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Processo n.º 165/03
 
 1ª Secção
 Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
 
    
 ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
 
  
 
  
 
 1.            A. e sua mulher, B. instauraram em 20 de Fevereiro de 2002 no 
 Tribunal  da Comarca de Oliveira de Azeméis contra C. e mulher, D., acção 
 destinada a denunciar o contrato de arrendamento para habitação entre ambos 
 celebrado, em 1 de Janeiro de 1980, de parte de um prédio de que são 
 usufrutuários, com fundamento na necessidade do local arrendado para habitação 
 de um filho dos autores – aliás, proprietário de raiz do dito prédio –, nos 
 termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 69º do Regime do Arrendamento 
 Urbano, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90 de 15 de Outubro, na redacção 
 resultante do Decreto-Lei n.º 329-B/2000 de 22 de Dezembro. Conforme pediram, a 
 denúncia destinava-se a produzir efeitos em 31 de Dezembro do mesmo ano de 2002.
 Para o que agora releva, os réus defenderam-se invocando a extinção do direito 
 de denúncia alegado pelos autores, por se terem mantido no local arrendado por 
 período superior a 20 anos, o que lhes conferiria o direito de oposição à 
 denúncia, nos termos do artigo 2º da Lei n.º 55/79 de 15 de Setembro. 
 Sustentaram ainda não ser aplicável o prazo de 30 anos previsto para o mesmo 
 efeito pela alínea b) do n.º 1 do artigo 107º do Regime do Arrendamento Urbano, 
 quer porque o preceito, na versão inicial, era organicamente inconstitucional, 
 
 'por ofensa dos limites da lei de autorização legislativa do R.A.U. (artigo 2º 
 alínea c) da Lei n.º 42/1990)', quer porque, à data da entrada em vigor do 
 Decreto-Lei n.º 329-B/2000, já teriam decorrido os 20 anos previstos pela lei 
 anterior – a referida Lei n.º 55/79 de 15 de Setembro.
 Invocaram também a inconstitucionalidade do artigo 69º do Regime do Arrendamento 
 Urbano, por violação dos n.ºs 1 e 3 do artigo 65º da Constituição, conjugado com 
 os artigos 17º e 18º n.ºs 2 e 3, por, em seu entender, 'esvaziar de sentido' o 
 direito à habitação através de arrendamento.
 
  
 A acção foi logo julgada improcedente no despacho saneador, proferido em 4 de 
 Junho de 2002, nestes termos:
 
  
 
 'No caso concreto, os Réus vêm suscitar (na sua perspectiva) a excepção 
 peremptória de caducidade estribada na al. b) do artº 107º do R.A.U. na redacção 
 dada pelo D.L. n.º 329-B/2000 de 22/12 do direito dos Autores de denunciarem o 
 contrato de arrendamento para habitação dos seus descendentes em primeiro grau 
 com base no disposto no artº 69º do R.A.U., na redacção dada pelo D.L. nº 
 
 329-B/2000 de 22/12.
 Importa, porém, assinalar que a circunstância impeditiva do direito de denúncia 
 prevista no artº 107º, al. b) do R.A.U. na redacção dada pelo D.L. n.º 
 
 329-B/2000 de 22/12 não é um prazo de caducidade mas sim uma excepção 
 peremptória inominada diferente da caducidade (…).
 Nesta medida, ao invés da posição sustentada pelos Autores, o prazo de 30 anos 
 ou o prazo mais curto previsto na lei anterior tem menos a ver com as 
 circunstâncias determinativas do exercício do direito de denúncia previstas no 
 artº 69º do R.A.U. do que com a permanência do arrendatário no locado.
 Destarte, a circunstância impeditiva do direito de denúncia fundada na 
 permanência não só não é nenhum prazo de caducidade, como ainda, o elemento 
 chave para a contagem do prazo não é a necessidade do senhorio ou dos seus 
 descendentes mas sim a permanência do arrendatário no locado.
 Posto isto, para que se verifique a limitação a esse direito é mister que se 
 verifiquem os seguintes requisitos:
 
 - Existir um contrato de arrendamento para habitação;
 
 - a permanência dos arrendatários no local arrendado há 30 ou mais anos (caso a 
 Lei aplicável seja o R.A.U.), ou então, por um período mais curto previsto em 
 Lei anterior e decorrido na vigência desta, calculados em relação à data em que 
 a denúncia deva produzir efeitos (ou seja, a denúncia produz efeitos no termo do 
 prazo do contrato ou da sua renovação, se feita com a antecedência legal).
 Suscita-se, assim, a questão de saber se existe a invocada limitação ao 
 exercício do direito de denúncia do arrendado pelos senhorios para o filho?
 
 À data da celebração do contrato «sub iudice», a matéria em apreço era regulada 
 pelo artº 2º da Lei n.º 55/79 de 15/09, a qual fixava o prazo de 20 anos para o 
 senhorio exercer o direito de denúncia.
 Por sua vez, o artº 107º, al. b) do R.A.U. na redacção dada pelo D.L. n.º 
 
 329-B/00 de 22/12 veio alongar o prazo para 30 anos, com a ressalva de que 
 prevalece o prazo mais curto previsto em lei anterior, no caso de o arrendatário 
 se manter no locado por esse período de tempo e decorrido na vigência da lei 
 anterior.
 No caso dos autos, temos assim que à data da entrada em vigor do D.L. n.º 
 
 329-B/00 de 22/12 que os Réus já se mantinham no locado há mais de 20 anos e o 
 prazo fixado aos Autores para exercerem o direito de denúncia pelo artº 2º da 
 Lei 55/79 de 15/09 era de 20 anos. 
 Destarte, os autores encontram-se impossibilitados de exercerem o direito de 
 denúncia do contrato de arrendamento celebrado entre eles e os Réus para 
 habitação do seu filho.
 Mas será que as normas contidas no artº 2º da Lei n.º 55/79 e da al. b) do artº 
 
