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Processo n.º11/CPP
 Plenário
 
  
 
                                      ACTA
 
  
 No primeiro dia do mês de Abril de dois mil e nove, achando-se presentes o 
 Excelentíssimo Conselheiro Presidente Rui Manuel Gens de Moura Ramos e os Exmos. 
 Conselheiros Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Ana Maria Guerra Martins, Carlos 
 José Belo Pamplona de Oliveira, Mário José de Araújo Torres, Gil Manuel 
 Gonçalves Gomes Galvão, Joaquim José Coelho de Sousa Ribeiro, Maria Lúcia 
 Amaral, José Manuel Cardoso Borges Soeiro, João Eduardo Cura Mariano Esteves, 
 Vítor Manuel Gonçalves Gomes, Maria João da Silva Baila Madeira Antunes e 
 Benjamim Silva Rodrigues, foram trazidos à conferência os presentes autos, para 
 apreciação.
 
  
 Após debate e votação, foi ditado pelo Excelentíssimo Conselheiro Presidente o 
 seguinte:
 
 
 ACÓRDÃO N.º 170/09 
 
  
 
 1. 
 
 1.1. Notificado que foi do Acórdão n.º 99/09, de 3 de Março, veio o arguido Abel 
 Saturnino da Silva Moura Pinheiro requerer a respectiva revogação com fundamento 
 na verificação das nulidades previstas nas alíneas a) e b) do número 1 do artigo 
 
 379º do Código de Processo Penal.
 Subsidiariamente, requereu a revogação do mesmo Acórdão com fundamento na 
 existência de erro notório na apreciação da prova e de insanável contradição na 
 respectiva fundamentação, bem como a sua substituição por decisão absolutória do 
 arguido. 
 Concluiu a argumentação para o efeito apresentada através da formulação das 
 seguintes conclusões:
 
 «a) O disposto no artigo 103º-A, nºs 1, 2 e 3 da Lei do Tribunal Constitucional, 
 conforme interpretado no Acórdão recorrido, constitui uma violação ao disposto 
 nos nºs 2 e 10 do artigo 32º da CRP. 
 b) O disposto no artigo 103-A, n.ºs 1, 2 e 3 da Lei do Tribunal Constitucional, 
 conforme interpretado no Acórdão recorrido, constitui uma restrição 
 desproporcional e inadmissível à liberdade de participação em partidos 
 políticos. 
 c) Ao recorrer a uma interpretação global e integrada do despacho de promoção 
 para obter os factos que fundamentam a condenação do Arguido, o Tribunal 
 Constitucional conheceu de matéria de facto que não podia conhecer, 
 sustentando-se na mesma para proferir a sua decisão. 
 d) O Acórdão recorrido é por isso nulo, conforme se estatui no n.º 1, alínea b) 
 do artigo 379º do Código de Processo Penal. 
 e) A fim de demonstrar a existência de dolo do Arguido, teria o Tribunal de 
 demonstrar, cabalmente, quais as medidas concretas não adoptadas pelo mesmo que 
 concretamente levaram à produção do resultado, o que não acontece, pelo que, 
 também por esta razão, é nulo o Acórdão proferido, conforme se estatui na alínea 
 a) do n.º 1 do artigo 379º do Código de Processo Penal. 
 f) Os factos considerados provados assentam em erro notório na apreciação da 
 prova, não resultando daqueles factos (ou da falta dos mesmos) as consequências 
 jurídicas que daí se retiram no Acórdão. 
 g) O reconhecimento pelo Tribunal de que o Arguido desenvolveu “esforços no 
 domínio da organização e controlo da gestão do partido” e que tal “releva 
 positivamente pela via da culpa”, é incompatível com a conclusão de que o 
 Arguido agiu dolosamente, ainda que apenas com dolo eventual».
 
  
 
  
 
 1.2. O Ministério Público respondeu ao requerimento apresentado pelo arguido, 
 considerando improcedentes as nulidades imputadas ao Acórdão condenatório, quer 
 por não se estar perante uma condenação por factos diversos dos contidos no 
 despacho de promoção (cfr. art. 379º, n.º1, al. b), do CPP), quer por existir 
 naquele fundamentação bastante e suficiente para a forma de processo em causa, 
 incluindo uma correcta e adequada apreciação da prova. Considerou ainda que, 
 para além de não constar do referido Acórdão qualquer aplicação ou interpretação 
 normativa desconforme com a Constituição, o poder jurisdicional se encontra 
 esgotado, não havendo recurso das decisões proferidas pelo Plenário (cfr. 
 Acórdão nº 557/06).
 
  
 
  
 
  
 
 2. Cumpre apreciar e decidir, observando, quanto à consideração das questões 
 suscitadas, a ordem de precedência que resulta da relação de subsidiariedade em 
 que o arguido expressamente coloca as pretensões formuladas através do presente 
 requerimento
 
  
 
  
 
 2.1. Da nulidade procedente da violação do disposto na al. b) do n.º1 do art. 
 
 379º do Código de Processo Penal. 
 
  
 Segundo o arguido, o Acórdão condenatório visado foi proferido com «base em 
 alegados factos que não constavam do despacho de promoção – e que resultarão sim 
 de uma interpretação global e integrada daquele», sendo por isso «manifesta a 
 existência de nulidade […], conforme se dispõe no n.º1, alínea b), do artigo 
 
 379º do Código de Processo Penal».
 Concretizando tal ponto de vista, o arguido sustenta que o Tribunal recorreu a 
 uma «indecifrável interpretação global e integrada do despacho de promoção» para 
 obter os factos de que carecia para proceder à condenação do arguido, tendo-o 
 feito designadamente a propósito do preenchimento do tipo subjectivo do ilícito 
 contra-ordenacional imputado.
 
