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Processo n.º 144/08
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
 
 
           Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
 
  
 
  
 
                         1. A. apresentou reclamação para a conferência, ao 
 abrigo do n.º 3 do artigo 78.º‑A da Lei de Organização, Funcionamento e 
 Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de 
 Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro 
 
 (LTC), contra a decisão sumária do relator, de 3 de Março de 2008, que 
 decidiu, no uso da faculdade conferida pelo n.º 1 desse preceito, não tomar 
 conhecimento do recurso.
 
  
 
                         1.1. A decisão sumária reclamada tem a seguinte 
 fundamentação:
 
  
 
             “1. Por acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), de 2 de 
 Maio de 2006, foi concedido provimento ao recurso jurisdicional deduzido pela 
 recorrente B. contra a sentença de 8 de Abril de 2005 do Tribunal 
 Administrativo do Círculo do Porto, que negara provimento ao recurso contencioso 
 de anulação por ela deduzido contra a deliberação do Conselho de Administração 
 do Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento (INFARMED), de 27 de Setembro 
 de 2002, que homologara a lista de classificação final dos concorrentes 
 admitidos ao «Concurso público para instalação de uma farmácia no lugar e 
 freguesia de Nespereira, concelho de Guimarães, distrito de Braga», cujo aviso 
 fora publicado com o n.º 7968‑B/2001 (2.ª Série), no Diário da República, II 
 Série, 1.º Suplemento ao n.º 137, de 15 de Junho de 2001, e, consequentemente, 
 foi também concedido provimento ao referido recurso contencioso. Na base dessa 
 decisão esteve essencialmente o entendimento de que, nos termos da Base II da 
 Lei n.º 2125, de 20 de Março de 1965, só os farmacêuticos podem ser 
 proprietários de farmácia, mas nenhum deles pode ser dono de mais do que uma, 
 pelo que deve ser rejeitado, por violação do princípio da hierarquia das fontes 
 normativas, o artigo 7.º, n.º 1, alínea a), da Portaria n.º 936‑A/99, de 22 de 
 Outubro, interpretado no sentido de que os proprietários de farmácia há mais de 
 
 10 anos não estavam impedidos de ser opositores a concursos para instalação de 
 novas farmácias (interpretação esta em que se alicerçara a revogada sentença da 
 
 1.ª instância).
 
             Notificada do aludido acórdão, a recorrida particular A. (que fora 
 graduada em 1.º lugar no aludido concurso, e que era proprietária de uma 
 farmácia desde 1989), apresentou requerimento de rectificação de erros materiais 
 e de aclaração, no âmbito do qual, após sustentar que a única interpretação 
 correcta da norma da Base II, n.º 3, da Lei n.º 2125 («A nenhum farmacêutico ou 
 sociedade poderá ser concedido mais de um alvará. Igualmente nenhum farmacêutico 
 poderá pertencer a mais de uma sociedade ou pertencer a ela e ser proprietário 
 individual de uma farmácia») é a de que «ninguém (farmacêutico e/ou sociedade 
 poderá ser titular, ao mesmo tempo, de mais do que um alvará de farmácia» 
 
 [sustentando depois que «ter um alvará de farmácia é uma coisa (…); adquirir a 
 possibilidade, por via de concurso, de instalar, abrir e adquirir uma outra 
 farmácia é outra completamente diferente»], aduziu:
 
  
 
             «37 – Importará, por isso, clarificar e reconhecer que a norma do 
 n.º 3 da Base II da Lei n.º 2125 só pode ser susceptível daquela leitura e não 
 de outra, com as legais consequências, e sob pena de, com o alcance e a leitura 
 que dela o acórdão pretende retirar, a mesma deve ser considerada ilegal (por 
 violação do disposto no n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil) e até 
 inconstitucional, por violação e desconformidade com o direito à tutela 
 jurisdicional efectiva previsto no n.º 5 do artigo 20.º, com o princípio da 
 igualdade previsto no n.º 1 do artigo 13.º e com o disposto no n.º 5 do artigo 
 
 112.º, todos da Constituição da República Portuguesa.»
 
  
 
             Por acórdão de 7 de Novembro de 2006, o STA deferiu o pedido de 
 correcção de erros materiais e indeferiu o pedido de aclaração.
 
             Decidido, por acórdão do Pleno do STA, de 13 de Novembro de 2007, 
 julgar findo o recurso interposto para essa formação pela entidade recorrida e 
 pela recorrida particular, por se entender inexistir a invocada oposição de 
 julgados, veio a mesma recorrida particular interpor recurso para o Tribunal 
 Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de 
 Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, 
 aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela 
 Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra o acórdão de 7 [por lapso, a 
 recorrente refere 6] de Novembro de 2006, pretendendo «ver apreciada, em 
 fiscalização concreta, a inconstitucionalidade do n.º 3 da Base II da Lei n.º 
 
 2125, de 20 de Março de 1965, e da alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º da Portaria 
 n.º 936‑A/99, de 22 de Outubro, mormente da interpretação que delas foi feita no 
 referido acórdão, por força da qual se concluiu que a interpretação que foi 
 feita, na sentença recorrida, da alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º da Portaria 
 n.º 936‑A/99 – a de que ‘quem for proprietário de farmácia há mais de 10 anos 
 pode, candidatando‑se, ver constituído em seu favor o direito à propriedade e 
 exploração de uma outra farmácia’ – ‘viola o disposto na Base II da Lei n.º 
 
 2125, de 20 de Março de 1965, fonte normativa de hierarquia superior’, e em 
 consequência do que se entendeu ter de rejeitar‑se, com tal alcance, a 
 aplicação da regra do artigo 7.º, n.º 1, alínea a), da Portaria n.º 936‑A/99, de 
 
 22 de Outubro». Mais consigna a recorrente, nesse requerimento, que, na sua 
 perspectiva, tal interpretação «é materialmente inconstitucional, por violação e 
 desconformidade com o direito à tutela jurisdicional efectiva previsto no n.º 5 
 do artigo 20.º, com o princípio da igualdade previsto no artigo 13.º e com o 
 disposto no n.º 5 do artigo 112.º, todos da Constituição da República 
 Portuguesa», e que «a questão das inconstitucionalidades que ora se pretende 
 sejam apreciadas foram suscitadas pela recorrente no pedido de aclaração que 
 apresentou neste Tribunal do acórdão proferido a 2 de Maio de 2006».
 
             O recurso foi admitido por despacho de 16 de Janeiro de 2008 do 
 Conselheiro Relator do STA, decisão que, como é sabido, não vincula o Tribunal 
 Constitucional (artigo 76.º, n.º 3, da LTC), e, de facto, entende‑se que o 
 presente recurso é inadmissível, o que possibilita a prolação de decisão 
 sumária, ao abrigo do artigo 78.º‑A, n.º 1, da LTC.
 
  
 
             2. Tratando‑se de recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 
 do artigo 70.º da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua admissibilidade 
 depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de 
 inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo 
 processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, 
 em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2 do artigo 72.º da 
 LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, 
 das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente. Aquele 
 primeiro requisito (suscitação da questão de inconstitucionalidade perante o 
 tribunal recorrido, antes de proferida a decisão impugnada) só se considera 
 dispensável nas situações especiais em que, por força de uma norma legal 
 específica, o poder jurisdicional se não esgota com a prolação da decisão 
 recorrida, ou naquelas situações, de todo excepcionais ou anómalas, em que o 
 recorrente não dispôs de oportunidade processual para suscitar a questão de 
 constitucionalidade antes de proferida a decisão recorrida ou em que, tendo 
 essa oportunidade, não lhe era exigível que suscitasse então a questão de 
 constitucionalidade.
 
             Constitui jurisprudência consolidada deste Tribunal Constitucional 
 que o apontado requisito só se pode considerar preenchido se a questão de 
 constitucionalidade tiver sido suscitada antes de o tribunal recorrido 
 proferir a decisão final, pois com a prolação desta decisão se esgota, em 
 princípio, o seu poder jurisdicional. Por isso, tem sido uniformemente entendido 
 que, proferida a decisão final, a arguição da sua nulidade ou o pedido da sua 
 aclaração, rectificação ou reforma não constituem já meio adequado de suscitar 
 a questão de constitucionalidade, pois a eventual aplicação de uma norma 
 inconstitucional não constitui erro material, não é causa de nulidade da decisão 
 judicial, não a torna obscura ou ambígua, nem envolve «lapso manifesto» do juiz 
 quer na determinação da norma aplicável, quer na qualificação jurídica dos 
 factos, nem desconsideração de elementos constantes do processo que implicassem 
 necessariamente, só por si, decisão diversa da proferida.
 
             No presente caso, como a recorrente reconhece, não suscitou a 
 questão de inconstitucionalidade, que pretende ver apreciada, antes de 
 proferido o acórdão de 2 de Maio de 2006 – que foi a decisão que fez efectiva 
 aplicação do critério normativo questionado –, apesar de haver disposto de 
 oportunidade processual para o fazer (designadamente nas contra‑alegações que 
 apresentou no recurso jurisdicional) e sendo manifesto que a adopção, pelo STA, 
 desse critério normativo nada tem de insólito, anómalo ou inesperado, já que 
 correspondia à interpretação sustentada ao longo dos autos pela recorrente 
 contenciosa.
 
             A suscitação da questão de inconstitucionalidade pela recorrente, 
 pela primeira vez nos autos, em requerimento de aclaração e de rectificação de 
 erros materiais do acórdão que aplicou o critério normativo questionado, quando 
 se encontrava já esgotado o poder jurisdicional do tribunal sobre a questão de 
 mérito, não constitui modo processualmente adequado de cumprimento do ónus 
 inicialmente referido. Ao que acresce que nem o subsequente acórdão de 7 de 
 Novembro de 2006 (que rectificou erros de escrita e indeferiu pedido de 
 aclaração), que a recorrente elegeu como objecto do presente recurso, fez 
 aplicação das normas arguidas de inconstitucionais, mas apenas das normas dos 
 artigos 667.º, n.º 1, e 669.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil, e 
 nem mesmo nesse pedido de aclaração (apesar de extemporaneamente) a recorrente 
 logrou suscitar em termos adequados a questão de inconstitucionalidade, já que 
 não substanciou os respectivos fundamentos, isto é, não expôs as razões pelas 
 quais entendia que o dito critério normativo violaria os artigos 20.º, n.º 5 
 
 (que prevê, para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a criação 
 de procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade), 13.º, 
 n.º 1 (que consagra o princípio da igualdade) e 112.º, n.º 5 (que proíbe a 
 criação, pela lei, de outras categorias de actos legislativos ou a atribuição a 
 actos de outra natureza do poder de, com eficácia externa, interpretar, 
 integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos), da 
 Constituição da República Portuguesa.
 
             Por falta de oportuna e adequada suscitação da questão de 
 inconstitucionalidade que pretende ver apreciada e por o acórdão recorrido não 
 ter feito aplicação, como ratio decidendi, do critério normativo questionado, o 
 presente recurso surge como inadmissível, o que determina o não conhecimento do 
 seu objecto.”
 
  
 
                         1.2. A reclamação para a conferência apresentada pela 
 recorrente desenvolve a seguinte argumentação:
 
  
 
             “I – Nota Prévia
 
             
 
             1.º – O artigo 20.º da CRP consagra que: «A todos é assegurada o 
 acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses 
 legalmente protegidos».
 
             2.º – Estamos perante princípio e direito fundamental em si mesmo, 
 mas que ganha, entre os demais, uma relevância particular e acrescida, uma vez 
 que ela é instrumental da protecção e garantia de outros direitos fundamentais, 
 muitas vezes ameaçados ou postos em causa e, por isso, só asseguráveis pelo 
 Tribunal, no pleno exercício da «tutela jurisdicional efectiva».
 
             3.º – É pacífico, como adiantam os Professores Gomes Canotilho e 
 Vital Moreira, que o direito constitucional de acesso aos tribunais inclui o 
 direito de recurso, designadamente ao referirem: «... o recurso das decisões 
 judiciais que afectam direitos fundamentais, mesmo fora do âmbito penal, 
 apresenta‑se como uma garantia imprescindível desses direitos» [Constituição da 
 República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora].
 