 107º do R.A.U. (que prevêem a limitação ao exercício do direito de denúncia) 
 enfermam de inconstitucionalidade material, por violação do disposto no art.º 
 
 62º, n.º 1 e 2 e 13º da C.R.P. tal como é sustentado pelos Autores?
 Em nosso entender, sem considerações de maior, temos que o legislador ao 
 sufragar a solução legislativa prevista no artº 2º da Lei 55/79 de 15/09 
 aplicável «ex vi» artº 107º, al. b) do R.A.U. na redacção dada pelo D.L. n.º 
 
 329-B/00 de 22/12 fez uma correcta interpretação do princípio da ponderação de 
 interesses entre o direito do senhorio a denunciar o contrato de arrendamento 
 nos casos previstos no artº 69º do R.A.U. e o direito do arrendatário de obstar 
 
 à denúncia, nos termos previstos no artº 2º da Lei n.º 55/79 de 15/09 aplicável 
 
 «ex vi» al. b) do artº 107º do R.A.U.
 Pelo exposto, julgo a invocada excepção peremptória procedente por provada, e 
 consequentemente, decido:
 
 - absolver os Réus do pedido, 
 
 (…). '
 
  
 
 2.           Inconformados, os autores recorreram para a Relação de Lisboa que, 
 por acórdão de 23 de Janeiro de 2003,  confirmou nos seguintes termos a decisão 
 da primeira instância: 
 
  
 
 'Nas conclusões 9ª a 15ª, os recorrentes chamam em abono da sua tese, o facto de 
 o arrendamento ter sido celebrado por eles, usufrutuários, na qualidade de 
 senhorios, do que decorre que caduca com a morte deles.
 Dispunha o art. 1051.º/1-c) do CCivil que o contrato de locação caducava quando 
 cessasse o direito ou findassem os poderes legais de administração com base nos 
 quais o contrato foi celebrado.
 Mas o n.º 2 desse normativo permitia ao arrendatário que se opusesse à 
 caducidade, se no prazo de 180 dias após o conhecimento do facto que a 
 determinava, comunicasse ao senhorio, que pretendia manter a sua posição 
 contratual.
 Esse norma ressurgiu no art. 66.º/1 do RAU, conferindo ao arrendatário o direito 
 a um novo arrendamento nos termos do art. 90.º.
 Sendo a caducidade do arrendamento por morte do usufrutuário-locador regida pela 
 lei vigente à data da morte deste (…), quando isso acontecer, aplicar-se-á o 
 RAU.
 
 (…) Claro que o novo arrendamento está sujeito às limitações previstas na lei – 
 cfr. art. 93.º e ss. –, mas isso não significa que o arrendatário não possa 
 manter-se no locado para além da morte do usufrutuário-senhorio.
 Por conseguinte, as mencionadas conclusões não têm a eficácia pretendida pelos 
 recorrentes.
 Nas conclusões 16ª a 52ª os recorrentes esgrimem com a prevalência do direito de 
 propriedade sobre o direito ao arrendamento, a justificar a possibilidade de 
 denúncia em casos como o dos autos.
 Esquecem, no entanto, que não são os proprietários que estão a pedir o despejo, 
 mas os usufrutuários.
 Por outro lado, não está em causa a ofensa ao direito de propriedade, mas apenas 
 a vigência de um contrato celebrado voluntariamente por quem o podia celebrar e 
 que deve ser pontualmente cumprido – arts. 1305.º, 1031.º e 752.º, todos do 
 CCivil.
 Não se vislumbra, assim, nenhuma ofensa ao direito de propriedade, que há muito 
 deixou de ser o romano jus utendi, fruendi ac abutendi, para lhe subjacerem 
 razões de carácter social.
 Também entendemos que o art. 2.º/1-b) da Lei n.º 55/79, de 15.9, não é 
 inconstitucional.
 Atentemos no acórdão n.º 97/2000 do Tribunal Constitucional, in DR I-A, de 
 
 17.3.2000, que declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da 
 norma do art. 107.º/1-b) do RAU, por violação do art. 168.º/1-h) da 
 Constituição.
 Aí se refere (pág. 1031) que «o regime vigente (prazo de 20 anos para impedir a 
 denúncia do arrendamento pelo senhorio) não subvertia princípios basilares do 
 ordenamento jurídico, nem representava uma solução normativa arbitrária. Com 
 efeito, tal solução, consagrada desde 1979, representava uma opção legislativa 
 fundada na ideia de que uma permanência inquestionavelmente duradoura (20 anos) 
 no local arrendado deveria ser bastante para obstar à denúncia da relação 
 locatícia, fazendo prevalecer o interesse do inquilino sobre o interesse do 
 senhorio.
 Tal solução, discutível em sede de opções de política legislativa, não se 
 configurava como 'anómala', 'socialmente imprestável' ou promotora de um claro 
 desequilíbrio ou de uma injusta composição de interesses em causa, …». 
 Que melhor defesa do art. 2.º/1-b) da Lei n.º 55/79, de 15.9, e da sua depuração 
 de vícios constitucionais?
 Os apelantes manifestam a sua discordância com a opção de política legislativa 
 que levou à feitura desse diploma, mas sobre isso o tribunal nada tem a dizer, 
 não lhe competindo fiscalizar as opções legislativas, mas aplicar a lei.
 De todo o modo, não vemos sequer, que haja colisão de direitos, nos termos do 
 art. 335.º do CCivil, na medida em que estão em confronto direitos iguais à 
 habitação, sendo que o radiciário, embora afirme que não tem cómodos suficientes 
 para o seu agregado familiar, não carece de habitação por falta dela, mas apenas 
 de aumentar o seu espaço. Sendo que a inaplicabilidade do art. 2.º/1-b) da Lei 
 n.º 55/79, na tese proposta, redundaria na colocação do arrendatário na situação 
 de não ter casa para habitar.
 O que atentaria contra o protocolo invocado pelos recorrentes [o Protocolo 
 Adicional da Convenção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais].
 Improcedem, pois, as ditas conclusões.'
 