  
 Conforme passará a demonstrar-se, a interpretação global e integrada feita do 
 despacho de promoção, não só não é indecifrável, como não conduziu à enunciação 
 de factos diversos daqueles que aí constavam.
 Escreveu-se no Acórdão o seguinte:
 
 «À semelhança de qualquer outro texto, mesmo que não jurídico, o despacho de 
 promoção carece de ser lido e interpretado de forma global e integrada, devendo 
 a avaliação que sobre ele incida tomar em conta a completude da unidade de 
 sentido cuja apreensão seja pelo mesmo globalmente proporcionável. 
 A hipótese factual que o despacho de promoção introduz em juízo dá conta de que, 
 no decurso de 2003, o arguido Abel Pinheiro: integrou a comissão directiva do 
 CDS-PP – órgão ao qual estatutariamente competia dirigir a organização 
 administrativa e financeira do partido e elaborar o seu Orçamento e Contas –, 
 tendo sido o responsável pelo sector financeiro do CDS/PP; tinha o domínio da 
 gestão financeira do partido, controlando, como tal, os aspectos estruturais da 
 organização financeira do partido susceptíveis de comprometer o cumprimento da 
 obrigação de apresentação de uma conta consolidada que abrangesse o universo das 
 estruturas partidárias; não adoptou as providências necessárias para assegurar a 
 oportuna observância de tal obrigação no ano de 2003; assim procedeu com 
 conhecimento de que se encontrava vinculado à apresentação de uma conta 
 consolidada que abrangesse o universo das estruturas partidárias» (itálico 
 nosso).
 
  
 O despacho de promoção, cuja interpretação global e integrada conduziu à 
 enunciação da hipótese factual nele contida nos termos acabados de reproduzir, 
 incluía, por seu turno, as seguintes passagens:
 
 «[…]
 O mesmo não ocorre, porém, com outras infracções que, por estarem 
 inquestionavelmente ligadas a aspectos estruturais e essenciais da organização 
 financeira e contabilística dos partidos, não poderiam, ao menos numa análise 
 liminar e indiciária, ter escapado ao controlo dos titulares dos órgãos a quem 
 estava cometido, segundo os estatutos e regulamentos financeiros em vigor, o 
 
 “domínio” da gestão financeira dos partidos, nomeadamente:
 
 […]
 II)                 a ausência de contas abrangendo todo o universo partidário 
 
 (verificada quanto ao PS, PPD/PSD e ao CDS-PP);
 
 […]
 g) Quanto ao CDS-PP, compete à Comissão Directiva dirigir a organização 
 administrativa e financeira do partido e elaborar o seu Orçamento e Contas (art. 
 
 50º, n.º1, alíneas d) e f) dos Estatutos). No decurso do ano de 2003, o 
 responsável pelo sector financeiro do CDS/PP foi Abel Saturnino da Silva de 
 Moura Pinheiro. Este membro da Comissão Directiva e responsável financeiro bem 
 sabia face ao teor dos preceitos legais, das disposições estatutárias e à 
 reiterada jurisprudência deste Tribunal Constitucional, que estava vinculado à 
 apresentação de uma conta consolidada, que abrangesse o universo das estruturas 
 partidárias, devendo ter adoptado tempestivamente as providências adequadas para 
 que tal tivesse ocorrido no exercício de 2003, pelo que, não o tendo feito, se 
 mostra indiciado que participou, com dolo, no cometimento da infracção prevista 
 no artigo 10.º, n.º 4, promovendo-se a aplicação da coima prevista no artigo 
 
 14.º, n.º 3, da citada lei».
 
  
 
  
 A consideração concatenada de ambos os textos em presença permite concluir que 
 os factos que o Tribunal entendeu resultarem de uma «interpretação global e 
 integrada do despacho de promoção» são rigorosamente aqueles que o Acórdão 
 seguidamente enunciou (em cima a itálico) e que todos os factos em tais termos 
 enunciados constavam já daquela peça processual, ainda que aí articulados sob 
 diversa organização. 
 A interpretação global e integrada do despacho de promoção conduziu apenas a 
 condensar numa fórmula mais compacta, sintetizada e estruturada a realidade 
 descrita e exposta ao longo do despacho de promoção, e não, conforme sustenta o 
 arguido, ao aditamento a esta de quaisquer factos que a mesma não comportasse 
 já, designadamente para efeitos da sua ulterior consideração no momento dedicado 
 
 à verificação dos pressupostos da responsabilidade contra-ordenacional imputada. 
 
 
 Foi, com efeito, a partir dos factos enunciados no Acórdão em estreita 
 correspondência com a descrição contida no despacho de acusação – e não também 
 de quaisquer outros que a esta se houvessem aditado em resultado da 
 interpretação global e integrada do texto apresentado pelo Ministério Público – 
 que se considerou preenchido o tipo de ilícito contra-ordenacional imputado e, 
 com tal fundamento, se decidiu condenar o arguido no pagamento de uma coima. 
 
  
 Uma vez mais contra o que sustenta o arguido, as considerações que o Acórdão 
 especialmente dedicou ao tipo subjectivo do ilícito imputado e que aquele 
 reproduz não dão conta de procedimento diverso. 
 
             Inserem-se elas no seguinte excerto do aresto criticado:
 
 «A infracção que ao arguido se imputa é estruturalmente dolosa: o tipo legal 
 convocado pelo despacho de promoção supõe o dolo do agente – conhecimento da 
 factualidade típica e vontade de realização do tipo contra-ordenacional –, sendo 
 este admitido em qualquer das modalidades que concretamente pode revestir – 
 directo, necessário ou eventual (art. 14º do Código Penal, aplicável 
 subsidiariamente por força do disposto no art. 32º do RGCO).
 Ora, lida e interpretada a versão constante do despacho de promoção, percebe-se 
 que a mesma dá globalmente conta de uma actuação consciente, baseada no 
 conhecimento da proibição legal – e, por consequência, no desvalor objectivo do 
 comportamento adverso –, expressando, deste ponto de vista, o mínimo 
 imprescindível à caracterização do nexo psicológico de ligação dos factos 
 imputados ao respectivo agente. 
 E se certo é que, na perspectiva da caracterização factual do dolo, outras 
 fórmulas narrativas mais extensivas, densas e pormenorizadas serão porventura 
 configuráveis e preferíveis até, não deixa de ser verdade que o thema probandum 
 fixado a partir do despacho de promoção não se encontra, também no que ao dolo 
 concerne, incompleto ou impreciso ao ponto de consentir na evanescência do seu 
 sentido e com isso comprometer a organização da defesa, tanto mais que o tipo 
 legal convocado, apesar de estruturalmente doloso, não é concomitantemente 
 integrado por qualquer um dos chamados “requisitos de intenção”».
 