             4.º – Naturalmente que aqui, em sede de recurso das decisões 
 judiciais, não poderão deixar de assumir especial importância os recursos para o 
 Tribunal Constitucional, ou seja, os recursos de constitucionalidade.
 
             5.º – Nesta sede e âmbito, e neste particular da admissibilidade dos 
 recursos para o Tribunal Constitucional, passa a estar, ou pode passar a estar, 
 como acontece no presente caso, a garantia do direito fundamental de acesso ao 
 Direito [e] à Justiça e, instrumentalmente, a protecção e segurança dos direitos 
 fundamentais, ou análogos, que estão em causa na questão de fundo, 
 designadamente o direito de propriedade (artigo 62.º da CRP) e o direito de 
 exercício de uma actividade económica (artigo 61.º da CRP).
 
             6.º – É, com o devido respeito e salvo melhor opinião, neste quadro, 
 e, acima de tudo, com a prevalência ou primazia das preocupações 
 constitucionais substantivas, sobre as vertentes formais, que se tem de avaliar 
 e decidir a questão ou questões objecto da presente reclamação.
 
  
 
             II – Análise da decisão sumária objecto da reclamação
 
             7.º – Solicitou a recorrente a rectificação/aclaramento do Acórdão 
 do STA, de 2 de Maio de 2006 (v. fls. 403 a 413), pelo requerimento de fls. 435 
 a 450, no qual consignou e suscitou o seguinte:
 
  
 
             «Esta, contudo, é uma ‘certeza’ (‘inequívoco...’) que resulta de uma 
 interpretação ilegal da norma do n.º 3 da Base II da Lei n.º 2125, porquanto se 
 desvia demasiado da letra da lei (daquela norma), não tem o mínimo de 
 correspondência com a letra da lei, o que significa que a sua alegada violação, 
 sustentada no Acórdão, não se verificará, na medida em que é resultante de uma 
 sua interpretação sem o mínimo de correspondência com a letra de tal norma, e, 
 por isso, em clara violação do disposto no n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil.
 
             Na verdade, a letra da lei (n.º 3 da Base II da Lei n.º 2125) é a 
 seguinte: ‘A nenhum farmacêutico ou sociedade poderá ser concedido mais de um 
 Alvará. Igualmente nenhum farmacêutico poderá pertencer a mais de uma sociedade 
 ou pertencer a ela e ser proprietário individual de uma farmácia’.
 
             E não permite, de facto, duas leituras, o que eventualmente já 
 poderia não suceder se a norma se circunscrevesse ao primeiro período da mesma 
 
 (‘A nenhuma farmacêutico ou sociedade poderá ser concedido mais de um Alvará’). 
 A parte que se lhe segue reforça, na verdade, a intenção daquela norma:
 
             – ninguém (farmacêutico e/ou sociedade) poderá ser titular, ao mesmo 
 tempo, de mais do que um alvará de farmácia.
 
             Importará, por isso, clarificar e reconhecer que a norma do n.º 3 da 
 Base II da Lei n.º 2125 só pode ser susceptível daquela leitura e não de outra, 
 com as legais consequências, e sob pena de, com o alcance e a leitura que dela o 
 Acórdão pretende retirar, a mesma deve ser considerada ilegal (por violação do 
 disposto no n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil) e até inconstitucional, por 
 violação e desconformidade com o direito à tutela jurisdicional efectiva 
 previsto no n.º 5 do artigo 20.º, com o princípio da igualdade previsto no n.º 
 
 1 do artigo 13.º e com o disposto no n.º 5 do artigo 112.º, todos da CRP.»
 
  
 
             8.º – Claro fica da transcrição a que se procedeu que foi suscitada 
 a inconstitucionalidade da interpretação dada naquele acórdão, de 2 de Maio de 
 
 2006, ao n.º 3 da Base II da Lei n.º 2125 e, conexamente, ao artigo 7.º, n.º 1, 
 alínea a), da Portaria n.º 936‑A/99, de 22 de Outubro.
 
             9.º – Tal pedido de rectificação/aclaramento foi objecto de 
 apreciação e decisão, por via do acórdão do STA, de fls. 487 a 489, de 7 de 
 Novembro de 2006, que deferiu as rectificações requeridas e indeferiu o pedido 
 de aclaramento.
 
             10.º – A ora recorrente arguiu ainda a nulidade do acórdão de 2 de 
 Maio de 2006, como se pode ver pelo requerimento de fls. 575 a 581, que veio a 
 ser indeferida por acórdão do STA, de 24 de Abril de 2007, de fls. 604 a 608.
 
             11.º – Por sua vez, quer o Infarmed, quer a ora recorrente, 
 interpuseram recurso para o Pleno da Secção, com fundamento em oposição de 
 julgados, recursos que vieram a ser decididos por acórdão do STA, de 13 de 
 Novembro de 2007 (fls. 678 a 691), que concluiu pela inexistência de oposição de 
 julgados.
 
             12.º – Só esgotados os recursos ordinários, pode a ora recorrente 
 interpor recurso do acórdão do STA, de 2 de Maio de 2006, de fls. 403 e 
 seguintes, para este Venerando Tribunal Constitucional, nos termos seguintes:
 
  
 
             «... não se conformando com o teor do acórdão proferido nos autos, 
 em 2 de Maio de 2006, complementado pelo acórdão de 6 de Novembro de 2006, pelo 
 qual se acordou ‘deferir o pedido de correcção de erros materiais e indeferir o 
 pedido de aclaração’ daquele acórdão,
 
             deste vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo 
 do disposto no artigo 69.º, na alínea b) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 70.º, na 
 alínea b) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 72.º e no artigo 75.º‑A, todos da Lei 
 n.º 28/82, de 15 de Novembro, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 
 
 13‑A/98, de 26 de Dezembro.
 
             A recorrente pretende ver apreciada, em fiscalização concreta, a 
 inconstitucionalidade do n.º 3 da Base II da Lei n.º 2125, de 20 de Março de 
 
 1965, e da alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º da Portaria n.º 936‑A/99, de 22 de 
 Outubro, mormente da interpretação que delas foi feita no referido acórdão, por 
 força da qual se concluiu que a interpretação que foi feita, na sentença 
 recorrida, da alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º da Portaria n.º 936‑A/99 – a de 
 que ‘quem for proprietário de farmácia há mais de 10 anos pode, 
 candidatando‑se, ver constituído em seu favor, o direito à propriedade e 
 exploração de uma outra farmácia’ – ‘viola o disposto na Base II da Lei n.º 
 
 2125, de 20 de Março de 1965, fonte normativa de hierarquia superior’, e em 
 consequência do que se entendeu ter de rejeitar‑se, com tal alcance, a aplicação 
 da regra do artigo 7.º, n.º 1, alínea a), da Portaria n.º 936‑A/99, de 22 de 
 Outubro.
 
             Na perspectiva da recorrente, a interpretação que se fez das 
 citadas normas é materialmente inconstitucional, por violação e 
 desconformidade com o direito à tutela jurisdicional efectiva prevista no n.º 5 
 do artigo 20.º, com o principio da igualdade previsto no artigo 13.º e com o 
 disposto no n.º 5 do artigo 112.º, todos da Constituição da República 
 Portuguesa.
 
             As questões de inconstitucionalidade que ora se pretende sejam 
 apreciadas foram suscitadas pela recorrente no pedido de aclaração que 
 apresentou neste Tribunal do acórdão proferido a 2 de Maio de 2006.
 
             O presente recurso sobe nos próprios autos e tem efeito suspensivo 
 
 – artigo 78.º, n.º 1, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, com a redacção que 
 lhe foi dada pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro.
 
             Nestes termos, por estar em tempo e ter legitimidade para tal, 
 requer a V.ªs Ex.as que se dignem admitir o presente recurso, devendo o mesmo 
 prosseguir os seus ulteriores termos legais.»
 
  
 
             13.º – Invoca o Ilustre Senhor Juiz Conselheiro Relator, na sua 
 douta decisão sumária, o n.º 2 do artigo 72.º da LTC, que dispõe o seguinte: 
 
 «Os recursos previstos nas alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70.º só podem ser 
 interpostos pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade ou 
 da ilegalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu 
 a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer».
 
             14.º – E mais adiante consigna‑se:
 
  
 
             «Aquele primeiro requisito (suscitação da questão de 
 inconstitucionalidade perante o tribunal recorrido, antes de proferida a 
 decisão impugnada) só se considera dispensável nas situações especiais em que, 
 por força de uma norma legal específica, o poder jurisdicional se não esgota com 
 a prolação da decisão recorrida, ou naquelas situações, de todo excepcionais ou 
 anómalas, em que o recorrente não dispôs de oportunidade processual para 
 suscitar a questão de constitucionalidade antes de proferida a decisão 
 recorrida ou em que, tendo essa oportunidade, não lhe era exigível que 
 suscitasse então a questão de constitucionalidade.» 
 
  
 
             15.º – Refere‑se ainda naquela douta decisão sumária:
 
  
 
             «Constitui jurisprudência consolidada deste Tribunal Constitucional 
 que o apontado requisito só se pode considerar preenchido se a questão de 
 constitucionalidade tiver sido suscitada antes de o tribunal recorrido proferir 
 a decisão final, pois com a prolação desta decisão se esgota, em princípio, o 
 seu poder jurisdicional. Por isso, tem sido uniformemente entendido que, 
 proferida a decisão final, a arguição da sua nulidade ou o pedido da sua 
 aclaração, rectificação ou reforma não constituem já meio adequado de suscitar a 
 questão de constitucionalidade, pois a eventual aplicação de uma norma 
 inconstitucional não constitui erro material, não é causa de nulidade da decisão 
 judicial, não a torna obscura ou ambígua, nem envolve ‘lapso manifesto’ do juiz 
 quer na determinação da norma aplicável, quer na qualificação jurídica dos 
 factos, nem desconsideração de elementos constantes do processo que implicassem 
 necessariamente, só por si, decisão diversa da proferida.»
 
  
 
             16.º – E consta também da decisão em causa que:
 
  
 
             «No presente caso, como a recorrente reconhece, não suscitou a 
 questão de inconstitucionalidade, que pretende ver apreciada, antes de proferido 
 o acórdão de 2 de Maio de 2006 – que foi a decisão que fez efectiva aplicação do 
 critério normativo questionado –, apesar de haver disposto de oportunidade 
 processual para o fazer (designadamente nas contra‑alegações que apresentou no 
 recurso jurisdicional) e sendo manifesto que a adopção, pelo STA, desse 
 critério normativo nada tem de insólito, anómalo ou inesperado, já que 
 correspondia à interpretação sustentada ao longo dos autos pela recorrente 
 contenciosa.»
 
  
 
             17.º – E mais à frente afirma‑se:
 
  
 
             «A suscitação da questão de inconstitucionalidade pela recorrente, 
 pela primeira vez nos autos, em requerimento de aclaração e de rectificação de 
 erros materiais do acórdão que aplicou o critério normativo questionado, quando 
 se encontrava já esgotado o poder jurisdicional do tribunal sobre a questão de 
 mérito, não constitui modo processualmente adequado de cumprimento do ónus 
 inicialmente referido. Ao que acresce que nem o subsequente acórdão de 7 de 
 Novembro de 2006 (que rectificou erros de escrita e indeferiu pedido de 
 aclaração), que a recorrente elegeu como objecto do presente recurso, fez 
 aplicação das normas arguidas de inconstitucionais, mas apenas das normas dos 
 artigos 667.º, n.º 1, e 669.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil, e 
 nem mesmo nesse pedido de aclaração (apesar de extemporaneamente) a recorrente 
 logrou suscitar em termos adequados a questão de inconstitucionalidade, já que 
 não substanciou os respectivos fundamentos,»
 
  
 
             18.º – E conclui-se, na decisão sumária sub judice:
 
  
 
             «Por falta de oportuna e adequada suscitação da questão de 
 inconstitucionalidade que pretende ver apreciada e por o acórdão recorrido não 
 ter feito aplicação, como ratio decidendi, do critério normativo questionado, o 
 presente recurso surge como inadmissível, o que determina o não conhecimento do 
 seu objecto.» 
 