  
 
 3.            Desta decisão recorrem os autores para o Tribunal Constitucional, 
 ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82 de 15 
 de Novembro, invocando a inconstitucionalidade das normas constantes do artigo 
 
 2º da Lei n.º 55/79 de 15 de Setembro e do artigo 107º n.º 1 alínea b) do RAU, 
 na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 329/00 de 22 de Dezembro, por violação aos 
 artigos 13º e 62º da Constituição, bem como do disposto no artigo 1º do 
 Protocolo Adicional da Convenção dos Direitos do Homem e das Liberdades 
 Fundamentais.
 O recurso foi admitido. Os autores apresentaram alegação, da qual se retiram as 
 seguintes conclusões:
 
  
 
 '(…)
 
 15º - O artigo 62º n.º 1 da Constituição não consagra apenas um direito à 
 propriedade privada, mas também um direito de propriedade privada.
 
 16º - Ou seja, concede ao proprietário um espaço de liberdade mediante o 
 reconhecimento de direitos de decisão e de domínio indispensáveis ao 
 desenvolvimento da personalidade e por essa razão instrumentais à própria tutela 
 da dignidade da pessoa humana.
 
 17º- Na perspectiva do proprietário, quando surge o direito à necessidade de 
 habitação para si ou para os seus descendentes, é tão legítima a sua pretensão 
 passados 10 como 20 ou 50 anos de relação arrendatícia.
 
 18º - O que não pode é ver esmagado o seu direito de dispor do bem de que é 
 proprietário, para satisfazer apenas o interesse do inquilino, que muitas vezes 
 não é sequer necessitado, durante o resto da vida.
 
 19º - Quando muito, tratar-se-á de um encargo social a suportar de igual forma 
 por todos os cidadãos.
 
 20º - Esta limitação do direito de denúncia é nova no nosso direito, ao 
 contrário do que alguns afirmam.
 
 (…)
 
 22º - Violando esta proibição, o núcleo essencial do direito de propriedade 
 consagrado no n.º 1 do artigo 62º da Constituição e fê-lo sem qualquer 
 fundamento material bastante, impondo aos  proprietários/arrendatários um 
 sacrifício especial que apenas ao Estado cabia suportar.
 
 23º - (…) sendo esta proibição da denúncia pelo senhorio uma medida que se 
 traduz numa verdadeira expropriação de sacrifício, sem causa de utilidade 
 pública, nem indemnização e por isso inconstitucional nos termos do n.º 2 do 
 artigo 62º da Constituição.
 
 24º - Esta exclusão do direito à denúncia pelo senhorio colide com a pretensão 
 do legislador constitucional de assegurar o direito à habitação através do 
 arrendamento na área da iniciativa privada, consagrada no artigo 65º n.º 2 c).
 
 25º - (…) vai contra a concepção do direito de propriedade que é dominante na 
 Europa, ferindo o núcleo essencial do direito de propriedade consagrado no 
 artigo 62º da nossa Constituição e na Convenção dos Direitos do Homem e das 
 Liberdades Fundamentais – artigo 1º do Protocolo Adicional – a que aderimos e 
 nos encontramos vinculados por força do disposto nos n.º 1 e 2 do artigo 8º da 
 Constituição da República Portuguesa.
 
 (…)
 
 27º - A Constituição nos n.ºs 1 e 2 do artigo 13º, proíbe a adopção de medidas 
 que estabeleçam distinções discricionárias, quer dizer, desigualdades de 
 tratamento materialmente infundadas, sem fundamento razoável ou justificação 
 racional.
 
 28º - A positivação do princípio da igualdade na Lei Fundamental proíbe, em 
 termos gerais, o arbítrio legislativo.
 
 29º - Há uma flagrante desigualdade resultante da proibição de denúncia do 
 contrato de arrendamento, de que temos vindo a tratar, nas seguintes situações:
 
 30º - Desigualdade de tratamento do Estado senhorio que não tem limitação à 
 denúncia do contrato, relativamente aos senhorios privados, mesmo sem a 
 existência de um concreto interesse público (artigo 5º n.º 2 a) do RAU e artigo 
 
 8º do Dec. Lei n.º 507-A/79 de 24 de Dezembro).
 
 31º - Desigualdade dos senhorios relativamente a todos os outros cidadãos não 
 senhorios, uma vez que independentemente da capacidade económica de cada um, 
 apenas os senhorios suportam o encargo de garantirem o direito de habitação aos 
 seus inquilinos, que é um encargo social no nosso ordenamento jurídico, nos 
 termos do n.º 1 do artigo 65º da Constituição.
 
 32º - Desigualdade dos proprietários de habitações senhorios relativamente aos 
 não senhorios, que podem ter várias casas desocupadas, sem que sobre eles incida 
 a obrigação de garantirem o direito de habitação (…).
 
 33º - Desigualdade dos senhorios relativamente aos arrendatários, impondo 
 independentemente da fortuna de uns e de outros, apenas aos primeiros um encargo 
 social.
 
