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Processo n.º 442/06                                       
 
 1ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
 
  
 
  
 Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 I
 
  
 
  
 
 1.            Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, A. e 
 outros interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional, através de 
 requerimento assim redigido (fls. 591 e seguintes):
 
  
 
 “[…]
 
 - O recurso ora interposto tem por fundamento a violação de disposições e de 
 princípios constitucionais, nomeadamente, o princípio da pronúncia (por omissão 
 de pronúncia), os quais foram suscitados nos autos, especialmente no 
 requerimento de arguição de nulidade do Acórdão de 19 de Janeiro de 2006, a qual 
 foi, porém, indeferida no Acórdão de 14 de Março de 2006;
 
 - Entendem os aqui recorrentes que nos supra identificados Acórdãos os 
 Excelentíssimos Senhores Conselheiros não se pronunciaram, nem conheceram, de 
 inúmeras questões (relevantes e pertinentes) que foram suscitadas pelos 
 recorrentes, quer nas conclusões, quer nas alegações do respectivo recurso, e 
 sobre as quais se deveriam ter pronunciado, de forma fundamentada;
 
 - Tendo sido violado nos referidos Acórdãos o disposto nos artigos 202°, 1 e 2, 
 e 205°, 1, da C.R.P. e nos artigos 156°, 1, 158°, 1, 660°, 2, 668°, 1, alíneas 
 b) e d), do C.P.Civil;
 
 - E sido feita naqueles Acórdãos uma interpretação inequivocamente 
 inconstitucional do princípio da pronúncia (omissão de pronúncia), e dos supra 
 mencionados artigos da Constituição e do C.P.Civil; 
 
 - Esclarecem, desde já, os recorrentes, que a interpretação que advogam vai no 
 sentido de que sendo suscitada uma questão concreta e relevante perante o 
 Tribunal, desde que não esteja necessariamente prejudicada pela decisão de 
 outra, a mesma tem que ser, necessariamente, apreciada, de forma fundamentada, 
 sob pena de omissão de pronúncia (cfr. entre outros, o Acórdão da Relação do 
 Porto de 21.5.1969, JR, 15º-625);
 
 - Interpretação, aliás, corroborada, pela primeira parte da alínea d) do n.º 1 
 do artigo 668° do C.P.Civil: «é nula a sentença quando o juiz deixe de 
 pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (...)»;
 
 - Nulidade, aliás, directamente relacionada com o comando fixado no n.º 2 do 
 artigo 660°, segundo o qual «o juiz deve resolver todas as questões que as 
 partes tenham submetido à sua apreciação exceptuadas aquelas cuja decisão esteja 
 prejudicada pela solução dada a outras»;
 
 - Ora a interpretação que foi dada, nos supra identificados Acórdãos, às normas 
 e princípios referidos, foi outra, indo antes (com o devido respeito) no sentido 
 de que não obstante terem sido suscitadas questões concretas e relevantes 
 perante o Tribunal este pode deixar de as apreciar, mesmo que elas não estejam 
 necessariamente prejudicadas pela solução dada a outras, não carecendo de 
 motivar/fundamentar a decisão;
 
 - Interpretação aquela que colide com a letra e espírito dos normativos e dos 
 princípios constitucionais e jurídico-processuais supra citados;
 
 - Violando uma tal interpretação o prescrito nos artigos 202°, 1 e 2, e 205°, 1, 
 da C.R.P., sendo, pois, uma interpretação inconstitucional;
 
 - Sendo, assim, pois com fundamento no disposto no artigo 70°, n.º 1, alíneas b) 
 e f), da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional 
 
 (Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro, na sua actual redacção), que os Recorrentes 
 ora vêm interpor o presente recurso com vista à apreciação da 
 inconstitucionalidade da interpretação que foi dada nos Acórdãos de 19 de 
 Janeiro de 2006 e de 14 de Março de 2006, pelos Excelentíssimos Senhores 
 Conselheiros que os subscreveram, ao disposto nos artigos 202°, 1 e 2, e 205°, 
 
