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Processo n.º 505/08
 Plenário
 Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
 
  
 Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional
 
  
 I. Relatório 
 
  
 
 1. O Provedor de Justiça, no uso da competência prevista no artigo 281º, n.º 2, 
 alínea d), da Constituição da República, veio requerer ao Tribunal 
 Constitucional, em fiscalização abstracta sucessiva, a declaração de 
 inconstitucionalidade das normas constantes do artigo 101.º do Decreto-Lei n.º 
 
 187/2007, de 10 de Maio, conjugadas com as dos artigos 33.º e 34.º do mesmo 
 diploma, por violação dos princípios da protecção da confiança, da 
 proporcionalidade e da igualdade, e, bem assim, a declaração de ilegalidade das 
 mesmas normas, por violação do princípio da contributividade concretizado no 
 artigo 54º da Lei de Bases da Segurança social.
 
  
 Fundamenta o pedido nos seguintes termos:
 
  
 
 - O Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio, veio estabelecer o regime jurídico 
 de protecção nas eventualidades invalidez e velhice do regime geral da segurança 
 social.
 
  
 
 - O diploma prevê, no seu artigo 101.º, n.º 1, um limite superior, 
 correspondente a 12 vezes o Indexante dos Apoios Sociais (IAS), para uma das 
 parcelas ('P1') da fórmula de cálculo da pensão a atribuir aos beneficiários 
 inscritos até 31 de Dezembro de 2001. Essa fórmula de cálculo consta do artigo 
 
 33.º e a parcela que aí se inclui, e que o artigo 101.º limita, é calculada nos 
 termos do artigo 34.º, todos do mesmo Decreto-Lei n.º 187/2007.  
 
  
 
 - As pessoas mais afectadas por aquele limite imposto, no artigo 101.º, a uma 
 das parcelas da fórmula de cálculo do artigo 33.º, são aquelas que estão mais 
 próximas de receber a pensão, ou seja, as pessoas que iniciem a pensão entre 1 
 de Julho de 2007 (data de entrada em vigor da lei, nos termos do seu artigo 
 
 115.º) e 31 de Dezembro de 2016 (data em que os beneficiários inscritos até 31 
 de Dezembro de 2001 passarão a estar sujeitos a uma nova fórmula de cálculo).
 
  
 
 - As pessoas visadas pela limitação imposta no artigo 101.º, são, na prática, e 
 no que às pensões por velhice diz respeito, aquelas que terão agora uma idade 
 compreendida entre os 56 e os 64 anos, e estarão portanto já próximas do final 
 da sua carreira contributiva. 
 
  
 
 - Com o limite imposto pelo artigo 101.º, n.º 1, essas pessoas sofrem uma 
 redução assinalável, em muitos casos drástica, das suas pensões face ao valor 
 expectável antes da aprovação das regras neste momento em vigor. 
 
  
 
 - De entre os casos que foram apresentados na Provedoria, encontra-se um, por 
 exemplo, em que a pensão seria de € 7318,00 e, por efeito da aplicação do limite 
 imposto pelo artigo 101.º, ficará reduzida a € 4986, 56, implicando uma perda 
 correspondente a 46,7 % do valor que seria considerado segundo cálculo 
 anteriormente previsto. 
 
  
 
 - Note-se que estas alterações se aplicam inclusivamente a beneficiários com 64 
 anos de idade e 40 anos de carreira contributiva que, à data da entrada em vigor 
 da lei, estavam à beira de poderem solicitar a correspondente pensão.  
 
  
 
 - A situação é particularmente chocante quando se aplique a limitação do valor 
 das pensões aos membros dos órgãos estatutários das pessoas colectivas, pois 
 estes foram legalmente autorizados (pelo artigos 11.º e 12.º do DL n.º 327/93 de 
 
 25 de Setembro, nas redacções e na interpretação dadas pelos DL n.º 103/94, de 
 
 20 de Abril, e 571/99, de 24 de Dezembro) a fazer o pagamento das suas 
 contribuições com base no valor real das remunerações quando estas excedessem o 
 limite máximo da base de incidência fixado naquele diploma.
 
  
 
 - Quando essas pessoas optaram por descontar um valor superior ao limite máximo 
 da base de incidência, fizeram-no baseadas no pressuposto de que o valor da 
 pensão que iriam futuramente receber teria correspondência nesse acréscimo de 
 descontos autorizados pelo legislador.
 
  
 
 - A limitação do valor máximo das pensões poderá ter consequências, ainda, na 
 situação dos beneficiários inscritos até 31 de Dezembro de 2001, mas que apenas 
 iniciem a sua pensão após 31 de Dezembro de 2016, embora seja de reconhecer que, 
 nestes casos, os beneficiários se encontravam, à data da entrada em vigor da 
 solução legal contestada, mais longe da reforma, sendo as respectivas 
 expectativas neste sentido, naturalmente menos exigentes ao nível da tutela 
 jurídica. 
 
  
 
 - O regime estabelecido no artigo 101.º viola os princípios constitucionais da 
 confiança, da proporcionalidade e da igualdade, o primeiro podendo ser extraído 
 do conceito de Estado de Direito democrático a que alude o artigo 2.º da 
 Constituição da República Portuguesa, o segundo decorrendo explicitamente, a 
 propósito dos direitos liberdades e garantias, do artigo 18.º, n.º 2, do texto 
 constitucional, o último estando estabelecido, de forma genérica, no artigo 13.º 
 da Lei Fundamental.  
 
  
 
 - Contraria, também, os princípios da contributividade e do respeito pelos 
 direitos adquiridos e em formação consignados na Lei de Bases da Segurança 
 Social.
 
  
 
 - Na verdade, decorre do artigo 54.º da Lei de Bases da Segurança Social 
 actualmente em vigor, a Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro, que o sistema 
 previdencial deve ter por base uma relação sinalagmática directa entre a 
 obrigação legal de contribuir e o direito às prestações.    
 
  
 
 - E o artigo 58.º da mesma lei apenas permite a limitação dos valores das 
 pensões pela limitação prévia dos valores das contribuições. 
 
  
 
 - A relação sinalagmática entre a pensão e a contribuição é objectivamente 
 comprometida pela nova lei, em especial, no caso dos membros dos órgãos de 
 pessoas colectivas que descontaram para além do limite máximo da base de 
 incidência, sem que a lei preveja a devolução dos montantes pagos.  
 
  
 
 - o regime viola ainda o princípio da tutela da confiança, tendo em consideração 
 que os beneficiários que são atingidos pela limitação do valor das suas pensões 
 já não poderão reorientar a sua estratégia de planeamento das respectivas 
 pensões.  
 
  
 
 - As excepções previstas no artigo 101.º, n.º 2 e 3, dificilmente terão 
 repercussão no que respeita aos beneficiários mais perto da reforma (isto é, aos 
 inscritos até 31 de Dezembro de 2001 que iniciem pensão até 31 de Dezembro de 
 
 2016) pois o peso da parcela da fórmula de cálculo que está sujeita ao limite do 
 artigo 101.º é decisivo para o cálculo da pensão podendo mesmo corresponder, 
 para uma carreira contributiva de 40 anos, à proporção de 39/40, no caso das 
 pessoas que se reformem logo em 2008. 
 
  
 
 - Do preceituado no artigo 101.º, incluindo as suas excepções, conclui-se que 
 foi objectivo do legislador penalizar as situações dos beneficiários que 
 obtiverem remunerações mais elevadas nos últimos anos da carreira contributiva. 
 
  
 
 - Contudo, na medida em que o regime instituído no artigo 101.º, n.º 1, tenha 
 por objectivo atingir apenas as pessoas que terão manipulado o futuro valor da 
 pensão, viola o princípio da proporcionalidade, pois não atinge apenas essas 
 pessoas mas também todas as outras, incluindo os trabalhadores por conta de 
 outrem cujos descontos em nada dependem da sua vontade. 
 
  
 
 - A medida estabelecida pelas normas do artigo 101.º, do Decreto-Lei n.º 
 
 187/2007, visa uma 'maior moralização do sistema' (cf. preâmbulo do diploma), 
 mas a verdade é que abrange, de forma arbitrária, pensionistas que, beneficiando 
 de remunerações mais elevadas nos últimos anos da carreira contributiva não 
 tiveram qualquer intervenção na fixação desses montantes. 
 
  
 
  - Há, além disso, violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º 
 da Lei Fundamental, pois o limite do valor das pensões apenas se aplica a uma 
 categoria bem determinada de destinatários (os inscritos até 31 de Dezembro de 
 
 2001 e, entre estes, de forma mais gravosa atendendo ao nível da expectativas 
 criadas, para os que iniciem a pensão até 31 de Dezembro de 2016).
 
  
 Notificado para se pronunciar, querendo, sobre o pedido, o Primeiro-Ministro 
 veio defender a não inconstitucionalidade e a não ilegalidade das normas 
 contidas no artigo 101.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, juntando dois pareceres 
 jurídicos em abono dessa posição.
 
  
 Elaborado o memorando a que alude o artigo 63º, n.º 1, da Lei do Tribunal 
 Constitucional e fixada a orientação do Tribunal, cabe decidir. 
 
  
 
  
 II. Fundamentação
 
  
 Enquadramento legal e evolução legislativa
 
 2. O Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio, em desenvolvimento do regime 
 jurídico estabelecido pela Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro, que aprovou as  
 Bases Gerais do Sistema da Segurança Social, veio consignar um regime 
 diferenciado de cálculo das pensões de reforma, no âmbito do regime geral da 
 segurança social, estipulando, como regra geral, para os beneficiários inscritos 
 a partir de 1 de Janeiro de 2002, o apuramento do montante da pensão mensal com 
 base nas remunerações auferidas durante todo o período contributivo, até ao 
 limite de 40 anos (artigo 32º), e para os beneficiários inscritos até 31 de 
 Dezembro de 2001, uma fórmula proporcional que implica a combinação de uma 
 parcela calculada com base nos 10 melhores anos dos últimos 15 da carreira 
 contributiva (P1), e outra calculada com base na totalidade da carreira 
 contributiva (P2), com um ajustamento em relação ao cômputo de anos civis a 
 considerar, em cada uma dessas parcelas, consoante os beneficiários iniciem a 
 pensão até 31 de Dezembro de 2016 ou a partir desta data (artigo 33º).
 
  
 No âmbito desta fórmula proporcional, o artigo 34º concretiza as regras de 
 cálculo da designada P1, isto é, da parcela da pensão que é apurada com base nos 
 
 10 melhores anos dos últimos 15 da carreira contributiva. No entanto, a 
 disposição transitória do artigo 101º introduz um limite superior às pensões 
 calculadas nesses termos, fazendo-o corresponder a 12 vezes o Indexante dos 
 Apoios Sociais (IAS), com as excepções que aí são consideradas.
 
  
 
 É esta disposição transitória, interpretada conjugadamente com as normas dos 
 artigos 33º e 34º, que vem arguida de inconstitucionalidade, por violação dos 
 princípios da protecção da confiança, da proporcionalidade e da igualdade, e de 
 ilegalidade, por violação do princípio da contributividade, e que cabe agora 
 analisar.
 