 34º - Desigualdade dos proprietários/senhorios entre si, sem qualquer fundamento 
 material bastante, pelo menos nos seguintes casos:
 
          a) Quando a necessidade de habitação do senhorio ou dos seus 
 descendentes surge depois de ter decorrido o prazo limite para a denúncia 
 relativamente àqueles em que essa necessidade surgiu antes do fim do referido 
 prazo;
 
          b) Quando o senhorio não é emigrante relativamente aos casos em que o 
 
 é;
 
          c) Quando o senhorio celebrou um contrato de arrendamento para 
 habitação que não é de duração limitada, relativamente aos casos em que celebrou 
 um contrato de duração limitada;
 
          d) Quando um senhorio, por no momento da celebração do contrato a lei o 
 ainda não permitir, não celebrou um contrato de duração limitada, relativamente 
 
 àqueles que posteriormente vieram a celebrar os referidos contratos de duração 
 limitada, onde não existe tal exclusão do direito à denúncia;
 
 35º - No caso em análise, a referida limitação à denúncia viola de forma 
 flagrante o princípio da igualdade positivado no artigo 13º da Constituição ao 
 impor apenas ao proprietário/senhorio um sacrifício no interesse exclusivo dos 
 inquilinos sem qualquer contrapartida, ditado apenas por um interesse social 
 
 (….).
 
 37º - Da exposição de motivos dos dois anteprojectos que antecedem a Lei n.º 
 
 55/79 resulta que a preocupação do legislador era a da denúncia ter por 
 contrapartida uma indemnização simbólica e da possibilidade de o senhorio criar 
 fraudulentamente os pressupostos da denúncia.
 
 38º - O último destes problemas, encontra-se já acautelado por lei expressa 
 artigo 109º do RAU (…).
 
 39º - O facto de a indemnização ser irrisória só acontece porque as rendas estão 
 desactualizadas, se o valor destas fosse o de mercado já a situação seria 
 diferente, mas mesmo assim poderia ter sido resolvido com uma nova fórmula de 
 cálculo da indemnização (…);
 
 (…)
 
 42º - Existem formas menos gravosas e justas para tutelar o direito à habitação 
 do inquilino (…)
 
 43º - Ora, decorre do princípio da exigibilidade, uma das dimensões do princípio 
 da proporcionalidade, que o legislador só deve impor um encargo especial a um 
 certo grupo de cidadãos para beneficiar especialmente um outro grupo, se esse 
 for o único meio de que dispõe para poder dispensar ao primeiro um tratamento de 
 favor que pretende instituir, o que neste caso obviamente não acontece.
 
 44º- Os senhorios, agora AA., celebraram o contrato de arrendamento na qualidade 
 de usufrutuários, assim, em qualquer momento, o contrato poderá caducar pela 
 morte destes, por força do disposto no artigo 67º do RAU, 1051º do Código Civil 
 e 92º também do RAU.
 
 45º - De nada valerá então a impossibilidade da denúncia, é uma decorrência da 
 temporalidade do usufruto (parte final do n.º 1 do artigo 1460º do Código 
 Civil).
 
 46º - Pelo que os RR. não vêem a sua posição protegida relativamente à 
 estabilidade de habitação.
 
 47º - Se assim é, a aplicação da proibição da denúncia, nos contratos que a 
 qualquer momento podem caducar, não faz sentido.
 
 48º - Se a estabilidade do arrendatário não é assegurada pela própria natureza 
 do direito dos senhorios, um direito temporário, então deverá prevalecer neste 
 caso, pelo menos, o direito de propriedade privada, enquanto poder do 
 proprietário dispor livremente dos seus bens.
 
 49º - O que se consegue interpretando restritivamente as normas em análise 
 
 (artigo 2º da Lei n.º 55/79 de 15 de Setembro e 107º n.º 1 b) do RAU).
 
 50º - Esta é a única interpretação que não viola o disposto no n.º 1 do artigo 
 
 62º e 13º n.º 1 e 2 da Lei Fundamental e que respeita o princípio, corolário da 
 unidade do ordenamento jurídico: Se uma lei permite várias interpretações das 
 quais apenas uma certa e determinada é compatível com a Constituição deve tal 
 lei ser interpretada nesse sentido. 
 Assim, 
 Dever-se-á dar provimento ao presente recurso, julgando inconstitucionais quer o 
 n.º 1 do artigo 2º da Lei n.º 55/79 de 15 de Setembro, quer da alínea b) do 
 artigo 107º do RAU por violação dos artigos 62º, 13º n.º 1 e 2 da Constituição, 
 bem como do artigo 1º do Protocolo Adicional da Convenção dos Direitos do Homem 
 e das Liberdades Fundamentais, ou se assim não se entender, pelo menos a 
 inconstitucionalidade dos referidos normativos na interpretação que lhe foi dada 
 na decisão recorrida e em consequência ordenar a reforma do acórdão proferido no 
 Tribunal da Relação do Porto, de acordo com esse juízo de  
 inconstitucionalidade.'
 
  
 Os recorridos não alegaram.
 
