberações da CNE, ou seja, se estão ou não em causa actos 
 contenciosamente impugnáveis junto do Tribunal Constitucional. 
 Com relevo para esta questão, escreveu-se no Acórdão do Tribunal Constitucional 
 n.º 471/2008 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt) o seguinte:
 
  
 
 «Ao Tribunal Constitucional é, assim, atribuída competência, em termos amplos, 
 para apreciar os recursos de deliberações da Comissão Nacional de Eleições que 
 consubstanciem actos de administração eleitoral. Mas a determinação exacta do 
 
 âmbito deste conceito, neste específico contexto normativo, não pode ser feita à 
 margem das razões atributivas dessa competência, nem do regime processual do 
 recurso previsto no artigo 102.º-B da LTC.
 As eleições, em particular as directas, por sufrágio universal, constituem um 
 procedimento complexo, integrado por uma pluralidade de actos que se sucedem no 
 tempo. E é bem certo que a administração eleitoral tem um objecto mais amplo do 
 que o acto eleitoral em sentido estrito, entendido como o processo de votação e 
 o apuramento do seu resultado. Há todo um conjunto de operações, jurídicas e 
 materiais, que antecedem (a partir da marcação das eleições) e se sucedem a esse 
 acto, e que a ele estão teleologicamente ligadas. Todas são matéria eleitoral, 
 em sentido amplo.
 
  Mas isso não significa que todas caibam dentro do poder jurisdicional que o 
 artigo 102.º-B, da LTC, atribui ao Tribunal Constitucional.
 
  Esse poder funda-se, em última instância, na defesa dos valores constitucionais 
 da “regularidade e validade dos actos de processo eleitoral”».
 
  
 
 2. Nos presentes autos, os recursos foram interpostos de deliberações da CNE (de 
 conteúdo idêntico) tomadas em data posterior à da marcação da eleição dos 
 deputados ao Parlamento Europeu eleitos em Portugal. As deliberações são de 7 de 
 Abril de 2009 e esta eleição foi marcada no dia 24 de Março do corrente ano, 
 através do Decreto do Presidente da República n.º 25/2009.
 Porém, tais deliberações não consubstanciam actos de administração eleitoral. 
 Ainda que a data da marcação de eleições seja relevante para a determinação 
 exacta do âmbito do conceito de “acto de administração eleitoral”, as 
 deliberações da CNE incidiram sobre factos ocorridos em datas anteriores ao dia 
 em que foi marcada a eleição dos deputados ao Parlamento Europeu. Ou seja, 
 quando o processo eleitoral relativo a esta eleição ainda não tinha sido 
 iniciado.
 Assim sendo, as deliberações da CNE de 7 de Abril de 2009 não constituem actos 
 de administração eleitoral judicialmente impugnáveis através do meio processual 
 previsto no artigo 102.º-B da LTC, pelo que o Tribunal Constitucional não pode 
 tomar conhecimento do objecto dos recursos interpostos.
 
  
 III. Decisão
 Pelo exposto, decide-se não tomar conhecimento do objecto dos recursos 
 interpostos.
 
  
 Lisboa, 15 de Abril de 2009
 Maria João Antunes
 Carlos Fernandes Cadilha
 Ana Maria Guerra Martins
 Joaquim de Sousa Ribeiro
 João Cura Mariano (vencido conforme declaração que anexo)
 Vítor Gomes (vencido conforme declaração anexa)
 Benjamim Rodrigues (vencido de acordo com a declaração anexa)
 Mário José de Araújo Torres (vencido pelas razões constantes da declaração de
 voto do Cons. Cura Mariano
 José Borges Soeiro (vencido, de harmonia com a declaração de voto que junto).
 Gil Galvão
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO  DE  VOTO
 
  
 
  
 
