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Processo n.º 990/06
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
  
 
                                  Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do 
 Tribunal Constitucional,
 
  
 
  
 
                                  1. O Instituto de Gestão e Alienação do 
 Património Habitacional do Estado (IGAPHE) apresentou reclamação para a 
 conferência, ao abrigo do n.º 3 do artigo 78.º‑A da Lei de Organização, 
 Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 
 
 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 
 de Fevereiro (LTC), contra a decisão sumária do relator, de 30 de Novembro de 
 
 2006, que decidiu, no uso da faculdade conferida pelo n.º 1 desse preceito, 
 não conhecer do objecto do recurso.
 
  
 
                                  1.1. A decisão sumária reclamada tem o seguinte 
 teor:
 
  
 
                  “1. O Instituto de Gestão e Alienação do Património 
 Habitacional do Estado (IGAPHE) interpôs recurso para o Tribunal 
 Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de 
 Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), 
 contra o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 25 de Maio de 2006 (fls. 
 
 273 a 286), pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade, por violação do 
 princípio da proporcionalidade e do artigo 62.º, n.º 2, da Constituição da 
 República Portuguesa (CRP), das normas dos artigos 23.º, n.º 1, do Código das 
 Expropriações aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 438/91, de 9 de Novembro, e 24.º, 
 n.º 1, do Código das Expropriações aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de 
 Setembro, referindo, no requerimento de interposição de recurso (fls. 314‑315), 
 que a questão de inconstitucionalidade teria sido suscitada «nas alegações do 
 expropriante para o Tribunal da Relação de Lisboa datadas de 6 de Dezembro de 
 
 2005, contra‑alegações de 4 de Janeiro de 2006 e reclamação para o Presidente 
 do Supremo Tribunal de Justiça (cf. respectivo n.º 20)».
 
                  O recurso foi admitido pelo Desembargador Relator do Tribunal 
 da Relação de Lisboa (fls. 465), decisão que, como é sabido, não vincula o 
 Tribunal Constitucional (artigo 76.º, n.º 3, da LTC) e, de facto, entende‑se 
 que o recurso em causa é inadmissível, o que possibilita a prolação de decisão 
 sumária de não conhecimento, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º‑A da 
 LTC.
 
  
 
                  2. No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, 
 a competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge‑se ao controlo da 
 inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade 
 constitucional imputada a normas jurídicas (ou a interpretações normativas, 
 hipótese em que o recorrente deve indicar, com clareza e precisão, qual o 
 sentido da interpretação que reputa inconstitucional), e já não das questões de 
 inconstitucionalidade imputadas directamente a decisões judiciais, em si 
 mesmas consideradas, ou a condutas ou omissões processuais. A distinção entre 
 os casos em que a inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa 
 daqueles em que é imputada directamente a decisão judicial radica em que na 
 primeira hipótese é discernível na decisão recorrida a adopção de um critério 
 normativo (ao qual depois se subsume o caso concreto em apreço), com carácter 
 de generalidade, e, por isso, susceptível de aplicação a outras situações, 
 enquanto na segunda hipótese está em causa a aplicação dos critérios 
 normativos tidos por relevantes às particularidades do caso concreto.
 
                  Tratando‑se de recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 
 
 1 do artigo 70.º da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua admissibilidade 
 depende ainda da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de 
 inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo 
 processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, 
 em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2 do artigo 72.º da LTC), 
 e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das 
 dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente.
 
                  Resultando do referido artigo 72.º, n.º 2, da LTC que só são 
 atendíveis as questões de inconstitucionalidade suscitadas perante o tribunal 
 que proferiu a decisão recorrida, há apenas que considerar – para verificação do 
 cumprimento do referido ónus de suscitação – as peças processuais endereçadas 
 pelo recorrente a esse tribunal (no caso: as alegações do seu recurso de 
 apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa e as suas contra‑alegações no 
 recurso de apelação interposto para o mesmo Tribunal pela expropriada A.), e já 
 não a peça produzida perante distinta instância judicial (no caso: a reclamação 
 contra a não admissão de recurso de revista endereçada ao Presidente do Supremo 
 Tribunal de Justiça, por este indeferida por despacho de 6 de Setembro de 2006, 
 no qual, aliás, não se fez aplicação das normas cuja constitucionalidade o 
 recorrente pretende ver apreciada, mas antes, e apenas, da norma do artigo 64.º, 
 n.º 2, do Código das Expropriações de 1991, de acordo com a interpretação 
 consagrada no Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 10/97).
 