  
 
 4.            Cumpre começar por definir o objecto do presente recurso.
 Os pedidos formulados pelos recorrentes no final da alegação, apresentados  em 
 forma subsidiária, devem ser entendidos, face à natureza do presente recurso de 
 fiscalização concreta da constitucionalidade – no âmbito do qual o Tribunal 
 Constitucional apenas pode apreciar a inconstitucionalidade das normas aplicadas 
 na decisão recorrida e impugnadas no requerimento de interposição de recurso –, 
 como referentes à alínea b) do n.º 1 do artigo 2º da Lei n.º 55/79 de 15 de 
 Setembro e à alínea b) do n.º 1 do artigo 107º do Regime do Arrendamento Urbano, 
 na redacção resultante do Decreto-Lei n.º 329/2000 de 22 de Dezembro, com a 
 interpretação com que foram aplicadas na decisão recorrida. 
 O Tribunal Constitucional não irá, portanto, apreciar a questão da 
 constitucionalidade, em abstracto, do regime definido para as limitações ao 
 direito de denúncia do arrendamento por necessidade do prédio; nem, além disso, 
 irá discutir se era ou não possível uma diferente interpretação das normas de 
 direito ordinário que foram aplicadas no acórdão recorrido, como pretendem os 
 recorrentes, já que tal questão não cabe no recurso interposto, por não ser aqui 
 aplicável o n.º 3 do artigo 80º da Lei nº 28/82 de 15 de Novembro.
 Acresce que, em virtude de as normas impugnadas terem sido aplicadas num caso em 
 que o senhorio não é o proprietário do prédio, mas o seu usufrutuário, o objecto 
 do recurso reconduz-se às referidas normas enquanto interpretadas no sentido de 
 que o direito de denúncia do contrato de arrendamento urbano para habitação, por 
 necessidade do prédio para residência dos descendentes em primeiro grau do 
 senhorio, usufrutuário do prédio, não pode ser exercido quando, no momento em 
 que deva produzir efeitos, o arrendatário se mantiver no local arrendado há 20 
 anos, prazo esse previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 2º da Lei n.º 55/79 e 
 já decorrido à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 329/-B/2000, de 22 de 
 Dezembro, que alterou a alínea b) do n.º 1 do artigo 107º do Regime do 
 Arrendamento Urbano (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro.
 
  
 
 É o seguinte o texto daqueles preceitos:
 
  
 Artigo 2º
 
 (Outras limitações ao direito de denúncia)
 
 1. (…) 
 b) Manter-se o inquilino na unidade predial há vinte anos, ou mais, nessa 
 qualidade.
 
 (…)
 
  
 
  
 Artigo 107º
 
 (Limitações)
 
 1.  O direito de denúncia do contrato de arrendamento, facultado ao senhorio 
 pelas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 69º, não pode ser exercido quando no 
 momento em que deva produzir efeitos ocorra alguma das seguintes circunstâncias:
 a) (…)
 b) Manter-se o arrendatário no local arrendado há 30 ou mais anos, nessa 
 qualidade, ou por um período de tempo mais curto previsto em lei anterior e 
 decorrido na vigência deste.
 
 (…).
 
  
 Tal como foi entendido no acórdão recorrido, a 'lei anterior' a que se refere a 
 alínea b) do n.º 1 deste artigo 107º é, no caso, a alínea b) do n.º 1 do artigo 
 
 2º da Lei n.º 55/79 de 15 de Setembro, preceito repristinado em consequência da 
 declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral da norma 
 constante da alínea b) do n.º 1 do artigo 107º do Regime do Arrendamento Urbano 
 na sua versão originária, com fundamento em inconstitucionalidade orgânica, pelo 
 Acórdão n.º 97/2000 (DR, I Série-A de  17 de Março de 2000).
 
  
 
 5.            A questão central de constitucionalidade colocada pelos 
 recorrentes no presente recurso é a da compatibilidade com a tutela 
 constitucional do direito de propriedade e do princípio da igualdade de uma 
 norma que prevê a extinção do direito de denúncia pelo senhorio do contrato de 
 arrendamento para habitação, em virtude de o arrendatário se manter nessa 
 qualidade no local arrendado por 20 anos ou mais.
 A circunstância de se tratar de um prazo fixado por um regime entretanto 
 substituído pela lei em vigor no momento em que o senhorio pretende exercer o 
 direito de denúncia já foi apreciada pelo Tribunal Constitucional, quer 
 relativamente à redacção originária da alínea b) do n.º 1 do artigo 107º do 
 Regime do Arrendamento Urbano (cfr. os Acórdãos n.ºs 259/98, 270/99 e 682/99, 
 publicados no DR, II série, de 7 de Novembro de 1998, de 13 de Julho de 1999 e 
 de 28 de Fevereiro de 2000, respectivamente), quer quanto à redacção que lhe foi 
 dada pelo Decreto-Lei n.º 329-B/2000 (cfr. Acórdãos n.º 550/2003, DR, II série, 
 de 18 de Fevereiro de 2004 e 222/2005, disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt).
 Assume aqui o maior relevo a doutrina adoptada pelo Tribunal no Acórdão n.º 
 
 270/99 que, tal como o Acórdão n.º 682/99,  acolheu o que anteriormente já se 
 afirmara no Acórdão n.º 259/98, julgando 'inconstitucional – por violação do 
 artigo 2º da Constituição – a norma constante do artigo 107º, n.º 1, alínea b)'  
 dessa versão originária do Regime do Arrendamento Urbano, que alargara de 20 
 para 30 anos o prazo que permitia ao arrendatário opor-se ao exercício do 
 direito de denúncia, 'interpretada no sentido de abranger os casos em que já 
 decorrera integralmente, no domínio da lei antiga, o tempo de permanência do 
 arrendatário, indispensável, segundo essa lei, para impedir o exercício do 
 direito de denúncia pelo senhorio'.
 Por outro lado, nos Acórdãos n.ºs 550/2003 e 222/2005 o Tribunal  decidiu 'não 
 julgar inconstitucional a norma do artigo 107º n.º 1 alínea b) do RAU, na 
 redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 329-B/2000 de 22 de Dezembro e no segmento em 
 que se refere ao decurso de «um período de tempo mais curto previsto em lei 
 anterior e decorrido na vigência desta»', nos casos em que, como o presente, 
 estava em causa o decurso do período de 20 anos previsto na alínea b) do n.º 1 
 do artigo 2º da Lei n.º 55/79, vigorando já o Decreto-Lei n.º 329/2000; a 
 diferença em relação ao caso presente residia na circunstância de o prazo se ter 
 completado antes de ser proferido o acórdão n.º 97/2000, o que levou a ter sido 
 então suscitada pelos senhorios a violação 'dos princípios da confiança e da 
 segurança jurídica, ínsitos no princípio do Estado de direito' (Acórdão n.º 
 
