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Processo nº 572/07
 
 2ª Secção
 Relator: Conselheiro João Cura Mariano
 
 
 
  
 Acordam, em conferência, na 2ª secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 I. Relatório
 A. foi condenado pela prática de um crime de abuso de confiança, p.p. pelo artº 
 
 205º, nº 1 e 4, b), do C.P., na pena de 3 anos de prisão, suspensa por 5 anos, 
 sob a condição de pagar ao assistente e à demandante civil, no prazo de 1 ano, a 
 quantia de €. 28.586,50, por acórdão da 2ª Vara Mista de Loures, de 30-10-2003, 
 confirmado por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26-5-2004.
 Em 31-10-2005, A. interpôs recurso de revisão daquela condenação.
 O recurso foi recebido, tendo sido produzidos os meios de prova indicados pelo 
 recorrente.
 Terminada a produção de prova o juiz do processo, em 31-3-2006, pronunciou-se no 
 sentido do recurso de revisão não merecer provimento.
 O S.T.J., por acórdão de 30-11-2006, decidiu negar o pedido de revisão, por 
 evidente falta de fundamento.
 O recorrente, em 15-12-2006, apresentou requerimento solicitando correcções e 
 arguindo a existência de nulidades relativamente ao acórdão de 30-11-2006.
 O S.T.J., por acórdão de 25-1-2007, indeferiu este requerimento.
 O recorrente, em 12-2-2007, apresentou novo requerimento arguindo nulidades.
 O S.T.J., por acórdão de 8-3-2007, indeferiu este requerimento.
 O recorrente em 23-3-2007, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao 
 abrigo do disposto no artº 70º, nº 1, b), Lei da Organização, Funcionamento e 
 Processo do Tribunal Constitucional (LTC), nos seguintes termos:
 
 “Para apreciação da inconstitucionalidade interpretativa das normas contidas nos 
 art.ºs 342.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal, 
 conjugadas concomitantemente entre si, com o n.º 1 do primeiro deles, e com os 
 artºs 349.º, n.º 1, 369.º e 370.º da mesma lei adjectiva penal, e ainda do art.º 
 
 71.º, n.º 2, do Código Penal, na interpretação emergente, de forma imprevista e 
 inesperada, dos Doutíssimos Acórdãos recorridos, no sentido de que é lícito ao 
 Tribunal, em sede de recurso extraordinário de Revisão, socorrer-se dos mesmos 
 meios de aferição histórica do carácter do arguido, ainda que exteriores aos 
 autos, para fundado em novos factos ou meios de prova aferir da gravidade das 
 eventuais dúvidas sobre a justiça da condenação, mesmo se o arguido tem já 
 integralmente cumprida a pena de condenação anterior, sem que tenha de atender 
 igualmente ou dar relevo para a apreciação do seu carácter aos elementos 
 provados em como é bom chefe de família e prestador de relevantes serviços à 
 sua comunidade. 
 Uma tal interpretação dessas conjugadas normas legais viola os imperativos 
 constitucionais dos artigos 26.º, n.ºs 1 e 2, do artigo 29.º, n.º 5, artigo 
 