 1, da C.R.P. e nos artigos 156°, 1, 158°, 1, 660°, 2, 668°, 1, alíneas b) e d), 
 do C.P.Civil e ao princípio da pronúncia (omissão de pronúncia);
 
 - E isto porque, sendo entendimento pacífico que o objecto de um recurso é 
 delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente («nos recursos o thema 
 decidendum é fixado pelas conclusões formuladas nas alegações respectivas», cfr. 
 artigo 660°, 2 do C.P.Civil), no recurso de revista interposto pelos aqui 
 Recorrentes, perante o Venerando Supremo Tribunal de Justiça, foram suscitadas 
 
 (quer nas conclusões quer nas alegações de recurso) e levadas à apreciação 
 daquele Supremo Tribunal questões várias (concretas e relevantes) que deveriam 
 ter sido apreciadas – e não o foram, conforme se arguiu nos pontos 14° a 39° do 
 requerimento de arguição de nulidade do Acórdão de 19 de Janeiro de 2006, cujo 
 teor aqui se dá por reproduzido;
 
 - Não tendo sido, minimamente, apreciadas naquele Acórdão as questões suscitadas 
 nas conclusões 2ª a 18ª das alegações de recurso de revista dos aqui 
 Recorrentes;
 
 - Havendo que salientar que a interpretação ali efectuada foi, depois, reiterada 
 no Acórdão de 14 de Março de 2006, no qual se considerou que uma das omissões do 
 Acórdão de 19 de Janeiro de 2006 resultou de mero lapso, remetendo-se no mais 
 para a fundamentação deste, assim se indeferindo, singelamente, a arguida 
 nulidade por omissão de pronúncia – o que (com o devido respeito), pelas razões 
 já acima avançadas, se revela inconstitucional;
 
 - Acresce que, não havendo aqui lugar a recurso ordinário, para efeito do 
 disposto na alínea b) do n.º 1 e no n.º 2, do artigo 70° da Lei n.º 28/82 de 15 
 de Novembro, deverá considerar-se que a inconstitucionalidade foi suscitada 
 durante o processo;
 
 - Tanto mais que aquela foi invocada, de forma expressa, no requerimento de 
 arguição de nulidade do Acórdão de 19 de Janeiro de 2006;
 
 - O presente recurso deverá, assim, ser admitido, com subida imediata, nos 
 próprios autos e com efeito suspensivo;
 
 - O recurso aqui interposto funda-se – em síntese – no disposto no artigo 70°, 
 n.º 1, alíneas b) e f), da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do 
 Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro, na sua actual 
 redacção) e nos artigos 202°, 1 e 2, e 205°, 1, da Constituição da República 
 Portuguesa, no que toca à interpretação (que se sustenta ser inconstitucional) 
 dada, nos Acórdãos de 19 de Janeiro e de 14 de Março de 2006, aos artigos 156°, 
 
 1, 158°, 1, 660°, 2, 668°, 1, alíneas b) e d), do C.P.Civil, com clara e 
 ostensiva violação do princípio da pronúncia (omissão de pronúncia) e do 
 disposto nos artigos 202°, 1 e 2, e 205°, 1, da Constituição da República 
 Portuguesa.
 
 […].”.
 
  
 
  
 
 2.            Por decisão sumária de fls. 618 e seguintes, não se tomou 
 conhecimento do objecto de tal recurso, pelos seguintes fundamentos:
 
  
 
 “[…]
 
 5. Tendo o presente recurso sido interposto ao abrigo das alíneas b) e f) do n.º 
 
 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, constitui seu pressuposto 
 processual, entre outros, a existência de uma norma – ou interpretação normativa 
 