  
 
             19.º – Ora, com o devido respeito e elevada consideração, que é 
 muita, torna‑se necessário distinguir o que, da decisão transcrita, corresponde 
 
 às posições jurisprudenciais, que vão firmando a posição do Tribunal 
 Constitucional, das considerações adiantadas em relação ao caso concreto.
 
             20.º – As primeiras estão correctas e retratam tanto o entendimento 
 doutrinário dominante do Tribunal Constitucional, bem como se identifica bem o 
 núcleo excepcional em que é legítimo desviarmo‑nos da regra da aplicação literal 
 e restritiva do artigo 72.º [, n.º 2,] da LTC.
 
             21.º – Onde, porém, a «decisão sumária», com todo o respeito, 
 procede à incorrecta apreciação da realidade substantiva e processual, e até 
 lavra em erro, é na análise da situação concreta dos autos, dos termos e 
 condições em que se suscita a questão da inconstitucionalidade e até na 
 identificação do próprio acórdão objecto do recurso, e na forma como foi 
 formulada, por este, a respectiva decisão.
 
             22.º – Aliás, é só por não se ter procedido à correcta apreciação e 
 avaliação, processual e substantiva, da forma, tempo e lugar em que é suscitada 
 a inconstitucionalidade em causa, que a decisão sumária veio a concluir pela 
 inadmissibilidade do recurso, como se demonstrará.
 
             23.º – Em primeiro lugar, os autos mostram ser evidente que, quando 
 
 é suscitada a questão da inconstitucionalidade, estávamos longe de ter esgotado 
 o poder jurisdicional, pois o próprio pedido de rectificação, em especial, e o 
 próprio pedido de aclaramento podiam levar a alterações relevantes do 
 decidido.
 
             24.º – Por outro lado, ainda subsequentemente a tal pedido, foi 
 arguida a nulidade do mesmo acórdão, do que poderia advir também alteração 
 significativa da decisão.
 
             25.º – Tal revela bem que não é rigoroso afirmar que estava esgotado 
 o poder jurisdicional.
 
             26.º – Aliás, o raciocínio e a conclusão contidos na decisão sumária 
 a este respeito advêm de manifesto erro que a «decisão sumária» contém 
 relativamente à identificação do acórdão do STA objecto do recurso.
 
             27.º – Na verdade, afirma‑se na decisão sumária: «... acresce que 
 nem o subsequente acórdão de 7 de Novembro de 2006 (que rectificou erros de 
 escrita e indeferiu pedido de aclaração), que a recorrente elegeu como objecto 
 do presente recurso, fez aplicação das normas arguidas de inconstitucionais».
 
             28.º – Ora, o recurso foi interposto, como não podia deixar de ser, 
 do acórdão de 2 de Maio de 2006, como ficou claro no requerimento de fls. 699, 
 em que se refere expressamente: «... não se conformando com o teor do acórdão 
 de 2 de Maio de 2006».
 
             29.º – Não se percebe assim, a não ser por erro manifesto, a 
 afirmação de que a recorrente elegeu como objecto do presente recurso o acórdão 
 de 7 de Novembro de 2006, pois apenas se referiu, e bem, que, tendo aquele 
 acórdão deferido o pedido de rectificação do acórdão de 2 de Maio de 2006, 
 aquele tinha passado a integrar este último ou a complementá‑lo, o que é coisa 
 diversa.
 
             30.º – Só assim se compreendem, aliás, alguns outros desajustamentos 
 que a decisão sumária revela, designadamente quando afirma: «não ter o acórdão 
 recorrido feito aplicação, como ratio decidendi, do critério normativo 
 questionado ...».
 
             31.º – Ora, isto é verdade em relação ao acórdão de 7 de Novembro de 
 
 2006, que recaiu sobre o pedido de aclaramento (que a decisão sumária 
 identifica, erradamente, como sendo o acórdão recorrido), mas não é verdade em 
 relação ao acórdão de 2 de Maio de 2006, o único que importa, por constituir a 
 decisão objecto do recurso.
 
             32.º – Por outro lado, não é correcto afirmar que a recorrente 
 poderia, de há muito, no decurso do processo, ter suscitado a questão da 
 inconstitucionalidade levantada, porquanto a posição adoptada relativamente ao 
 n.º 3 da Base II da Lei n.º 2125, de 20 de Março de 1965, e da alínea a) do n.º 
 
 1 do artigo 7.º da Portaria n.º 936‑A/99, de 22 de Outubro, pelo acórdão de 2 de 
 Maio de 2006, teria sido a mesma que a recorrida, B., vinha sustentando nos 
 autos.
 
             33.º – Ora, com o devido respeito, isto não é verdade e faz toda a 
 diferença.
 
             34.º – A recorrida vinha sustentando que a alínea a) do n.º 1 do 
 artigo 7.º da Portaria n.º 936‑A/99, de 22 de Outubro, tinha o alcance de inibir 
 qualquer farmacêutico que há menos de 10 anos tivesse obtido um alvará de se 
 apresentar a novos concursos para a atribuição de nova farmácia, mesmo que, 
 entretanto, tivesse, por qualquer razão, deixado de ser titular do alvará 
 concedido.
 
             35.º – Por outro lado, e ao contrário da posição que, 
 inesperadamente, veio a ser adoptada, no acórdão de 2 de Maio de 2006, a ora 
 recorrida, B., interpretava, isoladamente, o n.º 3 da Base II da Lei n.º 2125.
 
             36.º – A ora requerente discordou e discorda da interpretação dada 
 pela ora recorrida, tanto à Portaria n.º 936‑A/99, como ao n.º 3 da Base II da 
 Lei n.º 2125.
 
             37.º – Porém, no seu entender, a inconstitucionalização do n.º 3 da 
 Base II da Lei n.º 2125 e conexamente da alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º da 
 Portaria n.º 936‑A/99, de 23 de Outubro, advêm da interpretação dada àqueles 
 normativos pelo acórdão de 2 de Maio de 2006, como se demonstrará.
 
             38.º – A questão cifra‑se fundamentalmente no seguinte:
 
             – O n.º 3 da Base II da Lei n.º 2125 estabelece o seguinte:
 
  
 
             «A nenhum farmacêutico ou sociedade poderá ser concedido mais de um 
 alvará. Igualmente nenhum farmacêutico poderá pertencer a mais de uma sociedade 
 ou pertencer a ela e ser proprietário individual de uma farmácia.
 
             Nenhum farmacêutico, quando proprietário de uma farmácia ou gerente 
 técnico de uma sociedade, pode desempenhar qualquer função incompatível com o 
 exercício efectivo da actividade farmacêutica.»
 
  
 
             39.º – Por sua vez, o artigo 7.º da Portaria n.º 936‑A/99, de 22 de 
 Outubro, preceitua o seguinte:
 
  
 
             «1 – Sem prejuízo de outros casos previstos na lei, não poderão 
 concorrer:
 
             a) Os candidatos em nome individual ou sociedade que tenham obtido 
 alvará há menos de 10 anos, por instalação, por transferência ou por trespasse;
 
             b) As sociedades que integrem um ou mais sócios nas condições 
 previstas na alínea anterior.
 
             2 – Os farmacêuticos em nome individual ou integrados em sociedades 
 e as sociedades não podem, dentro de 12 meses, ser candidatos a mais de dois 
 concursos, contando‑se aquele período a partir da data da última candidatura.
 
             3 – Os farmacêuticos que, tendo concorrido e sido autorizados, não 
 concretizarem a instalação ficam impedidos de concorrer nos cinco anos 
 imediatos.» 
 
  
 
             40.º – A interpretação que sempre se sustentou e que era a adoptada, 
 desde sempre, pelo Infarmed, daquelas disposições, era a seguinte:
 
             – No tocante à Portaria n.º 936‑A/99, de 22 de Outubro, entendia‑se 
 que só estava impedido de concorrer a novo concurso de atribuição de instalação 
 de farmácia quem tivesse obtido alvará há menos de 10 anos.
 
             41.º – Ora, não era, nem é, esse o caso da requerente!
 
             42.º – Por sua vez, relativamente ao n.º 3 da Base II da Lei n.º 
 
 2115, de 20 de Março de 1965, entendia‑se, e entende‑se, que tal disposição não 
 tem a ver com o acesso ou apresentação a concurso para atribuição de novas 
 farmácias (novos alvarás), mas sim com o momento da concessão do alvará, 
 questão que não se chega, sequer, a colocar em relação a concorrentes que não 
 tenham sido contemplados com a atribuição do direito a instalar nova farmácia.
 
             43.º – No domínio de todos os princípios, designadamente 
 constitucionais, continuamos a entender que esta é a interpretação mais 
 correcta e adequada.
 
             44.º – Acontece que, entretanto, e já depois das decisões 
 administrativas em causa nos autos, foi publicada a Portaria n.º 168‑A/2004, de 
 
 18 de Fevereiro, a qual veio, expressamente, a adoptar uma solução nova, já que 
 o próprio preâmbulo assume essa solução como inovatória, ao estabelecer que 
 importa: «determinar a impossibilidade de oposição aos concursos por parte de 
 farmacêuticos já proprietários de farmácia, individual ou colectivamente».
 
             45.º – Ora, se importa determinar que passe a ser assim, é porque o 
 não era!
 
             46.º – E se passa a ser, é, naturalmente, por razão dos mais 
 elementares princípios de aplicação de lei no tempo, para o futuro!
 
             47.º – Nada temos a obstar a que a Portaria em causa se aplique para 
 o futuro, como, por certo, pretendeu o legislador.
 
             48.º – A questão, porém, é que, embora tentando disfarçar tal opção, 
 o acórdão de 2 de Maio de 2006 aplicou, retroactivamente, aquela Portaria, 
 considerando‑a interpretativa do disposto no n.º 3 da Base II da Lei n.º 2125, 
 esvaziando, ao mesmo tempo, de qualquer sentido e alcance a Portaria n.º 
 
 936‑A/99, impedindo a sua aplicação às situações ocorridas na sua vigência, como 
 
 é o caso dos autos, e preterindo o princípio tempus regit actum que invoca, mas 
 não respeita!
 
             49.º – Cabe, aliás, perguntar, a que título a Portaria n.º 
 
 168‑A/2004, de 18 de Fevereiro, é interpretativa do n.º 3 da Base II da Lei n.º 
 
 2125 e porque é que a Portaria n.º 936‑A/99 não era interpretativa da mesma 
 disposição da Lei n.º 2125, para os casos ocorridos na vigência de ambos os 
 diplomas em causa!?
 
             50.º – Como é óbvio e os factos demonstram, tanto a Portaria n.º 
 
 936‑A/99, como a Portaria n.º 168‑A/2004, de 18 de Fevereiro, não são 
 interpretativas do n.º 3 da Base II da Lei n.º 2125, pois, em tal hipótese, 
 teríamos o contra-senso de o legislador andar a fixar, em cada momento, 
 orientações interpretativas de sinal contrário ou opostas.
 
             51.º – O que acontece, sim, é que o n.º 3 da Base II da Lei n.º 2125 
 tem o seu campo próprio de aplicação, ou seja, a definição das circunstâncias em 
 que se pode ser, em cada momento, titular de alvará de farmácia, a verificar na 
 altura da sua efectiva atribuição!
 
             52.º – Por seu lado, as Portarias em causa têm também o seu campo 
 próprio de aplicação, pois limitam‑se a fixar as condições de acesso a concurso 
 para instalação de novas farmácias.
 
             53.º – A questão é que o acórdão recorrido vem admitir, numa 
 primeira abordagem, que a Portaria n.º 936‑A/99 [artigo 7.º, n.º 1, alíneas a) e 
 b)] permite, efectivamente, que, quem seja proprietário de farmácia, há mais de 
 dez anos, possa, sem restrições, candidatar‑se a concursos de instalação de 
 novas farmácias, o que, aliás, corresponde ao entendimento fixado pela sentença 
 da 1.ª Instância.
 