  
 
 Às afirmações acabadas de transcrever o arguido faz dois reparos, que concretiza 
 nos seguintes termos: em primeiro lugar, «não obstante a necessidade legal do 
 tipo em causa, o Ministério Público entendeu não apresentar qualquer elemento 
 probatório sobre a intenção com a qual o arguido havia alegadamente cometido o 
 tipo contra-ordenacional», sendo que «tal vício […] não foi tido em devida conta 
 pelo Tribunal Constitucional» que também aqui recorreu a uma «indecifrável 
 interpretação global e integrada do despacho de promoção, retirando conclusões 
 de onde não se encontravam quaisquer factos»; em segundo, «da leitura do 
 despacho de promoção não se vislumbra» e o «Tribunal nada esclarece a este 
 respeito, que elementos permitiram dar conta “globalmente” de uma actuação 
 consciente, baseada no conhecimento da proibição legal – e, por consequência no 
 desvalor objectivo do comportamento adverso».
 
  
 Quanto ao primeiro, cabe começar por esclarecer que a objecção colocada pelo 
 arguido parte de uma confusão entre o plano da descrição dos factos contidos no 
 despacho de promoção e o da suficiência dos elementos probatórios apresentados 
 pelo Ministério Público em ordem à respectiva comprovação em juízo, quando certo 
 
 é que, em função do efeito processual a partir de tal objecção reivindicado, só 
 o primeiro pode estar verdadeiramente em causa.  
 Admitindo-se, pois, que o que se pretende dizer é que o Ministério Público, no 
 despacho de promoção, não imputou ao arguido qualquer particular intenção no 
 contexto do cometimento dos factos integradores do tipo objectivo de ilícito, a 
 crítica que deste ponto de vista é assim dirigida ao Acórdão questionado 
 encontra no que aí se escreveu a razão da sua improcedência. 
 Com efeito, ao ter-se feito notar que «o tipo contra-ordenacional em causa não é 
 
 […] integrado por qualquer um dos chamados “requisitos de intenção”», colocou-se 
 justamente em evidência a circunstância de não se tratar aqui de um daqueles 
 tipos de ilícito construídos «de tal forma que uma certa intenção surge como uma 
 exigência subjectiva que concorre com o dolo do tipo ou a ele se adiciona e dele 
 se autonomiza» (Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª edição, 
 pg.380). Somente nesta hipótese, não também na presente, é que a dita intenção 
 careceria de ser alegada no despacho de promoção. 
 
   
 Quanto à segunda das objecções colocadas pelo arguido, não parece difícil de 
 demonstrar o acerto da conclusão segundo a qual a afirmação de que «lida e 
 interpretada a versão constante do despacho de promoção, percebe-se que a mesma 
 dá globalmente conta de uma actuação consciente, baseada no conhecimento da 
 proibição legal – e, por consequência, no desvalor objectivo do comportamento 
 adverso –», não gera, nem implica qualquer ampliação da hipótese factual contida 
 no despacho de promoção.  
 Com efeito, afirmar-se, como faz o despacho de promoção, que a ausência de uma 
 conta que abrangesse o universo das estruturas partidárias foi determinada por 
 
 «aspectos estruturais e essenciais da organização financeira e contabilística 
 dos partidos» que «não poderiam […] ter escapado ao controlo dos titulares dos 
 
 órgãos» é o equivalente a dizer-se, como faz o Acórdão, que o arguido, enquanto 
 titular de um desses órgãos, desenvolveu uma «actuação consciente».
 Do mesmo modo, afirmar-se, como é feito no Acórdão, que o arguido desenvolveu 
 uma actuação «baseada no conhecimento da proibição legal» é o mesmo que dizer, 
 como é dito no despacho de promoção, que o arguido «bem sabia […] que estava 
 vinculado à apresentação de uma conta consolidada, que abrangesse o universo das 
 estruturas partidárias».
 Finalmente, afirmar-se, como faz o Acórdão, que o arguido actuou com 
 conhecimento do «desvalor objectivo do comportamento adverso» corresponde a uma 
 mera explicitação lógica da afirmação de que o mesmo «agiu com conhecimento da 
 proibição legal», já que o conhecimento da proibição legal envolve 
 necessariamente o conhecimento do desvalor objectivo do comportamento que a 
 viole. 
 
  
 
 É assim de julgar improcedente a nulidade que, sob invocação do disposto na al.) 
 do n.º1 do art. 379º, do Código de Processo Penal, vem imputada ao Acórdão 
 condenatório. 
 
  
 
  
 
  
 
 2.2. Da nulidade procedente da violação do disposto na al.a) do n.º1 do art.379º 
 do Código de Processo Penal. 
 
  
 Sustenta o arguido que, «a fim de demonstrar a existência de dolo, teria o 
 Tribunal de demonstrar, cabalmente, quais as medidas concretas não adoptadas 
 pelo mesmo que concretamente levaram à produção do resultado», o que, não tendo 
 ocorrido, determinará a «falta de fundamentação do Acórdão» criticado, esta por 
 seu turno geradora da respectiva nulidade nos termos do disposto nos arts. 374º, 
 n.º 2, e 379º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Penal. 
 