 32.º, n.º 2, artigo 202.º, n.º 2, e artigo 203.º, todos da Constituição da 
 República Portuguesa e 6.º, 13.º e 14.º da Convenção Europeia para a Protecção 
 dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, ratificada pelo Estado 
 Português. 
 Esta questão de inconstitucionalidade foi suscitada expressamente no primeiro 
 requerimento de arguição de nulidade perante o Tribunal a quo, e só então ante a 
 absoluta surpresa de ver tal condenação anterior, com pena já cumprida, servir 
 de base à aferição dessa prova nova, quando já não está em causa a formação do 
 relatório social nem a determinação da pena mas tão só a justeza da condenação 
 ante a prova nova carreada nessa sede. 
 Sendo a interpretação considerada correcta pelo recorrente a de que, em suma, o 
 recurso de revisão se limita à apreciação da nova prova oferecida e aferição da 
 sua fidedignidade e novidade, não comportando apreciação sobre matéria externa 
 aos autos, muito menos se respeitante ao carácter do recorrente, com apreciação 
 negativa e publicitação de condenação anterior já cumprida, num verdadeiro 
 segundo julgamento, violando o justamente designado “direito ao esquecimento”, 
 indispensável à plena reinserção social, – fim último da pena criminal – 
 ultrajando os seus direitos de personalidade e dignidade humana recuperados 
 após a expiação penal aplicada, eternizando a pena de uma forma atentatória da 
 paz social e tranquilidade psíquica do ex-condenado, quando compete aos 
 tribunais, em especial, tutelar e defender esses direitos em submissão à lei e à 
 constituição, ao contrário ignorando tudo o que nos autos se encontra dado como 
 provado em abono de um carácter de bom chefe de família, com relevantes 
 serviços prestados à comunidade local em que está inserido, matérias que 
 constituem nulidades por excesso e omissão de pronúncia, como se expressou em 
 sede primária que aqui se tem por integralmente por reproduzida e melhor se 
 defenderá em sede de alegações para julgamento. 
 Sendo certo que se, como vem expresso em sede de aclaração e decisão das 
 nulidades, a menção pormenorizada à condenação anterior não teve influência na 
 decisão final de indeferir o recurso de Revisão, estaremos ante a prática de um 
 acto inútil e claramente violador dos direitos e dignidade humana do recorrente, 
 enquanto cidadão que expiou a sua pena na forma judicialmente imposta e tem o 
 direito a paz psíquica e completas possibilidades de reinserção social, assim 
 toldadas. 
 Para apreciação da inconstitucionalidade interpretativa da norma contida nos 
 artº 419.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi art.º 4.º do 
 Código de Processo Penal, e art.º 9.º, n.º 2 do Código Civil, na interpretação 
 emergente dos Acórdãos recorridos, também de forma imprevista e inesperada, no 
 sentido de que o rol de testemunhas se basta com a indicação do nome e última 
 morada conhecida das pessoas a inquirir, quando aquela norma adjectiva penal tem 
 na sua letra exigência maior e mais rigorosa e a interpretação da norma tem que 
 ter uma correspondência, mínima que seja na sua letra. 
 Uma tal interpretação dessas conjugadas normas legais viola os imperativos dos 
 artigo 202.º, n.º 2, e artigo 203.º, todos da Constituição da República 
 Portuguesa e, maxime, dos mesmos preceitos já citados acima da Convenção 
 Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais. 
 Esta questão de inconstitucionalidade foi suscitada expressamente a final do 
 mesmo requerimento de arguição de nulidade, e só nessa ocasião em vista do 
 inesperado e imprevisto, da solução ali apontada. 
 Sendo a versão considerada correcta pelo recorrente a de que a interpretação do 
 espírito legislativo tem que ter correspondência na letra da norma, ainda que 
 imperfeitamente expresso, e a norma adjectiva civil, que colmata a lacuna da 
 penal, exige que se arrolem as testemunhas indicando os nomes, profissões e 
 moradas das pessoas chamadas a depor, o que, in casu, impedia o ora recorrente 
 de o fazer por desconhecer onde morava o seu vizinho de escritório e o seu 
 paradeiro há três anos”.
 