             54.º – Porém, o acórdão recorrido afasta-se, de seguida, daquela 
 leitura, que era a correcta, por entender que a Base II da Lei n.º 2125 tinha de 
 ser interpretada em conformidade com a Portaria n.º 168‑A/2004.
 
             Por isso aquele acórdão conclui e decide que os farmacêuticos que 
 tenham obtido alvará há mais de 10 anos, desde que sejam proprietários de 
 farmácia, estão impedidos, não apenas de virem a ser titulares de novo alvará, 
 como também de se apresentarem a concurso para a instalação de novas farmácias.
 
             55.º – E é baseado em tal entendimento e raciocínio que o Acórdão 
 recorrido conclui que a Portaria n.º 936‑A/99, de 22 de Outubro, é ilegal, ou 
 seja, contraria a Base II da Lei n.º 2125, designadamente o seu n.º 3, na 
 interpretação conforme à nova solução adoptada pela Portaria n.º 168‑A/2004, de 
 
 18 de Fevereiro, pelo que, por ilegalidade ou ofensa àquela Lei, o aresto em 
 causa procede, pura e simplesmente, à desaplicação da Portaria n.º 936‑A/99!
 
             56.º – E para que não haja dúvidas de que é esta a interpretação, 
 ilegal, porque implica a aplicação retroactiva da Portaria n.º 168‑A/2004, que o 
 acórdão de 2 de Maio de 2006 fez do n.º 3 da Base II da Lei n.º 2125, 
 eliminando, ao mesmo tempo, da ordem jurídica, a Portaria n.º 936‑A/99, apesar 
 de invocar o princípio tempus regit actum, aquele acórdão refere expressamente:
 
  
 
             «Este, é, aliás, a nosso ver, o único sentido possível da lei a 
 seguir à publicação da Portaria n.º 168‑A/2004, de 18 de Fevereiro ...!» (sic).
 
  
 
             57.º – Só que é esta aplicação retroactiva da Portaria n.º 
 
 168‑A/2004, que conduz à interpretação do n.º 3 da Base II da Lei n.º 2125, que 
 a inconstitucionaliza, a vários títulos, apresenta‑se, nestes moldes, como 
 verdadeira «decisão surpresa», pelo que a inconstitucionalidade decorrente de 
 tal opção e entendimento não podia, ao contrário do afirmado na «decisão 
 sumária», ter sido suscitada ao longo do processo, ou em qualquer momento 
 anterior à sua prolação.
 
             58.º – Diga-se mesmo que, bem pelo contrário, a questão foi 
 suscitada logo no primeiro acto processual possível, subsequente àquele acórdão, 
 ou seja, no imediato pedido de rectificação e aclaramento apresentado, em tempo, 
 pela ora requerente.
 
             59.º – Assim sendo, como é, e com o devido respeito, não assiste a 
 menor razão à «decisão sumária», ao sustentar a intempestividade com que se 
 suscitou a inconstitucionalidade em causa.
 
             60.º – Bem pelo contrário, estamos perante quadro excepcional em 
 que, tanto a doutrina, como a jurisprudência do Tribunal Constitucional, admitem 
 e aceitam como adequado e oportuno que se suscite tal questão, após a sentença 
 final, por ser nesta que surge a aplicação ou interpretação inconstitucional da 
 lei, como é o caso.
 
             61.º – Quanto às inconstitucionalidades a que a interpretação 
 adoptada pelo Acórdão de 2 de Maio de 2006, relativamente ao n.º 3 da Base II da 
 Lei n.º 2125, deu lugar, elas podem ter sido suscitadas de forma sumária, mas a 
 verdade é que o STA tinha sempre ao seu alcance a possibilidade de ordenar à ora 
 requerente que melhor explicitasse e desenvolvesse a fundamentação das 
 inconstitucionalidades em causa.
 
             62.º – Diga‑se, no entanto, que tais inconstitucionalidades são 
 evidentes, como se demonstrará, importando lembrar que, como referem Gomes 
 Canotilho e Vital Moreira [Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª 
 edição, Coimbra Editora, p. 1035]:
 
  
 
             «O TC não pode ampliar a declaração de inconstitucionalidade a 
 normas não impugnadas (ressalvadas as normas interpostas). Ao invés, já nada o 
 impede de declarar a inconstitucionalidade por motivos diferentes dos indicados 
 pelos requerentes, tendo o Tribunal o dever oficioso de não deixar de declarar 
 a inconstitucionalidade por violação de qualquer norma ou princípio 
 constitucional, mesmo que não invocados no requerimento.»
 
  
 
             63.º – Antes da publicação da Portaria n.º 168‑A/2004, o 
 entendimento que foi sempre adoptado – e o caso dos autos ocorre muito antes da 
 publicação daquela Portaria, ou seja, em plena vigência da Portaria n.º 936‑A/99 
 
 – era no sentido de, desde que se tivesse obtido alvará há mais de 10 anos, nada 
 obstava à apresentação a concurso para a instalação de nova farmácia.
 
             64.º – A interpretação adoptada no acórdão de 2 de Maio de 2006 cria 
 assim uma desigualdade relativamente ao universo de situações, como a dos autos, 
 ocorridas na vigência da Lei n.º 2125 e da Portaria n.º 936‑A/99, de 22 de 
 Outubro, com manifesta ofensa do princípio da igualdade (n.º 1 do artigo 13.º da 
 CRP).
 
             65.º – Por outro lado, ofende‑se o n.º 5 do artigo 112.º da CRP 
 quando, no entendimento do acórdão de 2 de Maio de 2006, se aceita que uma 
 simples portaria possa fixar, ainda por cima retroactivamente, a interpretação 
 do n.º 3 da Base II da Lei n.º 2125, dando‑lhe um sentido restritivo de direitos 
 fundamentais – o direito de propriedade e o direito ao exercício de uma 
 actividade –, violando o disposto no artigo 18.º da CRP.
 
             66.º – Finalmente, como consequência das referidas 
 inconstitucionalidades, compromete‑se a tutela jurisdicional efectiva, a que a 
 requerente tem direito, e que o n.º 5 do artigo 20.º da CRP lhe assegura, 
 disposição que é igualmente violada.
 
             67.º – Não é, porém, este o momento e a sede para desenvolver e 
 aprofundar as várias vertentes da inconstitucionalidade suscitada, uma vez que 
 estamos ainda, e preliminarmente, no âmbito da admissibilidade do recurso 
 interposto para este Venerando Tribunal Constitucional.
 
             68.º – Importa sim, e por agora, chamar à colação alguma da 
 abundante jurisprudência do Tribunal Constitucional, bem como alguma da mais 
 relevante doutrina que, particularmente em domínios sensíveis dos direitos 
 fundamentais, propende a considerar a admissibilidade do recurso, por 
 inconstitucionalidade, no quadro excepcional em que se insere a questão dos 
 autos, ou seja, mesmo quando esta é suscitada depois da decisão final, mas na 
 primeira oportunidade processual possível.
 
             69.º – Assim, entre a jurisprudência referida, vejam-se os seguintes 
 acórdãos:
 
             Acórdão n.º 61/92, do Tribunal Constitucional, de 11 de Fevereiro de 
 
 1992 (Proc. n.º 448/91, da 1.ª Secção), que decidiu:
 
  
 
             «3 – Todavia, a orientação geral assim definida não será de aplicar 
 em determinadas situações de todo excepcionais, em que os interessados não 
 disponham de oportunidade processual para suscitar a questão de 
 constitucionalidade antes do proferimento da decisão, caso em que lhes deverá 
 ser salvaguardado o direito ao recurso de constitucionalidade.
 
             Na verdade, este Tribunal tem vindo a entender, num plano 
 conformador da sua jurisprudência genérica sobre este tema, que naqueles casos 
 anómalos em que o recorrente não disponha de oportunidade processual para 
 suscitar a questão de constitucionalidade durante o processo, isto é, antes de 
 esgotado o poder jurisdicional do tribunal a quo sobre a matéria a decidir, 
 ainda assim existirá o direito ao recurso de constitucionalidade (cf. os 
 Acórdãos n.ºs 136/85 e 479/89, o primeiro, no Diário da República, II Série, de 
 
 28 de Janeiro de 1986, e o segundo, no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 
 
 389, pp. 222 e seguintes).»
 
  
 
             Acórdão n.º 188/93, de 3 de Março de 1993 (Proc. n.º 412/92, da 1.ª 
 Secção):
 
  
 
             «E, como acentua Castro Mendes, ‘o problema da aplicação da lei tem 
 de resolver‑se através da interpretação da lei nova. Traduz-se em apurar até 
 onde a lei nova se quer aplicar’, o que implica a interpretação da sua previsão 
 
 (Introdução ao Estudo do Direito, Lisboa, policop., 1984, p. 274).
 
             Isto nos basta para concluir, em caso de dúvida, que, 
 independentemente da formulação verbal utilizada, a recorrente quis impugnar a 
 interpretação perfilhada na decisão recorrida quanto à norma do artigo 107.º, 
 n.º 1, alínea b), do RAU, de modo a atribuir‑lhe uma eficácia retroactiva, por 
 ser o corpo do artigo, alegadamente, uma norma interpretativa do direito 
 anterior. A recorrente não atacou em primeira linha o acto judicial, visto que 
 ela se moveu ‘no puro plano da “interpretação” da norma e não também da 
 valoração de circunstâncias exteriores àquela, mas relevantes na sua aplicação’ 
 
 (formulação do citado Acórdão n.º 388/87).
 
             Daí que se considere verificado o pressuposto do recurso de 
 constitucionalidade de suscitação de inconstitucionalidade de uma norma 
 jurídica, na interpretação perfilhada pelo tribunal recorrido.»
 
             «Menezes Cordeiro, acima transcrito – especialmente atendível, dado 
 este civilista ter sido o autor do anteprojecto do RAU – veja‑se António Pais de 
 Sousa, Anotações do RAU, 2.ª ed., Lisboa, 1991, p. 221: ‘... o prazo em apreço é 
 de caducidade, como se julga decorrer do disposto no n.º 2 do artigo 293.º do 
 Código Civil. Ora, nestes casos, em que a verificação de caducidade só depende 
 de um decurso de um prazo, ela ocorre automaticamente, ope legis. Nesta 
 conformidade, se o decurso do prazo de 20 anos ocorreu no domínio da Lei n.º 
 
 55/79, a caducidade do direito de denúncia daí resultante tem de ser respeitada. 
 A publicação do RAU não teve a virtualidade da fazer renascer o direito de 
 denúncia do senhorio, caduco por tal motivo. E o mesmo se diga no caso do RAU 
 ter entrado em vigor depois de proferida sentença, que julgou válida a limitação 
 em apreço, estando o processo pendente de recurso.
 
             Ora, numa situação como a descrita, em que nem a recorrente, nem a 
 recorrida questionaram a resolução do caso pela lei antiga, aquela foi 
 confrontada com a aplicação pela decisão da segunda instância de uma norma ‘de 
 todo em todo “insólita” e “impensável”, sobre a qual seria inteiramente 
 desrazoável’ exigir‑se‑lhe ‘um prévio juízo de prognose relativo à sua 
 aplicação’, embora sobre ela impendesse o ónus de avaliar ‘as diversas e 
 possíveis linhas normativas susceptíveis de serem seguidas na resolução do caso 
 submetido a julgamento’ (formulações do Acórdão n.º 439/91, in Diário da 
 República, II Série, n.º 96, de 24 de Abril de 1992). Na verdade, sempre há‑de 
 considerar‑se insólito e impensável aplicar um prazo mais longo de forma 
 retroactiva, com o entendimento de que o mesmo era interpretativo de um prazo 
 menor (20 em vez de 30 anos), previsto na lei antiga. Acresce que a doutrina tem 
 sustentado que, quando a constituição, modificação ou extinção de uma situação 
 subjectiva apenas jurisdicionalmente se pode verificar, a lei aplicável sempre 
 deverá ser a vigente no momento da propositura da acção, salvo se a lei nova 
 tiver efeito retroactivo (cf. Miguel Teixeira de Sousa, Sobre a Teoria do 
 Processo Declarativo, Coimbra, 1930, pp. 179‑180, com citações doutrinais e 
 jurisprudenciais; J. Baptista Machado, Sobre a Aplicação no Tempo do Novo Código 
 Civil, Coimbra, 1953, pp. 149 e seguintes).»
 