  
 
  As normas em causa ostentam a seguinte redacção:
 
  
 Artigo 33.º
 Regras aplicáveis aos beneficiários inscritos
 até 31 de Dezembro de 2001
 
 1—A pensão estatutária dos beneficiários inscritos até 31 de Dezembro de 2001 e 
 que iniciem pensão até 31 de Dezembro de 2016 resulta da aplicação da fórmula 
 seguinte:
 
 P=(P1×C1+P2×C2)
 C
 
 2—A pensão estatutária dos beneficiários inscritos até 31 de Dezembro de 2001 e 
 que iniciem pensão após 1 de Janeiro de 2017 resulta da aplicação da fórmula
 seguinte:
 P=(P1×C3+P2×C4)
 C
 
 3—Para efeitos da aplicação das fórmulas referidas nos números anteriores, 
 entende-se por:
 
 «P» o montante mensal da pensão estatutária;
 
 «P1» a pensão calculada por aplicação da regra de cálculo prevista no artigo 
 seguinte;
 
 «P2» a pensão calculada por aplicação das regras de cálculo previstas no artigo 
 anterior;
 
 «C» o número de anos civis da carreira contributiva com registo de remunerações 
 relevantes para os efeitos da taxa de formação de pensão;
 
 «C1» o número de anos civis da carreira contributiva com registo de remunerações 
 relevantes para os efeitos da taxa de formação de pensão completados até 31 de 
 Dezembro de 2006;
 
 «C2» o número de anos civis da carreira contributiva com registo de remunerações 
 relevantes para os efeitos da taxa de formação de pensão completados a partir de 
 
 1 de Janeiro de 2007;
 
 «C3» o número de anos civis da carreira contributiva com registo de remunerações 
 relevantes para os efeitos da taxa de formação de pensão completados até 31 de 
 Dezembro de 2001;
 
 «C4» o número de anos civis da carreira contributiva com registo de remunerações 
 relevantes para os efeitos da taxa de formação de pensão completados a partir de 
 
 1 de Janeiro de 2002.
 
 4— Para efeitos de determinação de C1, C2, C3 e C4, previstos nas fórmulas dos 
 números anteriores, considera-se a totalidade dos anos de carreira contributiva, 
 ainda que superior a 40 anos.
 
 5— Aos beneficiários previstos no n.º 1 que à data em que requeiram a pensão 
 possuam, pelo menos, 46 anos civis com registo de remunerações relevantes para 
 efeitos de taxa de formação da pensão é garantido o valor de pensão resultante 
 das regras de cálculo previstas no artigo anterior, caso este lhes seja mais 
 favorável.
 
  
 Artigo 34.º
 Regras de cálculo para determinação de P1
 
 1— P1 é igual ao produto da taxa global de formação da pensão pelo valor da 
 remuneração de referência, determinada nos termos dos n.os 3 e seguintes do 
 artigo 28.º
 
 2—A taxa anual de formação da pensão é de 2% por cada ano civil com registo de 
 remunerações.
 
 3—A taxa global de formação da pensão é o produto da taxa anual pelo número de 
 anos civis com registo de remunerações, tendo por limites mínimo e máximo, 
 respectivamente, 30% e 80%.
 
  
 Artigo 101.º
 Limite superior das pensões
 
 1—Nas pensões calculadas nos termos do artigo 34.º, P1 fica limitada a 12 vezes 
 o IAS, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
 
 2—Sempre que P2 seja superior a P1, não é aplicado qualquer limite a esta 
 parcela.
 
 3—A limitação referida no n.º 1 também não é aplicável se o valor de P1 e de P2 
 for superior a 12 vezes o valor do IAS e o P1 for superior a P2, situação em que 
 a pensão é calculada nos termos do artigo 32.º.
 
  
 Pela própria natureza dos argumentos que foram aduzidos, a análise das questões 
 de constitucionalidade e de legalidade que vêm suscitadas implica o confronto 
 com os regimes jurídicos precedentes e o necessário enquadramento da nova 
 legislação no seu contexto histórico, com uma referência, ainda que sucinta, à 
 mais recente evolução legislativa.
 
  
 O Decreto-Lei n.º 329/93, de 25 de Setembro, reflectindo as profundas mudanças 
 que então já se faziam sentir nos aspectos sociais, demográficos e económicos, 
 com múltiplas e pesadas interferências nos sistemas de segurança social, 
 procedeu a uma ampla reformulação do método de cálculo das pensões, que, em 
 grande medida, não obstante os significativos aperfeiçoamentos e modificações 
 introduzidos pela Lei de Bases do Sistema de Segurança Social, aprovada pela Lei 
 n.º 24/84, de 28 de Agosto, ainda assentava em princípios consagrados na Lei n.º 
 
 2115, de 18 de Junho de 1962, e nos diplomas regulamentares (n.ºs 1 e 2 do 
 preâmbulo). E, nesse sentido, preconizou, entre outras medidas, que fosse tomado 
 em consideração «um maior período de carreira contributiva (10 melhores anos dos 
 
 últimos 15), com vista a que a remuneração de referência exprim[isse] de forma 
 mais ajustada o último período de actividade profissional» (n.º 7 do preâmbulo e 
 artigo 33º, n.º 1).
 
  
 Entretanto, o Decreto-Lei n.º 327/93, da mesma data, veio regular o 
 enquadramento dos membros dos órgãos estatutários das pessoas colectivas no 
 regime geral da segurança social, estabelecendo como base de incidência das 
 contribuições o valor das remunerações efectivamente auferidas, com o limite 
 mínimo igual ao valor da remuneração mínima mensal mais elevada garantida por 
 lei à generalidade dos trabalhadores e o limite máximo igual a 12 vezes o valor 
 da mesma remuneração mínima (artigo 9º, n.º 1, na redacção dada pelo Decreto-Lei 
 n.º 571/99, de 24 de Dezembro). O diploma consignou, no entanto, uma base de 
 incidência optativa, permitindo que os membros dos órgãos estatutários das 
 pessoas colectivas abrangidas pelo diploma efectuassem o pagamento de 
 contribuições com base no valor real das remunerações quando estas excedessem o 
 limite máximo da base de incidência fixado naquele artigo 9° (artigo 11º, na 
 redacção do Decreto-Lei n.º 104/94, de 20 de Abril).
 
  
 O regime de determinação dos montantes das pensões, dentro do quadro definido 
 pelo Decreto-Lei n.º 329/93, foi, no entanto, posto em crise pela Lei n.º 
 
 17/2000, de 8 de Agosto, que aprovou as Bases Gerais do Sistema de Solidariedade 
 e de Segurança Social, revogando a anterior Lei n.º 24/84, de 28 de Agosto, e 
 que passou a ditar, no que concerne ao respectivo quadro legal, o princípio 
 segundo o qual «[o] cálculo de pensões de velhice deve, de um modo gradual e 
 progressivo, ter por base os rendimentos de trabalho, revalorizados, de toda a 
 carreira contributiva» (artigo 57.º, n.º 3).
 
  
 Foi entretanto formalizado, em 20 de Novembro de 2001, no âmbito do Conselho 
 Económico e Social, um Acordo para a Modernização da Protecção Social, em que o 
 Governo e os parceiros sociais se comprometeram a adoptar medidas a partir de 1 
 de Janeiro de 2003 destinadas a assegurar o equilíbrio financeiro do sistema de 
 segurança social, e em que se inclui a reformulação do cálculo das pensões do 
 subsistema previdencial em termos de o montante da pensão passar a ser aquele 
 que resultar da consideração da média das remunerações revalorizadas da 
 totalidade da carreira contributiva (cfr. III, n.º 5.)
 
  
 As partes justificam a adopção dessa medida do seguinte modo:
 
  
 Há duas razões pelas quais a nova Lei de Bases sustentou a necessidade de contar 
 com toda a carreira contributiva para a fórmula de cálculo de pensões do regime 
 previdencial. Uma é de justiça. Só assim não se prejudicam aqueles que ao longo 
 da vida cumpriram escrupulosamente os seus deveres perante a colectividade face 
 
 àqueles que manipulam o sistema maximizando as contribuições nos últimos 15 anos 
 da sua vida profissional. Só assim não se prejudicam aqueles, cujo último terço 
 da sua vida activa não foi remunerado ao mesmo nível que atingiram 
 anteriormente. A outra é financeira. É uma medida que a prazo promove a 
 sustentabilidade do regime porque tem como resultado encorajar mais pessoas a 
 descontarem mais para a segurança social durante mais tempo.
 
  
 Na sequência, e no desenvolvimento da Lei n.º 17/2000, as novas regras de 
 cálculo para as pensões de invalidez e velhice foram definidas pelo Decreto-Lei 
 n.º 35/2002, de 19 de Fevereiro, que, como resulta da respectiva nota 
 preambular, pretendeu sobretudo regulamentar a referida disposição do artigo 
 
 57.º, n.º 3, da Lei de Bases, introduzindo, como aí se refere, «uma mudança de 
 vulto perante o sistema até aqui vigente, resultante do Decreto-Lei n.º 329/93, 
 de 25 de Setembro».
 
  
 Esse propósito foi especialmente concretizado através do disposto no artigo 4º, 
 n.º 1, desse diploma legal, que sob a epígrafe «Remuneração de referência», 
 estabelece o seguinte:
 
  
 A remuneração de referência, para os efeitos do cálculo da pensão estatutária, é 
 definida pela fórmula TR/(n×14), em que TR representa o total das remunerações 
 anuais revalorizadas de toda a carreira contributiva e n o número de anos civis 
 com registo de remunerações, até ao limite de 40.
 
  
 Por outro lado, a medida surge explicada na exposição de motivos nos seguintes 
 termos:
 
  
 Esta alteração legislativa assenta num pressuposto de justiça social e reflecte 
 uma dupla preocupação: por um lado, pretende-se que a pensão reproduza com maior 
 fidelidade as remunerações percebidas ao longo de uma vida profissional e 
 intenta-se, por outro, também numa óptica de equilíbrio financeiro do sistema, a 
 eliminação das situações de manipulação estratégica do valor das pensões, ainda 
 permitida pelas regras de cálculo [...] vigentes e que favorecem sobretudo 
 aqueles que, podendo aceder ao conhecimento das regras de funcionamento do 
 sistema, as utilizam para revelar, fidedignamente, apenas os valores das 
 remunerações nos últimos 15 anos da sua carreira.
 Estas novas regras pretendem, pois, representar “uma alteração estruturante do 
 sistema de solidariedade e segurança social, porquanto visam contribuir não 
 apenas para o reforço, a médio e longo prazo, da sua sustentabilidade 
 financeira, já que são elas mesmas, um incentivo à contributividade, como também 
 para um exercício mais responsável, por todos, dos respectivos direitos e 
 deveres de cidadania.
 