 –, a apreciar pelo Tribunal Constitucional, sob o ponto de vista da sua 
 constitucionalidade ou legalidade.
 Aliás, qualquer dos outros recursos previstos no n.º 1 do artigo 70º da Lei do 
 Tribunal Constitucional pressupõe que o recorrente submete à apreciação do 
 Tribunal Constitucional uma determinada norma ou interpretação normativa.
 Significa isto que o Tribunal Constitucional não tem competência para apreciar a 
 conformidade constitucional ou legal de decisões judiciais, em si mesmas 
 consideradas: apenas pode apreciar normas ou interpretações normativas que 
 tenham sido aplicadas nessas decisões.
 Sucede, porém, que os recorrentes, não obstante afirmarem, no requerimento de 
 interposição do presente recurso (supra, 4.), que os acórdãos recorridos teriam 
 perfilhado uma interpretação inconstitucional de certos artigos do Código de 
 Processo Civil e do – por eles assim designado – princípio da pronúncia, e, como 
 tal, darem a entender que pretendem a apreciação de certa interpretação 
 normativa, insurgem-se, na verdade, contra a decisão recorrida, em si mesma 
 considerada.
 
 É esta decisão que, afinal, constitui o objecto do presente recurso: os 
 recorrentes mais não pretendem do que obter uma decisão do Tribunal 
 Constitucional sobre a eventual nulidade, por omissão de pronúncia, do acórdão 
 recorrido e, por essa via, a apreciação da conformidade constitucional e legal 
 deste acórdão.
 Ora, não tendo o Tribunal Constitucional competência para proceder a essa 
 apreciação, nos termos que ficaram expostos, resta concluir que não pode 
 conhecer-se do objecto do recurso, por falta de preenchimento de um dos seus 
 pressupostos processuais.
 
 6. A isto acresce que, ainda que se entendesse que os recorrentes visam a 
 apreciação de uma verdadeira interpretação normativa – e não, como se disse, a 
 apreciação da conformidade constitucional e legal da própria decisão recorrida 
 
 –, outro motivo haveria para não conhecer do objecto do presente recurso. 
 Na verdade, os recorrentes não invocaram qualquer questão de 
 inconstitucionalidade ou ilegalidade normativa perante o tribunal recorrido – 
 nomeadamente, no requerimento de arguição de nulidade (supra, 2.), já que neste 
 não foi imputada qualquer inconstitucionalidade ou ilegalidade a qualquer 
 preceito legal.
 Ora, tal invocação constitui outro dos pressupostos processuais do recurso 
 interposto (cfr. o artigo 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional).
 
 […].”.
 
  
 
                  
 
 3.            Desta decisão sumária vêm agora A. e outros reclamar para a 
 conferência, ao abrigo do disposto no artigo 78º-A, n.º 3, da Lei do Tribunal 
 Constitucional, nestes termos (fls. 632 e seguintes):
 
  
 
 “[…]
 
 7. O fundamento do recurso visa, assim, a apreciação da inconstitucionalidade da 
 interpretação normativa que foi dada, nos acórdãos de 19 de Janeiro de 2006 e 14 
 de Março de 2006, pelos Excelentíssimos Senhores Conselheiros que os 
 subscreveram, ao disposto nos artigos 202°, 1 e 2, e 205°, 1, da C.R.P. e nos 
 artigos 156°, 1, 158°, 1, 660°, 2, 668°, 1, alíneas b) e d), do C.P.Civil, ao 
 princípio e dever de pronúncia (omissão de pronúncia);
 
 8. Sendo de notar que a interpretação feita no acórdão de 19 de Janeiro de 2006, 
 do Supremo Tribunal de Justiça, foi reiterada no acórdão de 14 de Março de 2006, 
 do mesmo Venerando Tribunal, no qual se considerou que uma das omissões do 
 acórdão de 19 de Janeiro de 2006 terá resultado de mero lapso, remetendo-se no 
 mais para a fundamentação deste, assim se indeferindo (mais uma vez) 
 singelamente a arguida nulidade por omissão de pronúncia;
 
 9. O que traduz (com o devido respeito) numa interpretação perfeitamente 
 inconstitucional do princípio e dever de pronúncia por parte do Tribunal;
 
 10. De facto, aquele Venerando Tribunal deixou de se pronunciar sobre questões 
 pertinentes e relevantes que lhe foram apresentadas, e sobre as quais tinha e 
 devia ter-se pronunciado, e isto, por ter sido feita, pelos Excelentíssimos 
 Senhores Conselheiros que subscreveram aqueles acórdãos, uma interpretação 
 restritiva e inconstitucional dos preceitos e do princípio e dever já acima 
 aludidos, não tendo sido atingidos os objectivos almejados por aquelas 
 exigências legais, por défice de tutela jurisdicional;
 
