 Imprimir acórdão
 Imprimir acórdão   
			
Processo n.º 853/05
 
 3ª Secção
 Relator: Conselheiro Vítor Gomes
 
  
 
  
 
    Acordam, na 3.ª Secção, do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
    1. A.  intentou contra B., no Tribunal Judicial de Cascais, uma acção em que 
 pediu a declaração de denúncia de um contrato de arrendamento para habitação, 
 alegando necessitar do locado para nele instalar a própria habitação, dado ser 
 emigrante na Alemanha e pretender regressar a Portugal, onde há mais de um ano 
 não tem outra casa própria ou arrendada.
 
    O tribunal de 1ª instância julgou a acção improcedente, considerando que a 
 tanto se opunham factos que constituem circunstâncias impeditivas do exercício 
 de direito de denúncia, nos termos das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 107.º 
 do RAU, aprovado pelo Decreto Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro (ter o 
 locatário mais de 65 anos de idade e residir no locado há mais de 30 anos) e que 
 não ocorria a contra‑excepção prevista no artigo 108.º do mesmo diploma, uma vez 
 que a autora, embora nascida em Portugal, tinha nacionalidade alemã quando foi 
 trabalhar para a Alemanha e só posteriormente adquiriu a nacionalidade 
 portuguesa.
 
    Negando provimento a recurso interposto pela autora, o Tribunal da Relação 
 confirmou a sentença de 1ª instância. A autora interpôs novo recurso, agora para 
 o Supremo Tribunal de Justiça, sustentando a sua qualidade de emigrante para 
 efeito do artigo 108.º do RAU.
 
    Por acórdão de 10 de Maio de 2005, o Supremo Tribunal de Justiça concedeu 
 provimento ao recurso, considerando que:
 
  
 
 “(…)
 Discute-se assim tão somente a sua qualidade de emigrante.
 Está a propósito provado que a autora desde 1 de Janeiro de 1970 até 31 de Março 
 de 1997 trabalhou ininterruptamente no Consulado-Geral de Portugal, em 
 Estugarda, Alemanha, onde sempre residiu, deslocando-se a Portugal apenas nas 
 férias, onde permanecia em casa de familiares e amigos.
 No acórdão recorrido (na sequência da decisão da 1ª instância) considerou-se que 
 a autora não era emigrante para o efeito pretendido, porque quando saiu de 
 Portugal era de nacionalidade alemã. Não teria emigrado porque se deslocou para 
 a terra da sua nacionalidade. Efectivamente, a autora, nascida em Portugal e 
 filha de pai alemão, foi registada como cidadã portuguesa, tendo sido feita a 
 opção pela nacionalidade alemã quando a mesma tinha 5 anos. Em 1982 readquiriu a 
 nacionalidade portuguesa. Significa isto que a autora permaneceu a trabalhar na 
 Alemanha durante 15 anos, sendo portuguesa.
 A circunstância de durante alguns anos ter tido a nacionalidade alemã é 
 irrelevante. A lei não distingue entre quem foi sempre português e quem durante 
 alguns anos teve outra nacionalidade. O que releva é o facto de uma cidadã 
 portuguesa ter trabalhado 15 anos em país estrangeiro e pretender regressar ao 
 seu país, que é Portugal.
 O artigo 62.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa garante o direito de 
 propriedade, atribuindo-lhe mesmo natureza análoga aos direitos, liberdades e 
 garantais, compartilhando por isso do respectivo regime específico (artigo 17.º 
 da CRP). Tal direito, não é, contudo, garantido em termos absolutos, mas sim 
 dentro dos limites e nos termos previstos e definidos noutros lugares da 
 Constituição.
 O direito à habitação, é, por sua vez, um direito fundamental de natureza 
 social, sendo o Estado, em primeira linha, quem tem de assegurar a sua 
 satisfação (artigo 65.º da CRP).
 No conflito entre direito de propriedade e direito de habitação, têm surgido 
 várias normas, várias regras, restritivas de um e outro direito, procurando 
 