  
 Não obstante, o Decreto-Lei 35/2002, que produzia efeitos desde 1 de Janeiro de 
 
 2002 (artigo 23º), «tendo em vista a salvaguarda dos direitos adquiridos e de 
 direitos em formação, nos termos, aliás, previstos nos artigos 59.º e 104.º da 
 Lei n.º 17/2000», como se explica no respectivo exórdio, veio garantir aos 
 beneficiários cuja carreira contributiva ficou exposta a esta sucessão dos 
 regimes jurídicos o montante de pensão que lhes seja mais favorável.
 
  
 E, desse modo, em relação aos beneficiários que se tivessem inscrito até 31 de 
 Dezembro de 2001 e que tivessem completado o prazo de garantia (5 anos para 
 pensões de invalidez e 15 anos para pensões de velhice) ou cuja pensão tenha 
 início entre 1 de Janeiro de 2002 e 31 de Dezembro de 2016 – e, portanto, em 
 relação a beneficiários que já integravam o sistema à data em que foi 
 introduzida a alteração da fórmula de cálculo das pensões – foi atribuído o 
 montante da pensão mais elevado que resultasse ou da aplicação das regras de 
 cálculo previstas no Decreto-Lei n.º 329/93, ou da aplicação das regras de 
 cálculo previstas no Decreto-Lei n.º 35/2002, ou da aplicação proporcional das 
 regras de cálculo de um e outro desses diplomas (artigos 12º e 13º). 
 
  
 No entanto, ulteriormente, foi celebrado um novo acordo entre o Estado e os 
 parceiros sociais, no seio do Conselho Económico e Social, que teve 
 essencialmente em vista complementar a reforma de 2001/2002, e que assentou, 
 para além do mais, nas duas seguintes linhas de actuação: (i) aceleração do 
 prazo de transição para a nova fórmula de cálculo das pensões; (ii) introdução 
 de um limite superior exclusivamente para o cálculo das pensões baseado nos 
 
 últimos anos da carreira contributiva, por forma a limitar os efeitos para o 
 sistema de segurança social da concentração dos descontos na parte final da 
 carreira contributiva (Acordo sobre a Reforma da Segurança Social, de 10 de 
 Outubro de 2006).
 
  
 No que respeita ao primeiro dos objectivos enunciados, o Governo e os parceiros 
 sociais sustentam que importa «potenciar os efeitos da nova fórmula de cálculo 
 das pensões, mais justa porque ao considerar toda a carreira contributiva 
 permite reduzir os indesejáveis fenómenos de gestão das carreiras contributivas 
 no período final da vida profissional». Não ignoram, todavia, que «a transição 
 para a nova fórmula de cálculo pode comportar variações no rendimento dos novos 
 pensionistas que terão maior dificuldade em compensar os seus efeitos nos 
 
 últimos anos da vida activa», razão pela qual preconizam uma aplicação gradual 
 dessa nova fórmula (pág. 6).
 
  
 Por sua vez, no que se refere à introdução de um princípio de limitação às 
 pensões mais altas, as partes consignaram o seguinte (págs. 9-10):
 
  
 Num quadro de desejável reforço da sustentabilidade da segurança social, e em 
 ordem a complementar a dimensão de solidariedade profissional da fórmula de 
 cálculo das pensões, mas tendo também em conta a contributividade do sistema, 
 considera-se adequado proceder a uma limitação superior e a um congelamento 
 nominal de todas as pensões com valores muito elevados, mas sempre em patamares 
 socialmente aceitáveis.
 Desde logo, o Governo e os parceiros sociais afirmam, contudo, que a justiça 
 contributiva impõe que as pensões formadas com base em descontos correspondentes 
 
 à média de toda a carreira contributiva não deverão conhecer limite 
 contributivo, uma vez que resultam directamente da consideração de todos os 
 descontos dos trabalhadores. Deste modo, os descontos dos trabalhadores por 
 salários superiores ao limite estabelecido serão relevantes e integralmente 
 considerados no âmbito da nova fórmula de cálculo das pensões, mesmo durante o 
 período de transição estabelecido, pelo que se reafirma o carácter transitório 
 desta medida. 
 
  
 Nessa ordem de considerações, as partes acordaram, no que se refere àqueles dois 
 mencionados aspectos, na implementação de medidas legislativas que se encontram 
 assim descritas:
 
  
 
 (a) a pensão dos inscritos na Segurança Social até 2001, inclusive, e que se 
 reformem até 31 de Dezembro de 2016, será calculada a partir de uma fórmula 
 transitória onde sejam proporcionalmente tidos em linha de conta o peso da 
 carreira decorrida até 2007 e o peso da carreira subsequente, de acordo com a 
 seguinte fórmula  P=(P1×C1+P2×C2);
 
 (b) para todos os outros contribuintes inscritos até 2001, que se reformarem 
 depois de 2016, a nova pensão resultará do cálculo através do mecanismo de média 
 ponderada da nova e da antiga fórmula de cálculo, nos termos previstos no 
 Decreto-Lei nº 35/2002, com referência aos períodos contributivos decorridos até 
 
 31 de Dezembro de 2001 e aos períodos posteriores a essa data;
 
 (c) continuar-se-á a prever que a pensão dos novos inscritos na Segurança Social 
 a partir de 2002 seja totalmente calculada com base em toda a sua carreira 
 contributiva;
 
 (d) será introduzido um limite superior no cálculo das novas pensões a vigorar a 
 partir de 2007, que será aplicado exclusivamente à parcela do cálculo da pensão 
 que considera os melhores 10 dos últimos 15 anos de carreira contributiva, 
 desincentivando desta forma a gestão das carreiras para maximizar benefícios na 
 reforma;
 
 (e) em ordem a preservar o princípio da contributividade, sempre que se 
 verifique, no cálculo da pensão com base na nova fórmula de cálculo (P2), que 
 considera toda a carreira contributiva, um valor superior ao que resulta da 
 aplicação da antiga fórmula de cálculo (P1), não será aplicado qualquer limite 
 superior a esta parcela;
 
 (f) haverá congelamento nominal de todas as pensões já atribuídas de valor 
 superior ao limite fixado, a reavaliar quinquenalmente, tal como das restantes 
 regras de actualização das pensões;
 
 (g) como limite superior a que se referem as alíneas anteriores é fixado o valor 
 de 12 IAS, equivalente a 12 SMN.
 
  
 São estes novos critérios, consensualizados entre o Governo e os parceiros 
 sociais, que surgem reflectidos no Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio, 
 através dos preceitos que foram há pouco transcritos.
 
  
 O artigo 33º concretiza o princípio da aceleração da transição para a nova 
 fórmula de cálculo de pensões, para todos os contribuintes inscritos até 31 de 
 Dezembro de 2001 (a que se aplicava o regime transitório previsto no Decreto-Lei 
 n.º 35/2002), mediante a aplicação de uma fórmula proporcional de cálculo em que 
 se toma em linha de consideração, na fixação do montante global da pensão, uma 
 parcela calculada de acordo com as regras de cálculo previstas no Decreto-Lei 
 n.º 329/93, em que relevam os melhores 10 anos dos últimos 15 da carreira 
 contributiva (P1), e uma outra parcela cujo valor é estabelecido com base em 
 toda a carreira contributiva, em conformidade com o que já dispunha, em geral, o 
 Decreto-Lei n.º 35/2002 (P2); prevendo, por outro lado, para os contribuintes 
 inscritos até àquela data, mas que se reformem só a partir de 2016, uma fórmula 
 ponderada de cálculo em que se toma como ponto de referência o número de anos 
 civis da carreira contributiva anteriores (C3) e posteriores a 1 de Janeiro de 
 
 2002 (C4), data a partir da qual passou a vigorar o novo regime de cálculo de 
 pensões definido naquele diploma.
 
  
 Por outro lado, a fórmula proporcional de cálculo, conforme o previsto no artigo 
 
 33º, é aplicável imperativamente a todos os que por ela se encontrem abrangidos 
 
 (contribuintes inscritos até 31 de Dezembro de 2001), ficando excluída a 
 garantia de aplicação do montante de pensão mais favorável, que havia sido 
 estabelecida, transitoriamente, pelo artigo 13º do Decreto-Lei n.º 35/2002.    
 
  
 Por sua vez, o princípio da limitação das pensões de montante elevado foi 
 consagrado através da disposição transitória do artigo 101º, que impõe que a 
 parcela da pensão que deva ser calculada pelas regras do Decreto-Lei n.º 329/93, 
 para os efeitos de integrar a fórmula proporcional do cálculo da pensão, fique 
 limitada a 12 vezes o IAS (n.º 1). Limite que só não é aplicável nas situações 
 previstas nos n.ºs 2 e 3 desse artigo, isto é, quando o valor de P2 (entendido 
 como o valor apurado segundo as regras do Decreto-Lei n.º 187/2007) for superior 
 ao valor de P1 (entendido como o valor apurado segundo as regras do Decreto-Lei 
 n.º 329/93), caso em que a pensão é calculada pela fórmula proporcional sem 
 qualquer limite, ou quando esses valores (P1 e P2) sejam superiores a 12 vezes o 
 IAS, e P1 for superior a P2, caso em que a pensão é calculada de acordo com as 
 novas regras constantes do artigo 32.º do Decreto-Lei n.º 187/2007.
 
  
 Por via deste novo regime legal, a aceleração do período de passagem à nova 
 fórmula de cálculo das pensões, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 35/2002, de 19 
 de Fevereiro, é assegurada através da eliminação da garantia da atribuição da 
 pensão mais favorável, em relação aos contribuintes que fiquem abrangidos pelos 
 sucessivos regimes de cálculo (agora substituída pela aplicação de uma fórmula 
 proporcional que permite entrar em linha de conta com as antigas e as novas 
 regras de cálculo), mas também pelo aumento progressivo do peso relativo da 
 carreira contributiva no apuramento do montante da pensão, mediante a 
 ponderação, na taxa de formação da pensão, de anteriores períodos contributivos 
 
 (o completado até 31 de Dezembro de 2006, para os que se reformem até de 31 de 
 Dezembro de 2016, e o completado até 31 de Dezembro de 2001, para os que iniciem 
 a pensão a partir daquela data).
 
  
 Por outro lado, a limitação das pensões de montante elevado, tal como o previsto 
 no artigo 101º, tem em vista uma maior moralização do sistema, «garantindo o 
 respeito integral pelo princípio da contributividade, designadamente através das 
 salvaguardas que contempla». Assim se compreende que não haja lugar à aplicação 
 do limite superior da pensão quando o montante a considerar resulte, em boa 
 medida, da aplicação das regras de cálculo fixadas através do Decreto-Lei n.º 
 
 35/2002, tendo, por conseguinte, por base toda a carreira contributiva.
 
  
 Importa, por fim, sublinhar que o Decreto-Lei n.º 187/2007 foi publicado como 
 diploma legal de desenvolvimento do regime jurídico estabelecido pela Lei nº 
 
 4/2007, de 16 de Janeiro, que aprovou as bases gerais do sistema de segurança 
 social, substituindo a anterior lei de bases constante da Lei n.º 32/2002, de 20 
 de Dezembro.
 