 11. No fundo a interpretação defendida e aplicada nos referidos acórdãos é a de 
 que é constitucional a interpretação do princípio e dever de pronúncia no 
 sentido de que é consentido ao Tribunal nada dizer sobre questões pertinentes, 
 essenciais e relevantes suscitadas pelas partes;
 
 12. Ora, o espírito e a «ratio» que presidiram e se encontram nos princípios e 
 disposições constitucionais e processuais supra mencionadas (cfr. o ponto 7) e o 
 objectivo claramente tido em vista pelo Legislador foi o de que fosse obtida 
 pelas partes a tutela jurisdicional a que a Constituição e a Lei «aspiram»;
 
 13. O que pressupõe e implica uma interpretação daqueles princípios e 
 disposições no sentido de que tem que existir uma (efectiva) apreciação e uma 
 decisão expressa e fundamentada sobre as questões suscitadas pelas partes em 
 litígio, por forma a que, pela exteriorização daquela apreciação, o Tribunal 
 propicie às partes o conhecimento do «iter» e motivação decisória;
 
 14. E uma coisa é o cumprimento (ainda que insuficiente) do dever de pronúncia e 
 outra é aquilo que se afigura constituir (com o devido respeito) uma «demissão» 
 daquele dever, e que resulta da interpretação (no mínimo duvidosa) de que mesmo 
 nada sendo dito, tal não é invalidante;
 
 15. Ora, como é entendimento que se admite ser prevalecente, é necessário que o 
 Tribunal aprecie, de forma fundamentada, todas as questões pertinentes, 
 suscitadas pelas partes em litígio, através do meio processual adequado, ainda 
 que possa não ser necessário apreciar todos os argumentos invocados por aquelas;
 
 16. Assim como é, também, (obviamente) despiciendo apreciar questões que ficaram 
 prejudicadas pelo conhecimento de outras;
 
 17. E do que se discorda é que seja constitucional e legal a interpretação 
 expressa nos supra citados acórdãos que considera que apesar de suscitadas 
 questões que abonam pelos direitos em discussão, mesmo que elas não sejam 
 apreciadas nem decididas, tal omissão, mesmo não sendo fundamentada, é uma 
 interpretação com cabimento constitucional.
 
 18. Ora, como é sabido, a lei fulmina com o vício de nulidade a decisão em que o 
 Juiz «deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de 
 questões de que não podia tomar conhecimento» (cfr. alínea d) do n.º 1 do 
 artigo 668° do C.P.Civil);
 
 19. Tendo aquela nulidade (com fundamento em omissão ou excesso de pronúncia) a 
 sua razão de ser na falta de cumprimento de um dos deveres primeiros do Juiz, 
 qual seja o de conhecer e resolver todas as questões que as partes hajam 
 submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada 
 pela solução dada a outras, e só essas (cfr. artigos 668º, n.º 1, alínea d), e 
 
 660º, n.º 2, do C.P. Civil);
 
 20. Ora, fazer uma interpretação num sentido que derrogue aqueles normativos e 
 os princípios que lhe estão subjacentes, é, com o devido respeito, 
 inconstitucional;
 
 21. Além disso, as decisões judiciais também são nulas quando não especifiquem 
 
 «os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão» (cfr. alínea b) 
 do n.º 1 do artigo 668º do C.P. Civil);
 
 22. A interpretação normativa que foi feita e aplicada nos supra referidos 
 acórdãos ao omitir a apreciação de inúmeras questões suscitadas nas conclusões e 
 alegações de recurso dos reclamantes, e ao não se ter sequer fundamentado aquela 
 omissão, é, s.m.o., e com o devido respeito, inconstitucional;
 
 23. A decisão sumária da Excelentíssima Senhora Conselheira Relatora 
 compreender-se-ia se estivessem em causa meros argumentos, pois que, como é 
 sabido, uma coisa são as questões suscitadas pelas partes e outra são os 
 argumentos que elas usam em sua defesa, sendo certo que só daquelas está o 
 Julgador obrigado a conhecer;
 