                  Ora, nem nas alegações do seu recurso de apelação (fls. 214 a 
 
 221), nem nas suas contra‑alegações apresentadas no recurso de apelação da 
 expropriada (fls. 233 a 240), o ora recorrente suscitou qualquer questão de 
 inconstitucionalidade normativa, designadamente reportada às normas 
 identificadas no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal 
 Constitucional.
 
                  A posição sustentada, nessas duas peças, pelo recorrente 
 encontra‑se sintetizada nas conclusões da sua alegação (sendo certo que nem no 
 teor dessas alegações nem no teor das aludidas contra‑alegações nada se aduz que 
 pudesse ter relevância para o presente efeito), que a seguir se reproduzem:
 
  
 
 «I – A declaração de utilidade pública (d.u.p.) é o acto constitutivo da 
 relação jurídica expropriativa.
 II – A lei aplicável é a vigente à data da d.u.p. (12 de Setembro de 1973), ou 
 seja, o Decreto‑Lei n.º 576/70, de 24 de Novembro.
 III – A parcela expropriada, para fins expropriativos, é classificada como 
 terreno para outros fins.
 IV – Atendendo à inconstitucionalidade decretada da norma do n.º 1 do artigo 9.º 
 do Decreto‑Lei n.º 576/70, admite‑se que na valoração da parcela se considere o 
 jus aedificandi.
 V – Tal não significa aplicar‑se ao caso sub judice o Código das Expropriações 
 de 1991 ou de 1999, aprovados, respectivamente, pelo Decreto‑Lei n.º 438/91, de 
 
 9 de Novembro, e pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro.
 VI – Pela posição de imparcialidade e de isenção em relação às partes, deve 
 merecer acolhimento do julgador o laudo dos peritos do Tribunal.
 VII – Assim, no caso em apreço, só podem ser considerados os laudos de fls. 117 
 a 120 e o de fls. 112 e 113.
 VIII – O valor da parcela expropriada é de 1 404 000$00 ou, no limite, de 3 864 
 
 000$00.
 IX – A parcela expropriada estava inserida num lote clandestino da denominada 
 Quinta da Palença de Cima.
 X – A douta sentença recorrida fez tábua rasa das circunstâncias e condições de 
 facto existentes em 12 de Setembro de 1973, data da d.u.p..
 XI – É inaplicável ao caso sub judice a actualização da indemnização com o 
 recurso à evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação.
 XII – Aliás, o Meritíssimo Juiz a quo devia ter como horizonte temporal o da 
 data da sentença, o que equivale a dizer que o valor fixado estava actualizado a 
 essa data (29 de Novembro de 2003).
 XIII – A actualização da indemnização com o recurso ao índice referido na 
 conclusão XI impõe que a avaliação da parcela seja feita com referência a 12 de 
 Setembro de 1973, o que não foi feito pela peritagem (e, obviamente, também não 
 pela douta sentença sob censura).
 XIV – Caso se sufrague que a indemnização deve ser actualizada, então, com as 
 devidas adaptações do disposto no artigo 712.º do CPC, deve ser anulado o 
 julgamento, ordenando‑se nova avaliação onde os peritos determinem o número de 
 espécies monetárias que em 12 de Setembro de 1973 corporizavam o valor da 
 indemnização e depois o actualizem de acordo com o aludido índice.
 XV – Seria um absurdo, conduzindo a um resultado desmesurado e injusto, a 
 aplicação do índice em causa ao valor (já empolado) fixado na douta sentença: o 
 mais elementar bom senso repele tão esdrúxula interpretação, ao arrepio da lei 
 e da moral.
 XVI – Decidindo de forma diversa, a douta sentença recorrida violou, entre 
 outros, os artigos 22.º, n.º 2, e 23.º, n.º 1, do Código das Expropriações de 
 
 1991, 24.º, n.º 1, do Código das Expropriações de 1999 e 62.º, n.º 2, da 
 Constituição da República Portuguesa.»
 
  
 
                  Como é patente, o recorrente não suscitou qualquer questão de 
 inconstitucionalidade normativa perante o tribunal recorrido, designadamente 
 tendo por objecto as normas dos artigos 23.º, n.º 1, do Código das 
 Expropriações de 1991 e 24.º, n.º 1, do Código das Expropriações de 1999, antes 
 se limitou a referir que estas normas legais teriam sido desrespeitadas pela 
 sentença então impugnada e a imputar a essa mesma decisão judicial, em si mesma 
 considerada, a violação do artigo 62.º, n.º 2, da CRP, o que, como se registou, 
 não constitui modo adequado de suscitar questão de inconstitucionalidade.
 