 “compatibilizar‑se os dois – “Constituição da República Portuguesa – Anotada”, 
 Prof. Gomes Canotilho e Vital Moreira, 3ª ed., designadamente, págs. 332 e 345; 
 Ac. T. Constitucional n.º 4/96, de 16.01, BMJ n.º 453, pág. 67, entre outros; 
 Cons. Aragão Seia – “Arrendamento Urbano”, 7.ª ed., pág. 636.
 As limitações estabelecidas pelo mencionado Artigo 107.º do RAU, não violando o 
 direito de propriedade, justificam-se pela função social da propriedade privada; 
 a excepção contida no artigo 108.º protege os direitos do proprietário – 
 senhorio e do próprio Estado.
 Um país tem, em princípio, um interesse social, moral e económico em que os seus 
 emigrantes regressem um dia. Para que tal aconteça é condição, entre outras, 
 relevante que o emigrante possua no seu país de origem uma casa onde possa 
 viver. 
 Esse interesse colide por norma com o interesse oposto do inquilino, cujo 
 sacrifício provocará, por vezes, soluções injustas. A necessidade habitacional 
 do senhorio proprietário sobrepõe-se aqui ao direito de habitação por parte do 
 inquilino.
 Isto sem esquecer que a todos os cidadãos é garantido o direito de emigrar e o 
 direito de regressar, competindo, pois, ao Estado assegurar o exercício desse 
 direito (artigo 44.º da CRP).
 Não pode é criar-se arbitrariamente uma desigualdade entre o cidadão que sempre 
 foi português e aquele que, por motivos vários, o não o tenha sido durante algum 
 tempo.
 Emigrante para os efeitos do disposto no artigo 108.º do RAU é todo aquele 
 cidadão português que, por vontade própria, foi trabalhar para pais estrangeiro 
 e aí permaneceu, trabalhando, durante pelo menos 10 anos.
 A autora preenche esse conceito, tendo que se considerar que esteve emigrada 
 durante cerca de 15 anos. Aplica-se, pois, a excepção à limitação que beneficia 
 a ré, sendo a acção procedente, com o consequente despejo e pagamento da 
 indemnização legal.”
 
    
 
  
 
    A então recorrida B. arguiu a nulidade deste acórdão, imputando-lhe o vício 
 previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC, o que foi desatendido por 
 acórdão de 29 de Junho de 2005.
 
  Interpôs a mesma, seguidamente, recurso para o Tribunal Constitucional, visando 
 a apreciação da constitucionalidade da norma do artigo 108.º do RAU, na 
 interpretação que lhe foi dada pelo acórdão de 10 de Maio de 2005, por violação 
 do artigo 65.º da Constituição (direito à habitação). 
 
  
 O recurso foi admitido no Supremo Tribunal de Justiça e, no Tribunal 
 Constitucional, o relator ordenou a notificação para alegações.
 
  
 
  
 
 2. A recorrente apresentou alegações em que sustenta as seguintes conclusões:
 
  
 
 “A) A A. não é emigrante, não esteve emigrada para efeitos do disposto no art.º 
 
 108.º do RAU.
 B) A A. É filha de pais alemães e era cidadã alemã quando, em 1967, deu o locado 
 de arrendamento à Ré.
 C) Cidadã alemã era também quando resolveu ir de Portugal onde tinha nascido, 
 para o seu País, a Alemanha, onde passou a residir e a trabalhar.
 D) Em 15 de Setembro de 1979, data da publicação do DL 55/79 que introduziu no 
 ordenamento jurídico português as normas que hoje constam dos artigos 107.º e 
 