 24. Estando em apreciação no recurso interposto perante este Venerando Tribunal 
 a constitucionalidade da interpretação perfilhada nos acórdãos, e não a 
 constitucionalidade daquelas decisões judiciais, como se afigura terá 
 
 (sumariamente) entendido a Excelentíssima Senhora Conselheira Relatara;
 
 25. A este propósito, dir-se-á que quando se requer a apreciação da 
 interpretação normativa é porque a mesma foi exteriorizada, e tendo-o sido por 
 um Tribunal, é necessariamente exteriorizada sob a forma de decisão, a qual 
 necessária e consequentemente será afectada;
 
 26. No entanto (sublinha-se) aquilo que se pretende no recurso é ver apreciada a 
 interpretação normativa das normas e dos princípios e deveres já acima, 
 sobejamente, mencionados;
 
 27. Entendem os reclamantes que, nos supra identificados acórdãos, os 
 Excelentíssimos Senhores Conselheiros que os subscreveram não se pronunciaram, 
 nem conheceram, de inúmeras questões (relevantes e pertinentes) que foram 
 suscitadas pelos recorrentes, quer nas conclusões, quer nas alegações do 
 recurso, e sobre as quais se deveriam ter pronunciado, de forma fundamentada;
 
 28. E não o fizeram por defenderem e aplicarem uma interpretação dos referidos 
 preceitos, princípio e dever, que, com o devido respeito, na óptica dos 
 reclamantes, não é constitucional;
 
 29. Tendo sido, inequivocamente, violado nos supra referidos acórdãos o disposto 
 nos artigos 202°, 1 e 2, e 205°, 1, da C.R.P. e nos artigos 156°, 1, 158°, 1, 
 
 660°, 2, 668°, 1, alíneas b) e d), do C.P.Civil;
 
 30. Tendo sido, com o devido respeito, exteriorizada naqueles acórdãos uma 
 interpretação inconstitucional do princípio e dever de pronúncia (omissão de 
 pronúncia) e dos supra mencionadas disposições da Constituição e do C.P.Civil;
 
 31. Já que a interpretação efectuada naqueles acórdãos foi a de que não obstante 
 terem sido suscitadas questões concretas e relevantes perante o Tribunal este 
 pode deixar de as apreciar, mesmo que tais questões não estejam necessariamente 
 prejudicadas pela solução dada a outras, não carecendo de motivar/fundamentar 
 tal decisão;
 
 32. Interpretação que, s.m.o., colide com a letra, a «ratio» e o espírito 
 daqueles normativos e dos princípios constitucionais e jurídico-processuais 
 supra citados e com o prescrito nos artigos 202°, 1 e 2, e 205°, 1, da C.R.P.;
 
 33. Defendendo os reclamantes uma interpretação que vai no sentido de que sendo 
 suscitada uma questão concreta e relevante perante o Tribunal, desde que não 
 esteja necessariamente prejudicada pela decisão de outra, a mesma tem que ser, 
 necessariamente, apreciada, de forma fundamentada, sob pena de omissão de 
 pronúncia (cfr. entre outros, o Acórdão da Relação do Porto de 21.5.1969, JR, 
 
 15º-625);
 
 34. Interpretação aquela corroborada pela primeira parte da alínea d) do n.º 1 
 do artigo 668° do C.P.Civil: «é nula a sentença quando o juiz deixe de 
 pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (...)»;
 
 35. Estando tal nulidade directamente relacionada com o comando fixado no n.º 2 
 do artigo 660°, segundo o qual «o juiz deve resolver todas as questões que as 
 partes tenham submetido à sua apreciação exceptuadas aquelas cuja decisão esteja 
 prejudicada pela solução dada a outras»;
 