  
 
                  3. Em face do exposto, decide‑se, ao abrigo do n.º 1 do artigo 
 
 78.º‑A da LTC, não conhecer do presente recurso.
 
                  Custas pelo recorrente, fixando‑se a taxa de justiça em 7 
 
 (sete) unidades de conta.”
 
                  
 
                                  1.2. A reclamação do recorrente apresenta a 
 seguinte fundamentação:
 
  
 
 “1 – Em síntese, não se tomou conhecimento do objecto do recurso pois, no 
 entender do ilustre subscritor da decisão sumária em causa, o recorrente não 
 suscitou de modo processualmente adequado a questão da inconstitucionalidade 
 normativa, não arguindo durante o processo qualquer questão de 
 inconstitucionalidade.
 
 2 – O ora recorrente e a expropriada A. apelaram da decisão da 1.ª instância.
 Como apelante e ao que ora interessa, o reclamante sustentou:
 
  
 
 «É inaplicável ao caso sub judice a actualização da indemnização, nos termos 
 fixados e aclarados pelo Julgador da 1.ª instância.
 
 «Para além da actualização da indemnização não ser admissível pela lei 
 aplicável ao caso vertente, não podemos deixar de tecer aqui e agora algumas 
 considerações para não se desvirtuar completamente o pretendido pelo legislador 
 expropriativo em 1991 (e 1999).
 Assim, o recurso ao índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação, 
 pressupõe que a avaliação tenha de se ater à data da declaração de utilidade 
 pública. Dito de outra forma: há que calcular o número de espécies monetárias 
 que à data da declaração de utilidade pública (no caso concreto, 1973) 
 correspondia ao valor da parcela. Ora,
 Isto não foi feito no caso em apreço por qualquer dos Srs. cinco peritos e, 
 obviamente, também o não foi pelo ilustre subscritor da douta sentença sob 
 censura.
 Aliás, o horizonte temporal da indemnização actualizada que o Senhor Juiz a quo 
 deveria ter em mente seria o da data da prolação da sentença – 29 de Novembro de 
 
 2003.
 No entanto, face ao referido a fls. 192 – agora com o recurso ao Código das 
 Expropriações de 1999, o aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro – a 
 ambiguidade da proposta pela expropriada A., no seu requerimento nos termos dos 
 artigos 666.º e 670.º, teria como resultado a actualização dos 6 000 000$00 
 desde a data longínqua de 12 de Setembro de 1973!
 Basta o bom senso para ditar o intolerável de semelhante entendimento que 
 conduz em linha recta ao violento atropelo do artigo 62.°, n.º 2, da 
 Constituição da República Portuguesa.
 Chegados aqui, das duas uma: ou se entende que os valores encontrados pelos Srs. 
 peritos e o fixado pelo Sr. Juiz estão actualizados à data da avaliação – 
 início de 2001 – ou do julgamento – 29 de Novembro de 2003 –, respectivamente, 
 ou então há que determinar o valor em 12 de Setembro de 1973 e, depois 
 reportá‑lo ao presente (data da avaliação e da sentença), sob pena de se cair no 
 absurdo de uma indemnização desmesurada.»
 
  
 Em consonância com o alegado concluiu o IGAPHE, neste particular da 
 inconstitucionalidade:
 
  
 
 «A actualização da indemnização com o recurso ao índice referido na conclusão 
 XI impõe que a avaliação da parcela seja feita com referência a 12 de Setembro 
 de 1973, o que não foi feito pela peritagem (e, obviamente, também não pela 
 douta sentença sob censura).
 Seria um absurdo, conduzindo a um resultado desmesurado e injusto, a aplicação 
 do índice em causa ao valor (já empolado) fixado na douta sentença: o mais 
 elementar bom senso repele tão esdrúxula interpretação, ao arrepio da lei e da 
 moral.
 Decidindo de forma diversa, a douta sentença recorrida violou, entre outros, os 
 artigos 22.º, n.º 2, e 23.º, n.º 1, do Código das Expropriações de 1991, 24.º, 
 n.º 1, do Código das Expropriações de 1999 e 62.º, n.º 2, da Constituição da 
 República Portuguesa.»
 