 108.º do RAU, a A. continuava a ser cidadã alemã. 
 E) A A., cidadã alemã, passou a ter também a nacionalidade portuguesa em 1982 
 quando vivia e trabalhava no seu país, a Alemanha, onde continuou a viver e a 
 trabalhar.
 F) O direito à habitação é um direito fundamental, constitucionalmente 
 garantido, pelo que qualquer lei restritiva se deve conter nos precisos limites 
 no art.º 18.2 das CRP.
 G) O direito à emigração, também constitucionalmente garantido, supõe o direito 
 ao regresso daqueles que partiram do seu país.
 H) A protecção especial que o legislador conferiu ao emigrante só pode ser 
 atribuída ao que o é verdadeiramente, àquele que reúna em si os significados e a 
 vivência do que significa partir, deixar a Pátria e os seus ao encontro das 
 agruras do desconhecido para conseguir melhor vida.
 L) O Tribunal deve interpretar as normas jurídicas ordinárias de forma 
 congruente com os direitos fundamentais, de tal sorte que a função de protecção 
 destes seja medida da decisão.
 J) A interpretação dada pelo douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça à 
 norma constante do artigo 108.º do RAU é inconstitucional por afrontar o direito 
 fundamental à habitação e, subsidiariamente o princípio da confiança e segurança 
 jurídicas.
 K) O Acórdão em causa violou o disposto nos artigos 2º e 65.º da Constituição da 
 República Portuguesa.”
 
  
 
  
 
    A recorrida contra-alegou no sentido do não provimento do recurso.
 
  
 
  
 
 3. Depois disso, o relator proferiu o seguinte despacho (fls. 260):
 
  
 
 “É razoavelmente sustentável que não deva conhecer-se do objecto do recurso de 
 constitucionalidade, pelas razões que passam sumariamente a enunciar-se:
 A) Nas contra-alegações do recurso de revista perante o Supremo Tribunal de 
 Justiça, em matéria de constitucionalidade, a recorrente limitou-se a afirmar: 
 
 “Concluir de forma diferente, seria fazer uma interpretação errada dessa 
 disposição legal, violando a disposição constitucional que consagra o direito à 
 habitação (C.R.P., artº 65º interpretado enquanto consagra o “direito negativo”, 
 ou seja, o direito de defesa da habitação – “Constituição da República 
 Portuguesa Anotada”, J.J. Gomes Canotilho, Vital Moreira, pág. 344), vício que, 
 
 à cautela e por dever de patrocínio, vai arguido.”
 Perante esta alegação que, para o efeito em causa, não sai melhorada pela 
 correspondente alínea F) das respectivas “conclusões”, é plausível que venha a 
 entender-se que a recorrente não cumpriu o ónus, que decorre da alínea b) do n.º 
 