  
 O Conselheiro relator, em 27-3-2007, proferiu a seguinte decisão de 
 indeferimento do recurso:
 
 “A revisão da sentença é admissível quando (…) se descobrirem novos factos ou 
 meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no 
 processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação (art. 449.1.d do 
 CPP).
 Assim, para além da questão de saber se haviam descoberto (ou não) «novos 
 factos», havia que questionar se entretanto se haviam descoberto (ou não) «novos 
 meios de prova» (nomeadamente, testemunhais). Pois que a testemunha B., não 
 ignorando o arguido ao tempo a sua existência, só poderia ser validamente 
 indicada, no recurso de revisão, se o recorrente tivesse «justificado» a sua 
 
 «impossibilidade [então] de depor».
 Todavia, a testemunha B. – à data da apresentação do rol de testemunhas (de que 
 o arguido, apesar de tudo, o não fez constar) – já se encontrava em liberdade, 
 após três anos de cárcere, constando a sua morada dos arquivos da cadeia. Nada 
 teria impedido o arguido, por isso, de o indicar como «testemunha», mesmo que 
 ignorasse no seu paradeiro de então, bastando que indicasse – para que o 
 tribunal, com os meios disponíveis, o pudesse procurar – a sua última morada 
 conhecida.
 Teria bastado, pois, que, no processo da condenação, o arguido e ora recorrente, 
 mesmo que ignorasse o paradeiro dessa sua «testemunha», tivesse indicado o 
 
 último paradeiro dele conhecido (o escritório contíguo ao dele), pois que o 
 tribunal, na posse desse dado, localizaria facilmente, junto dos CTT, o número 
 do seu telefone de serviço e, através dele, a morada do assinante.
 Não o tendo feito o recorrente, na devida oportunidade, e não estando assim 
 justificada a sua impossibilidade – ao tempo – de depor, a «nova» testemunha 
 não estaria pois em condições de, sequer, ser indicada, no recurso de revisão, 
 como «novo meio de prova» (art. 453.2 do CPP).
 Mas, apesar disso, o Supremo não deixou de apreciar o seu «testemunho», tendo 
 atendido – como se o devesse – ao seu tardio «depoimento». Só que este não se 
 revelou «minimamente credível», sendo certo, aliás, que a sua credibilidade nem 
 sequer bastaria para que a revisão da sentença fosse admissível, pois que mister 
 seria ainda que o seu testemunho, combinado com as provas apreciadas no 
 processo, suscitassem – e não suscitaram – «graves dúvidas sobre a justiça da 
 condenação». 
 Não tem por isso o ora recorrente interesse jurídico nem prático em questionar a 
 constitucionalidade das normas de que a decisão recorrida, explicita ou 
 implicitamente, se possa ter socorrido para pôr em dúvida a admissibilidade da 
 
 «nova» testemunha. Pois que o Supremo, apesar dessas objecções, acabou por 
 
 «ouvi-la» (através do juiz do processo) e «avaliar» o seu depoimento, por si e 
 em confronto com «a demais prova já constante dos autos».
 Ora, dessa «demais prova constante dos autos», não poderia deixar de se 
 considerar a certidão da sua anterior condenação (relativa, igualmente, ao 
 relacionamento profissional do arguido – como «administrador de bens alheios» e 
 
 «procurador» – com a sua clientela). E não apenas na medida em que o seu 
 
 «comportamento anterior» contara – como não poderia deixar de contar – para a 
 
 «avaliação» da sua «personalidade» (no momento processual em que, decidida a 
 
 «questão da culpabilidade», se colocou a questão da determinação da pena: art.s 
 
 369.º e ss. do CPP) como, sobretudo, na medida em que a actuação (criminosa) do 
 arguido, no segundo processo, coincidira – no tempo – com o período da 
 suspensão da primeira pena e com o incumprimento das respectivas injunções. O 
 que permitia entrecruzar essa actuação criminosa (de retenção dos dinheiros do 
 segundo cliente) com a obrigação, contra ele pendente no primeiro processo (sob 
 pena de revogação da suspensão), de pagar a respectiva indemnização 
 condicionante.
 Com efeito, o ora recorrente, em 13Maio87, «dactilografara uma letra, fazendo 
 constar que fora emitida em Loures [por C., falecido em 16Abr87] – no dia 
 