  
 A Lei nº 4/2007, na parte que agora mais interessa considerar, manteve os traços 
 essenciais do anterior regime jurídico, mormente no tocante ao princípio da 
 contributividade, ao quadro legal das pensões e à tutela dos direitos adquiridos 
 e dos direitos em formação.
 
  
 Assim é que o artigo 54.º, referindo-se ao princípio da contributividade, 
 reproduz a formulação verbal já constante do artigo 30º da Lei n.º 32/2002: «[o] 
 sistema previdencial deve ser fundamentalmente autofinanciado, tendo por base 
 uma relação sinalagmática directa entre a obrigação legal de contribuir e o 
 direito às prestações».
 
  
 Mantém-se também, em idênticos termos, no artigo 63.º, n.º 4, o critério segundo 
 o qual «[o] cálculo das pensões de velhice e de invalidez tem por base os 
 rendimentos de trabalho, revalorizados, de toda a carreira contributiva», que já 
 provinha do artigo 40º, n.º 3, daquela Lei.
 
  
 A nova Lei reafirma ainda o princípio da conservação dos direitos adquiridos e 
 em formação (artigo 20º), que concretiza - em plena correspondência com o que já 
 resultava do artigo 121º, n.º 1, da Lei n.º 32/2002 - na disposição transitória 
 do artigo 100º, com o seguinte enunciado: «[o] desenvolvimento e a 
 regulamentação da presente lei não prejudicam os direitos adquiridos, os prazos 
 de garantia vencidos ao abrigo da legislação anterior, nem os quantitativos de 
 pensões que resultem de remunerações registadas na vigência daquela legislação».
 
  
 Contempla, no entanto, uma norma específica referente ao regime transitório de 
 cálculo de pensões (artigo 101º), pela qual se determina, sem prejuízo do 
 disposto no n.º 4 do artigo 63.º, que «deve fazer-se relevar, no cálculo das 
 pensões e com respeito pelo princípio da proporcionalidade, os períodos da 
 carreira contributiva cumpridos ao abrigo de legislação anterior, bem como as 
 regras de determinação das pensões então vigentes, quando aplicáveis à situação 
 do beneficiário».
 
  
 
 É na linha deste critério legal que poderão entender-se as disposições dos 
 artigos 33º, 34º e 101º do Decreto-Lei n.º 187/2007, que vêm questionadas pelo 
 requerente.
 
  
 Princípio da protecção da confiança 
 
  
 
 3.   O que o requerente discute relativamente às referidas disposições legais, é 
 
 – recorde-se – a circunstância de a norma do artigo 101º, n.º 1, do Decreto-Lei 
 n.º 187/2007, interpretada conjugadamente com aquelas outras, vir estabelecer um 
 limite superior para uma das parcelas da pensão que integra a fórmula de cálculo 
 
 (P1), em termos tais que implica uma redução assinalável do montante da pensão 
 para as pessoas que iniciem a pensão até 31 de Dezembro de 2016.
 
  
 Situação que considera ser particularmente injusta em relação aos membros dos 
 
 órgãos estatutários das pessoas colectivas, que foram legalmente autorizados a 
 efectuar o pagamento de contribuições com base no valor real das remunerações 
 quando estas excedessem o limite máximo da base de incidência (artigos 11.º e 
 
 12.º do DL n.º 327/93 de 25 de Setembro). E sublinha ainda que a limitação da 
 pensão traz também consequências desvantajosas para os beneficiários que iniciem 
 a pensão a partir de 31 de Dezembro de 2016, embora, nesse caso, por se 
 encontrarem mais longe da situação de reforma, a necessidade de tutela das suas 
 expectativas jurídicas não se torne tão evidente.
 
  
 No ponto em que frustra as expectativas jurídicas de pessoas que se encontram 
 mais próximas do termo da actividade profissional e que não poderão já redefinir 
 a sua estratégia de planeamento de reforma, a solução legal é, desde logo, 
 incompatível, no entender do requerente, com o princípio da protecção da 
 confiança ínsito no Estado de direito democrático.
 
  
 
 É essa questão que primeiramente interessa dilucidar.
 
  
 Como observam Gomes Canotilho e Vital Moreira, o princípio do Estado de direito, 
 a que alude o artigo 2º da Constituição, «mais do que constitutivo de preceitos 
 jurídicos, é sobretudo conglobador e integrador de um amplo conjunto de regras e 
 princípios dispersos pelo texto constitucional, que densificam a ideia de 
 sujeição do poder a princípios e regras jurídicas,  garantindo aos cidadãos 
 liberdade, igualdade e segurança». E, como acrescentam os mesmos autores, não 
 está excluído que dele se possam colher normas que não tenham expressão directa 
 em qualquer dispositivo constitucional, mas que se apresentam «como consequência 
 imediata e irrecusável daquilo que constitui o cerne do Estado de direito 
 democrático, a saber, a protecção dos cidadãos contra a prepotência, o arbítrio 
 e a injustiça (especialmente por parte do Estado)» (Constituição da República 
 Portuguesa Anotada, I vol., 4ª edição, Coimbra, págs. 205-206).
 
  
 
 É assim que se compreende que o princípio da segurança jurídica surja como uma 
 projecção do Estado de direito e se torne invocável, como critério 
 jurídico-constitucional de aferição de uma certa interpretação normativa, a 
 partir do próprio conceito de Estado de direito ínsito no falado artigo 2º da 
 Constituição.
 
  
 A garantia de segurança jurídica inerente ao Estado de direito corresponde, numa 
 vertente subjectiva, a uma ideia de protecção da confiança dos particulares 
 relativamente à continuidade da ordem jurídica. Nesse sentido, o princípio da 
 segurança jurídica vale em todas as áreas da actuação estadual, traduzindo-se em 
 exigências que são dirigidas à Administração, ao poder judicial e, 
 especialmente, ao legislador.
 
  
 Trata-se assim de um princípio que exprime a realização imperativa de uma 
 especial exigência de previsibilidade, protegendo sujeitos cujas posições 
 jurídicas sejam objectivamente lesadas por determinados quadros injustificados 
 de instabilidade (Blanco de Morais, Segurança Jurídica e Justiça Constitucional, 
 in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, vol. XLI, n.º 2, 
 
 2000, pág. 625).
 
    
 Referindo-se à protecção da confiança dos particulares relativamente à 
 manutenção de um certo regime legal, Reis Novais defende, em tese geral, que «os 
 particulares têm, não apenas o direito a saber com o que podem legitimamente 
 contar por parte do Estado, como, também, o direito a não verem frustradas as 
 expectativas que legitimamente formaram quanto à permanência de um dado quadro 
 ou curso legislativo, desde que essas expectativas sejam legítimas, haja 
 indícios consistentes de que, de algum modo, elas tenham sido estimuladas, 
 geradas ou toleradas por comportamentos do próprio Estado e os particulares não 
 possam ou devam, razoavelmente, esperar alterações radicais no curso do 
 desenvolvimento legislativo normal» (Os princípios constitucionais estruturantes 
 da República Portuguesa, Coimbra, 2004, pág. 263). No entanto, face ao valor 
 constitucional contraposto do interesse público, a que o legislador está também 
 vinculado, o autor reconhece que «o alcance prático do princípio da protecção da 
 confiança só é delimitável através de uma avaliação ad hoc que tenha em conta as 
 circunstâncias do caso concreto e permita concluir, com base no peso variável 
 dos interesses em disputa, qual dos princípios deve merecer prevalência». E no 
 plano da ponderação do peso das posições relativas dos particulares, acentua que 
 
 «as expectativas têm de ser legítimas», excluindo que possam assumir qualquer 
 relevo valorativo as posições sustentadas «em ilegalidades ou em omissões 
 indevidas do Estado»  (idem, págs. 264 e 267)
 
  
 Também o Tribunal Constitucional tem já firmado o entendimento de que o 
 princípio do Estado de direito democrático postula «uma ideia de protecção da 
 confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do 
 Estado, o que implica um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas 
 e nas expectativas que a elas são juridicamente criadas», conduzindo à 
 consideração de que «a normação que, por natureza, obvie de forma intolerável, 
 arbitrária ou demasiado opressiva àqueles mínimos de certeza e segurança 
 jurídica que as pessoas, a comunidade e o direito têm de respeitar, como 
 dimensões essenciais do Estado de direito democrático, terá de ser entendida 
 como não consentida pela lei básica» (entre outros, o acórdão n.º 303/90, in 
 Acórdãos do Tribunal Constitucional, 17º vol., pág. 65).
 
  
 Referindo-se especificamente a situações de retrospectividade ou retroactividade 
 inautêntica, o Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 287/90, teve também já 
 oportunidade de definir a ideia de arbitrariedade ou excessiva onerosidade, para 
 efeito da tutela do princípio da segurança jurídica na vertente material da 
 confiança, por referência a dois pressupostos essenciais: 
 a)   a afectação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, 
 quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os 
 destinatários das normas dela constantes não possam contar; e ainda
 b)  quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou 
 interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes 
 
 (deve recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente 
 consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 
 
 18.º da Constituição).
 
  
 Os dois critérios enunciados (e que são igualmente expressos noutros arestos) 
 são, no fundo, reconduzíveis a quatro diferentes requisitos ou “testes”. Para 
 que haja lugar à tutela jurídico-constitucional da «confiança» é necessário, em 
 primeiro lugar, que o Estado (mormente o legislador) tenha encetado 
 comportamentos capazes de gerar nos privados «expectativas» de continuidade; 
 depois, devem tais expectativas ser legítimas, justificadas e fundadas em boas 
 razões; em terceiro lugar, devem os privados ter feito planos de vida tendo em 
 conta a perspectiva de continuidade do «comportamento» estadual; por último, é 
 ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em 
 ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de 
 expectativa (neste sentido, o recente acórdão n.º 128/2009). 
 
  
 Este princípio postula, pois, uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e 
 da comunidade na estabilidade da ordem jurídica e na constância da actuação do 
 Estado. 
 
  
 Não há, no entanto, como se afirmou no já citado acórdão nº 287/90, «um direito 
 
 à não-frustração de expectativas jurídicas ou a manutenção do regime legal em 
 relações jurídicas duradoiras ou relativamente a factos complexos já 
 parcialmente realizados». O legislador não está impedido de alterar o sistema 
 legal afectando relações jurídicas já constituídas e que ainda subsistam no 
 momento em que é emitida a nova regulamentação, sendo essa uma necessária 
 decorrência da autorevisibilidade das leis. O que se impõe determinar é se 
 poderá haver por parte dos sujeitos de direito um investimento de confiança na 
 manutenção do regime legal.
 
  
 
 4. Recentrando a questão no seu âmbito mais específico, não pode deixar de 
 reconhecer-se, como a jurisprudência constitucional tem também já considerado, 
 que o legislador dispõe de uma ampla margem de conformação na concretização do 
 direito à segurança social (cfr., entre outros, o acórdão n.º 509/2002).
 