  
 
             Acórdão n.º 569/95, de 17 de Outubro de 1995 (Proc. n.º 26/95, da 
 
 2.ª Secção):
 
  
 
             «Trata‑se aqui tão‑só de determinar, em termos de previsibilidade 
 normal, se o emprego numa decisão da dimensão interpretativa aqui seguida quanto 
 aos artigos 412.º e 420.º do CPP constituía uma eventualidade que o reclamante 
 deveria antever. Ora, da conjugação dos dados expostos não se mostra razoável 
 exigir‑lhe semelhante previsão. Ocorreu um uso inesperado duma dimensão 
 interpretativa específica que não pode deixar de abrir a via da suscitação no 
 próprio requerimento de interposição do recurso da questão de 
 inconstitucionalidade.»
 
  
 
             Acórdão n.º 642/99, de 24 de Novembro de 1999 (Proc. n.º 526/99, da 
 
 2.ª Secção):
 
  
 
             «Na verdade, apresentada por ele uma reclamação por nulidades, na 
 base de vícios próprios da decisão, ao abrigo do regime do Código de Processo 
 Civil, foi surpreendido com o entendimento do acórdão recorrido de que tal 
 arguição ‘mostra-se legalmente impossível’, fazendo‑se uma interpretação e 
 aplicação desse regime processual que o reclamante não esperaria, desde logo, 
 por não corresponder ao entendimento corrente dos tribunais superiores (face ao 
 disposto no n.º 1 do artigo 716.º e nos artigos 732.º e 749.º, a aplicação do 
 artigo 670.º sempre foi entendida com a possibilidade de processamento de duas 
 fases: à rectificação ou aclaração segue‑se o prazo para arguir nulidades ou 
 pedir a reforma, o que tem de ser conhecido quando há essa arguição ou esse 
 pedido, nada tendo a ver com a concordância ou discordância da decisão de 
 fundo). E daí que só no requerimento de interposição do recurso de 
 constitucionalidade podia o reclamante, como fez, arguir a questão de 
 inconstitucionalidade em causa, localizada na tal ‘interpretação insólita e 
 inesperada da lei, de que resultou a criação de uma norma que é a de que, como 
 se viu, o prévio requerimento de aclaração de sentença prejudica uma posterior 
 reclamação por nulidades, em virtude de o requerimento da aclaração ter o 
 sentido de concordância com a essência da decisão aclaranda’.» 
 
  
 
             Acórdão n.º 124/2000, de 23 de Fevereiro de 2000 (Proc. n.º 231/99, 
 da 2.ª Secção): 
 
  
 
             «Uma vez que o requerimento de arguição de nulidades não é já, em 
 princípio, momento idóneo para suscitar a questão de constitucionalidade – 
 assim, por exemplo, os Acórdãos n.ºs 164/92, 181/92 e 169/93, sumariados, os 
 dois primeiros, no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 417, a págs. 777 e 783 
 e seguintes, e publicado no n.º 424, a págs. 212 e seguintes, o último – só se 
 poderá conhecer do recurso se o poder jurisdicional do tribunal a quo para 
 conhecer de tal questão se não tiver esgotado com a decisão de 28 de Janeiro de 
 
 1988, ou se o recorrente não teve oportunidade processual para levantar a 
 questão da constitucionalidade antes do momento em que o fez, como se decidiu, 
 entre outros, nos Acórdãos n.ºs 61/92, 263/92, 291/92 e 1124/96, publicados no 
 Diário da República, II Série, de 18 de Agosto de 1992 (o primeiro) e de 6 de 
 Janeiro de 1997 (o último) e sumariados no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 
 
 419, págs. 757 e 758 e seguintes (o segundo e o terceiro).
 
             Ora, como se escreveu na última decisão citada, ‘quando a 
 interpretação dos preceitos acolhidos na decisão recorrida for insólita ou 
 inesperada, a ponto de não ser razoável que o interessado a previsse’, ‘cessam 
 os ónus que recaem sobre as partes de considerarem as várias possibilidades 
 interpretativas das normas susceptíveis de serem aplicadas no processo e, bem 
 assim, de adoptarem a estratégia processual adequada para prevenirem essa 
 possibilidade’.»
 
  
 
             Acórdão n.º 79/2002, de 26 de Fevereiro de 2002 (Proc. n.º 502/2000, 
 da 3.ª Secção):
 
  
 
             «Só assim não será naqueles casos em que não houve oportunidade 
 processual para uma oportuna suscitação, de modo a permitir que o tribunal 
 recorrido conheça da questão e sobre ela se pronuncie, o que sucederá se a 
 interpretação dos preceitos acolhidos na decisão for surpreendente, de modo a 
 não se justificar a exigência de um juízo de prognose sobre a matéria. Em casos 
 como estes, cessam os ónus que recaem sobre os recorrentes de tomarem em 
 consideração as várias possibilidades interpretativas das normas susceptíveis 
 de serem aplicadas no processo como rationes decidendi e de adoptarem uma 
 estratégia processual adequada a prevenir essa possibilidade.
 
             Neste sentido, entre tantos outros, citem‑se os Acórdãos n.ºs 
 
 153/92, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 21.º vol., págs. 667 
 e seguintes, 61/92, 152/93, 261/94, 370/94, 164/95, 1124/96, 560/98 e 374/2000, 
 estes publicados no Diário da República, II Série, de 18 de Agosto de 1992, 16 
 de Março de 1993, 26 de Julho de 1994, 7 de Setembro de 1994, 29 de Dezembro de 
 
 1995, 6 de Fevereiro de 1997, 15 de Março de 1999 e 12 de Dezembro de 2000, 
 respectivamente.
 
             A esta luz, se a questão de constitucionalidade incidir sobre 
 problemática susceptível de ser conhecida após a ‘decisão final’ ter sido 
 proferida, nomeadamente quando se trate de normas processuais relativas ao 
 regime de nulidades da decisão, pode a questão ser suscitada no momento da 
 respectiva arguição, não sendo de exigir que a prognose chegue ao extremo de 
 exigir, antes daquela decisão, a suscitação de vício de inconstitucionalidade 
 decorrente de eventual nulidade de julgamento (assim, o já citado Acórdão n.º 
 
 374/2000 ou o Acórdão n.º 366/96, publicado no jornal oficial referido, II 
 Série, de 10 de Maio de 1996).
 
             No concreto caso, considera‑se tempestiva a suscitação da questão 
 de constitucionalidade, porquanto só com a arguição da nulidade do acórdão 
 inicial é que passou a ser exigível suscitar o problema em apreço, o que a 
 interessada fez, de resto prevenidamente, ao equacioná‑lo como questão prévia 
 ao conhecimento da nulidade arguida.» 
 
  
 
             Acórdão n.º 120/2002, de 14 de Março de 2002 (Proc. n.º 599/2000, da 
 
 2.ª Secção):
 
  
 
             «Todavia, como este Tribunal também tem salientado (assim, por 
 exemplo, no citado Acórdão n.º 352/94), tal situação sofre restrições ‘em 
 situações excepcionais, anómalas, nas quais o interessado não disponha de 
 oportunidade processual para suscitar a questão de inconstitucionalidade antes 
 de proferida a decisão final’. É o que acontece também quando, pela natureza 
 insólita ou surpreendente da interpretação (ou da aplicação) da norma em causa 
 efectuada pela decisão recorrida, não era exigível ao recorrente que contasse 
 com ela.» 
 
  
 
             70.º – No tocante à Doutrina, importa aqui referir os mais 
 destacados Constitucionalistas e Mestres de Direito Público, a saber:
 
             Assim, os Professores Jorge Miranda e Rui Medeiros referem 
 
 [Constituição Portuguesa Anotada, tomo III, Coimbra Editora, p. 762]:
 
  
 
             «Desta forma, só quando a aplicação de certa norma ou de certa 
 interpretação normativa é claramente imprevisível e anómala é que se deve 
 considerar que o recorrente não teve oportunidade processual de suscitar a 
 questão da sua inconstitucionalidade antes da decisão final. E, mesmo quando 
 assim seja, acrescente‑se, a invocação da inconstitucionalidade tem 
 necessariamente de ser feita na primeira oportunidade processual depois de 
 proferida a decisão final, sob pena de extemporaneidade (Acórdãos n.ºs 94/88 e 
 
 461/91).»
 
  
 
             71.º – Ora, é este o caso, alguma vez se admitiria a aplicação 
 retroactiva da Portaria n.º 168‑A/2004, como interpretativa do n.º 3 da Base II 
 da Lei n.º 2125?
 
             72.º – Como refere ainda Rui Medeiros [A Decisão de 
 Inconstitucionalidade, os Autores, o Conteúdo e os Efeitos da Decisão de 
 Inconstitucionalidade da Lei, Universidade Católica Editora, pp. 334/335]:
 
  
 
             «Bem pode, portanto, ‘a actividade de controlo de conformidade 
 constitucional recair apenas sobre um certo segmento normativo do preceito em 
 apreço (cada preceito pode conter diversas normas) ou até apenas sobre uma 
 determinada interpretação’.
 
             Esta solução não merece reparos. Estando em causa uma interpretação 
 contrária à Constituição, a eventual rejeição da competência do Tribunal 
 Constitucional equivaleria, na prática, ao esvaziamento das funções de 
 fiscalização atribuídas àquele ‘legislador negativo’.»
 
  
 
             73.º – Aliás, a ideia da maior admissibilidade e da maior amplitude 
 em matéria de recurso para o Tribunal Constitucional e de retirar todas as 
 consequências das inconstitucionalidades está patente nas posições de vários 
 constitucionalistas.
 
             74.º – Assim, por exemplo, Paulo Otero, embora em casos excepcionais 
 de responsabilidade civil e de responsabilidade criminal, admite mesmo a 
 
 «sindicabilidade incidental da constitucionalidade das decisões do próprio 
 Tribunal Constitucional» [Ensaio sobre o Caso Julgado Inconstitucional, Lex, 
 
 1993, p. 133].
 
             75.º – Por sua vez, o Professor Jorge Bacelar de Gouveia, quando 
 trata da distinção entre a apreciação da inconstitucionalidade, em caso de norma 
 aplicada contra a CRP e, por outro, das situações em que se está perante «uma 
 certa interpretação da norma considerada inconstitucional», lembra [Manual de 
 Direito Constitucional, Almedina, 2005, vol. II, pp. 1358/1359]:
 
  
 
             «Se a definição da primeira modalidade de objecto processual não 
 suscita dúvidas, até porque vem a ser a definição geral do objecto dos processos 
 de fiscalização da constitucionalidade, já a outra modalidade levanta algumas 
 dificuldades.
 
             É que cumpre desde logo não confundir esse objecto processual com a 
 directa sindicação constitucional das decisões jurisdicionais que o Direito 
 Constitucional Português não autonomiza como processo próprio de fiscalização 
 da constitucionalidade, mas apenas e enquanto especificação do julgamento dos 
 recursos do tribunal a quo em geral.
 
             A autonomização deste objecto processual resulta da aplicação 
 primária do Direito que, no seio da fiscalização concreta, necessariamente os 
 outros tribunais são forçados a fazer, sendo certo que o acesso à justiça é por 
 eles que se inicia.
 
             Se assim não fosse, criar‑se‑ia uma situação estranha – e sobretudo 
 fraudulenta – em que bastaria ao tribunal a quo conferir um sentido 
 inconstitucional a certa norma parmetrizadora do caso a ser julgado, não a 
 considerando em si mesmo inconstitucional, para que nunca fosse 
 constitucionalmente possível sindicar essa aplicação errónea do Direito contra a 
 Constituição, num grosseiro atropelo ao princípio da constitucionalidade.» 
 