 36. E isto porque, sendo entendimento pacífico que o objecto de um recurso é 
 delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente («nos recursos o thema 
 decidendum é fixado pelas conclusões formuladas nas alegações respectivas», cfr. 
 artigo 660°, 2 do C.P.Civil), no recurso interposto pelos reclamantes para o 
 Venerando Supremo Tribunal de Justiça foram suscitadas (quer nas conclusões quer 
 nas alegações de recurso) e levadas à apreciação daquele Supremo Tribunal 
 questões várias (concretas e relevantes) que deveriam ter sido apreciadas;
 
 37. E não o foram, conforme se vê pelo acórdão de 19 de Janeiro de 2006 e como 
 se arguiu nos pontos 14° a 39° do requerimento de arguição de nulidade daquele 
 acórdão, cujo teor se dá aqui por reproduzido;
 
 38. Não tendo sido, minimamente, apreciadas no citado acórdão as questões 
 suscitadas nas conclusões 2ª a 18ª das alegações de recurso dos reclamantes;
 
 39. Acresce que, no tocante à segunda objecção, apontada pela Excelentíssima 
 Senhora Conselheira Relatora, para não tomar conhecimento do recurso, que radica 
 na (alegada) circunstância de não ter sido suscitada, de modo processualmente 
 adequado, a questão da inconstitucionalidade, cumpre salientar que tal questão 
 foi invocada pelos reclamantes, de forma expressa, no requerimento de arguição 
 de nulidade do acórdão de 19 de Janeiro de 2006;
 
 40. Tendo ali invocado os reclamantes a violação de disposições e princípios 
 constitucionais, nomeadamente os princípios da legalidade e do dever de 
 pronúncia, bem como o fizeram, também, nas suas alegações de recurso;
 
 41. O recurso interposto para este Venerando Tribunal funda-se, assim, no 
 disposto no artigo 70°, n.º 1, alíneas b) e f), da Lei da Organização, 
 Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82 de 15 de 
 Novembro, na sua actual redacção) e nos artigos 202°, 1 e 2, e 205°, 1, da 
 Constituição da República Portuguesa, no que toca à interpretação (que se 
 sustenta ser inconstitucional) dada, nos acórdãos de 19 de Janeiro e de 14 de 
 Março de 2006, aos artigos 156°, 1, 158°, 1, 660°, 2, 668°, 1, alíneas b) e d), 
 do C.P.Civil, com clara e ostensiva violação do princípio da pronúncia (omissão 
 de pronúncia) e do disposto nos artigos 202°, 1 e 2, e 205°, 1, da Constituição 
 da República Portuguesa;
 
 42. E não havendo, como não há, lugar a recurso ordinário, para efeito do 
 disposto na alínea b) do n.º 1 e no n.º 2, do artigo 70° da Lei n.º 28/82 de 15 
 de Novembro, a questão da inconstitucionalidade deverá considerar-se suscitada 
 durante o processo;
 
 43. Não sendo, para efeito de interposição deste recurso e da presente 
 reclamação, de exigir, s.m.o., e com o devido respeito, mais desenvolvida 
 argumentação, a qual (como é óbvio) será aprofundada e fundamentada nas 
 alegações do recurso, a prevalecer o entendimento de que deve ser ordenado o 
 prosseguimento do mesmo, como os reclamantes esperam e defendem.
 
 […].”.
 
  
 
  
 
 4.            B., Lda., ora recorrida, respondeu à reclamação fora do prazo 
 fixado na lei.
 
  
 
                  Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
  
 II
 
  
 
  
 
 5.            A decisão sumária ora reclamada (supra, 2.) concluiu no sentido do 
 não conhecimento do objecto do presente recurso por duas razões:
 
  
 a)            O objecto do recurso não é constituído por uma norma ou 
 interpretação normativa, mas pela decisão recorrida, em si mesma considerada;
 b)            Os recorrentes não suscitaram, durante o processo, qualquer 
 questão de inconstitucionalidade (ou de ilegalidade) normativa.
 
  
 
                  Como é evidente, a revogação da decisão sumária reclamada só se 
 justificaria se os reclamantes lograssem demonstrar:
 
  
 a)            Que ainda é possível identificar, como objecto do recurso, uma 
 norma ou interpretação normativa, distinta da própria decisão judicial recorrida 
 cuja nulidade censuram;
 b)            Que imputaram, durante o processo, a inconstitucionalidade ou 
 ilegalidade a um preceito legal.
 