  
 Este princípio é também aceite inequivocamente pela doutrina, tal como a 
 propósito referem Gomes Canotilho e Vital Moreira (ob. cit., pág. 819):
 
  
 A Constituição é omissa sobre o sistema de pensões e prestações do sistema de 
 segurança social, bem como sobre os critérios da sua concessão e do seu valor 
 pecuniário, ficando essa matéria na livre disposição do legislador, observados 
 os princípios constitucionais pertinentes (igualdade, proporcionalidade, etc.). 
 Isso inclui o direito de alterar as condições e requisitos de fruição e de 
 cálculo das prestações (designadamente das pensões) em sentido mais exigente, 
 desde que por motivos justificados (nomeadamente a sustentabilidade financeira 
 do sistema) e desde que isso só valha para o futuro (proibição de 
 retroactividade das restrições de direitos fundamentais) (no mesmo sentido, 
 Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, I Tomo, 2005, págs. 
 
 63-64).
 
  
 Mesmo o Tribunal Constitucional tem repetidamente afirmado, nesta linha geral de 
 entendimento, que os contribuintes para os sistemas de segurança social não 
 possuem qualquer expectativa legítima na pura e simples manutenção do status quo 
 vigente em matéria de pensões (cfr. o acórdão n.º 99/99 e a jurisprudência nele 
 citada e, mais recentemente, os acórdãos n.ºs 302/2006 e 351/2008). 
 
  
 Como se deixou já referido, o regime de determinação dos montantes das pensões, 
 que provinha do Decreto-Lei n.º 329/93 e em certa medida era ainda tributário do 
 modelo concebido nos anos 60, foi profundamente alterado pela Lei de Bases da 
 Segurança Social aprovada pela Lei n.º 17/2000, de 8 de Agosto, que estipulou o 
 princípio segundo o qual o cálculo de pensões de velhice devia ter por base os 
 rendimentos de trabalho de toda a carreira contributiva (artigo 57.º, n.º 3).
 
  
 O Governo e os parceiros sociais, através do Acordo para a Modernização da 
 Protecção Social, de 20 de Novembro de 2001, comprometeram-se entretanto a 
 adoptar medidas destinadas a assegurar o equilíbrio financeiro do sistema de 
 segurança social, incluindo no que se refere à reformulação do cálculo das 
 pensões, e nessa sequência foi publicado o Decreto-Lei n.º 35/2002, de 19 de 
 Fevereiro, que veio estabelecer como regra a consideração, para efeitos do 
 cálculo da pensão, das remunerações anuais revalorizadas de toda a carreira 
 contributiva, medida que era justificada não só pela necessidade de assegurar 
 sustentabilidade financeira do sistema de segurança social, mas também por 
 razões de justiça social.
 
  
 Como a Lei de Bases preconizava, no entanto, que o novo regime de cálculo de 
 pensões fosse implementado de modo gradual e progressivo, o Decreto-Lei 35/2002 
 previa uma norma transitória, destinada a salvaguardar os direitos em formação, 
 pela qual os beneficiários já inscritos à data da entrada em vigor dessa lei 
 
 (até 31 de Dezembro de 2001) poderiam optar pelo montante de pensão que fosse 
 mais favorável, considerando as regras de cálculo do Decreto-Lei n.º 329/93, ou 
 do Decreto-Lei n.º 35/2002, ou ainda uma combinação proporcional de ambas 
 
 (artigos 12º e 13º). 
 
  
 Posteriormente, porém, foi celebrado um novo acordo entre o Estado e os 
 parceiros sociais, que teve em vista complementar a reforma de 2001/2002, e que 
 pretendeu realizar dois objectivos essenciais: (i) acelerar o prazo de transição 
 para a nova fórmula de cálculo das pensões; (ii) introduzir um limite superior 
 para o cálculo das pensões baseado nos últimos anos da carreira contributiva 
 
 (Acordo sobre a Reforma da Segurança Social, de 10 de Outubro de 2006).
 
  
 São precisamente esses objectivos que surgem plasmados no novo regime 
 transitório do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio.
 
  
 Os artigos 33º e 34º, como já se explanou, visam dar concretização prática ao 
 princípio da aceleração da transição para a nova fórmula de cálculo de pensões, 
 tornando aplicável aos contribuintes inscritos até 31 de Dezembro de 2001 (e, 
 portanto, àqueles cuja carreira contributiva decorreu em parte ainda na vigência 
 do Decreto-Lei n.º 329/93) uma fórmula proporcional de cálculo da pensão em que 
 se toma em linha de consideração, na fixação do montante global da pensão, uma 
 parcela calculada de acordo com as antigas regras de cálculo (em que relevam os 
 melhores 10 anos dos últimos 15 da carreira contributiva), e uma outra parcela 
 cujo valor é estabelecido com base em toda a carreira contributiva, segundo o 
 regime que já provinha do Decreto-Lei n.º 35/2002.
 
  
 Entretanto, os beneficiários que se tenham inscrito a partir de 1 de Janeiro de 
 
 2002, e, portanto, já no domínio do Decreto-Lei n.º 35/2002, ficam integralmente 
 sujeitos às novas regras de cálculo que haviam sido instituídas por esse diploma 
 legal, em que se tem apenas em linha de conta as remunerações registadas de toda 
 a carreira contributiva (artigo 32º).
 
       
 Em todo este contexto, a limitação do montante da pensão nos termos do artigo 
 
 101º, n.º 1, não é mais do que um factor de correcção da parcela da pensão que 
 deva ser calculada ainda segundo as antigas regras do Decreto-Lei n.º 329/93, 
 destinado a impedir que, apesar da interferência de uma fórmula proporcional de 
 cálculo, venha a ser atribuída uma pensão que se mostre ser excessiva em termos 
 de equidade contributiva.
 
  
 Sublinhe-se a este propósito que a norma do artigo 101º não impõe um limite 
 absoluto ao montante das pensões, permitindo antes, através das excepções 
 contempladas nos n.ºs 2 e 3 desse artigo, que a parcela da pensão que deva ser 
 calculada pelas regras do Decreto-Lei n.º 329/93 (P1) possa ultrapassar 12 vezes 
 o IAS quando ela seja inferior à parcela que resulta da aplicação das regras do 
 Decreto-Lei n.º 187/2007 (P2), e que, de outro modo, a pensão seja calculada 
 segundo o critério geral do artigo 32º, quando ambos os valores (P1 e P2) 
 excedam o limite de 12 vezes o IAS.
 
  
 A introdução destes desvios evidencia que o limite superior da pensão, tal como 
 previsto no artigo 101º, n.º 1, tem apenas como objectivo uma maior moralização 
 do sistema, deixando de funcionar nos casos em que o montante da pensão, ainda 
 que de valor elevado, espelha de uma forma uniforme a carreira contributiva do 
 beneficiário e cumpre assim de uma forma aproximativa o princípio da 
 contributividade.
 
  
 Analisando toda a evolução legislativa na perspectiva da protecção da confiança, 
 
 à luz dos parâmetros já há pouco enunciados, há diversas ordens de considerações 
 que deverão ser tidas em linha de conta:
 
  
 
 (a) a fórmula do artigo 33.º, n.º 1, e o limite imposto no artigo 101.º, n.º 1, 
 do Decreto-Lei n.º 187/2007 inserem-se no quadro de uma política geral de 
 sustentação do sistema de segurança social que saiu reforçada, em especial, a 
 partir da Lei de Bases da Segurança Social de 2000 (Lei n.º 17/2000, de 8 de 
 Agosto) e que dá cumprimento ao imperativo de sustentabilidade financeira do 
 sistema de segurança social, consagrado no artigo 63.º, n.ºs 1 e 2, da 
 Constituição; 
 
  
 
 (b) o legislador pretendeu instituir um regime globalmente mais justo, assente 
 na necessidade de basear o cálculo do montante das pensões nas remunerações 
 valorizadas de toda a carreira contributiva, e não apenas num intervalo de tempo 
 limitado, evitando situações de injustiça relativa entre beneficiários; 
 
  
 
 (c) o regime de cálculo da pensão com base em toda a carreira contributiva 
 passou a ficar imperativamente consagrado na Lei de Bases de 2002, que fixou 
 também o princípio da contributividade nos termos em que se encontra actualmente 
 formulado (artigos 30º e 40.º, n.º 3, da Lei n.º 32/2002, de 20 de Dezembro), 
 mas remonta já à Lei de Bases de 2000, que preconizou uma transição gradual e 
 progressiva para essas novas regras de cálculo (artigo 57, n.º 3, da Lei n.º 
 
 17/2000);
 
  
 
 (d) quer as medidas legislativas referentes à reformulação do cálculo das 
 pensões (estabelecida pela Lei n.º 32/2002), quer as relativas à aceleração do 
 prazo de transição para a nova fórmula de cálculo e à limitação do montante das 
 pensões (decorrentes da Lei n.º 4/2007) foram acordadas entre o Governo e os 
 parceiros sociais no âmbito do Conselho Económico e Social, tendo obtido, nesse 
 plano, legitimação política e social;
 
  
 
 (e) o legislador institui um sistema gradual de transição para o novo regime de 
 cálculo, estabelecendo primeiramente uma garantia de montante de pensão mais 
 favorável (artigo 13º da Decreto-Lei n.º 35/2002) e depois um regime transitório 
 baseado numa fórmula proporcional de cálculo em que relevam as antigas e as 
 novas regras de cálculo;
 
  
 
 (f) o estabelecimento de um limite superior ao montante da pensão é justificado, 
 pelo legislador, por razões de justiça social e de equidade contributiva;
 
  
 g) a pensão fixada nos termos do artigo 101º, n.º 1, é, apesar de tudo, mais 
 favorável do que a que resulta, para os beneficiários inscritos a partir de 1 de 
 Janeiro de 2002, da aplicação do critério geral do artigo 32º, que tem em 
 consideração toda a carreira contributiva.
 
  
 Não pode dizer-se, em todo este condicionalismo, que a mutação da ordem jurídica 
 tenha afectado de forma inadmissível as expectativas das pessoas abrangidas por 
 esse novo regime de transição e que essa tenha sido uma alteração legislativa 
 com que, razoavelmente, os destinatários não poderiam contar.
 
  
 E não pode deixar de reconhecer-se que a limitação do montante da pensão, 
 entendida no quadro mais geral da reforma do sistema de segurança social, se 
 encontra justificada pela necessidade de salvaguardar interesses 
 constitucionalmente protegidos que devem considerar-se prevalecentes, como o 
 princípio da justiça intergeracional e o princípio da sustentabilidade.
 
  
 Não assume particular relevo, neste contexto, a circunstância de o Decreto-Lei 
 n.º 327/93, ao pretender efectivar o direito à segurança social dos membros dos 
 
 órgãos estatutários das pessoas colectivas, ter vindo a permitir que estes 
 pudessem optar pelo pagamento de contribuições com base no valor real das 
 respectivas remunerações (artigo 11º).
 