  
 Votei vencido por entender que, tal como este Tribunal afirmou nos Acórdãos n.º 
 
 525/89 e 312/2008 (publicados, na II.ª Série do Diário da República, de 
 
 22-3-1990 e de 26-6-2008, respectivamente), tendo a CNE proferido as 
 deliberações impugnadas assumindo o exercício da sua actividade de disciplina e 
 supervisão eleitoral, tais actos, na sua aparência formal e configuração 
 externa, apresentam-se como recorríveis para o Tribunal Constitucional, nos 
 termos previstos nos artigos 8.º, f), e 102.º - B, da LTC, pelo que se impunha o 
 conhecimento dos recursos interpostos, mesmo que se concluísse pela falta de 
 competência da CNE para proferir as declarações impugnadas.
 Conhecendo precisamente desta questão, perfilho o raciocínio já efectuado por 
 este Tribunal no acórdão n.º 312/2008, (publicado na II.ª Série do Diário da 
 República, de 26 de Junho de 2008), onde se disse o seguinte:
 
 “…Como resulta da história da CNE e, sobretudo, da actual delimitação legal das 
 suas competências, esta entidade tem a sua intervenção limitada à administração, 
 disciplina e supervisão dos actos de recenseamento e de eleições para os órgãos 
 de soberania, das regiões autónomas e do poder local, e ainda dos referendos 
 
 (por força do disposto na Lei n.º 15 – A/98, de 3 de Abril).
 
 É a especial preocupação em assegurar que estes actos, de crucial importância 
 para um regime democrático, sejam realizados com a maior isenção, de modo a 
 garantir a autenticidade dos seus resultados, que justifica a existência e a 
 intervenção da CNE, enquanto entidade administrativa independente.
 Quanto à actividade política desenvolvida para além dos actos eleitorais, 
 nomeadamente a exercida pelos partidos políticos, não se sentiu a necessidade de 
 atribuir a qualquer entidade administrativa específica a supervisão da 
 liberdade de concorrência partidária, pelo que a eventual lesão ou ameaça de 
 lesão de direitos nessa matéria é exclusivamente garantida com o recurso aos 
 tribunais, inclusive através de medidas de protecção cautelar, nos termos 
 exigidos pelo artigo 20.º, n.º 1 e 5, e 268.º, n.º 4, da C.R.P.
 
 …
 Na alínea d), do artigo 5.º, da Lei n.º 71/78, incumbe-se a CNE de “assegurar a 
 igualdade de oportunidades de acção e propaganda das candidaturas durante as 
 campanhas eleitorais”.
 A referência expressa a que o objecto desta intervenção são as acções ocorridas 
 durante as campanhas eleitorais e a de que os sujeitos destas acções são as 
 candidaturas às respectivas eleições, delimita necessariamente a área de 
 intervenção da CNE, neste domínio, às acções de propaganda inseridas num 
 determinado e concreto processo eleitoral.
 Se é discutível, para que seja legítima a intervenção da CNE, que essas acções 
 se situem temporalmente no período formalmente destinado pela lei à realização 
 da campanha eleitoral, ou que essas acções devam, pelo menos, ocorrer durante o 
 processo eleitoral, encarado como uma sucessão de actos e formalidades de 
 diversa natureza pré-ordenados à formação e manifestação da vontade dos 
 eleitores, iniciado com a marcação da data para a realização das eleições, é 
 seguro que a acção em causa deve ser inequivocamente direccionada a um concreto 
 acto eleitoral.
 Só nessas condições é que compete à CNE actuar positivamente, evitando a 
 ocorrência de situações que possam ofender a regularidade do processo eleitoral, 
 nomeadamente limitações intoleráveis à liberdade de realizar acções de 
 campanha, pois só assim se sente a especial exigência de intervenção de uma 
 entidade administrativa independente que assegure uma acção estatal isenta.
 Daí que, por exemplo, os prazos de tramitação do recurso das deliberações da CNE 
 para o Tribunal Constitucional (artigo 102.º - B, n.º 2, 3 e 5, da LTC) sejam 
 muito curtos, dado que pressupõem que essas deliberações ocorrem no decurso de 
 um processo eleitoral o qual obedece a um calendarização apertada e rigorosa dos 
 múltiplos actos que o integram.
 