  
 
  
 
 6.            Ora, os reclamantes não demonstraram nenhuma destas duas 
 realidades. 
 
  
 
 6.1.        No que diz respeito ao primeiro ponto – à exigência de que o recurso 
 para o Tribunal Constitucional tenha por objecto uma norma ou interpretação 
 normativa –, verifica-se que os reclamantes se limitam a referir que a 
 interpretação em causa, alegadamente perfilhada na decisão recorrida, seria a de 
 que “é constitucional a interpretação do princípio e dever de pronúncia no 
 sentido de que é consentido ao Tribunal nada dizer sobre questões pertinentes, 
 essenciais e relevantes suscitadas pelas partes” (supra, 3.).
 
  
 
                  Esta suposta interpretação, porém, mais não traduz do que a 
 circunstância da alegada não pronúncia, pelo tribunal recorrido, sobre certas 
 questões suscitadas pelas partes: dito de outro modo, não é possível autonomizar 
 tal interpretação da própria não pronúncia pelo tribunal recorrido, pelo que não 
 
 é também possível identificar uma interpretação normativa como objecto do 
 presente recurso de constitucionalidade.   
 
  
 
                  Tal autonomização só seria possível, com efeito, se do texto da 
 decisão recorrida de alguma forma decorresse a exteriorização, pelo tribunal 
 recorrido, da inexistência de um dever de pronúncia sobre questões pertinentes, 
 essenciais e relevantes suscitadas pelas partes: ora, como é evidente, em nenhum 
 passo do texto da decisão recorrida se exterioriza tal pensamento, nem os 
 reclamantes aliás o apontam.
 
  
 
                  Assim sendo, não é possível vislumbrar uma norma ou 
 interpretação normativa, dissociada da própria decisão recorrida, como objecto 
 do presente recurso, pelo que não é possível dele tomar conhecimento: e, como é 
 
 óbvio, tal conclusão não é afastada pela mera declaração, pelos reclamantes, da 
 sua intenção de submeter ao Tribunal Constitucional uma questão de 
 inconstitucionalidade normativa (cfr. n.º 26 da reclamação, supra, 3.), pois que 
 se tal declaração bastasse, fácil seria contornar as exigências respeitantes ao 
 objecto do recurso de constitucionalidade. 
 
  
 
 6.2.        No que se refere ao segundo ponto – à exigência de que os 
 recorrentes invoquem, durante o processo, a questão de inconstitucionalidade (ou 
 de ilegalidade) normativa –, verifica-se que os reclamantes apenas mencionam 
 que, durante o processo, apontaram a violação de disposições e princípios 
 constitucionais. 
 
  
 Ora tal não significa, como é evidente, que o tenham feito em relação a normas 
 ou interpretações normativas, circunstância que importava agora provar.
 
  
 
                  Sublinhe-se, aliás, que nem no requerimento através do qual foi 
 interposto o recurso para o Tribunal Constitucional (supra, 1.), nem na 
 reclamação agora deduzida (supra, 3.) – que, de todo o modo, não poderiam ser 
 considerados momentos adequados para dar como cumprido o ónus de invocação da 
 questão de inconstitucionalidade (ou de ilegalidade) “durante o processo” 
 perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida – os ora reclamantes 
 identificaram com clareza qual a interpretação normativa perfilhada na decisão 
 recorrida que consideravam inconstitucional (ou ilegal) e que pretendiam 
 submeter ao julgamento deste Tribunal.
 
  
 
                  Nenhuma razão existe, assim, para revogar a decisão sumária 
 reclamada.
 III
 
  
 
  
 
 7.            Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, indefere-se a 
 presente reclamação e mantém-se a decisão sumária de fls. 618 e seguintes, que 
 não tomou conhecimento do objecto do recurso.
 
  
 
                  Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 
 
 (vinte)              unidades de conta.
 
  
 Lisboa, 21 de Julho de 2006
 Maria Helena Brito
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Rui Manuel Moura ramos