  
 Na verdade, os titulares de órgãos das pessoas colectivas estavam dispensados de 
 contribuir para a segurança social em função das remunerações efectivamente 
 auferidas, podendo limitar-se a satisfazer a sua obrigação contributiva tomando 
 como base de incidência um limite mínimo correspondente ao valor da remuneração 
 mínima mensal mais elevada garantida por lei à generalidade dos trabalhadores e 
 um limite máximo igual a 12 vezes o valor dessa mesma remuneração mínima (artigo 
 
 9º, n.º 1). No entanto, essa limitação desaparecia por livre opção dos 
 interessados, desde que exercida até aos 55 anos, permitindo-se que procedessem 
 ao pagamento de contribuições com base no valor real das remunerações na fase 
 final da sua actividade profissional (artigo 11º).
 
  
 Essas pessoas podiam assim beneficiar de um tecto remuneratório durante grande 
 parte da carreira contributiva, podendo mesmo efectuar descontos para a 
 segurança social por referência à remuneração mínima legalmente permitida, e 
 aumentar exponencialmente as suas contribuições no limiar da entrada no período 
 relevante para o cálculo da pensão, segundo o regime então vigente, por forma a 
 obterem uma pensão mais elevada (que seria calculada com base nos melhores 10 
 anos dos últimos 15 da carreira contributiva).
 
  
 Independentemente das situações de manipulação deliberada do cálculo do montante 
 da pensão, que a lei objectivamente potenciava, o regime legal permitia a uma 
 categoria de contribuintes obter pensões de valor elevado que não tinham 
 correspondência com os rendimentos médios declarados ao longo da carreira 
 contributiva.
 
  
 Em todo o caso, importa notar que a fórmula de cálculo da pensão aplicável a 
 esses beneficiários, segundo o novo regime, é mais favorável que a que resulta 
 da aplicação do critério geral, visto que permite que uma parcela da pensão seja 
 ainda apurada em função dos últimos anos da carreira contributiva. E, por outro 
 lado, o limite superior da pensão imposto pelo artigo 101º, n.º 1, do 
 Decreto-Lei n.º 187/2007 tem um efeito correctivo, destinando-se a impedir que a 
 ponderação da parcela da pensão que deverá ser calculada segundo as antigas 
 regras conduza a um valor desproporcionado, por virtude da concentração de 
 contribuições mais elevadas nos últimos anos da actividade profissional, não 
 sendo já aplicável, por força das excepções previstas nos n.ºs 2 e 3 do artigo 
 
 101º, nas situações em que se efectuaram descontos elevados durante toda a 
 carreira contributiva ou houve uma regressão do volume das contribuições na fase 
 final da actividade profissional.
 
  
 Sendo certo que os titulares de órgãos de pessoas colectivas beneficiavam de um 
 regime privilegiado, e de sinal diametralmente oposto às exigências da 
 sustentabilidade do sistema, não é possível afirmar que seria expectável, contra 
 toda a evidência, a continuidade, no futuro, desse regime. 
 
  
 Para além de que não estamos aqui perante quaisquer direitos adquiridos mas 
 meros direitos em formação, relativamente aos quais o legislador apenas estava 
 vinculado a estabelecer um regime transitório que, com respeito pelo princípio 
 da proporcionalidade, permitisse relevar os períodos contributivos cumpridos ao 
 abrigo da legislação anterior.
 
  
 A norma do artigo 101º, n.º 1, não viola, por conseguinte, o princípio da 
 protecção da confiança.
 
  
 Princípio da proporcionalidade
 
  
 
 5. Alega, ainda, o Provedor de Justiça que o limite do artigo 101.º, n.º1, viola 
 o princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso na medida em que o 
 seu objectivo seja sancionar quem geriu ou manipulou as contribuições para a 
 segurança social descontando desproporcionadamente mais nos anos da carreira 
 contributiva relevantes para o cálculo da pensão do que nessa carreira 
 contributiva considerada no seu todo. 
 
  
 Nesta medida, entende o requerente que a norma não é adequada pois abrange, 
 também, todas as pessoas que não determinaram (por não poderem ou quererem) o 
 valor da sua pensão, o que sucede nomeadamente com a generalidade dos 
 trabalhadores por conta de outrem.
 
  
 Neste caso, parece ter-se pretendido pôr em causa a própria idoneidade ou 
 aptidão do meio usado para a prossecução dos fins que são visados pela lei.
 
  
 Como observa Reis Novais, o princípio da idoneidade ou da aptidão significa que 
 as medidas legislativas devem ser aptas a realizar o fim prosseguido, ou, mais 
 rigorosamente, devem, de forma sensível, contribuir para o alcançar.
 
  
 No entanto, o controlo da idoneidade ou adequação da medida, enquanto vertente 
 do princípio da proporcionalidade, refere-se exclusivamente à aptidão objectiva 
 e formal de um meio para realizar um fim e não a qualquer avaliação substancial 
 da bondade intrínseca ou da oportunidade da medida. Ou seja, uma medida é idónea 
 quando é útil para a consecução de um fim, quando permite a aproximação do 
 resultado pretendido, quaisquer que sejam a medida e o fim e independentemente 
 dos méritos correspondentes. E, assim, a medida só será susceptível de ser 
 invalidada por inidoneidade ou inaptidão quando os seus efeitos sejam ou venham 
 a revelar-se indiferentes, inócuos ou até negativos tomando como referência a 
 aproximação do fim visado (Princípios Constitucionais Estruturantes da República 
 Portuguesa, Coimbra, 2004, págs. 167-168). 
 
  
 No caso vertente, seria uma petição de princípio afirmar que o objectivo da 
 regra é sancionar situações de manipulação de pensão. Na verdade, o objectivo da 
 norma é repor, na medida do possível, a equidade contributiva, efectuando uma 
 aproximação ao princípio da equivalência entre as contribuições e as prestações.
 
  
 Objectivamente o regime precedente propiciava a obtenção de pensões mais 
 elevadas através do aproveitamento, para efeito do cálculo do montante da 
 pensão, do período contributivo mais favorável da fase final da actividade 
 profissional. A nova lei intentou uma alteração estruturante do sistema de 
 segurança social, com base em razões de justiça social e de sustentabilidade 
 financeira, visando assegurar que a pensão reproduza com maior fidelidade as 
 remunerações auferidas ao longo da vida profissional.
 
  
 O regime legal não foi pois estabelecido em vista de exigências pragmáticas de 
 combate a situações de aproveitamento de deficiências legais para obtenção de 
 benefícios injustificados, mas é antes a decorrência de um critério de cálculo 
 do montante de pensões que se entende socialmente mais justo e que pretende 
 responder, nesse plano, às modificações resultantes das alterações demográficas 
 e económicas que têm reflexo no sistema de segurança social.
 
  
 Não pode dizer-se, neste contexto, que a fixação de um limite superior da 
 pensão, abrangendo indistintamente quem tenha ou não manipulado o cálculo da 
 pensão, deixe de contribuir para esse desígnio legislativo, nada permitindo 
 concluir no sentido da invocada violação do princípio constitucional da 
 proporcionalidade.   
 
  
 Princípio da igualdade
 
  
 
 6. Alega o requerente que a limitação do valor das pensões não é genericamente 
 estabelecida pelo legislador, antes se destina a uma categoria bem determinada 
 de destinatários - os inscritos até 31 de Dezembro de 2001 - e, entre estes, de 
 forma mais gravosa, atendendo ao nível das expectativas criadas, os que iniciem 
 a pensão até 31 de Dezembro de 2016.
 
  
 
 É necessário começar por dizer que a mera sucessão no tempo de leis relativas a 
 direitos sociais não afecta, por si, o princípio da igualdade. 
 
  
 Apesar de uma alteração legislativa poder operar uma modificação do tratamento 
 normativo em relação a uma mesma categoria de situações, implicando que 
 realidades  substancialmente iguais passem a ter soluções diferentes, isso não 
 significa que essa divergência seja incompatível com a Constituição, visto que 
 ela é determinada, à partida, por razões de política legislativa que justificam 
 a definição de um novo regime legal. 
 
  
 Por outro lado, os termos em que a nova lei adapta o respectivo regime jurídico 
 a situações já existentes no momento da sua entrada em vigor apenas pode brigar 
 com o princípio da igualdade se vier a estabelecer tratamento desigual para 
 situações iguais e sincrónicas, o que quer dizer que o princípio da igualdade 
 não opera diacronicamente (acórdãos nº 34/86, 43/88 e 309/93, os dois primeiros 
 publicado in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 7º vol, pág. 42, e 11º vol., 
 pág. 565, e, em matéria de sucessão de regimes legais de pensões, os acórdãos 
 n.ºs 563/96, 467/03, 99/04 e 222/08). 
 
  
 
 É elucidativo, a esse propósito, o acórdão n.º 99/04, onde se discutia um caso 
 de sucessão de regimes de aposentação e se concluía: 
 
  
 Basicamente o que está em causa nas duas situações são as diferenças de regime 
 decorrentes da normal sucessão de leis, havendo que reconhecer ao legislador uma 
 apreciável margem de liberdade no estabelecimento do marco temporal relevante 
 para aplicação do novo e do velho regime. Aliás, numa outra decisão (acórdão nº 
 
 467/03, publicado no Diário da República – II Série, de 19/11/03, págs. 
 
 17331/17335), este Tribunal, referindo-se igualmente a uma situação de 
 comparação de regimes de aposentação de um ponto de vista dinâmico da sucessão 
 no tempo, vistos – tal como aqui sucede – na perspectiva do princípio da 
 igualdade, considerou não funcionar este princípio, enquanto exigência do texto 
 constitucional, “em termos diacrónicos”.
 
  
 Um diferente entendimento conduziria a transformar o princípio da igualdade numa 
 proibição geral de retrocesso social, em matéria de direitos sociais, no sentido 
 de que nunca poderia ser criado um novo regime legal que pudesse afectar 
 qualquer situação jurídica que se encontrasse abrangida pela lei anterior.
 
  
 Este princípio não pode ser aceite, no entanto, com esta amplitude sob pena de 
 destruir a autonomia da função legislativa, cujas características típicas, como 
 a liberdade constitutiva e a auto-revisibilidade, seriam praticamente eliminadas 
 se, em matérias tão vastas como os direitos sociais, o legislador fosse obrigado 
 a manter integralmente o nível de realização e a respeitar em todos os casos os 
 direitos por ele criados (assim, Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na 
 Constituição Portuguesa de 1976, 3ª edição, Coimbra, págs. 408-409).
 