  
 Como apelado, o IGAPHE, na respectiva contra‑alegação, insistiu:
 
  
 
 «Frisa‑se de novo ser inaplicável ao caso sub judice a actualização da 
 indemnização, nos termos fixados e aclarados pelo julgador da 1.ª instância.
 Para além da actualização da indemnização não ser admissível pela lei aplicável 
 ao caso vertente, não podemos deixar de tecer de novo – e com toda a veemência – 
 algumas considerações para não se desvirtuar completamente o pretendido pelo 
 legislador expropriativo em 1991 (e 1999).
 Assim,
 O recurso ao índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação, 
 pressupõe que a avaliação tenha de se ater à data da declaração de utilidade 
 pública. Dito de outra forma: há que calcular o número de espécies monetárias 
 que à data da declaração de utilidade pública (no caso concreto, 1973) 
 correspondia ao valor da parcela. Ora,
 Isto não foi feito no caso em apreço por qualquer dos Srs. cinco peritos e, 
 obviamente, também o não foi pelo ilustre subscritor da douta sentença sob 
 censura.
 Aliás, o horizonte temporal da indemnização actualizada que o Senhor Juiz a quo 
 deveria ter em mente seria o da data da prolação da sentença – 29 de Novembro de 
 
 2003. No entanto, 
 Face ao referido a fls. 192 – agora com o recurso ao Código das Expropriações de 
 
 1999, o aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro – a ambiguidade da 
 proposta pela expropriada A., no seu requerimento nos termos dos artigos 666.° e 
 
 670.º, teria como resultado a actualização dos 6 000 000$00 desde a data 
 longínqua de 12 de Setembro de 1973! A ora recorrente potencia tão esdrúxula 
 tese, pretendendo, nos mesmos moldes, a actualização de 23 166 000$00! 
 Basta o bom senso para ditar o intolerável de semelhante entendimento que 
 conduz em linha recta ao violento atropelo do artigo 62.º, n.º 2, da 
 Constituição da República Portuguesa.
 Chegados aqui, sublinha‑se, das duas uma: ou se entende que os valores 
 encontrados pelos Srs. peritos e o fixado pelo Sr. Juiz estão actualizados à 
 data da avaliação – início de 2001 – ou do julgamento – 9 de Novembro de 2003 –, 
 respectivamente, ou então há que determinar o valor da parcela em 12 de Setembro 
 de 1973 e, depois, reportá‑lo ao presente (data da avaliação e da sentença), sob 
 pena de se cair no absurdo de uma indemnização desmesurada.»
 
  
 
 3 – O douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 25 de Maio de 
 
 2006, embora reduzindo o montante da indemnização, seguiu a mesma metodologia da 
 
 1.ª instância, reconhecendo (sic) «que a actualização da indemnização aludida 
 poderá conduzir a um valor substancialmente elevado do montante, como o 
 expropriante refere».
 O transcrito constitui uma violação ostensiva do artigo 62.º, n.º 2, da 
 Constituição da República Portuguesa.
 O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, com toda a crueza, faz tábua rasa do 
 princípio constitucional da justa indemnização.
 
 4 – Decorre do exposto que, quer a 1.ª instância, quer a 2.ª instância, fizeram 
 uma interpretação da norma do n.º 1 do artigo 23.º do Código das Expropriações 
 de 1991 – e da idêntica do n.º 1 do artigo 24.º do Código das Expropriações de 
 
 1999 – manifestamente inconstitucional, em colisão frontal com a Lei Fundamental 
 
 (artigo 62.º, n.º 2).
 Ao recorrer de revista (cf. requerimento de 6 de Junho de 2006), o IGAPHE não 
 restringiu o objecto do mesmo recurso, que, obviamente, abrange também a questão 
 da inconstitucionalidade da norma do n.º 1 do artigo 23.º do Código das 
 Expropriações de 1991 (ou a da idêntica do n.º 1 do artigo 24.º do Código das 
 Expropriações de 1999) e ainda a determinada pela não admissão do recurso de 
 revista – que forçosamente só surgiu depois da recusa da Relação. Daí,
 Os pontos 18, 20 e 22 da reclamação para o Senhor Presidente do Supremo Tribunal 
 de Justiça, que abaixo também se transcrevem:
 
  
 
 «18 – A restrição do direito ao recurso para o STJ, em matéria de expropriação 
 face ao regime geral, fica incursa na proibição da “indefesa” que para Gomes 
 Canotilho e Vital Moreira (in Constituição da República Portuguesa Anotada, 
 
 3.ª ed., pág. 164) “consiste na privação ou limitação do direito de defesa do 
 particular perante os órgãos judiciais, junto dos quais se discutem questões que 
 lhe dizem respeito” (cf. douto voto de vencido do Conselheiro Sousa Inês, 
 ibidem).
 