  
 Conforme é consensualmente reconhecido na doutrina, o dolo implica o 
 conhecimento ou a representação pelo agente das circunstâncias do facto que 
 preenche um tipo de ilícito (vide, por todos, Figueiredo Dias, ob. cit., 
 pg.351). 
 Tratando-se, no presente caso, do tipo de ilícito procedente da previsão dos 
 art. 10º, n.º 4, e art. 14º, n.º 3, ambos da Lei n.º 56/98, de 18.08, na 
 redacção conferida pela Lei n.º 23/2000, de 23.08, tais circunstâncias são as 
 seguintes: a existência de um dever legal que obriga o partido a apresentar 
 contas anuais que abranjam todo o universo partidário; a qualidade do agente 
 enquanto membro da Comissão Directiva do Partido responsável pela respectiva 
 direcção e organização administrativa e financeira; a insuficiência das medidas 
 desenvolvidas para assegurar o cumprimento pelo partido daquele dever; o 
 efectivo não cumprimento do mesmo. 
 Daqui se segue que, do ponto de vista da estruturação do dolo, a circunstância 
 do facto típico que carece de encontrar-se abrangida pela representação do 
 agente é a insuficiência das medidas adoptadas e a existência de outras 
 susceptíveis de reduzir ou anular o risco de incumprimento pelo partido – pelo 
 quinto ano consecutivo – do dever de apresentação de uma conta que abrangesse o 
 universo das estruturas partidárias, e não também necessariamente as 
 particulares características daquelas últimas, seja por referência à totalidade 
 das possíveis e cogitáveis ou apenas a uma parte delas. 
 O raciocínio seguido para ter por verificado o dolo não faz, pois, incorrer o 
 Acórdão questionado em falta de fundamentação, o que conduz a julgar 
 improcedente a segunda das nulidades que lhe são imputas pelo arguido. 
 
  
 
  
 
  
 
  
 
 2.3. Da revogação do Acórdão condenatório e da sua substituição por outro que 
 determine a absolvição do arguido e o consequente arquivamento dos autos. 
 
  
 Pretendendo a revisão do julgado através da reapreciação da causa pelo mesmo 
 tribunal, o arguido desenvolve o discurso argumentativo com que fundamenta tal 
 pretensão sob dois distintos momentos, o primeiro dos quais dedicado à exposição 
 dos motivos que deverão tornar processualmente admissível tal pretensão 
 independentemente da sua qualificação jurídica como recurso ou reclamação e o 
 segundo centrado na apresentação das razões que, no caso presente, deverão 
 conduzir à intentada revogação.
 
  
 Reconhecendo que o legislador não consagrou, no âmbito do processo previsto no 
 art. 103º-A da LTC, «qualquer tipo de mecanismo especial de recurso», antes 
 tendo conferido ao «plenário do Tribunal Constitucional a competência para 
 proferir decisão sobre esta matéria (cfr. n.º 3 do artigo 103º-A da CRP)», o 
 arguido sustenta que tal processo tem, no entanto, «estrutura inquisitória» e 
 que a mesma «não se afigura consentânea com a exigência, constitucionalmente 
 consagrada, de imparcialidade do órgão jurisdicional (cfr. artigos 202.º, n. 2 e 
 artigo 266º, n.º 2 da CRP)», concluindo que, em tal contexto, se mostraria 
 
 «bizarro um entendimento no sentido de que a falta de previsão literal do 
 direito ao recurso deveria ser entendida como falta de consagração legal do 
 mesmo». 
 
  
 
             Para o arguido, estar-se-á em presença de «um processo cuja 
 estrutura assenta numa lógica de inquisitório», uma vez que «no caso concreto 
 existe uma inquestionável coincidência entre instrutor e decisor do processo, o 
 que, desde logo acarreta a impossibilidade de garantir a imparcialidade do 
 Tribunal». 
 De acordo ainda com a perspectiva seguida, «o n.º 1 do artigo 103º-A da referida 
 Lei, ao conferir aos […] Juízes deste Tribunal competência para verificar o 
 incumprimento da Lei do Financiamento dos Partidos Políticos, elimina qualquer 
 possibilidade de manutenção da imparcialidade do Tribunal, fazendo com que o 
 processo comece para o arguido quando este já se encontra na sua fase conclusiva 
 para o Tribunal, i.e., quando a convicção dos […] Juízes está já formada quanto 
 
 à verificação do ilícito».  Tratar-se-á, em suma, de «um processo cuja estrutura 
 assenta numa lógica de inquisitório, apreciando e verificando os […] Juízes 
 deste Tribunal o incumprimento da Lei n.º 58/98, e somente depois dando vista ao 
 Ministério Público para “promover a aplicação da respectiva coima”», que veda ao 
 arguido a possibilidade de «discutir perante um Tribunal imparcial, ainda não 
 comprometido com decisões anteriormente tomadas acerca dos factos, todos os 
 elementos que conformam a alegada infracção». 
 
  
 Considerados os próprios termos em que a pretensão expressa pelo arguido vem 
 formulada, a primeira nota a salientar é a de que a mesma remete para uma figura 
 processual híbrida ou de tertium genius, situada a meio caminho entre os 
 institutos processuais do recurso e da reclamação. 
 Com efeito, pretendida que é a reapreciação da causa pelo mesmo tribunal que a 
 julgou, tal figura partilharia com o recurso a característica de poder conduzir 
 a uma revisão do julgado e com a reclamação a particularidade de, tal como esta, 
 se destinar a ser decidida pelo Tribunal que proferiu a decisão criticada. 
 
  
 
             Sobre a questão da legitimidade constitucional da irrecorribilidade 
 do Acórdão proferido pelo plenário do Tribunal Constitucional no âmbito dos 
 processos especiais previstos no art. 103º-A da LTC, designadamente no confronto 
 com os n.ºs 1 e 10º do art. 32º da CRP, teve este Tribunal já ocasião de se 
 pronunciar, tendo-o feito no Acórdão n.º 557/06 e, no seguimento deste, no 
 Acórdão n.º 86/08.
 