  
 
 É também esta acepção restrita do princípio que tem sido acolhida pela 
 jurisprudência constitucional, como se depreende do seguinte excerto do acórdão 
 n.º 509/2002:
 
  
 Embora com importantes e significativos matizes, pode-se afirmar que a 
 generalidade da doutrina converge na necessidade de harmonizar a estabilidade da 
 concretização legislativa já alcançada no domínio dos direitos sociais com a 
 liberdade de conformação do legislador. E essa harmonização implica que se 
 distingam as situações.
 Aí, por exemplo, onde a Constituição contenha uma ordem de legislar, 
 suficientemente precisa e concreta, de tal sorte que seja possível «determinar, 
 com segurança, quais as medidas jurídicas necessárias para lhe conferir 
 exequibilidade» (cfr. acórdão nº 474/02), a margem de liberdade do legislador 
 para retroceder no grau de protecção já atingido é necessariamente mínima, já 
 que só o poderá fazer na estrita medida em que a alteração legislativa 
 pretendida não venha a consequenciar uma inconstitucionalidade por omissão – e 
 terá sido essa a situação que se entendeu verdadeiramente ocorrer no caso 
 tratado no já referido acórdão nº 39/84.
 Noutras circunstâncias, porém, a proibição do retrocesso social apenas pode 
 funcionar em casos-limite, uma vez que, desde logo, o princípio da alternância 
 democrática, sob pena de se lhe reconhecer uma subsistência meramente formal, 
 inculca a revisibilidade das opções político-legislativas, ainda quando estas 
 assumam o carácter de opções legislativas fundamentais.
 
  
 A proibição do retrocesso social opera assim apenas quando se pretenda atingir 
 
 «o núcleo essencial da existência mínima inerente ao respeito pela dignidade da 
 pessoa humana», ou seja, quando «sem a criação de outros esquemas alternativos 
 ou compensatórios», se pretenda proceder a uma «anulação, revogação ou 
 aniquilação pura e simples desse núcleo essencial» (Gomes Canotilho, Direito 
 Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª edição, Coimbra, págs. 339-340). Ou, 
 ainda, como sustenta Vieira de Andrade, quando a alteração redutora do conteúdo 
 do direito social afecte a «garantia da realização do conteúdo mínimo imperativo 
 do preceito constitucional» ou implique, pelo «arbítrio ou desrazoabilidade 
 manifesta do retrocesso», a violação do protecção da confiança (ob. cit., págs. 
 
 410-411).
 
  
 Isso não significa que a igualdade não tenha qualquer protecção diacrónica. O 
 que sucede é que essa protecção apenas pode ser realizada através do princípio 
 da protecção da confiança associado às exigências da proporcionalidade (neste 
 sentido, também, Reis Novais, O Tribunal Constitucional e os Direitos Sociais – 
 o Direito à Segurança Social, in Jurisprudência Constitucional n.º 6, pág. 10). 
 
  
 No caso concreto, já vimos que o novo regime legal não envolve uma directa 
 violação do princípio da protecção da confiança e do princípio da 
 proporcionalidade. 
 
  
 Assente, por outro lado, que o legislador dispõe de liberdade de conformação 
 para modificar o sistema legal, designadamente em matéria de direitos sociais, e 
 estabelecer aí diferenciações de regime (fora das situações limite em que se 
 encontre condicionado pelo princípio da proibição do retrocesso social), a única 
 questão que pode colocar-se, no estrito plano da igualdade é a possível violação 
 da proibição do arbítrio. 
 
  
 
 É patente, porém, que a delimitação do campo subjectivo de aplicação da fórmula 
 proporcional do cálculo do montante das pensões, bem como do limite superior do 
 valor da pensão, apenas por referência aos beneficiários inscritos até 31 de 
 Dezembro de 2001 não é, de nenhum modo, uma medida arbitrária.
 
  
 O novo critério do cálculo das pensões, tomando por base os rendimentos de 
 trabalho revalorizados de toda a carreira contributiva, foi estabelecido pelo 
 Decreto-Lei n.º 35/2002, de 19 de Fevereiro, para produzir efeitos a partir de 1 
 de Janeiro de 2002. E esse diploma passou, desde logo, a prever um regime de 
 transição para os interessados que a essa data se encontrassem já inscritos no 
 regime de segurança social, de modo a tutelar os direitos em formação, e que 
 permitia, na prática, que continuassem a ser aplicadas, quando mais favoráveis, 
 as regras de cálculo do Decreto-Lei n.º 329/93 (artigos 12º e 13º).
 
  
 O Decreto-Lei n.º 187/2007, no ponto em que tinha como objectivo a aceleração do 
 período de passagem à nova fórmula de cálculo e a introdução de um limite às 
 pensões mais elevadas, não poderia deixar de incidir sobre o universo de 
 contribuintes que se encontravam abrangidos pelo regime transitório do anterior 
 diploma - os inscritos até 31 de Dezembro de 2001 - , visto que todos os demais 
 beneficiários, tendo efectuado a sua inscrição no sistema previdencial 
 posteriormente a essa data, e, portanto, já na vigência do novo regime de 
 cálculo das pensões instituído pelo Decreto-Lei n.º 35/2002, estavam já sujeitos 
 ao regime geral decorrente deste diploma.
 
  
 Por outro lado, através da segmentação dos períodos de transição, aplicando 
 cálculos com diferentes modulações para os que iniciem a pensão até 31 de 
 Dezembro de 2016 ou após essa data, o legislador mais não pretendeu, em ordem ao 
 objectivo traçado, do que assegurar que a parcela da pensão que deverá ser 
 calculada segundo as novas regras (P2) venha a assumir proporcionalmente um 
 maior peso relativo na média ponderada das duas fórmulas de cálculo.
 
  
 Como logo se entrevê, não faz qualquer sentido pretender que a limitação do 
 montante da pensão (que integra o regime transitório aplicável aos inscritos até 
 
 31 de Dezembro de 2001) devesse ser genericamente prevista para todos os 
 beneficiários.
 
  
 Por um lado, a aplicação de um factor correctivo do limite da pensão só tem 
 cabimento em relação àqueles que, por se encontrarem abrangidos pelo regime de 
 transição, beneficiam ainda da aplicação parcial do regime de cálculo, mais 
 favorável, do Decreto-Lei n.º 329/93, e que propiciava, especialmente em relação 
 aos titulares de órgãos de pessoas colectivas (que estavam dispensados de 
 qualquer limite contributivo), a obtenção de pensões muito elevadas.
 
  
 Por outro lado, o novo critério de cálculo das pensões, baseado no princípio da 
 contributividade e justificado por razões de sustentabilidade financeira do 
 sistema, aplicável integralmente aos beneficiários inscritos a partir de 1 de 
 Janeiro de 2002, integra ele próprio já mecanismos de contenção do valor da 
 pensão, quer através da ponderação das remunerações auferidas durante toda a 
 carreira contributiva (artigo 28º), quer por via da aplicação de taxas de 
 formação regressivas para os níveis remuneratórios mais elevados (artigo 32º), 
 quer ainda pela introdução de um factor de sustentabilidade relacionado com o 
 indicador de esperança média de vida (artigo 35º).
 
  
 Acresce que através do regime previsto no artigo 33º, o legislador prolongou o 
 período de transição para além do limite temporal de 31 de Dezembro de 2016 (que 
 era estipulado no Decreto-Lei n.º 35/2002) para, mediante uma diferenciação de 
 fórmulas de cálculo por referência a essa data, assegurar uma progressiva e 
 gradual aproximação do montante da pensão daquele que resultaria da aplicação 
 das novas regras de cálculo.
 
  
 E, desse modo, garante a aplicação de um princípio de proporcionalidade, 
 salvaguardando de forma mais intensa as expectativas daqueles que se encontram 
 mais próximos da situação de reforma.
 
  
 Não há, por conseguinte, qualquer motivo para considerar verificada a violação 
 do princípio da igualdade.
 
  
 
  
 Princípio da contributividade   
 
  
 
 7. O requerente entende, ainda, que a norma do artigo 101.º, n.º 1, enferma de 
 ilegalidade, por violação do princípio da contributividade consagrado no artigo 
 
 54º da Lei de Bases Gerais do Sistema de Segurança Social, no ponto em que impõe 
 um limite superior à parcela da pensão calculada nos termos do Decreto-Lei n.º 
 
 329/93 sem prever a correspondente devolução das contribuições que tenham sido 
 pagas e deixem de ter reflexo no cálculo do montante da pensão.
 
  
 Neste caso, o pedido parece fundamentar-se em ilegalidade por violação de lei de 
 valor reforçado – a que se reconduziria a Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro, 
 enquanto caracterizável como lei de bases -, correspondendo a um pedido de 
 declaração de ilegalidade, com força obrigatória geral, nos termos do artigo 
 
 281º, n.º 1, alínea b), da Constituição.
 
  
 Independentemente da correcção da qualificação do vício apontado, o argumento 
 mostra-se ser improcedente.
 
  
 A Constituição é omissa sobre o financiamento do sistema de segurança social, 
 limitando-se a dizer que cabe ao Estado subsidiar esse sistema, implicando que 
 este constitua, em parte, um encargo estadual que deverá ser suportado pelo 
 respectivo orçamento (artigo 63º, n.º 2). O que pressupõe - ou, pelo menos, não 
 exclui -, um financiamento privado directo através das contribuições dos 
 beneficiários.
 
  
 A norma abre, por conseguinte, um amplo campo de liberdade de conformação 
 legislativa, quer quanto à concretização das fontes e formas de financiamento, 
 quer quanto à afectação dos recursos financeiros aos objectivos de protecção 
 social (cfr. Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob cit., pág. 817; Jorge Miranda/Rui 
 Medeiros, ob cit., pág. 648).
 
  
 A actual Lei de Bases do Sistema de Segurança Social, contempla um sistema de 
 protecção social, que engloba os subsistemas de acção social, de solidariedade e 
 de protecção familiar, cujos objectivos são de prevenção e reparação de 
 situações de carência, erradicação de situações de pobreza e de exclusão, e 
 compensação de encargos familiares acrescidos (artigos 26º a 49º), e um sistema 
 previdencial, que visa garantir prestações pecuniárias substitutivas de 
 rendimentos de trabalho por virtude de certas eventualidades definidas na lei 
 
 (artigos 50º a 66º). Mas prevê igualmente um sistema complementar, que 
 compreende um regime público de capitalização, de adesão voluntária individual, 
 e cuja organização e gestão é da responsabilidade do Estado, e regimes de 
 iniciativa colectiva ou de iniciativa individual, de instituição facultativa, 
 que, em qualquer caso, deverão articular-se com o sistema previdencial, e estão 
 sujeitos a mecanismos de regulação, supervisão e garantia (artigos 81º a 86º).
 
  
 Os subsistemas de protecção social, destinados a garantir direitos básicos dos 
 cidadãos e a promover a igualdade de oportunidades (artigo 26º), são regimes não 
 contributivos, que, como tal, são financiados por transferências do Orçamento do 
 Estado e por consignação de receitas fiscais (artigo 90º, n.º 1). Os regimes 
 complementares são da responsabilidade financeira das pessoas ou entidades 
 instituidoras, embora o seu desenvolvimento possa ser estimulado através de 
 incentivos estaduais (artigo 81º, n.º 2). Por seu lado, as prestações 
 substitutivas dos rendimentos de actividade profissional, atribuídas no âmbito 
 do subsistema previdencial, são financiadas por quotizações dos trabalhadores e 
 por contribuições das entidades empregadoras (artigo 90º, n.º 2).
 