 20 – Ressalta dos autos (cf. alegações do reclamante, quer como apelante, quer 
 como apelado, junto do Tribunal da Relação de Lisboa, cujo conteúdo se dá aqui 
 por reproduzido na íntegra) que são precisamente questões de direito o que está 
 em causa, nomeadamente a lei aplicável à expropriação no caso em apreço e a 
 interpretação do artigo 23.º do Código das Expropriações de 1991 (e 24.º do CE 
 de 1999).
 
 22 – Na sequência dessa problemática – a da lei aplicável – surgem as outras 
 questões de direito, quais sejam as decorrentes da interpretação dos artigos 
 
 23.º do CE de 1991 e 24.º do CE de 1999.»
 
  
 
 5 – Finalmente, o expropriante‑reclamante propugna pela reforma de custas, uma 
 vez que a douta decisão sumária determinou as «custas pelo recorrente, fixando 
 a taxa de justiça em 7 (sete) unidades de conta». Ora,
 O IGAPHE é um instituto público, com personalidade jurídica, dotado de autonomia 
 administrativa e financeira e património próprio (cf. artigo 1.º, n.º 2, do 
 Decreto‑Lei n.º 88/87, de 26 de Fevereiro); faz parte da chamada administração 
 indirecta do Estado.
 A presente acção é de 1998.
 O Código das Custas Judiciais aplicável ao caso sub judice é o aprovado pelo 
 Decreto‑Lei n.º 224‑A/96, de 26 de Novembro.
 O exarado equivale a dizer que o IGAPHE está isento de custas (cf. primitiva 
 redacção do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do aludido CCJ).
 Aliás, o n.º 1 do artigo 14.º do Decreto‑Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, 
 determina que as alterações ao Código das Custas Judiciais constantes do mesmo 
 diploma, nomeadamente a que deixou de isentar o Estado, incluindo os seus 
 serviços ou organismos, só se aplicam aos processos instaurados após a sua 
 entrada em vigor.
 Nestes termos, deve a reforma de custas ser feita de acordo com o exarado 
 supra, ou seja, deve ser julgado sem custas, por delas o IGAPHE estar isento.
 
 6 – CONCLUSÕES:
 I – O reclamante, quer como apelante, quer como apelado, sob pena de vício de 
 inconstitucionalidade, insistiu em interpretação diferente da levada a cabo pelo 
 Meritíssimo Juiz do Tribunal Judicial de Almada da norma do n.º 1 do artigo 23.º 
 do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 438/91, de 9 de 
 Novembro (e da idêntica norma vazada no n.º 1 do artigo 24.º do Código das 
 Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro).
 II – A interpretação feita pelo autor da sentença da 1.ª instância e perfilhada 
 pelos ilustres Desembargadores que subscreveram o acórdão da Relação de Lisboa, 
 de 25 de Maio de 2006, é inconstitucional, pois viola não só o disposto no 
 artigo 62.º, n.º 2, da Constituição – princípio da justa indemnização – como 
 também o princípio da proporcionalidade, cunhado na mesma lei fundamental.
 III – Ao interpor recurso de revista, o IGAPFIE não restringiu o objecto do 
 mesmo recurso.
 IV – A não admissão do recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça 
 também atenta contra a Constituição, pois fica incursa na proibição da 
 
 «indefesa».
 V – O processado deve ser julgado sem custas, por delas o IGAPHE estar isento.
 Pelo exposto – e com o douto suprimento de V. Ex.as – requer o reclamante que o 
 presente recurso seja apreciado pelo Tribunal Constitucional e a reforma de 
 custas seja feita de acordo com o acima sustentado, ou seja, deve ser o 
 processado julgado sem custas, por delas estar isento o IGAPHE.”
 
  
 
                                  1.3. Notificada da apresentação desta 
 reclamação, a recorrida A. apresentou a seguinte resposta:
 
  
 
 “1 – Vem o expropriante IGAPHE apresentar reclamação para a conferência da 
 decisão do Senhor Doutor Juiz Conselheiro Relator, que decidiu, e bem em nosso 
 entender, não admitir o recurso apresentado pelo expropriante/reclamante.
 