 14Fev87 e que se vencia a 14Mai87», com a qual se apresentou no inventário por 
 morte de C. a reclamar um crédito de 1000 contos, de que chegou a receber 950 
 contos. Tendo, assim, incorrido em crime de burla mediante falsificação, foi 
 condenado, em 24Jun94 e 16Out96 (mediante acórdão transitado em 19Dez96) na pena 
 de 2 anos e 9 meses de prisão suspensa por 4 anos, mediante a condição de em 
 três meses fazer prova de entrega de 1200 contos aos herdeiros de C.. Ora, foi 
 justamente no decurso deste prazo de suspensão que, entre 02Jul98 e 12Mar99, se 
 desenrolaram os factos que viriam a desencadear a sua nova condenação, já nestes 
 autos, por abuso de confiança.
 Daí que esta interpenetração temporal da conduta do arguido num e noutro 
 processo não pudesse deixar de se levar em conta no confronto – exigido pelo 
 art. 449.1.d do CPP – entre os «novos factos ou meios de prova» e os já 
 apreciados no processo.
 Assim, a decisão recorrida não só não aplicou, explicitamente, os invocados 
 artigos 342.2. 379.1.c, 349.1, 369.º e 370.º do CPP como, se porventura aplicou 
 implicitamente algum deles, o não fez com violação dos normativos 
 constitucionais dos art.s 26.1 e 2, 29.5, 32.2, 202.2 e 203.º da Constituição. 
 E, a tê-los aplicado, jamais os interpretou/aplicou «no sentido de que é lícito 
 ao tribunal, em sede de recurso extraordinário de revisão, socorrer-se dos 
 mesmos meios de aferição histórica do carácter do arguido, ainda que exteriores 
 aos autos [!?], para, fundado em novos factos ou meios de prova, aferir da 
 gravidade das eventuais dúvidas sobre a justiça da condenação, mesmo se o 
 arguido já tem integralmente cumprida [!?] a pena de condenação anterior». 
 Tanto mais que a segunda condenação (ora sob revisão) – proferida em 30Out03 e 
 confirmada na Relação em 26Mai04 – antecedera o despacho que, no primeiro 
 processo, veio a declarar extinta, em 10Jan05 (ainda na ignorância da segunda 
 condenação), a respectiva pena suspensa. 
 O recurso é, assim, manifestamente infundado e, como tal, de indeferir (art. 
 
 76.2 da LTC)”.
 
  
 A. reclamou deste despacho, conforme previsto no artigo 76º, nº 4, da LTC, 
 alegando o seguinte:
 
  “O presente recurso, abrangendo duas questões de potenciais 
 inconstitucionalidades interpretativas de algumas das normas aplicadas expressa 
 ou implicitamente durante o processado, vem liminarmente rejeitado no Tribunal a 
 quo com a fundamentação de que: 
 
 – O recorrente não tem “(...) interesse jurídico nem prático em questionar a 
 constitucionalidade das normas de que a decisão recorrida, explícita ou 
 implicitamente, se possa ter socorrido para pôr em dúvida a admissibilidade tia 
 
 “nova” testemunha, pois que o Supremo, apesar dessas objecções, acabar por 
 
 “ouvi-la” (através do juiz do processo) e “avaliar” o seu depoimento, por si e 
 em confronto com “a demais prova já constante nos autos”.”; 
 