 É verdade que os partidos políticos…desenvolvem acções de propaganda política na 
 sua actividade corrente, nas suas diferentes formas, visando a difusão das suas 
 ideias e posições políticas, com o objectivo de determinar o posicionamento e a 
 opinião política dos cidadãos, independentemente de se encontrarem marcados 
 actos eleitorais. Admite-se, por isso, que, mesmo quando essas acções ocorrem em 
 períodos em que não se encontra em curso qualquer processo eleitoral, tal como 
 sucede com as acções visadas pela deliberação recorrida, as mesmas possam ter 
 uma influência longínqua no comportamento que os cidadãos venham a adoptar em 
 actos eleitorais futuros.
 Contudo, tais acções, ao não serem direccionadas para um determinado acto 
 eleitoral, não se inserindo em qualquer processo específico de formação e 
 manifestação da vontade eleitoral a exprimir nesse acto concreto, não estão 
 incluídas na área de competência da CNE acima delimitada…”.
 Tendo as deliberações recorridas ordenado às Câmaras Municipais de Óbidos e de 
 Vila do Conde a reposição em espaço público de estruturas destinadas à afixação 
 de propaganda política, sem que nelas se encontrasse ainda colocada qualquer 
 mensagem direccionada a um concreto acto eleitoral, tais deliberações incidiram 
 sobre matéria não compreendida nas competências da CNE, pelo que a fundamentação 
 adoptada na decisão acima transcrita é totalmente transponível para os presentes 
 recursos, o que determinaria que fossem declaradas nulas as deliberações da 
 Comissão Nacional de Eleições, com a consequente procedência dos recursos 
 apresentados pelas Câmaras Municipais de Óbidos e Vila do Conde.
 
  
 João Cura Mariano
 
  
 
  
 
  
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
  
 
  
 Vencido. Conheceria do objecto dos recursos, muito sumariamente, pelas seguintes 
 razões:
 Entendo, como o acórdão, que o âmbito do conceito de actos de administração 
 eleitoral para efeitos da delimitação da competência do Tribunal não pode ser 
 feita à margem das razões atributivas dessa competência, nem do regime 
 processual do recurso previsto no artigo 102.º-B da LTC, pelas razões 
 mencionadas no acórdão n.º 471/2008. Mas divergi na qualificação dos actos 
 impugnados, desde logo porque faço deles uma interpretação diferente.
 Com efeito, as deliberações impugnadas surgiram na sequência de queixa 
 apresentada pelos partidos políticos contra-interessados por remoção indevida de 
 estruturas destinadas, segundo o que os reclamantes assumem (cfr. fls. 43 e fls. 
 
 143) e é credível face à sequência de actos eleitorais legalmente previsíveis, 
 como destinadas a suportar propaganda eleitoral relativa às eleições a realizar 
 em 2009. Foram proferidas já depois do Decreto do Presidente da República n.º 
 
 25/2009, de 24 de Março, que fixou o dia 7 de Junho do corrente ano para a 
 eleição dos deputados ao Parlamento Europeu eleitos em Portugal. Com esse acto 
 deu-se início ao processo eleitoral, relativamente ao qual a CNE exerce as suas 
 competências, nos termos do artigo 16.º da Lei n.º 14/87, de 19 de Abril. 
 Competência de intervenção num processo relativo a propaganda eleitoral que a 
 CNE representou estar a exercer, na medida em que remete para “Informação” dos 
 serviços que expressamente se sustenta competir à Comissão intervir, conforme 
 prescrevem as alíneas b) e d) do artigo 5.º da Lei n.º 71/78, de 27 de Dezembro, 
 para assegurar a igualdade de tratamento dos cidadãos em todas as operações 
 eleitorais e a igualdade de oportunidades de acção e propaganda das candidaturas 
 e a normal actividade da propaganda eleitoral pelos partidos e garantir que a 
 administração, maxime os órgãos das autarquias locais, não proíbam, pela prática 
 administrativa o exercício do direito de expressão através de afixação de 
 propaganda (cfr. n.º I, da “Nota Informativa” para que os actos recorridos 
 remetem).
 Assim, a meu ver, os actos em apreciação não podem deixar de ser interpretados, 
 atendendo ao seu teor literal, ao seu tipo legal e às circunstâncias 
 procedimentais e temporais que rodearam a sua prática, como visando exercer as 
 competências da CNE quanto a fazer observar o respeito pela liberdade de 
 propaganda eleitoral no âmbito do concreto procedimento eleitoral já em curso. 
 