             A tal propósito, escreveu-se neste último o seguinte:
 
  
 
 «A primeira nota que cumpre salientar é a de que, ao invés do que vem afirmado, 
 o n.º 1 do art. 32º da Constituição não é aplicável aos processos de 
 contra-ordenação. 
 A demonstração disso mesmo encontra-se feita no Acórdão nº 313/07, cuja 
 fundamentação, aqui retomada, inclui as seguintes passagens:
 
 “A introdução do nº 10 no artº 32º, da C.R.P., efectuada pela revisão 
 constitucional de 1989, quanto aos processos de contra-ordenação, e alargada, 
 pela revisão de 1997, a quaisquer processos sancionatórios, ao visar assegurar 
 os direitos de defesa e de audiência do arguido nos processos sancionatórios não 
 penais, os quais, na versão originária da Constituição, apenas estavam 
 expressamente assegurados aos arguidos em processos disciplinares no âmbito da 
 função pública (artigo 270.º, n.º 3, correspondente ao actual artigo 269.º, n.º 
 
 3), denunciou o pensamento constitucional que os direitos consagrados para o 
 processo penal não tinham uma aplicação directa aos demais processos 
 sancionatórios, nomeadamente ao processo de contra-ordenação.
 Assim, o direito ao recurso actualmente consagrado no nº 1, do artº 32º, da 
 C.R.P. (introduzido pela revisão de 1997), enquanto meio de defesa contra a 
 prolação de decisões jurisidicionais injustas, assegurando-se ao arguido a 
 possibilidade de as impugnar para um segundo grau de jurisdição, não tem 
 aplicação directa ao processo de contra-ordenação.
 Conforme se sustentou no Acórdão nº 659/06, deste Tribunal, cuja fundamentação 
 acompanhamos de perto, nos direitos constitucionais à audiência e à defesa, 
 especialmente previstos para o processo de contra-ordenação e outros processos 
 sancionatórios, no nº 10, do artº 32º, da C.R.P., não se pode incluir o direito 
 a um duplo grau de apreciação jurisdicional. Esta norma exige apenas que o 
 arguido nesses processos não-penais seja previamente ouvido e possa defender-se 
 das imputações que lhe sejam feitas, apresentando meios de prova, requerendo a 
 realização de diligências com vista ao apuramento da verdade dos factos e 
 alegando as suas razões.
 A não inclusão do direito ao recurso no âmbito mais vasto do direito de defesa 
 constante do n.º 10, do art. 32º, da C.R.P., ressalta da diferença de redacção 
 dos nº 1 e 10, deste artigo, sendo que ambas foram alteradas pela revisão de 
 
 1997, e dos trabalhos preparatórios desta revisão, em que a proposta no sentido 
 de assegurar ao arguido “nos processos disciplinares e demais processos 
 sancionatórios…todas as garantias do processo criminal”, constante do art. 32º 
 
 - B, do Projecto de Revisão Constitucional, nº 4/VII, do PCP, foi rejeitada 
 
 (leia-se o debate sobre esta matéria no D.A.R., II Série – RC, nº 20, de 12 de 
 Setembro, de 1996, pág. 541-544, e I Série, nº 95, de 17 de Julho de 1997, pág. 
 
 3412 a 3466)”.
 
 É certo que as situações tratadas, quer no Acórdão acima parcialmente 
 transcrito, quer no Acórdão n.º 659/06, aí citado, emergiram de processos 
 através dos quais se pretendia reagir contra uma coima aplicada por uma entidade 
 administrativa cuja decisão havia sido impugnada judicialmente, limitando-se por 
 isso a discussão à possibilidade de o impugnante vir a fazer uso, no interior da 
 ordem dos tribunais judiciais, de um duplo grau de jurisdição.
 Mais radicalmente, o que aqui está em causa é a exclusão da própria 
 possibilidade de provocar a revisão da decisão que pela primeira vez conhece dos 
 pressupostos e consequências da responsabilidade contra-ordenacional.
 Simplesmente, se assim ocorre de facto, não pode esquecer-se que o 
 pronunciamento a ter lugar no âmbito dos processos previstos no art. 103º-A da 
 LTC, para além de ser já um pronunciamento jurisdicional (o que impede a 
 ocorrência de violação do art. 20º da CRP), encontra-se legalmente cometido ao 
 Plenário do Tribunal Constitucional, o que, conferindo-lhe óbvias 
 especificidades, é de modo a justificar a previsão de um regime processual 
 diferenciado.
 Isso mesmo foi reconhecido no Acórdão nº 557/06, em cuja fundamentação se 
 escreveu o seguinte:
 
 “Não existe entre o processo particular previsto no artigo 103º-A da LTC e os 
 processos de aplicação de coimas por decisão de autoridades administrativas 
 regulados pelo Decreto-Lei nº 433/82, em que das decisões dessas autoridades é 
 admitida impugnação judicial perante o tribunal em cuja área territorial tenha 
 sido consumada a infracção (artigos 59º e seguintes), qualquer analogia 
 substancial que implique ou sequer legitime a aplicação analógica das 
 disposições que regulam estes últimos ao processo previsto no artigo 103º-A da 
 LTC. Na verdade, a aplicação das sanções aos partidos políticos é decidida, nos 
 casos semelhantes ao vertente, após audição dos interessados sobre a 
 factualidade que lhes é imputada a título de infracção, por um tribunal (o 
 Tribunal Constitucional), e por um tribunal agindo numa formação (o plenário) 
 que não torna possível que as suas decisões sejam reapreciadas por uma instância 
 superior (ou sequer diversa). Donde resulta que não infringe a garantia do 
 direito ao recurso consagrada no artigo 32º, nº 1, da Constituição a não 
 previsão, neste caso, de uma via de reacção legal (com o sentido de reapreciação 
 daquela decisão do Tribunal Constitucional em sessão plenária por uma outra e 
 superior instância – um recurso) que faculte a impugnação pelos interessados 
 daquelas decisões”. 
 Reiterando a jurisprudência seguida no acórdão acabado de citar, conclui-se, 
 também aqui, que a norma adjectiva contida no art. 103º-A da LTC não é 
 materialmente inconstitucional». 
 