  
 
             76.º – Por sua vez, o Prof. Blanco de Morais, depois de referir que, 
 por princípio, o n.º 2 do artigo 72.º da LTC exige que a questão da 
 inconstitucionalidade seja suscitada durante o processo, antes da decisão 
 final, admite, no entanto, que esta possa surgir apenas nesta mesma decisão e, 
 por isso, lembra que tem de haver excepções, nos seguintes termos [Justiça 
 Constitucional, tomo II, Coimbra Editora, p. 706]:
 
  
 
             «A regra acabada de enunciar comporta, todavia, excepções, as quais 
 foram sendo reveladas criativa e correctivamente pela jurisprudência do 
 Tribunal Constitucional.
 
             Este maleabilizou o seu rigor interpretativo inicial, recusando um 
 entendimento estritamente formal da locução ‘durante o processo’, em favor de um 
 sentido ‘funcionalmente adequado’ desse importante pressuposto de 
 admissibilidade do recurso que condiciona a legitimidade do recorrente.
 
             O Tribunal Constitucional recusa, assim, transformar o n.º 2 do 
 artigo 72.º da LTC num instrumento de guilhotina que elimine todas as hipóteses 
 de arguição da inconstitucionalidade até à extinção da instância, optando por 
 ajustar a regra às exigências de realização da Justiça verificadas no concreto.
 
             Seria por demais inaceitável conceber o processo como uma 
 escravização mecanicista a cânones formais, mesmo quando estes vedam a 
 realização da Justiça não só no tocante ao julgamento da questão de fundo, mas 
 também no respeitante ao desenlace do próprio processo.
 
             Trata‑se de uma realidade que ocorre quando, pela natureza das 
 coisas, não se torna objectivamente exigível que uma parte suscite a questão de 
 validade da norma aplicável, até ao trânsito em julgado da decisão recorrida.»
 
  
 
             77.º – Também o Senhor Conselheiro Guilherme da Fonseca e a Doutora 
 Inês Domingos [Breviário de Direito Processual Constitucional, Recurso de 
 Constitucionalidade, 2.ª edição, Coimbra Editora, p. 52] reconhecem a 
 existência de casos não directamente contemplados no artigo 72.º, n.º 2, da LTC, 
 ao referirem:
 
  
 
             «Para além das situações referidas, existem casos excepcionais ou 
 anómalos em que o interessado, por não ter disposto de oportunidade processual 
 para levantar a questão antes de proferida a decisão, a levantou após a sua 
 prolação e o TC a considerou atempadamente suscitada.
 
             Trata‑se de casos em que não se torna possível aplicar a regra da 
 arguição da inconstitucionalidade até à decisão; casos em que tal exigência é 
 dispensada por se ter verificado uma situação excepcional ou anómala que 
 justifica essa dispensa.»
 
  
 
             78.º – E mais adiante referem ainda aqueles autores [obra citada, p. 
 
 54]:
 
  
 
             «A orientação geral de que, após a prolação da decisão já não é 
 possível suscitar a questão de inconstitucionalidade, também não é de aplicar 
 naqueles casos ‘anómalos’ ou ‘excepcionais’ em que o recorrente é confrontado 
 com uma situação de aplicação ou interpretação normativa de todo imprevista e 
 inesperada, feita pela decisão. Aqui o interessado não dispõe de ‘oportunidade 
 processual’ para suscitar a questão antes de esgotado o poder jurisdicional do 
 tribunal a quo, por não poder antever a possibilidade dessa aplicação (Acórdãos 
 n.ºs 61/92, 188/93, 569/95, 596/96, 499/97, 642/99, 674/99, 124/2000, 155/2000, 
 
 192/2000, 79/2002 e 120/2002).» 
 
  
 
             79.º – Ora, no presente caso, afigurou‑se de todo «insólito» e 
 
 «imprevisível», repete‑se, a aplicação retroactiva da Portaria n.º 168‑A/2004, 
 com sentido interpretativo do n.º 3 da Base II da Lei n.º 2125, de um modo 
 triplamente inusitado, seja pela retroactividade, seja por se admitir uma mera 
 portaria a interpretar uma Lei de Bases, seja por se consentir uma interpretação 
 restritiva de direitos fundamentais.
 
             80.º – Efectivamente, não é despiciendo lembrar, em particular 
 perante o Tribunal Constitucional, que, ao fim e ao cabo, estão em causa nos 
 autos, e na própria questão de inconstitucionalidade suscitada, direitos 
 fundamentais!
 
             81.º – Ora, como refere Cristina Queiroz [«Justiça Constitucional e 
 Interpretação da Constituição», in Nos 25 Anos da Constituição da República 
 Portuguesa de 1976, Evolução Constitucional e Perspectivas Futuras, AAFDL, pp. 
 
 627/628]:
 
  
 
             «Só que a ‘protecção dos direitos fundamentais’ não é um assunto de 
 Estado ou de legislação, mas uma protecção constitucional, posto que: (a) os 
 direitos não são criados pelo Estado, que se limita a reconhecer a sua 
 existência, que corresponde à existência do homem; (b) fundamentais ainda porque 
 não se fundam em actos legislativos, mas na natureza do homem no momento do seu 
 nascimento. Por isso encontram‑se subtraídos a todo o acto de Estado ou de 
 legislação. O Estado não pode subtraí‑lo ao cidadão, nem o cidadão pode 
 renunciar a estes.»
 
  
 
             82.º – Como nota final, e porque tal torna ainda mais evidente a 
 inconstitucionalidade suscitada, diga‑se que o quadro legislativo actual já não 
 
 é o da Lei n.º 2125, nem o das Portarias n.ºs 936‑A/99, de 22 de Outubro, e 
 
 168‑A/2004, de 18 de Fevereiro, sendo que a evolução legislativa, apesar de mais 
 ampla, vai mais no sentido da Portaria de 1999 do que da de 2004.
 
             83.º – A verdade é que, através da Proposta de Lei n.º 124/X, a 
 Assembleia da República concedeu ao Governo autorização (Lei n.º 20/2007, de 12 
 de Junho), no sentido de alterar as regras da propriedade de farmácia.
 
             84.º – Assim, na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 124/X, 
 refere‑se: «Pretende‑se modificar um regime jurídico desadequado e 
 injustificadamente limitador do acesso à propriedade, afastando as regras que a 
 restringem exclusivamente a farmacêuticos» (V. idêntico texto no preâmbulo do 
 Decreto‑Lei n.º 307/2007, de 31 de Agosto).
 
             85.º – E mais adiante consigna‑se: «Pretende‑se equilibrar o livre 
 acesso à propriedade e evitar a concentração, através de uma limitação, 
 proporcional e adequada, a quatro farmácias» (V. idêntico texto no preâmbulo do 
 Decreto‑Lei n.º 307/2007, de 31 de Agosto, bem como ainda o artigo 15.º do mesmo 
 diploma).
 
             86.º – Daqui decorre que qualquer cidadão ou empresa (farmacêutico, 
 ou não) passará a poder, não apenas concorrer à instalação de farmácia, mesmo 
 que já seja proprietário de outras três, como poderá passar a ser efectivamente 
 titular de quatro farmácias e respectivos alvarás, tornando a questão dos autos 
 algo do passado e cuja decisão, por parte do STA, implicou a interpretação 
 inconstitucional das disposições legais identificadas nos autos.
 
             Por tudo isto, deve ser considerada procedente a presente reclamação 
 para a conferência e proferido Acórdão confirmando a admissão do recurso, que 
 deverá prosseguir os seus trâmites até final.”
 
  
 
                         1.3. Notificada da dedução desta reclamação, a recorrida 
 B. apresentou a seguinte resposta:
 
  
 
             “1 – Se atentarmos nas «citações» invocadas pela reclamante, 
 verificamos que elas nada têm a ver com as questões apreciadas na douta decisão 
 sumária,
 
             2 – Quando esta, em argumentação precisa e contundente, demonstra 
 que a questão da inconstitucionalidade não foi levantada pela mesma reclamante,
 
             a) antes de proferido o acórdão de 2 de Maio de 2006,
 
             b) e que só foi levantada pela primeira vez nos autos em 
 requerimento de aclaração e de rectificação de erros materiais do acórdão que 
 aplicou o critério normativo questionado,
 
             c) quando já se encontrava esgotado o poder jurisdicional do 
 tribunal sobre a questão de mérito.
 
             d) Aliás, o posterior acórdão de 7 de Novembro de 2006 não fez 
 aplicação de quaisquer normas inconstitucionais, mas apenas dos artigos 667.º, 
 n.º 1, e 669.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil.
 
             3 – Acrescentar‑se‑á que a reclamante não logrou suscitar, em termos 
 adequados, a questão da inconstitucionalidade,
 
             a) já que não substanciou os respectivos fundamentos,
 
             b) isto é, não expôs as razões pelas quais entendia que o dito 
 critério normativo violaria os artigos 20.º, n.º 5, 13.º, n.º 1, e 112.º, n.º 
 
 5, da Constituição.
 
             4 – Finalmente, dir‑se‑á que a pretensão da reclamante vai contra o 
 entendimento unânime (?) deste Venerando Tribunal em dezenas (centenas?) de 
 casos semelhantes.
 
             Termos em que se deverá confirmar a mesma douta decisão sumária, 
 como é de Justiça.” 
 
  
 
                         Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                         2. Da fundamentação desenvolvida na reclamação da 
 decisão sumária resulta que a esta são apontados, essencialmente, dois erros: 
 incorrecta identificação da decisão recorrida e não reconhecimento como insólita 
 ou inesperada da interpretação normativa aplicada no Tribunal a quo, em termos 
 de incluir o presente caso no grupo daqueles em que se considera dispensável o 
 cumprimento do ónus de suscitação da questão de inconstitucionalidade antes da 
 prolação da decisão impugnada.
 
  
 
                         2.1. No requerimento de interposição de recurso para o 
 Tribunal Constitucional, referiu a recorrente que “não se conformando com o 
 teor do acórdão proferido nos autos, em 2 de Maio de 2006, complementado pelo 
 acórdão de 6 de Novembro de 2006, pelo qual se acordou «deferir o pedido de 
 correcção de erros materiais e indeferir o pedido de aclaração» daquele acórdão, 
 deste vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional …”.
 
                         Na decisão sumária reclamada entendeu‑se que, ao referir 
 que “deste vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional”, a recorrente 
 visou o último acórdão citado (o de 6 [aliás, 7] de Novembro de 2006), e não o 
 primeiro acórdão (de 2 de Maio de 2006), a que acabara de se referir como sendo 
 
 “aquele”.
 
                         De qualquer forma, e prevenindo a ocorrência de 
 deficientes expressão ou compreensão da vontade da recorrente, já que 
 patentemente fora o acórdão de 2 de Maio de 2006, e não o de 7 de Novembro de 
 
 2006, que fizera aplicação dos preceitos a seguir mencionados nesse 
 requerimento, a decisão sumária assentou o não conhecimento do recurso num 
 duplo fundamento: (i) falta de aplicação das normas cuja constitucionalidade se 
 pretendia ver apreciada, partindo do pressuposto que o recurso tinha por objecto 
 o último acórdão; e (ii) falta de suscitação da questão da 
 inconstitucionalidade das normas aplicadas no primeiro acórdão como ratio 
 decidendi, antes da prolação deste, apesar de a recorrente haver disposto de 
 oportunidade processual para o fazer e de a interpretação normativa acolhida 
 pelo tribunal a quo não se poder considerar inesperada, anómala ou insólita.
 
  
 
                         2.2. Esclarecido agora que o acórdão recorrido é o de 2 
 de Maio de 2006, para a decisão da presente reclamação a única questão relevante 
 consiste, assim, em determinar se o critério normativo nele aplicado se deve 
 considerar inesperado, em termos de dispensar o cumprimento do ónus da prévia 
 suscitação da questão de inconstitucionalidade, como sustenta a reclamante, ou 
 se, ao invés, a adopção de tal critério era previsível e, por isso, a omissão 
 desse ónus determina a inadmissibilidade do recurso, como se entendeu na decisão 
 reclamada.
 