 2 – A verdade, como se diz na decisão objecto da reclamação, é que o 
 expropriante durante todo o processo não suscitou qualquer questão de 
 inconstitucionalidade, apenas se limitando a alegar que tanto a sentença de 1.ª 
 instância, como o acórdão da Relação de Lisboa, que fixaram os valores da 
 indemnização e correspondentes actualizações, violaram os artigos 23.º, n.º 1, 
 do Código de Expropriações de 1991 e 24.º, n.º 1, do Código de Expropriações de 
 
 1999, e, consequentemente, tendo sido violadas essas normas legais por aquelas 
 instâncias, foi violado, no entender do reclamante, o artigo 62.º da 
 Constituição da República Portuguesa.
 
 3 – Mas a verdadeira questão deste processo é a violação, por parte da 
 reclamante/expropriante, de todas as normas legais e constitucionais relativas 
 
 às expropriações por utilidade pública, e que estes constantes e intermináveis 
 recursos e reclamações (por tudo e por nada) são uma forma de este se furtar ao 
 pagamento da indemnização decorrente da expropriação que é devida desde o ano de 
 
 1973.
 
 4 – Com efeito, o despacho que declarou a utilidade pública da expropriação foi 
 publicado em 12 de Setembro de 1973. Quer isto dizer que a expropriada foi 
 expropriada há 33 anos (tinha 37 anos de idade e actualmente tem 71 anos) e até 
 agora não recebeu o valor da indemnização devida. Veja‑se a pouca vergonha da 
 expropriante que expropriou em 1973 e só 25 anos depois de publicada a DUP é que 
 mandou proceder à constituição e funcionamento da arbitragem (em 27 de Abril de 
 
 1998) e remeteu o processo litigioso para Tribunal. Não estamos aqui perante uma 
 expropriação mas sim uma espoliação com clara violação da Constituição!!!
 
 5 – E a verdade também é que, depois desse processo de expropriação com a 
 arbitragem ter sido remetido para Tribunal, foram respeitadas todas as normas 
 legais e constitucionais aplicáveis às expropriações por utilidade pública, ao 
 contrário do alegado pelo reclamante.
 
 6 – Com efeito, é jurisprudência pacífica que a lei aplicável às expropriações 
 
 é a que vigorar à data em que for publicada a Declaração de Utilidade Pública. 
 Porém, também é jurisprudência pacífica que o montante da indemnização 
 encontrada, para ser justa, deve ser actualizada à data da decisão final do 
 processo, tudo de acordo com o estabelecido nos Códigos de Expropriações de 1991 
 e 1999, nomeadamente os artigos 23.º e 24.º – nesse sentido, veja‑se o sumário 
 do Acórdão do STJ, de 24 de Fevereiro de 1994 (Proc. 84 581), publicado no 
 Boletim do Ministério da Justiça, n.º 434, p. 404.
 
 7 – Ora, no acórdão da Relação de Lisboa foi decidido que o valor da 
 indemnização a atribuir à expropriada seria o valor a que chegaram os dois 
 peritos do Tribunal, ou seja, 3 864 000$00 – de acordo com o laudo pericial 
 junto aos autos (a sentença de 1.ª instância tinha atribuído 6 000 000$00). 
 Desse laudo pericial perfilhado pelo acórdão da Relação retira‑se que os 
 senhores peritos aplicaram ao cálculo da indemnização exactamente a lei vigente 
 
 à data da publicação da DUP, ou seja, o Decreto‑Lei n.º 576/70, de 24 de 
 Novembro (Lei dos Solos), tendo por conseguinte respeitado as normas legais 
 sobre esta matéria.
 
 8 – Com efeito, os senhores peritos nomeados pelo Tribunal dizem no seu 
 relatório o seguinte: «...os peritos signatários subscrevem o referido pelo 
 perito do expropriante no que se refere aos pontos 1, 2 e 3. E o que o perito do 
 expropriante diz nesses pontos é que aplicaram ao cálculo da indemnização a 
 legislação em vigor à data da DUP (12 de Setembro de 1973), ou seja, o acima 
 referido Decreto‑Lei n.º 576/70, de 24 de Novembro (Lei dos Solos) – veja‑se o 
 laudo do expropriante junto aos autos.
 