 550/2003).
 Porém, no caso em presença, verifica-se que não só na data em que foi celebrado 
 o contrato de arrendamento em causa (1 de Janeiro de 1980), já estava em vigor a 
 Lei n.º 55/79 de 15 de Setembro e a consequente limitação do direito de denúncia 
 do contrato no caso de o inquilino se manter no local arrendado por vinte anos, 
 ou mais, como além disso se constata que na data da propositura da acção – 20 de 
 Fevereiro de 2002 – tinha sido proferido o citado Acórdão n.º 97/2000, pelo que 
 já era certo que, à luz da lei ordinária então vigente (Lei n.º 329-B/2000 de 22 
 de Dezembro), se mostrava decorrido o prazo de vinte anos que conferia ao 
 inquilino o direito de se opor à denúncia do contrato.
 
  
 
 6.            O Código Civil de 1966 estabeleceu uma regra especial para o 
 arrendamento para habitação, não permitindo – ao contrário do que prevê para o 
 regime geral do arrendamento, definido, neste aspecto, pelo seu artigo 1054º –, 
 que, em regra, o senhorio denuncie o contrato de arrendamento habitacional 
 
 (artigo 1095º, revogado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90 de 15 de Outubro). 
 Estabeleceu, assim, para o tipo de arrendamento que agora nos interessa 
 observar, a regra da renovação obrigatória do contrato de arrendamento para 
 habitação, reveladora da prevalência da tutela do direito à habitação do 
 inquilino sobre o direito do senhorio. Todavia, esta regra não era absoluta e 
 admitia duas excepções, constantes então do artigo 1096º (também entretanto 
 revogado); uma dessas excepções contemplava a hipótese de o senhorio necessitar 
 
 'do prédio para sua habitação ou para nele construir a sua residência' (alínea 
 a) do respectivo n.º 1).
 Ocorrendo, portanto, conflito entre a necessidade de habitação do senhorio e do 
 inquilino, o legislador optava por proteger o primeiro, certamente em homenagem 
 ao maior relevo conferido ao direito real do senhorio, face ao direito à 
 habitação do inquilino.
 Como se escreveu, por exemplo, no Acórdão n.º 543/2001 (DR, II série, de 31 de 
 Janeiro de 2001), transcrevendo jurisprudência anterior nele indicada, 'é 
 inteiramente razoável que o legislador – colocado perante um conflito de 
 direitos: de um lado, o direito à habitação do senhorio, fundado num direito 
 real próprio (um direito de propriedade, de compropriedade ou usufruto); e, por 
 outro lado, o direito à habitação do inquilino (ou um seu direito similar), 
 fundado num contrato de arrendamento, cujo objecto é, justamente,  o imóvel que 
 pertence ao senhorio –, e não podendo dar satisfação a ambos os direitos, (…) 
 que sacrifique o direito do inquilino ao direito à habitação do senhorio'.
 Todavia, em 1979, a Lei n.º 55/79, aprovada aliás na sequência de suspensões 
 intermitentes do regime acabado de descrever (cfr. Acórdão n.º 273/99, DR, II 
 série, de 21 de Outubro de 1999), veio conceder ao inquilino que, nessa 
 qualidade,  se mantiver no prédio arrendado por vinte anos o poder de se opor à 
 denúncia do contrato de arrendamento por parte do senhorio, mesmo no caso de 
 este invocar que necessita da casa para sua habitação.
 Acentuou-se, enfim, a já referida protecção que a lei portuguesa conferia ao 
 arrendatário. No fundo, o legislador de 1979, veio considerar que, em caso de 
 colisão de interesses do senhorio e do arrendatário, ambos necessitados de 
 habitar a casa arrendada, nem sempre prevaleceria o interesse do primeiro, não 
 obstante ser o proprietário (ou, pelo menos, o titular de um direito, como o de 
 usufruto, que lhe confere o poder de usar a casa).
 
 É este regime que agora está em causa, embora com a particularidade – que, 
 aliás, não releva, dados os termos em que a questão de constitucionalidade é 
 colocada – de a denúncia ter como fundamento a necessidade da casa para 
 ampliação da habitação de um descendente do senhorio, e não do próprio.
 
  
 
 7.            Os recorrentes sustentam que as normas que impugnam violam a 
 protecção que  o n.º 1 do artigo 62º da Constituição confere ao direito de 
 propriedade privada, atingindo o seu 'núcleo essencial (…) sem qualquer 
 fundamento material bastante' e que, ao impedir o exercício do direito de 
 denúncia, o legislador está a proceder a uma verdadeira expropriação sem 
 indemnização, em violação do n.º 2 do artigo 62º do Código Civil. 
 A verdade, no entanto, é que o resultado contra o qual se insurgem não decorre 
 de uma norma ablativa do direito de propriedade, ou que de alguma forma 
 interfira naquele direito, antes resulta da posição contratual livremente 
 adoptada pelos interessados, e radica numa preocupação de natureza social de 
 protecção da estabilidade da habitação de longa duração, limitando o direito de 
 o senhorio fazer cessar o vínculo contratual. 
 Não pode, por isso, considerar-se atingido o 'núcleo essencial' do direito de 
 propriedade privada, nem, por outro lado, a limitação que o regime agora em 
 causa impõe ao direito do usufrutuário se acha abrangida pelo conceito 
 constitucional de expropriação e, como tal, pelo âmbito de protecção do n.º 2 do 
 artigo 62º da Constituição (cfr., Acórdão n.º 205/2000, publicado no DR, II 
 série, de 30 de Outubro de 2000).
 