                         Para este efeito, importa salientar que, desde o início 
 do litígio, estiveram em confronto duas leituras distintas da norma do n.º 3 da 
 Base II da Lei n.º 2125: segundo a recorrente contenciosa, tal norma não 
 permitia a um farmacêutico que fosse titular de um alvará de farmácia 
 apresentar‑se a concurso para atribuição de um novo alvará; segundo a entidade 
 recorrida e a recorrida particular (ora recorrente), tal impossibilidade não 
 existia, pois a lei apenas visava obstar à titularidade simultânea de mais do 
 que um alvará e essa situação não decorria directamente da eventual vitória no 
 concurso, podendo, entre o termo deste e a concessão do alvará, o candidato 
 vencedor alienar o primeiro alvará.
 
                         A tese da recorrente contenciosa foi por ela reiterada 
 nas alegações do recurso jurisdicional interposto para o STA, tendo a ora 
 reclamante tido oportunidade processual, nas contra‑alegações que apresentou 
 nesse recurso, de suscitar a questão da inconstitucionalidade dessa 
 interpretação normativa, o que não fez, como ela própria reconhece.
 
                         O acórdão de 2 de Maio de 2006 perfilhou a leitura da 
 norma do n.º 3 da Base II da Lei n.º 2125 defendida pela então recorrente, 
 considerando, consequentemente, ilegal qualquer interpretação do artigo 7.º, n.º 
 
 1, alínea a), da Portaria n.º 936‑A/99, que contrariasse aquele comando legal, 
 designadamente a acolhida na sentença então impugnada, no sentido de que os 
 titulares de alvarás de farmácia há mais de 10 anos podiam concorrer aos 
 concursos de instalação de novas farmácias, posição esta que era também a 
 defendida pela ora recorrente.
 
                         Para completa dilucidação da questão, interessará, 
 apesar da sua extensão, reproduzir na íntegra a fundamentação jurídica do 
 acórdão do STA de 2 de Maio de 2006:
 
  
 
             “2.2. O DIREITO
 
             2.2.1. Por precedência lógica conheceremos, em primeiro lugar, do 
 erro de julgamento alegado no recurso da sentença final, reportado à violação do 
 disposto no n.º 3 da Base II da Lei n.º 2125, de 20 de Março de 1965, questão 
 que, a proceder, assegura a mais eficaz tutela judicial à recorrente e prejudica 
 o conhecimento de todas as demais.
 
             No recurso contencioso, a recorrente alegou a violação de tal 
 preceito, argumentando que, sendo as recorridas particulares donas de farmácias, 
 
 à data do concurso, não podiam, no quadro jurídico ao tempo vigente, 
 candidatar‑se à atribuição de um novo alvará.
 
             A sentença recorrida julgou improcedente «o invocado vício de 
 violação de lei».
 
             Convoquemos, então, antes de mais, as normas relevantes de acordo 
 com o princípio tempus regit actum:
 
             Lei n.º 2125
 
             (…)
 
             BASE II
 
             1. As farmácias só poderão funcionar mediante alvará passado pela 
 Direcção‑Geral de Saúde. O alvará é pessoal, só pode ser concedido a quem é 
 permitido ser proprietário de farmácia e caduca em todos os casos de 
 transmissão, salvo nas hipóteses previstas na lei.
 
             2. O alvará apenas poderá ser concedido a farmacêuticos ou a 
 sociedades em nome colectivo ou por quotas, se todos os sócios forem 
 farmacêuticos e enquanto o forem.
 
             3. A nenhum farmacêutico ou sociedade poderá ser concedido mais de 
 um alvará. Igualmente nenhum farmacêutico poderá pertencer a mais de uma 
 sociedade ou pertencer a ela e ser proprietário individual de uma farmácia.
 
             Nenhum farmacêutico, quando proprietário de uma farmácia ou gerente 
 técnico de uma sociedade, pode desempenhar qualquer função incompatível com o 
 exercício efectivo da actividade farmacêutica.
 
             4. (…)
 
  
 
             Portaria n.º 936‑A/99, de 22 de Outubro
 
             Artigo 7.º
 
             1 – Sem prejuízo de outros casos previstos na lei, não poderão 
 concorrer:
 
             a) Os candidatos em nome individual ou sociedade que tenham obtido 
 alvará há menos de 10 anos, por instalação, por transferência ou por trespasse;
 
             b) As sociedades que integrem um ou mais sócios nas condições 
 previstas na alínea anterior.
 
             2 – (…)
 
             3 – (…)
 
  
 
             Aplicando estas normas, depois de ter explicitado que ambas as 
 recorridas particulares eram já, à data do concurso, proprietárias de 
 farmácias, a sentença impugnada desenvolveu o seguinte raciocínio:
 
             «(…) Das disposições legais transcritas, aplicáveis ao concurso em 
 questão, resulta que os candidatos que sejam titulares de alvarás de farmácia 
 há mais de 10 anos podem concorrer aos concursos de instalação de novas 
 farmácias.
 
             Consequentemente podem concorrer ao concurso para a instalação de 
 uma nova farmácia no lugar de Nespereira as candidatas classificadas em 1.º (A.) 
 e 2.º (B.) lugar, recorridas particulares nos presentes autos, pois as mesmas 
 são titulares de alvará há 19 e 13 anos, respectivamente.
 
             Assim, por força do disposto no n.º 1 do artigo 7.º da Portaria n.º 
 
 936‑A/99, de 22 de Outubro, que a recorrente considera infringido pelo acto 
 recorrido, inexiste qualquer impedimento em as recorridas particulares 
 concorrerem ao concurso.
 
             Por outro lado, a Base II da Lei n.º 2125, de 20 de Março de 1965, 
 impede é que a entidade competente conceda a um farmacêutico ‘mais de um 
 alvará’.
 
             Ora, o acto recorrido apenas concede à recorrida particular 
 classificada em 1.º lugar no concurso e, sucessivamente, à classificada em 2.º 
 lugar em caso de desistência daquela ou de existência de algum impedimento 
 superveniente, o direito de instalar uma nova farmácia, pois a emissão do 
 alvará que titulará esse direito apenas se verificará em momento posterior, após 
 a realização de vistoria que ateste que se encontrem satisfeitas as condições 
 para a abertura e instalação da farmácia.
 
             Como bem refere a entidade recorrida e o Ministério Público, a 
 emissão de alvará é posterior à deliberação objecto de recurso nos presentes 
 autos, sendo apenas requisito da eficácia da mesma.
 
             Isto é, potencialmente a violação do estabelecido na Base II da Lei 
 n.º 2125 pode vir a verificar‑se no acto de emissão do alvará, a não se 
 verificarem os respectivos requisitos legais, sendo tal acto sindicável a seu 
 tempo.
 
             Ao contrário do que alega o recorrente, cremos que absurdo seria um 
 farmacêutico proprietário de uma farmácia ficar toda a sua vida profissional 
 vinculado à mesma, não lhe sendo permitido dentro de prazos legais razoáveis de 
 permanência a uma determinada comunidade candidatar‑se e, consequentemente, 
 instalar uma outra farmácia no local que sempre para si foi eleito como 
 preferência, mas que só agora reuniu as condições necessárias para a instalação 
 de uma farmácia.
 
             É claro que concordamos com a recorrente quando se refere às 
 
 ‘negociatas’ na obtenção de um segundo alvará para a obtenção de um preço 
 inflacionado. Acreditamos que, muitas vezes, o que dita a obtenção do direito de 
 instalar uma nova farmácia, não terá tanto a ver com a comunidade e razões de 
 ordem pessoal e realização profissional, mas sim razões meramente financeiras, 
 obtenção de um óptimo negócio através do trespasse do alvará da farmácia de quer 
 
 é detentor. No entanto, tal situação, quiçá injusta, ultrapassa em muito o que 
 nos importa conhecer pelo presente recurso e em nada contende ou resulta a sua 
 resolução por via das disposições que a recorrente considera serem violadas.
 
             Posto isto, andou bem o júri do concurso e, consequentemente, o 
 Conselho de Administração do INFARMED ao homologar a lista de classificação 
 final dos candidatos ao concurso para a instalação de uma farmácia no lugar de 
 Nespereira.»
 
             A recorrente discorda, dizendo, no essencial, que:
 
             (i) a lei consagra o princípio da indivisibilidade entre a 
 propriedade e a direcção técnica, reservando aos farmacêuticos a atribuição de 
 alvarás de acordo com a regra uma farmácia, um proprietário, um director 
 técnico;
 
             (ii) de acordo com o disposto na Base II da Lei n.º 2125, quem for 
 já proprietário de uma não pode ser opositor a concurso para instalação de 
 novas farmácias;
 
             (iii) da norma da alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º da Portaria n.º 
 
 936‑A/99, de 22 de Outubro, não resulta que os candidatos em nome individual ou 
 as sociedades que tenham obtido alvará há mais de 10 anos possam concorrer e 
 obter um novo alvará, quando ainda são proprietários do mesmo. A norma deve ser 
 interpretada no sentido de que foi pura e simplesmente restringido o acesso a 
 novos alvarás dos candidatos que obtiveram alvará há menos de 10 anos, 
 independentemente de na data da abertura do concurso já não serem proprietários 
 do mesmo.
 
  
 
             2.2.2. Apresentadas as teses em confronto, comecemos pela 
 interpretação da regulação primária.
 
             No enunciado linguístico da Base II da Lei n.º 2125 surge o conceito 
 de «alvará». Ora, no nosso ordenamento jurídico‑administrativo, de acordo com a 
 noção legal que ao tempo estava plasmada no artigo 356.º do Código 
 Administrativo, entendia‑se por alvará, nas palavras de Marcelo Caetano, in 
 Manual de Direito Administrativo, vol. I, p. 196, o «documento firmado pela 
 autoridade competente pelo qual esta faz saber a quem dele tome conhecimento a 
 existência de certo direito constituído em proveito de determinada pessoa» 
 
 (cf., no mesmo sentido, Henrique Martins Gomes, in Dicionário Jurídico da 
 Administração Pública, vol. I, p. 373).
 
             E não há subsídio interpretativo que sugira que, numa interpretação 
 actualista, reportada à data da prática do acto impugnado, devesse atribuir‑se 
 ao alvará outro alcance. Veja‑se noção idêntica no artigo 94.º da Lei n.º 
 
 169/99, de 18 de Setembro, alterada pela Lei n.º 5‑A/2002, de 11 de Janeiro, 
 cujo texto é o seguinte: «salvo se a lei prescrever forma especial, o título dos 
 direitos conferidos aos particulares por deliberação dos órgãos autárquicos ou 
 decisão dos seus titulares é um alvará expedido pelo respectivo presidente».
 
             Portanto, no caso em análise, o alvará deve ser entendido como mero 
 título que publicita uma decisão da Administração pela qual foi concedido a 
 determinado farmacêutico o direito à propriedade e exploração de uma farmácia.
 
             Temos, assim que, na Base II, as formulações «o alvará apenas poderá 
 ser concedido a farmacêuticos» (n.º 2) e «a nenhum farmacêutico ou sociedade 
 poderá ser concedido mais de um alvará» (n.º 3) equivalem a dizer, 
 respectivamente, que só os farmacêuticos podem ser proprietários de farmácia e 
 que nenhum deles pode ser proprietário de mais de uma farmácia.
 
             Deste modo, da Lei n.º 2125 resultam importantes limitações ao 
 direito de propriedade e à liberdade de iniciativa privada. Uma delas afecta os 
 cidadãos em geral, na medida em que reserva aos farmacêuticos o acesso à 
 propriedade da farmácia. A outra atinge os farmacêuticos que já detenham a 
 propriedade, pois que é inequívoco, nos termos da Base II, que o farmacêutico 
 que for proprietário de farmácia não pode ver constituído na sua esfera jurídica 
 o direito à propriedade de uma nova farmácia.
 
             E, recorde‑se, este regime restritivo, assente na indissociação 
 entre a propriedade e a direcção técnica das farmácias, foi já considerado 
 legítimo pelo Tribunal Constitucional (Acórdão n.º 76/85, publicado no Diário da 
 República, II Série, n.º 131, de 8 de Junho de 1985), que o julgou meio adequado 
 para prosseguir os objectivos de protecção da saúde pública que 
 constitucionalmente incumbem ao Estado.
 