 9 – Assim, a questão que o expropriante pretende ver apreciada é uma falsa 
 questão, uma vez que a lei que foi aplicável ao cálculo da indemnização pelos 
 peritos (cujo laudo a Relação sufragou) é justamente aquela que o expropriante 
 entende dever ser aplicada.
 
 10 – Acontece que essa legislação (Lei dos Solos) não contempla a actualização 
 da indemnização que tem que ser feita por imperativo constitucional – artigo 
 
 62.º da Constituição da República Portuguesa. Daí que o acórdão da Relação de 
 que o reclamante pretende recorrer ter feito a actualização do valor encontrado 
 pelos senhores peritos, por aplicação do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 
 que fixou jurisprudência sobre esta matéria – Acórdão n.º 7/2001, publicado no 
 Diário da República, I Série, n.º 248, de 25 de Outubro de 2001, fazendo assim a 
 actualização da indemnização a atribuir à expropriada, como tinha que ser 
 feita, de acordo com o previsto nos artigos 23.º e 24.º, respectivamente, dos 
 Códigos das Expropriações aprovados pelo Decreto‑Lei n.º 438/91 e pela Lei n.º 
 
 168/99.
 
 11 – Face a tudo o que atrás se expôs, bem andou o Senhor Juiz Conselheiro 
 Relator quando decidiu não admitir a reclamação apresentada pelo expropriante 
 ora reclamante, uma vez que as questões levantadas naquele requerimento são tudo 
 falsas questões, cujo objecto esse Venerando Tribunal não tem que conhecer.”
 
  
 
                                  Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                                  2.1. Não merece acolhimento a reclamação do 
 recorrente quanto à decisão sumária de não conhecimento do recurso.
 
                                  Na verdade, como nessa decisão sumária se 
 evidenciou, nas peças processuais da sua autoria, atendíveis para apuramento do 
 cumprimento do requisito da suscitação, de modo processualmente adequado, 
 perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida (o Tribunal da Relação de 
 Lisboa), da questão de inconstitucionalidade normativa que pretende ver 
 apreciada pelo Tribunal Constitucional – a saber: as alegações do seu recurso de 
 apelação e as contra‑alegações relativas ao recurso de apelação da expropriada 
 
 –, o recorrente não suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade 
 normativa, pois como tal não podem ser consideradas as afirmações de que “a 
 proposta” (de valor da indemnização) formulada pela expropriada conduziria “em 
 linha recta ao violento atropelo do artigo 62.º, n.º 2, da Constituição da 
 República Portuguesa” e de que, “decidindo de forma diversa [da sustentada pelo 
 expropriante], a douta sentença recorrida violou, entre outros, os artigos 
 
 22.º, n.º 2, e 23.º, n.º 1, do Código das Expropriações de 1991, 24.º, n.º 1, 
 do Código das Expropriações de 1999 e 62.º, n.º 2, da Constituição da República 
 Portuguesa”. Com estas alusões, o recorrente imputa directamente a um acto da 
 contraparte e à decisão judicial então recorrida a violação de normas de 
 direito ordinário, e, concomitantemente, de um preceito constitucional, mas não 
 suscita nenhuma questão de inconstitucionalidade normativa, pois não argui que 
 determinadas normas de direito ordinário ou suas interpretações (minimamente 
 identificadas) violam normas ou princípios constitucionais.
 
  
 
                                  2.2. Já assiste, porém, razão ao recorrente no 
 que tange à condenação em custas. Na verdade, encontrando‑se o processo de que 
 emerge o presente recurso pendente à data da entrada em vigor do Decreto‑Lei n.º 
 
 324/2003, de 27 de Dezembro, é‑lhe, por força do disposto no seu artigo 14.º, 
 n.º 1, inaplicável a nova redacção pelo mesmo diploma dada ao artigo 2.º do 
 Código das Custas Judiciais, na parte em que eliminou a isenção de custas do 
 Estado (abarcando os institutos públicos).
 
  
 
                                  3. Em face do exposto, acordam em:
 
                                  a) indeferir a reclamação da decisão sumária de 
 não conhecimento do objecto do recurso;
 
                                  b) deferir a reclamação contra a condenação em 
 custas, que se revoga.
 
                                  Sem custas.
 Lisboa, 23 de Janeiro de 2007.
 Mário José de Araújo Torres
 Paulo Mota Pinto
 Rui Manuel Moura Ramos