 – “A decisão recorrida não só não aplicou, explicitamente, os invocados artigos 
 
 342.2, 379.1.c, 349.1, 369.º 3790.º CPP (...) e, a têlos aplicado, jamais os 
 interpretou/aplicou “no sentido de que é lícito ao tribunal, em sede de recurso 
 extraordinário de revisão, socorrer-se dos mesmos meios de aferição histórica do 
 carácter do arguido, ainda que exteriores aos autos” (…)”.
 Tal decisão enferma, data venia, de deficiência de leitura e percepção das 
 razões que, sucintamente, fundamentam o recurso. 
 Na realidade, salvo o devido e merecido respeito, que muito é, não pode uma 
 lacuna decisória como a omissão das normas que presidem à matéria que ali se vai 
 apreciando sistematizadamente servir nesta sede para negar a sua aplicação na 
 sustentabilidade do aresto. 
 O conjunto decisório – ao qual, por via das dúvidas, se pediu até esclarecimento 
 bastante – está ancorado num percurso legislativo não expressamente 
 identificado mas detectável com perfeição, confirmado nos acórdãos seguintes, 
 aplicando essas normas numa lógica perceptível e concomitante. 
 De resto, no douto despacho de inadmissão ora sob reclamação, acaba o Tribunal a 
 quo por reconhecer – ainda que como possibilidade – a aplicação das normas 
 arguidas de inconstitucionalidade interpretativa, defendendo mesmo a legalidade 
 da interpretação que o recorrente invocou como emanente do acórdão sindicado, 
 transcrevendo-a parcialmente. 
 Porém, amputando-a da essencial parte final referente à omissão de aferição 
 absoluta, em todas as componentes – as bonómicas também – caracterizadoras do 
 perfil do arguido, ora recorrente: “(...) sem que tenha de atender igualmente ou 
 dar relevo para a apreciação do seu carácter aos elementos provados em como é 
 bom chefe de família e prestador de relevantes serviços à sua comunidade”. 
 Ora, o fundamento do recurso interposto e ora inadmitido está precisamente em 
 que a factualidade respeitante ao histórico penal que poderá caracterizar o 
 arguido não tem que ser (re)apreciada em sede de recurso extraordinário de 
 revisão de sentença condenatória, mas, a sê-lo, sempre terá que abranger a 
 totalidade da prova, aqueles factos que os autos determinaram serem 
 características socialmente desprezíveis do arguido e aqueloutros que lhe 
 desvendam alguma personalidade bonómica. 
 Só assim se pode alcançar a verdade factual necessária à feitura da justiça, foi 
 isto que se pediu em sede do recurso de revisão como, aliás, bem entendeu o 
 Tribunal a quo, se refere esse particular no douto despacho aqui reclamado para 
 justificar a apreciação da anterior condenação. 
 Claro fica, pois, que as interpretações legislativas arguidas de 
 desconformidade à lei fundamental são essenciais, relevantes e úteis à decisão 
 final do recurso de revisão, assim inquinada de vício capital, surgiram 
 intempestiva e surpreendentemente no acórdão principal, sem que fosse previsível 
 no antecedente, tal a sua originalidade, tendo a sua arguição sido 
 correctamente expressa segundo as demais exigências da Lei n.º 28/82, de 15 de 
 Novembro, logo o recurso deverá ser admitido também nesta parte. 
 E diz-se “também nesta parte” porque no que concerne à segunda 
 inconstitucionalidade interpretativa, a das normas do n.º 1 do art.º 419.º do 
 Código de Processo Penal e do art.º 9.º do Código Civil, o douto despacho de 
 inadmissão nada diz, não o elenca sequer, certamente porque nada há a 
 apontar-lhe, devendo, de igual sorte, ser admitido para a indispensável 
 apreciação por este Tribunal Constitucional, na senda da melhor aplicação do 
 Direito e da mais sã Justiça. 
 Termos em que se requer a apreciação da presente reclamação com a prolação de 
 decisão superior que ordene a admissão do recurso de inconstitucionalidade 
 interpretativa interposto e ulteriores termos até final, sob pena de se estar 
 cerceando ao recorrente o pleno direito à defesa em violação das regras 
 constitucionais e das convenções internacionais sobre direitos fundamentais do 
 ser humano”.
 
  
 O assistente Francisco Vicente Coelho Júnior respondeu à reclamação, 
 pronunciando-se pelo seu indeferimento.
 