             A tanto não obsta o facto de ainda não se ter iniciado o período de 
 campanha eleitoral, nos termos do artigo 10.º da Lei n.º 14/87. Com efeito, a 
 Lei n.º 26/99, de 3 de Maio, veio reconhecer e tutelar como actividades de 
 propaganda eleitoral as que se desenvolvem a partir da publicação do decreto a 
 convocar as eleições (a comummente designada pré-campanha). Desde a data da 
 marcação das eleições (artigo 1.º), os partidos políticos ou coligações e os 
 grupos de cidadãos, tratando-se de acto eleitoral (a hipótese que agora 
 interessa), têm direito a efectuar livremente e nas melhores condições a sua 
 propaganda, devendo as entidades públicas proporcionar-lhes igual tratamento, 
 salvas as excepções previstas na lei (artigo 2.º). Era, como referem Maria de 
 Fátima Abrantes Mendes e Jorge Miguéis, Lei Eleitoral da Assembleia da 
 República, 4.ª reedição, p. 72, um período gerador de frequentes situações de 
 conflito entre as forças políticas e as entidades públicas. As normas 
 definidoras da competência da CNE, como “órgão regulador” que existe, 
 essencialmente, para assegurar a igualdade de tratamento dos cidadãos e das 
 candidaturas, quer em actos antecedentes dos procedimentos eleitorais (Jorge 
 Miranda, Manual, VII, 286), designadamente a alínea d) do artigo 5.º da Lei n.º 
 
 71/78, de 27 de Dezembro, tem de ser objecto de interpretação actualista em 
 conformidade. 
 
             Assim, valem relativamente aos actos impugnados, destinados a fazer 
 observar o que o órgão de administração eleitoral (elemento orgânico) entende 
 ser exigido pelo respeito dos princípios de direito eleitoral relativamente a 
 acções de propaganda (elemento material) no âmbito de um procedimento eleitoral 
 em curso (elemento temporal), as razões de celeridade, certeza e relevância 
 democrática (cfr. artigo 113.º, n.º 3, da CRP) que justificam que a competência 
 para apreciar a respectiva legalidade caiba ao Tribunal Constitucional, ao 
 abrigo da alínea f) do artigo 8.º e do artigo 102.º‑B da LTC. 
 
             A circunstância de os actos em causa terem tomado como pressuposto 
 ocorrências anteriores à marcação do acto eleitoral, pretendendo agir 
 retrospectivamente sobre factos ocorridos em data anterior à marcação das 
 eleições, respeita a um requisito de validade do acto, não a um dos seus 
 elementos caracterizadores como acto de administração eleitoral. Pode implicar 
 incompetência ratione temporis ou, noutra qualificação do mesmo vício, violação 
 do disposto nos artigos 1.º e 2.º da Lei n.º 26/99, de 3 de Maio, com a 
 consequente invalidade do acto, aspecto que, atendendo à decisão que se formou, 
 não exige aqui compromisso definitivo.
 
 
 Vítor Gomes
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 Votei vencido pelas razões expostas no Acórdão n.º 312/08 e no voto de vencido 
 aposto no Acórdão n.º 471/08, transponíveis para a situação dos autos, no que 
 importa à competência do Tribunal Constitucional para conhecer dos recursos 
 interpostos das deliberações da Comissão Nacional de Eleições. No que toca ao 
 fundo determinaria a procedência dos recursos e a anulação dos actos impugnados 
 por afectado do vício de incompetência da Comissão Nacional de Eleições. 
 Entrelinhei: “deliberações da”.
 
                           
 Benjamim Rodrigues
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 Fiquei vencido, quanto ao não conhecimento, pelas razões aduzidas na 
 fundamentação do Ac. 312/08, que subscrevi.
 Não se poderá, na minha perspectiva, comparar a tese que fez vencimento nesse 
 aresto com a constante no Ac. 471/08, porquanto, ao contrário do que sucedia 
 neste último, nos presentes autos, como na consubstanciação valorativa, atinente 
 ao aludido Ac. 312/08, os actos impugnados detinham, pela matéria sobre que 
 incidiam, a “aparência formal” e a “configuração externa” do acto impugnável, 
 nos termos dos artigos 8º alínea f) e 102-B da LTC.
 
  
 J. Borges Soeiro