  
 Aos termos em que o problema da viabilidade constitucional da irrecorribilidade 
 do Acórdão proferido pelo Plenário do Tribunal Constitucional no âmbito do 
 processo previsto no art. 103º-A da LTC foi enunciado e resolvido pelos arestos 
 acabados de considerar adita, porém, o arguido um elemento novo, este não 
 ponderado ainda. 
 Segundo a tese exposta pelo arguido, a circunstância de o processo previsto no 
 art. 103º-A da LTC apresentar uma estrutura de tipo e lógica inquisitória e de 
 esta comprometer a independência e a imparcialidade do Tribunal competente para 
 o julgamento obrigará ao reequacionamento do problema, conduzindo a uma resposta 
 para ele de sentido diverso daquela que foi já dada. 
 Será assim?
 
  
 Segundo consensualmente descrito na doutrina, o processo de estrutura 
 inquisitória caracteriza-se por ser um processo «em que ao juiz […] compete 
 simultaneamente inquirir, acusar e julgar; em que a ele pertence o domínio 
 discricionário do processo, quer no seu se (promoção processual), quer no seu 
 como (objecto processual e consequente fixação do thema probandum e do thema 
 decidendum), quer na sua concreta tramitação» (Figueiredo Dias, Direito 
 Processual Penal, 1974, pgs.61-62).
 Conforme passará a demonstrar-se, de nenhuma destas características participa o 
 processo instaurado ao abrigo do disposto nos artigos 13º, n.º 2 e 14º, n.º 3, 
 ambos da Lei n.º 56/98, e 103º-A da Lei do Tribunal Constitucional.
 Segundo dispõe o art. 13º, n.º 2, da Lei n.º 56/98, «o Tribunal Constitucional 
 pronuncia-se sobre a regularidade e a legalidade das contas referidas no artigo 
 anterior [contas anuais dos partidos políticos] no prazo máximo de seis meses a 
 contar do dia da sua recepção [ …]».
 Decorre, por seu turno, do art. 14º, n.ºs 2 e 3, da Lei n.º 56/98, na redacção 
 conferida pela Lei n.º 23/2000, que serão punidos com coima os partidos 
 políticos que não cumprirem as obrigações impostas no respectivo capítulo II, 
 bem como os dirigentes dos partidos políticos que pessoalmente participem em 
 tais infracções. 
 Finalmente, preceitua o art.103º-A da Lei do Tribunal Constitucional:
 
 «1. Quando, ao exercer a competência prevista no n.º 2 do artigo 13º da Lei n.º 
 
 72/93, de 30 de Novembro, o Tribunal Constitucional verificar que ocorreu o 
 incumprimento de qualquer das obrigações que, nos termos do capítulo II do mesmo 
 diploma legal, impendem sobre os partidos políticos, dar-se-á vista nos autos ao 
 Ministério Público, para que este possa promover a aplicação da respectiva 
 coima. 
 
 2. […]
 
 3. Promovida a aplicação de coima pelo Ministério Público, o Presidente do 
 Tribunal ordenará a notificação do partido político arguido, para este 
 responder, no prazo de 20 dias, e, sendo caso disso, juntar a prova documental 
 que tiver por conveniente ou, em casos excepcionais, requerer a produção de 
 outro meio de prova, após o que o Tribunal decidirá, em sessão plenária». 
 
  
 Conforme se escreveu no Acórdão ora questionado, «da concatenação das 
 disposições acima transcritas resulta que o processo nos presentes autos 
 instaurado se encontra adstrito a uma dupla finalidade: a verificação da 
 regularidade e da legalidade das contas dos partidos políticos e o apuramento, 
 em momento subsequente, consequente e sempre eventual, da responsabilidade 
 contra-ordenacional pelas infracções que lhes possam estar associadas».
 Desenvolvendo tal constatação na direcção exigida pela resposta ao problema 
 colocado, acrescentar-se-á que a circunstância de ambas as referidas finalidades 
 se realizarem através da intervenção do plenário do Tribunal Constitucional não 
 faz esquecer que entre um e outro dos momentos que lhes correspondem tem lugar a 
 obrigatória intervenção do Ministério Público e que apenas nos casos em que 
 este, de acordo com a sua própria apreciação do caso, promova a aplicação de 
 coima contra determinadas entidades singulares e/ou colectivas com base na 
 imputação dos factos que considere indiciados é que se segue, relativamente às 
 entidades visadas, o apuramento judicial dos pressupostos da responsabilidade 
 contra-ordenacional imputada, sempre dentro dos limites temáticos previamente 
 definidos no despacho de promoção. 
 Daqui se segue que o tribunal ao qual compete o julgamento das contra-ordenações 
 imputadas, ainda que haja verificado, em anterior momento, a regularidade e a 
 legalidade das contas dos partidos, não é titular de qualquer poder de 
 iniciativa no plano da prossecução processual – e por isso não lhe pertence o se 
 do processo –, nem dispõe de qualquer faculdade de fixação oficiosa do 
 respectivo objecto – e por isso não lhe pertence o como do processo –, antes se 
 limitando a julgar sob acção processual do Ministério Público e dentro dos 
 limites colocados pelo despacho através do qual é promovida a aplicação de 
 coima, definindo este o thema probandum e o thema decidendum no caso.
 
  
 A circunstância de o plenário do Tribunal Constitucional se pronunciar 
 previamente sobre a regularidade e a legalidade das contas dos partidos 
 políticos, não sendo prestável para a caracterização como inquisitória da 
 estrutura do processo, deverá conduzir, ainda assim, ao reconhecimento de que a 
 concomitante atribuição àquela instância de competência para proceder ao 
 julgamento das contra-ordenações que venham a ser imputadas «não se afigura 
 consentânea com a exigência, constitucionalmente consagrada, de imparcialidade 
 do órgão jurisdicional (cfr. artigos 202.º, n.º 2 e artigo 266º, n.º 2 da CRP)»?
 