  
 
 8.            Também não procede a alegação de violação do princípio da 
 igualdade, quer quando põe em confronto o senhorio e o arrendatário, quer quando 
 compara a situação do senhorio impedido de denunciar o contrato pelas normas 
 impugnadas neste recurso com outros senhorios ou com a generalidade dos 
 cidadãos. É vasta a jurisprudência deste Tribunal  sobre este princípio, 
 consagrado, como se sabe, no n.º 1 do artigo 13º da Constituição. 
 Recorrendo ao Acórdão n.º 425/87 (DR, II Série, de 5 de Janeiro de 1988), 
 recorda-se o seguinte:
 
          
 
 '4. O âmbito de protecção do princípio da igualdade abrange diversas dimensões: 
 proibição do arbítrio, sendo inadmissíveis quer a diferenciação de tratamento 
 sem qualquer justificação razoável, de acordo com critérios de valor objectivos, 
 constitucionalmente relevantes, quer a identidade de tratamento para situações 
 manifestamente desiguais; proibição de discriminação, não sendo legítimas 
 quaisquer diferenciações de tratamento entre os cidadãos baseadas em categorias 
 meramente subjectivas ou em razão dessas categorias; obrigação de diferenciação 
 
 (…). A proibição do arbítrio constitui um limite externo da liberdade de 
 conformação ou de decisão dos poderes públicos, servindo o princípio da 
 igualdade como princípio negativo de controle. (…) 
 
 5- A caracterização de uma norma como inconstitucional por violação do princípio 
 da igualdade dependerá, na sequência do exposto, em última análise, da ausência 
 de fundamento material suficiente, isto é, de falta de razoabilidade e 
 consonância com o sistema jurídico. '
 
  
 
  
 Estava então em causa apenas o confronto entre as posições de senhorio e de 
 arrendatário. O Tribunal Constitucional considerou não ocorrer qualquer violação 
 da igualdade que fosse constitucionalmente censurável, em termos que se 
 reiteram:
 
  
 
 '[...] Na esteira deste entendimento, pode afirmar-se que a questão de uma 
 eventual violação do princípio da igualdade só é de pôr em relação àqueles que, 
 de algum modo, se encontram em «condições semelhantes». 
 Ora, na situação em análise, podendo, embora, num primeiro visionamento das 
 coisas afirmar-se não existir semelhanças de posições entre um inquilino e um 
 senhorio, partes opostas em contrato de arrendamento de prédio urbano para 
 habitação do primeiro, o certo é que, deve reconhecer-se que na «fase terminal» 
 do contrato de arrendamento em que o litígio se desenvolve, ambos se apresentam 
 como pretendentes à usufruição da mesma casa para habitação. 
 E nesta perspectiva algo de semelhante existe nas correspondentes situações. 
 Em regra, o legislador tem sempre a possibilidade de estabelecer um regime igual 
 para as mesmas categorias de cidadãos. No caso particular, e pela própria 
 natureza das coisas, tal não é possível: a casa por ambos pretendida é um bem 
 
 único e, por isso, o legislador não poderia nunca estabelecer um regime que 
 tratasse uniformemente o senhorio e o inquilino. 
 Assim sendo, na disputa em causa, o legislador, considerando os diversos índices 
 de atendibilidade que na situação se comportam, acabará sempre por fazer uma 
 opção entre os dois interesses contrapostos. 
 Nestes termos, e atentas as especialidades aqui verificadas, o princípio da 
 igualdade há-de ser considerado em termos modulados, como comportando e exigindo 
 uma solução equilibrada, e não uma solução uniforme. 
 Esta ideia de equilíbrio que resulta da aplicação extensiva do principio em 
 causa ou, se se quiser, de urna aplicação em sentido translato ou analógico foi 
 respeitada pelo legislador ao editar a norma controvertida. 
 Com efeito, o facto de se impedir o senhorio de exercer o seu direito 
 excepcional de denúncia do contrato quando o inquilino se mantém, nessa 
 qualidade, na unidade predial há vinte anos ou mais, não pode deixar de se 
 
 ‘considerar opção justa e equilibrada face ao valor e desvalor que representa 
 para as duas posições conflituantes e as circunstâncias materiais que ambas 
 comportam. Razões de segurança jurídica, de justiça social, de solidariedade 
 
 (cf. DR, 1ª., 63 e 64, de 23 e 24-5-79, onde se inscrevem os debates 
 parlamentares dos projectos ‘de lei assinalados) legitimam, no quadro material 
 em presença, a solução adoptada pelo legislador, não podendo assim) por força 
 das razões expostas, falar-se aqui em qualquer violação do princípio da 
 igualdade. 
 Outro tanto, aliás, se deve afirmar a respeito do disposto nas outras normas 
 constitucionais invocadas pelo recorrente: o art. 62.°, que consagra o direito 
 de propriedade privada, e o art. 65., que assegura o direito à habitação. [...]
 No que toca ao invocado direito à habitação, acaba ele, no plano da dialéctica 
 estabelecida entre o inquilino, que há vinte anos ou mais habita a unidade 
 predial, e o senhorio, que necessita dessa mesma unidade para sua habitação, por 
 se resolver em conformidade com a disciplina de uma aplicação analógica do 
 principio da igualdade, isto é, o direito à habitação, na sua dupla vertente, 
 vai depender de um determinado fundamento material que justificou urna 
 confrontação legislativa havida por mais justa e socialmente adequada. 
 A luz deste entendimento não se tem por existente qualquer vício de 
 inconstitucionalidade. '
 
  
 As considerações transcritas valem, quando se referem às exigências do princípio 
 da igualdade em geral, para afastar a alegação da respectiva violação em todos 
 os outros casos apontados pelos recorrentes, como o regime aplicável aos 
 arrendamentos de prédios do Estado, globalmente excluído do âmbito de aplicação 
 do Regime do Arrendamento Urbano pela alínea a) do n.º 2 do seu artigo 5º, por 
 falta de identidade objectiva entre os interesses prosseguidos pelos senhorios. 
 Mas o mesmo sucede, por manifesta falta de identidade objectiva entre as 
 situações apontadas, quanto à alegação de violação da igualdade constante das 
 demais conclusões da alegação apresentada.
 