  
 Neste Tribunal foram os autos com vista ao Ministério Público, que se pronunciou 
 sobre a reclamação apresentada nos seguintes termos:
 
 “A presente reclamação carece manifestamente de fundamento sério.
 Na verdade, a ratio decidendi do acórdão do S.T.J. que se pretendeu impugnar 
 radicou singelamente na falta de credibilidade do depoimento da testemunha 
 inquirida no âmbito do recurso de revisão para determinar o surgimento de 
 
 “graves dúvidas” sobre a justiça da condenação do arguido recorrente.
 Como é evidente a livre valoração, no âmbito da ordem dos tribunais judiciais, 
 de tal depoimento testemunhal não constitui questão de constitucionalidade 
 normativa, susceptível de constituir objecto idóneo de um recurso para este 
 Tribunal Constitucional”.
 
  
 
                                                                                  
 
  *
 Fundamentação
 O recurso não foi admitido no tribunal recorrido por ter sido considerado 
 manifestamente improcedente.
 Nada impede, contudo, o Tribunal Constitucional de verificar a existência de 
 anteriores pressupostos formais do conhecimento do recurso.
 No recurso deduzido com fundamento na alínea b), do nº 1, do artº 70º, da LTC, 
 pode efectivamente questionar-se a constitucionalidade da interpretação duma 
 norma efectuada pela decisão recorrida.
 Todavia, também aqui, o controlo exercido pelo Tribunal Constitucional tem 
 natureza estritamente normativa, não sendo a decisão judicial que é objecto de 
 fiscalização, enquanto operação subsuntiva da norma ao caso concreto, mas sim o 
 critério normativo utilizado para efectuar tal operação, como resultado da 
 actividade interpretativa duma determinada norma.
 
 “A interpretação normativa sindicável pelo Tribunal Constitucional pressupõe 
 uma vocação de generalidade e abstracção na enunciação do critério normativo 
 que lhe está subjacente, de modo a autonomizá-lo claramente da pura actividade 
 subsuntiva, ligada irremediavelmente a particularidades específicas do caso 
 concreto” (Carlos Lopes do Rego, em “O objecto idóneo dos recursos de 
 fiscalização concreta da constitucionalidade: as interpretações normativas 
 sindicáveis pelo Tribunal Constitucional”, em “Jurisprudência Constitucional”, 
 nº 3, Julho/Setembro de 2004, pág. 7).
 Uma das alegadas interpretações normativas que o reclamante pretende ver 
 apreciadas é a “…dos art.ºs 342.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, alínea c) do Código de 
 Processo Penal, conjugadas concomitantemente entre si, com o n.º 1 do primeiro 
 deles, e com os artºs 349.º, n.º 1, 369.º e 370.º da mesma lei adjectiva penal, 
 e ainda do art.º 71.º, n.º 2, do Código Penal …no sentido de que é lícito ao 
 Tribunal, em sede de recurso extraordinário de Revisão, socorrer-se dos mesmos 
 meios de aferição histórica do carácter do arguido, ainda que exteriores aos 
 autos, para fundado em novos factos ou meios de prova aferir da gravidade das 
 eventuais dúvidas sobre a justiça da condenação, mesmo se o arguido tem já 
 integralmente cumprida a pena de condenação anterior, sem que tenha de atender 
 igualmente ou dar relevo para a apreciação do seu carácter aos elementos 
 provados em como é bom chefe de família e prestador de relevantes serviços à sua 
 comunidade”.
 Se já é duvidoso que esta formulação tenha um cariz de abstracção e generalidade 
 que a permita qualificar como norma, em sentido lato, da leitura do acórdão 
 recorrido constata-se que ela não se encontra ali enunciada explícita, ou sequer 
 implicitamente.
 Este aresto limitou-se a valorar a prova produzida, ponderando exaustivamente 
 todas as especificidades do “caso concreto”, tendo concluído que a “nova prova” 
 arrolada pelo reclamante, não merecia credibilidade, não sendo susceptível de 
 suscitar graves duvidas sobre a justiça da condenação (vide ponto 7.8. do 
 acórdão recorrido).
 Estamos perante uma concreta e casuística valoração das circunstâncias do caso 
 sub juditio, que não pode ser sindicada pelo Tribunal Constitucional, não 
 devendo, assim, ser conhecido o recurso interposto pelo reclamante quanto a esta 
 questão.
 Relativamente à segunda questão cuja inconstitucionalidade o reclamante pretende 
 ver apreciada - a interpretação normativa “dos artº 419.º, n.º 1 do Código de 
 Processo Civil, aplicável ex vi art.º 4.º do Código de Processo Penal, e art.º 
 