  
 O problema da relação entre as intervenções pretéritas do juiz do julgamento e o 
 respeito pela garantia da imparcialidade do órgão jurisdicional é habitualmente 
 tratado no âmbito do processo penal, contexto em que conhece abundante 
 desenvolvimento jurisprudencial, em especial no plano constitucional.
 
  
 O essencial do pensamento jurisprudencial a tal propósito desenvolvido é 
 sintetizável a partir da exposição feita no Acórdão n.º 297/03, onde se escreveu 
 o seguinte:
 
 «4 - É extensa a jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a 
 constitucionalidade da norma do artigo 40º do Código de Processo Penal, quer na 
 redacção inicial do preceito, quer na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 
 
 3/99, de 13 de Janeiro - o Acórdão n.º 114/95, in ATC 30º vol., págs. 665 e 
 segs., é o primeiro sobre tal matéria.
 
 […]
 
 É nos Acórdãos n.ºs 219/89 e 124/90 in ATC 13º - II vol., págs.703 e segs e 15º 
 vol., págs. 407 e segs., respectivamente, que o Tribunal Constitucional vem a 
 desenvolver a sua doutrina sobre a acumulação de funções, orgânica ou 
 subjectiva, do juiz em processo penal, face ao disposto no artigo 6º n.º 1 da 
 Convenção Europeia dos Direitos do Homem, enquanto confere ao arguido o direito 
 a que a sua causa seja examinada por um tribunal imparcial, e ao consagrado no 
 artigo 32º n.º 5 da Constituição enquanto impõe a estrutura acusatória para o 
 processo penal; estava, então, em causa a constitucionalidade das normas dos 
 artigos 365º do CPP de 1929, 59º da Lei n.º 82/77, de 6 de Dezembro e 8º do 
 Decreto-Lei n.º 269/78, de 1 de Setembro, por força das quais as funções de 
 emitir o despacho de pronúncia e de julgar se congregavam no mesmo juiz.
 Considerou-se, no primeiro acórdão citado, que o princípio do acusatório impunha 
 a separação da função de investigação e acusação da função de julgamento como 
 garantia de imparcialidade do julgador. Mas como se entendeu que a pronúncia, no 
 caso de se manter nos limites da acusação, não participa do acto acusatório, 
 assumindo uma dimensão 'puramente garantística' – o despacho de pronúncia 
 limitar-se-ia 'a evitar a ida a julgamento de indivíduos injustamente acusados' 
 
 – concluiu-se que as referidas normas não padeciam de inconstitucionalidade.
 A mesma tese vem a fazer vencimento no segundo acórdão, onde se acentua que 'o 
 despacho de pronúncia não representa (...) uma qualquer antecipação de um juízo 
 de condenação do arguido' e que 'destinando-se (...) a evitar que se seja 
 submetido a julgamento por um crime grave, nem o arguido nem o público em geral 
 podem ver no juiz que profere esse despacho alguém que está predisposto a 
 condená-lo'.
 As garantias de imparcialidade e objectividade no julgamento continuam a ser o 
 elemento determinante de aferição da constitucionalidade, mas neste último 
 aresto retoma-se (no Acórdão n.º 135/88 a questão foi - como se viu - aflorada) 
 a ponderação da aparência de imparcialidade do julgador - a imparcialidade 'aos 
 olhos do público'.
 Não pode dizer-se que, relativamente à tese vencedora, os votos de vencido 
 exarados nestes dois acórdãos assentem num entendimento diverso do princípio do 
 acusatório. O que é substancialmente diferente é a avaliação do despacho de 
 pronúncia no ponto em que, sem desmerecer a dimensão garantística deste 
 despacho, aqueles votos fazem relevar o que nele se contém de pré-juízo, de 
 prognose, sobre a séria probabilidade de o acusado vir a ser condenado pelos 
 factos de que é acusado - 'o juiz é necessariamente envolvido na acusação, sendo 
 forçado a uma pré-compreensão (ainda que provisória) sobre a responsabilidade do 
 acusado', lê-se no voto de vencido do Consº Vital Moreira). E, por outro lado, 
 vincam a necessidade de o sistema não deixar 'qualquer lugar para a mínima 
 suspeita da opinião pública' sobre a imparcialidade do julgador.
 O Tribunal Constitucional volta a pronunciar-se no Acórdão n.º 114/95 sobre a 
 estrutura acusatória do processo criminal e a exigência constitucional de 
 independência dos juízes, quando chamado a ajuizar da constitucionalidade da 
 norma do artigo 40º do CPP de 1987, na sua versão originária.
 
 […]
 No aresto, depois de se citar a doutrina sustentada nos Acórdãos n.ºs  219/89 e 
 
 124/90 e a jurisprudência do TEDH sobre o artigo 6º n.º 1 da CEDH que 'reflecte 
 a exigência de um juízo imparcial não apenas numa perspectiva subjectiva – o que 
 o juiz pensa no seu foro íntimo em determinada circunstância é uma vertente da 
 imparcialidade que se presume até prova em contrário – mas também numa visão 
 objectiva, de modo a dissiparem-se quaisquer reservas: deve ser recusado todo o 
 juiz de quem se possa temer uma falta de imparcialidade para preservar a 
 confiança que, numa sociedade democrática, os tribunais devem oferecer aos 
 cidadãos (...)', escreveu-se:
 
 […]
 Deste acórdão retira-se em síntese que:
 
 - O artigo 40º do CPP, na sua versão originária, deve ser interpretado em termos 
 de abranger outras situações – mas não todas – em que o julgador interveio na 
 fase do inquérito;
 
 - As garantias de imparcialidade do julgador exigem que a intervenção deste em 
 fase de inquérito não condicione a sua isenção e objectividade, nem ponha em 
 crise a confiança que o arguido e o público devem ter nessas isenção e 
 objectividade;
 
 - Deve ser ponderado e avaliado o tipo concreto de intervenção do julgador na 
 fase do inquérito, relevando a sua dimensão (garantística, ou não) e a fase em 
 que ela ocorre».
 