  
 O princípio da contributividade está consignado no artigo 54º da Lei de Bases da 
 Segurança Social, disposição que se insere no capítulo referente ao sistema 
 previdencial (Capítulo III), e encontra-se enunciado nos seguintes termos: «[o] 
 sistema previdencial deve ser fundamentalmente autofinanciado, tendo por base 
 uma relação sinalagmática directa entre a obrigação legal de contribuir e o 
 direito às prestações».
 
  
 O mesmo princípio estava consagrado, em idênticos termos, na precedente Lei de 
 Bases (art. 30.º da Lei n.º 32/2002, de 20 de Dezembro), e constava ainda da 
 anterior Lei n.º 17/2000, de 8 de Agosto, através da seguinte formulação: «[o] 
 subsistema previdencial tem por base a obrigação legal de contribuir».
 
  
 A referência legal a uma relação sinalagmática directa entre a obrigação legal 
 de contribuir e o direito às prestações parece pressupor um princípio 
 contratualista de correspectividade entre os direitos e obrigações que integram 
 a relação jurídica de segurança social. Mas diversos outros indicadores apontam 
 no sentido de que o legislador pretendeu apenas referir-se à necessária 
 interdependência entre o direito às prestações e a obrigação de contribuir, o 
 que não significa que exista uma directa correlação entre a contribuição paga e 
 o valor da pensão a atribuir (cfr. Ilídio das Neves, Direito da Segurança 
 Social. Princípios Fundamentais numa Análise Prospectiva, Coimbra, 1996, págs. 
 
 303 e segs.).
 
  
 Em primeiro lugar, o âmbito material do sistema previdencial não se circunscreve 
 
 às pensões de invalidez e velhice, mas abrange diversas outras eventualidades 
 que determinam perda de rendimentos de trabalho, como a doença, maternidade, 
 paternidade e adopção, desemprego, acidentes de trabalho e doenças 
 profissionais, ou a morte, não estando excluído, sequer, que a protecção social 
 que assim se pretende garantir seja alargada, no futuro, em função da 
 necessidade de dar cobertura a novos riscos sociais (artigo 52º da Lei n.º 
 
 4/2007).  
 
  
 E, pela natureza das coisas, não há, em relação a cada situação e categoria de 
 beneficiários, uma plena correspondência pecuniária entre os valores 
 comparticipados ao longo da carreira contributiva e os benefícios obtidos em 
 consequência da verificação das eventualidades que se encontram cobertas pelo 
 sistema previdencial.
 
  
 Por outro lado, a obrigação de contribuir não impende apenas sobre os 
 beneficiários, mas também, no caso de exercício de actividade profissional 
 subordinada, sobre as respectivas entidades empregadoras (obrigação que para 
 estas se constitui com o início do exercício da actividade profissional dos 
 trabalhadores ao seu serviço - artigo 56º, n.ºs 1 e 2), sendo o respectivo 
 montante determinado por aplicação de taxa legalmente prevista às remunerações 
 que constituam a base de incidência contributiva (artigo 57º, n.º 1).
 
  
 Além disso, a lei pode prever limites contributivos, quer através da aplicação 
 de limites superiores aos valores das remunerações que servem de base de 
 incidência, quer por via da redução da taxa contributiva, isto é, do valor em 
 percentagem que deve incidir sobre a base salarial para a determinação do 
 quantitativo exacto da contribuição ou quotização (artigo 58º).
 
  
 Acresce que a falta do pagamento de contribuições relativas a períodos de 
 exercício de actividade dos trabalhadores por conta de outrem, que lhes não seja 
 imputável, não prejudica o direito às prestações (artigo 61º, n.º 4), e na 
 determinação dos montantes das prestações podem ser tidos em consideração, para 
 além do valor das remunerações registadas, que constitui a base de cálculo, 
 outros elementos adicionais, como a duração da carreira contributiva e a idade 
 do beneficiário (artigo 62º, n.ºs 1 e 2).
 
  
 A lei garante ainda a atribuição de uma pensão mínima quando a prestação 
 resultante da aplicação das normais regras de cálculo se mostre inferior ao 
 valor legalmente previsto (artigo 62º, n.º 3) e, no sentido inverso, introduziu 
 um factor de sustentabilidade no cálculo do montante da pensão, que permite uma 
 regressão do seu valor em função da alteração da esperança média de vida (artigo 
 
 64º).
 
  
 O Decreto-Lei n.º 187/2007 veio concretizar alguns destes princípios gerais, 
 definindo o regime de atribuição do valor mínimo de pensão (artigo 44º), fixando 
 em 40 anos o limite máximo de duração da carreira contributiva relevante para a 
 formação da pensão, e que será considerado ainda que esta tenha excedido de 
 facto esse período temporal (artigos 28º, n.º 2, e 29º, n.º 2), e estabelecendo 
 a fórmula pela qual o factor de sustentabilidade interfere no cálculo do 
 montante da pensão (artigos 26º, n.º 2, e 35º). Mas estipulou também critérios 
 diferenciados de cálculo das pensões que permitem o favorecimento das carreiras 
 mais longas, através da progressão da taxa de formação da pensão (artigos 29º, 
 n.º 1, 30º, 31º e 32º, n.ºs 1 e 2), e, bem assim, o favorecimento dos titulares 
 de menores rendimentos por via da regressão da taxa de formação na proporção 
 inversa do nível de grandeza da remuneração de referência (artigos 31º, n.º 1, e 
 
 32º, n.º 2, alíneas a) a e)).
 
  
 Todos os referidos aspectos do regime legal conduzem a concluir que o cálculo do 
 montante da pensão não corresponde à aplicação de um princípio de 
 correspectividade que pudesse resultar da capitalização individual das 
 contribuições, mas radica antes num critério de repartição que assenta num 
 princípio de solidariedade, princípio este que aponta para a responsabilidade 
 colectiva das pessoas entre si na realização das finalidades do sistema e se 
 concretiza, num dos seus vectores, pela transferência de recursos entre cidadãos 
 
 – cfr. artigo 8º, n.º 1, e n.º 2, alínea a), da Lei n.º 4/2007 (neste sentido, 
 João Loureiro, ob. e loc. cit.).
 
  
 O sinalagma a que se alude no artigo 54º da Lei de Bases não pretende 
 significar, por conseguinte, a existência de um vínculo de correlatividade entre 
 o montante da pensão e o valor das remunerações sobre que incidiram as 
 contribuições; antes revela um nexo de dependência recíproca que se estabelece 
 entre duas obrigações: a obrigação contributiva, que recai sobre os 
 beneficiários e entidades empregadoras, e a obrigação prestacional, que incumbe 
 ao Estado, através das instituições de segurança social (quanto a estes 
 conceitos, Ilídio das Neves, ob. cit., págs. 354-357 e 440-441).
 
  
 Nestes termos, o princípio da contributividade, tal como se encontra formulado 
 no artigo 54º da Lei n.º 4/2007, pretende caracterizar essencialmente a ideia de 
 autofinanciamento do sistema previdencial, distinguindo essa modalidade de 
 protecção social, daquelas outras que assentam em regimes não contributivos.
 
  
 E o que é da maior importância notar é que, por força do novo critério do 
 cálculo das pensões, baseado nos rendimentos de trabalho de toda a carreira 
 contributiva, o princípio da contributividade passa igualmente a pressupor que a 
 relação sinalagmática, com o já assinalado sentido compreensivo, se estabelece 
 entre o direito à atribuição de uma pensão e a obrigação de contribuir durante 
 toda a actividade profissional de acordo com as remunerações reais que tiverem 
 sido auferidas.
 
  
 Por isso que a alteração legislativa apareça justificada por considerações de 
 justiça social e de equidade contributiva (cfr. preâmbulo do Decreto-Lei n.º 
 
 35/2002).
 
  
 Em todo este contexto, bem se compreende que o legislador não tenha previsto a 
 devolução das contribuições que, em resultado do disposto no artigo 101º, n.º 1, 
 do Decreto-Lei n.º 187/2007, não devam ser consideradas por efeito do 
 estabelecimento do limite superior da pensão.
 
  
 Na verdade, essa disposição integra o regime transitório aplicável aos 
 beneficiários inscritos até 31 de Dezembro de 2001 (antes do início de vigência 
 das novas regras de cálculo) e cuja pensão de reforma é calculada através da 
 fórmula proporcional prevista nos artigos 33º e 34º, em que releva uma parcela 
 que é ainda apurada segundo o critério do Decreto-lei n.º 329/93, para a qual 
 apenas interessa considerar os 10 melhores dos últimos 15 da carreira 
 contributiva.
 
  
 E é sobre essa parcela que recai o referido limite, que é fixado em 12 vezes o 
 Indexante dos Apoios Sociais.
 
  
 Esse regime é, ainda assim, mais favorável do que aquele que resulta da 
 aplicação das regras gerais do artigo 32º, em que se tem em linha de conta, para 
 efeito do cálculo do montante da pensão, as contribuições de toda a carreira 
 contributiva.
 
  
 Visando o legislador, como se deixou esclarecido, acelerar a transição para a 
 nova fórmula de cálculo, a desconsideração de parte das contribuições efectuadas 
 sobre as remunerações mais elevadas de um determinado período da actividade 
 profissional, por efeito da imposição de um valor máximo ao montante da pensão, 
 constitui uma (outra) medida legislativa de concretização do princípio da 
 contributividade tal como é hoje entendido. No ponto em que, em relação a esse 
 universo de beneficiários, atenua a disparidade do sistema, por via da 
 introdução de um factor correctivo, e possibilita uma aproximação ao regime 
 geral.
 
  
 Não estando aqui em causa uma qualquer violação dos princípios da protecção da 
 confiança, da proporcionalidade ou da igualdade, como se constatou, a norma em 
 apreço não contraria também o princípio da contributividade, e antes constitui 
 um expediente jurídico destinado a realizar, de um modo mais eficiente, em 
 relação àquele conjunto de beneficiários, a aplicação desse princípio.
 
  
 III - Decisão 
 
  
 
  
 Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide não declarar a 
 inconstitucionalidade nem a ilegalidade das normas resultantes do artigo 101.º 
 do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio, quando conjugadas com as dos artigos 
 
 33.º e 34.º do mesmo diploma. 
 
  
 Lisboa, 22 de Abril de 2009
 Carlos Fernandes Cadilha
 Ana Maria Guerra Martins
 Mário José de Araújo Torres
 Gil Galvão
 Joaquim de Sousa Ribeiro
 Maria Lúcia Amaral
 José Borges Soeiro
 João Cura Mariano
 Vítor Gomes
 Maria João Antunes
 Benjamim Rodrigues
 Rui Manuel Moura Ramos