 9.º, n.º 2 do Código Civil…no sentido de que o rol de testemunhas se basta com a 
 indicação do nome e última morada conhecida das pessoas a inquirir” - deve 
 tomar-se em consideração que o recurso para o Tribunal Constitucional tem uma 
 função instrumental, só se justificando que dele se conheça se o mesmo tiver 
 utilidade para a decisão de fundo, pois, de contrário, estar-se-ia a decidir uma 
 pura questão académica.
 Ora lê-se no acórdão recorrido:
 
 “Todavia, a testemunha B. – à data [10MAR03] da apresentação do rol de 
 testemunhas (de que o arguido, apesar de tudo, o não fez constar) – já se 
 encontrava em liberdade havia 11 dias, após três anos de cárcere, constando a 
 sua morada dos arquivos da cadeia. Nada teria impedido o arguido, por isso, de o 
 indicar como «testemunha», mesmo que ignorasse no seu paradeiro de então, 
 bastando que indicasse – para que o tribunal, como os meios disponíveis, o 
 pudesse procurar – a sua última morada conhecida. 
 Não estando assim justificada a sua impossibilidade – ao tempo – de depor, a 
 
 «nova» testemunha não estaria pois em condições de, sequer, ser indicada, no 
 recurso de revisão, como «novo meio de prova» (art. 453.2 do CPP). 
 Mas, mesmo que o estivesse e por isso se devesse atender ao seu depoimento, a 
 verdade é que este não foi nem é, minimamente, credível. Aliás, a sua 
 credibilidade nem sequer bastaria para que a revisão da sentença fosse 
 admissível, pois que, para que mister seria ainda que o seu testemunho, 
 combinado com as provas apreciadas no processo, suscitassem «graves dúvidas 
 sobre a justiça da condenação». 
 E conforme resulta da leitura de todo o acórdão recorrido, este apreciou 
 exaustivamente o depoimento desta testemunha, tendo concluído pela sua falta de 
 credibilidade e consequente incapacidade para suscitar graves dúvidas sobre a 
 justiça da condenação, pelo que a referência à possibilidade daquela testemunha 
 poder ter sido ouvida aquando do julgamento, o que a afastaria da qualificação 
 como novo meio de prova, para efeitos de recurso de revisão, foi um simples 
 obiter dictum, que não influiu minimamente na decisão de improcedência do 
 recurso de revisão. 
 Assim, mesmo que este Tribunal concluísse pela inconstitucionalidade da referida 
 interpretação normativa, tal juízo não teria qualquer efeito prático naquela 
 decisão, dado que o fundamento em que se alicerçou – a incapacidade da nova 
 prova produzida gerar um estado de grave dúvida sobre a justiça da condenação – 
 se manteria incólume.
 Por esta razão também esta segunda questão não merece ser conhecida pelo 
 Tribunal Constitucional.
 Deste modo, por falta dos mencionados pressupostos processuais, não é possível 
 conhecer do recurso interposto para o Tribunal Constitucional por A., pelo que 
 deve ser indeferida a reclamação apresentada.
 
  
 
                                                                                  
 
  *
 Decisão
 Pelo exposto, indefere-se a reclamação apresentada por A..
 
  
 
                                                                                  
 
  *
 Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC. (artº 7º, do D.L. 
 
 303/98).
 
  
 
                                                                                  
 
  *
 
                                                                                  
 
                    
 
 12 de Junho de 2007
 Cura Mariano
 Mário José de Araújo Torres
 Rui Manuel Moura Ramos