             Dito isto, passemos ao direito secundário, tendo presente que, em 
 honra aos princípios da hierarquia das fontes e da primariedade da lei (artigo 
 
 112.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa), a dupla restrição 
 contida na lei superior haverá de ser respeitada no acto normativo inferior, no 
 caso, a Portaria n.º 936‑A/99, de 23 de Outubro, diploma que, a coberto da 
 habilitação conferida pelo artigo 50.º do Decreto‑Lei n.º 48 547, de 27 de 
 Agosto de 1968, fixa as condições de abertura de novas farmácias, sendo de 
 rejeitar as prescrições que contrariem a Lei n.º 2125.
 
             A sentença recorrida interpretou a norma do artigo 7.º, n.º 1, 
 alínea a), da Portaria n.º 936‑A/99, supra transcrita, com o sentido que dela 
 
 «resulta que os candidatos que sejam titulares de alvarás de farmácia há mais de 
 
 10 anos podem concorrer aos concursos de instalação de novas farmácias».
 
             Ora, a ser esse o sentido prevalente da norma, a mesma seria, 
 seguramente, violadora da Base II da Lei n.º 2125, pois que com ela seria 
 possível constituir na esfera jurídica de quem já é proprietário de farmácia o 
 direito à propriedade de uma outra.
 
             Na verdade, na arquitectura do procedimento do concurso para a 
 instalação de nova farmácia, tal como a desenha a Portaria n.º 936‑A/99, 
 destacam‑se os seguintes traços relevantes para o caso em análise:
 
             (i) o acto constitutivo do direito não é a emissão do alvará, mas a 
 decisão de homologação da lista de classificação dos concorrentes, da qual, nos 
 termos do artigo 11.º, n.º 2, «cabe recurso contencioso, a interpor nos termos e 
 prazos definidos na lei geral»;
 
             (ii) a passagem do título é posterior e situa‑se no denominado 
 
 «processo de instalação» e abertura ao público (artigos 12.º a 15.º). Neste 
 processo, a autorização caducará se o concorrente classificado em primeiro lugar 
 não apresentar os documentos elencados no artigo 12.º, n.º 1, no prazo de 75 
 dias a contar da data da publicação daquela lista no Diário da República e/ou se 
 não instalar a farmácia dentro de 360 dias a contar da mesma publicação, «a fim 
 de ser efectuada a vistoria» (artigo 13.º, n.ºs 1 e 2). Se não tiver ocorrido a 
 caducidade da autorização, o alvará será, então, emitido, se a vistoria, 
 destinada apenas «a verificar a conformidade da instalação com os requisitos 
 gerais estabelecidos», considerar a instalação nas devidas condições (artigos 
 
 14.º da Portaria n.º 936‑A/99 e 48.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto‑Lei n.º 48 547);
 
             (iii) a lei não comete à Administração, na fase de emissão do 
 alvará, poderes de, por esse meio e nesse momento, proceder a indagações acerca 
 dos requisitos de candidatura e das condições de acesso à propriedade da nova 
 farmácia a concurso.
 
             Neste contexto, a emissão do alvará não tem por finalidade 
 reapreciar a validade do acto administrativo de autorização e só pode ser 
 recusada se, porventura, se verificar alguma das sobreditas causas de 
 caducidade ou se a instalação propriamente dita, o novo espaço físico destinado 
 
 à preparação, conservação e distribuição de medicamentos, não respeitar as 
 exigências gerais estabelecidas, nomeadamente de índole sanitária e de 
 segurança.
 
             Não há dúvida, portanto que, na interpretação da sentença recorrida, 
 quem for proprietário de farmácia há mais de 10 anos pode, candidatando‑se, ver 
 constituído em seu favor o direito à propriedade e exploração de uma outra 
 farmácia. Esse resultado interpretativo, porém, viola o disposto na Base II da 
 Lei n.º 2125, fonte normativa de hierarquia superior, pelo que, com tal alcance, 
 tem de rejeitar‑se a aplicação da regra do artigo 7.º, n.º 1, alínea a), da 
 Portaria n.º 936‑A/99, de 22 de Outubro.
 
  
 
             Feito este caminho, perguntar‑se‑á se é ainda possível interpretar a 
 norma em causa com uma outra dimensão normativa útil e conforme com o princípio 
 da hierarquia das fontes. Uma delas será, eventualmente, como alega a 
 recorrente, o sentido que ela reforça a restrição e impede a candidatura de 
 todos os farmacêuticos que tenham tido acesso à propriedade de farmácia há menos 
 de 10 anos, independentemente de na data do concurso já não serem proprietários.
 
             Este é, aliás, a nosso ver, o único sentido possível da lei a seguir 
 
 à publicação da Portaria n.º 168‑A/2004, de 18 de Fevereiro, que, depois de 
 afirmar expressamente, no respectivo preâmbulo, que importa «determinar a 
 impossibilidade de oposição aos concursos por parte de farmacêuticos já 
 proprietários de farmácia, individual ou colectivamente», modificou a redacção 
 do artigo 5.º, n.º 1, da Portaria n.º 936‑A/99, cujo texto passou a ser este: «1 
 
 – Podem concorrer os farmacêuticos ou as sociedades em nome colectivo ou por 
 quotas a quem é permitido ser proprietário de farmácia, nos termos da Lei n.º 
 
 2125, de 20 de Março de 1965, e desde que não sejam titulares de alvará de 
 farmácia, a título individual ou colectivo.»
 
             Todavia, no caso em apreço, nem a norma foi aplicada com tal 
 dimensão normativa, nem a situação é nela enquadrável, uma vez que a recorrida 
 particular era ainda, à data da concurso, dona da Farmácia Sampaio, da qual era 
 proprietária desde 1989, portanto há mais de 10 anos.
 
             É, pois, questão que não releva para o presente recurso.
 
  
 
             Em suma: procede a alegação do recurso interposto da sentença final 
 reportado ao erro de julgamento por violação do n.º 3 da Base II da Lei n.º 
 
 2125, de 20 de Março de 1965, ficando prejudicado o conhecimento de todas as 
 demais questões suscitadas, incluindo as do recurso que tem por objecto o 
 despacho que julgou inadmissível o articulado superveniente.”
 
  
 
                         Resulta linearmente da leitura desta fundamentação que 
 em parte alguma o acórdão em causa procedeu, de modo “insólito” e 
 
 “imprevisível”, à “aplicação retroactiva da Portaria n.º 168‑A/2004, com sentido 
 interpretativo do n.º 3 da Base da II da Lei n.º 2125”, como sustenta a 
 reclamante.
 
                         O acórdão abre com a convocação das “normas relevantes 
 de acordo com o princípio tempus regit actum”, identificando‑as como sendo a 
 Base II da Lei n.º 2125 e o artigo 7.º da Portaria n.º 936‑A/99 (e não qualquer 
 norma da Portaria n.º 168‑A/2004).
 
                         Depois de transcrever a parte relevante da fundamentação 
 da sentença então impugnada e de sumariar as razões de discordância da então 
 recorrida (entre as quais a tese de que “de acordo com o disposto na Base II da 
 Lei n.º 2125, quem for já proprietário de uma não pode ser opositor a concurso 
 para instalação de novas farmácias”), o acórdão começa pela “interpretação da 
 regulação primária”, concluindo que “nos termos da Base II, (…) o farmacêutico 
 que for proprietário de farmácia não pode ver constituído na sua esfera 
 jurídica o direito à propriedade de uma nova farmácia”. É esta interpretação da 
 Base II da Lei n.º 2125 que constitui o fundamento determinante da decisão 
 acolhida no acórdão em causa e essa interpretação nada tem de imprevisível, quer 
 em si mesma considerada, quer por ser a sustentada pela então recorrente, pelo 
 que a ora reclamante, para abrir a possibilidade de interposição de recurso de 
 constitucionalidade, podia e devia ter suscitado a questão da 
 inconstitucionalidade dessa interpretação nas contra‑alegações que endereçou ao 
 STA.
 
                         O acórdão em causa passou depois “ao direito 
 secundário”, para considerar o disposto no artigo 7.º, n.º 1, alínea a), da 
 Portaria n.º 936‑A/99, a propósito do qual concluiu pela rejeição da 
 interpretação acolhida na sentença então impugnada (e também defendida pela ora 
 reclamante), segundo a qual os titulares de alvarás de farmácia há mais de 10 
 anos podiam concorrer aos concursos de instalação de novas farmácia, 
 interpretação tida por incompatível com o sentido antes fixado à norma da Base 
 II da Lei n.º 2125 e, consequentemente, ofensiva do princípio da hierarquia das 
 fontes de direito e da primariedade da lei.
 
                         Por fim, o acórdão levanta uma última questão, que acaba 
 por não resolver por considerá‑la irrelevante no caso. Traduzia‑se tal questão 
 em saber se ainda era possível interpretar a norma da Portaria n.º 936‑A/99 com 
 outro sentido útil e conforme com o princípio da hierarquia das fontes, 
 recordando que a então recorrente aventara a hipótese de a norma visar impedir a 
 candidatura de todos os farmacêuticos que tivessem tido acesso à propriedade de 
 farmácia há menos de 10 anos, independentemente de na data do concurso já não 
 serem proprietários. Só a este propósito – isto é: para efeito de descortinar 
 algum sentido útil ao artigo 7.º, n.º 1, alínea a), da Portaria n.º 936‑A/99, e 
 não para interpretar a Base II da Lei n.º 2125, cujo sentido e alcance já haviam 
 sido anteriormente fixados, sem qualquer hesitação – é que o acórdão cita a 
 Portaria n.º 168‑A/2004 para referir que após ela era esse “o único sentido 
 possível da lei” (resultando claramente do contexto da frase que a palavra 
 
 “lei” não é reportada à Lei n.º 2125, sendo usada no sentido da “norma” cuja 
 interpretação se questionava e que era a do preceito da Portaria de 1999), para 
 logo concluir que se trata de “questão que não releva para o presente recurso”, 
 por a norma (da Portaria de 1999) não ter sido aplicada com a dimensão normativa 
 aventada pela então recorrente, nem a situação do caso era nela enquadrável, 
 por a então recorrida particular (ora reclamante) ser proprietária de outra 
 farmácia há mais de 10 anos.
 
                         Conclui‑se, assim, que esta alusão à Portaria n.º 
 
 168‑A/2004 constitui um mero obter dictum e, de qualquer forma, não tem a mínima 
 base de sustentação no teor do acórdão recorrido a tese da reclamante de que 
 este teria procedido a uma imprevisível aplicação retroactiva dessa Portaria ao 
 proceder à interpretação da Base II da Lei n.º 2125. Na interpretação desta 
 Base, a que procedeu logo ao determinar a “regulação primária” aplicável ao 
 caso, o acórdão em causa cingiu‑se ao teor desse preceito, e foi essa 
 interpretação – coincidente com a defendida pela então recorrente – que 
 determinou, desde logo, o sentido da decisão. Em suma: o critério normativo 
 adoptado como ratio decidendi pelo acórdão recorrido – fundado decisivamente na 
 Base II da Lei n.º 2125, conducente à ilegalidade da interpretação do artigo 
 
 7.º, n.º 1, alínea a), da Portaria n.º 936‑A/99 acolhida na sentença então 
 impugnada, e sem qualquer interferência do que viria a ser regulado pela 
 Portaria n.º 168‑A/2004 – nada tem de inesperado ou imprevisível, pelo que não 
 estamos perante uma daquelas situações insólitas ou anómalas em que se considera 
 o recorrente dispensado do ónus da prévia suscitação da questão de 
 inconstitucionalidade.
 
                         Não tendo a reclamante cumprido este ónus, o recurso 
 interposto surge como inadmissível, o que determina o não conhecimento do seu 
 objecto, com se sustentou na decisão sumária reclamada.
 
  
 
                         3. Em face do exposto, acordam em indeferir a presente 
 reclamação.
 
                         Custas pela recorrente, fixando‑se a taxa de justiça em 
 
 20 (vinte) unidades de conta.
 Lisboa, 22 de Abril de 2008.
 Mário José de Araújo Torres
 João Cura Mariano
 Rui Manuel Moura Ramos