  
 Percorrendo seguidamente e em detalhe as diversas interpretações normativas 
 fiscalizadas por este Tribunal a propósito da aplicação do art. 40º do Código de 
 Processo Penal, o Acórdão que vimos acompanhando concluiu tal levantamento nos 
 seguintes termos:
 
 «Finalmente, o Acórdão n.º 423/00, in ATC 48º vol., págs. 243 e segs., versou 
 sobre a constitucionalidade da norma do artigo 40º do CPP, já na redacção dada 
 pela Lei n.º 59/98, na interpretação que permite a intervenção como julgador do 
 juiz que na fase de inquérito procedeu ao primeiro interrogatório do arguido, 
 determinando a respectiva libertação mediante a adopção de medidas de coacção 
 não privativas de liberdade e posteriormente as manteve.
 Uma vez mais, seguindo a fundamentação dos acórdãos anteriores, o Tribunal 
 Constitucional considerou que aquela primeira intervenção do juiz no inquérito, 
 
 'numa fase bastante embrionária do processo', em que, citando o alegado pelo 
 Ministério Público, 'carece ostensivamente de sentido sustentar que o juiz 
 formulou logo aí uma convicção segura sobre a culpabilidade da arguida', não 
 permite 'que se formule uma dúvida séria sobre as suas condições de 
 imparcialidade e isenção ou a gerar uma desconfiança geral sobre essa mesma 
 imparcialidade e independência'.»
 
  
 O pensamento constitucional acabado de sintetizar dá inquestionavelmente conta 
 de que, no mais exigente âmbito do processo penal, apenas um limitado conjunto 
 de anteriores intervenções do juiz de julgamento é considerado susceptível de 
 fazer perigar a «exigência, constitucionalmente consagrada, de imparcialidade do 
 
 órgão jurisdicional (cfr. artigos 202.º, n. 2 e artigo 266º, n.º 2 da CRP)».
 Com apoio ainda no discurso desenvolvido no Acórdão n.º 297/03, pode dizer-se 
 que tais intervenções são, para o Tribunal, somente aquelas que hajam convertido 
 o julgador em «órgão de acusação» ou que, pela sua frequência, intensidade ou 
 relevância, o hajam conduzido «a pré-juízos ou pré-compreensões sobre a 
 culpabilidade dos arguidos que firam a sua objectividade e isenção».
 
  
 No âmbito do processo previsto no art. 103º-A, da LTC, a intervenção do Plenário 
 do Tribunal na verificação da legalidade e da regularidade das contas anuais dos 
 partidos políticos não apresenta qualquer uma destas características. 
 Com efeito, não é essa intervenção, por um lado, que fixa o objecto do processo, 
 mas sim o despacho do Ministério Público com que é promovida a aplicação de 
 coima; por outro lado, os poderes cognitivos do Plenário do Tribunal 
 Constitucional encontram-se limitados, no âmbito de tal intervenção, à 
 verificação das irregularidades constantes das contas dos partidos políticos, 
 não incluindo (nem sequer implicando) qualquer juízo sobre a relevância 
 contra-ordenacional das irregularidades verificadas, seja do ponto de vista da 
 possibilidade da sua imputação objectiva a uma pessoa, singular ou colectiva, 
 seja na perspectiva da viabilidade da sua imputação subjectiva, designadamente 
 por via da verificação do dolo. 
 Trata-se, outrossim, de uma intervenção preliminar de natureza meramente 
 declarativa, que não envolve qualquer pré-juízo, de prognose, sobre a séria 
 probabilidade de o ulterior e eventual visado pelo despacho de promoção vir a 
 ser condenado pelos factos que aí lhe vierem a ser imputados pelo Ministério 
 Público. 
 
  
 Daqui se retira em suma que, mesmo prescindindo do acréscimo argumentativo que 
 não deixaria de associar-se à circunstância de nos situarmos no plano do direito 
 contra-ordenacional e não do direito processual penal, os critérios neste 
 seguidos, ainda que aplicados sem afrouxamento, não deixariam de obstar à 
 possibilidade de considerar-se comprometida a exigência de imparcialidade do 
 Plenário do Tribunal Constitucional pelo facto de, no âmbito do processo 
 previsto no art. 103º-A, da LTC, tal instância haver previamente verificado a 
 regularidade das contas dos partidos políticos.
 Não podendo considerar-se comprometida tal exigência, inexiste fundamento para, 
 nos termos preconizados pelo arguido, reponderar a questão da viabilidade 
 constitucional da irrecorribilidade do Acórdão do Plenário do Tribunal 
 Constitucional que condena os dirigentes dos partidos políticos no pagamento de 
 uma coima ao abrigo do disposto no art. 14º, n.º 3, da Lei n.º 56/98, na 
 redacção conferida pela Lei n.º 23/2000. 
 Sendo tal Acórdão irrecorrível, não há lugar à reapreciação do decidido; e mesmo 
 que se configurasse a argumentação do arguido como imputação de alguma 
 vicissitude susceptível de correcção nos termos em que esta é legalmente 
 admissível sempre ficaria por verificar a existência de qualquer erro, lapso, 
 obscuridade ou ambiguidade capaz de justificar o exercício de tal faculdade. 
 
  
 
 3. Por tudo o que exposto fica, decide-se:
 
  
 a) julgar improcedentes as nulidades invocadas pelo arguido;
 b) indeferir a pretendida revogação do Acórdão condenatório.
 
  
 Carlos Fernandes Cadilha
 Ana Maria Guerra Martins
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Mário José de Araújo Torres
 Gil Galvão
 Joaquim de Sousa Ribeiro
 Maria Lúcia Amaral
 José Borges Soeiro
 João Cura Mariano
 Vítor Gomes
 Maria João Antunes
 Benjamim Rodrigues
 Rui Manuel Moura Ramos