  
 
 9.            Os recorrentes sustentam ainda que a circunstância de o 
 arrendamento ter sido celebrado pelo usufrutuário e não pelo proprietário do 
 local arrendado, se, por um lado, não impede que se invoque a tutela 
 constitucional do direito de propriedade para a considerar violada, por outro, 
 justifica uma 'interpretação restritiva' das normas em apreciação porque, em 
 síntese, a impossibilidade de denúncia não cumpre o objectivo de proteger o 
 direito de habitação do inquilino, uma vez que o arrendamento caduca com a 
 extinção do usufruto.
 
 É certo que, quando incide sobre um prédio um direito de usufruto, é ao 
 usufrutuário e não ao proprietário da raiz que pertence o poder de 'usar, fruir 
 e administrar a coisa', nos termos utilizados pelo artigo 1446º do Código Civil; 
 e que uma das formas de o fazer consiste precisamente em o dar de arrendamento a 
 um terceiro. Todavia, as razões que levam a que não seja inconstitucional a 
 impossibilidade de denúncia quando o senhorio é proprietário do prédio arrendado 
 valem, pelo menos por igualdade de razão, para a hipótese do usufruto. E valem 
 igualmente para o caso de ser um descendente do senhorio que necessita da casa, 
 e não o próprio, uma vez que se fundam na necessidade de protecção do inquilino 
 e que não se alteram pela natureza da posição jurídica do senhorio ou pela 
 identidade de quem invoca a necessidade da casa.
 Os recorrentes argumentam, ainda, que a protecção que a lei quis conferir ao 
 arrendatário quando lhe confere o poder de impedir o exercício do direito de 
 denúncia não existe quando o arrendamento foi celebrado pelo usufrutuário, 
 porque, extinto o usufruto, caduca o arrendamento, independentemente da data do 
 seu início.
 O argumento não é, todavia, procedente. Como se sabe, a razão de ser da referida 
 caducidade é a protecção do proprietário, que não interveio no arrendamento, 
 como aliás o Tribunal Constitucional teve já a oportunidade de frisar no seu 
 Acórdão 381/93 (DR, II série, de 6 de Outubro de 1993) e de reiterar no Acórdão 
 n.º 60/99 (DR, II série, de 30 de Março de 1999).
 De qualquer modo, a verdade é que, ao prever a caducidade do contrato de 
 arrendamento, nem o Código Civil (após a alteração introduzida no artigo 1051º 
 pelo Decreto-Lei n.º 67/75, de 19 de Fevereiro), nem o Regime do Arrendamento 
 Urbano (cfr. artigo 66º) deixaram de proteger o direito de habitação do 
 inquilino, quer permitindo-lhe manter o contrato, quer concedendo-lhe o direito 
 a novo arrendamento.
 
  
 
 10.         Por fim, cumpre observar que nenhuma análise específica exige a 
 referência ao artigo 1º do Protocolo Adicional à Convenção de Protecção dos 
 Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, porque o preceito referido 
 pelos recorrentes nada acrescenta, para o que agora nos interessa, à protecção 
 que a Constituição portuguesa concede ao direito de propriedade (cfr., em geral, 
 e fazendo as necessárias adaptações, o Acórdão n.º 223/95 (DR, II série, de 27 
 de Junho de 1995).
 
  
 
 11.         No acórdão n.º 97/2000 (DR, I Série-A, de  17 de Março de 2000), no 
 qual foi declarada inconstitucional com força obrigatória geral  (por 
 desconformidade com o sentido da autorização legislativa com que foi aprovado o 
 Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro) a norma da alínea b) do n.º 1 do 
 artigo 107º do Regime do Arrendamento Urbano, na sua redacção inicial, o 
 Tribunal, transcrevendo o Acórdão n.º 70/99 (DR, II série, de 6 de Abril de 
 
 1999) considerou que 'o regime anteriormente vigente (prazo de 20 anos para 
 impedir a denúncia do arrendamento pelo senhorio) não subvertia princípios 
 basilares do ordenamento jurídico, nem representava uma solução normativa 
 arbitrária. Com efeito, tal solução, consagrada desde 1979, representava uma 
 opção legislativa fundada na ideia de que uma permanência inquestionavelmente 
 duradoura no local arrendado devia ser bastante para obstar à denúncia da 
 relação locatícia, fazendo prevalecer o interesse do inquilino sobre o interesse 
 do senhorio'. 
 
 É, em suma, esta a justificação constitucional do regime que os recorrentes 
 contestam. As normas impugnadas não ofendem a Constituição.
 
  
 
 12.  Em face do exposto, o Tribunal nega provimento ao recurso, confirmando a 
 decisão recorrida quanto à questão de inconstitucionalidade.
 Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
 
  
 Lisboa, 21 de Março de 2007
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Maria João Antunes
 Maria Helena Brito
 Rui Manuel Moura Ramos
 Artur Maurício