 1 do artigo 70.º e do n.º 2 do artigo 72.º da LTC, de suscitar a questão de 
 constitucionalidade, de modo processualmente adequado, perante o tribunal que 
 proferiu a decisão recorrida. Com efeito, esta afirmação de 
 inconstitucionalidade é reportada a uma interpretação do direito ordinário e à 
 sua aplicação aos factos da causa que viesse a ser contrária àquela que a agora 
 recorrente (e então recorrida) defendia, mas sem referenciação precisa a um 
 sentido normativo determinado, em termos de o tribunal da causa, se concluísse 
 que esse era o sentido do direito ordinário que tinha de aplicar na decisão do 
 caso, devesse saber que se pretendia que fizesse uso do poder de desaplicação de 
 normas inconstitucionais que lhe é conferido pelo artigo 204.º da Constituição.
 B) Nas alegações de recurso de constitucionalidade, a recorrente sustenta que, 
 no acórdão recorrido, o Supremo Tribunal de Justiça enunciou um conceito 
 jurídico de emigrante para efeitos do artigo 108.º do RAU como todo aquele 
 cidadão português que, por vontade própria, foi trabalhar para País estrangeiro 
 e aí permaneceu, trabalhando, durante pelo menos 10 anos” mas que acabou por 
 subvertê-lo na decisão tomada. Não diz, porém, qual o conceito de emigrante com 
 que a norma do artigo 108.º do RAU foi efectivamente integrada.
 Critica, depois, a decisão, sustentando que “descaracterizar o estatuto/condição 
 de emigrante de modo a nele abranger a cidadã alemã que como tal foi viver e 
 trabalhar e que, a determinada altura, na Alemanha vivendo e trabalhando, 
 adquire a nacionalidade portuguesa é fazer uma interpretação inconstitucional 
 dos normativos conjugados dos 107.º e 108.º do RAU”. E acrescenta que o respeito 
 pelos princípios da tutela de confiança e da segurança jurídicas, decorrentes do 
 princípio do Estado de direito, impõem que “se deva interpretar o artigo 108.º 
 do RAU no sentido de que o senhorio-emigrante tenha essa qualidade à data da 
 celebração do arrendamento”. Mas nunca enuncia o sentido normativo que tem por 
 inconstitucional, sendo certo que esse sentido não poderá, logicamente, ser 
 aquele que o acórdão recorrido enunciou e relativamente ao qual a recorrente 
 aponta ao Supremo Tribunal uma aplicação incongruente.
 Parece, assim, que aquilo que a recorrente pretende fazer sindicar pelo Tribunal 
 Constitucional é a decisão do Supremo Tribunal de Justiça, na singularidade do 
 caso concreto, e não uma norma ou critério normativo de decisão susceptível de 
 generalização tido por contrário a normas ou princípios constitucionais.
 C) De todo o modo, aquela questão a que a recorrente, nas alegações, reporta a 
 violação do princípio da confiança e da segurança jurídicas é uma questão nova. 
 Já não diz respeito ao conceito jurídico de emigrante considerando a relação 
 entre os momentos de saída de Portugal e de aquisição da nacionalidade 
 portuguesa, mas a saber se o senhorio tem de ter a qualidade de emigrante logo à 
 data da celebração do contrato de arrendamento denunciado. Versa, pois, sobre um 
 segmento normativo do artigo 108.º do RAU diverso ou que não se esgota naquele 
 que consiste na análise do conceito de emigrante contra o qual se insurgiu. Ora, 
 além de não ter suscitado relativamente a este segmento normativo qualquer 
 questão de constitucionalidade – aliás, nem sequer no plano do direito ordinário 
 a recorrente colocou essa questão perante o Supremo Tribunal de Justiça –, 
 também não o incluiu no requerimento de interposição do recurso de 
 constitucionalidade, pelo que a questão agora apresentada nas alegações se 
 traduz numa ampliação não permitida do objecto do recurso. 
 Nestes termos, desenhando-se como uma das soluções razoavelmente previsíveis a 
 de, por qualquer destas razões, não vir a conhecer-se do objecto do recurso, 
 notifique as partes para dizerem o que tiverem por conveniente sobre esta 
 matéria.”
 
  
 
  
 
    A recorrente respondeu que, ignorando a contradição entre o conceito que deu 
 de emigrante e o facto de considerar que a autora preenche esse conceito, o 
 Supremo Tribunal de Justiça entendeu que “o que releva é o facto de uma cidadã 
 portuguesa ter trabalhado 15 anos em país estrangeiro e pretender regressar ao 
 seu país, que é Portugal” e que é esta interpretação de “emigrante” para efeitos 
 do artigo 108.º do RAU que torna a norma manifestamente inconstitucional, pelas 
 razões já aduzidas nas alegações. Reconhece que não levantou ex-professo a 
 questão da nacionalidade do senhorio à data do arrendamento, mas sustenta que 
 não se trata de questão nova porque é decorrência lógica do que refere quanto ao 
 artigo 108.º.
 
  
 
    A recorrida pronunciou-se no sentido do não conhecimento do objecto do 
 recurso.
 
  
 
  
 
 4. Cumpre apreciar, antes de mais, as questões que podem obstar ao conhecimento 
 do objecto do recurso, acerca das quais, em conformidade com o despacho de fls. 
 
 260, as partes foram ouvidas e se pronunciaram nos termos relatados.
 
  
 O recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC só pode ser 
 interposto pela parte que tenha suscitado a questão da inconstitucionalidade 
 durante o processo, de modo processualmente adequado, perante o tribunal que 
 proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer 
 
 (artigo 72.º, n.º 2, da Constituição). A parte vencedora, ainda que porventura 
 tenha suscitado a questão em fase processual anterior (o que, aliás, no caso 
 presente não sucede), tem o ónus de suscitar ou renovar a questão de 
 constitucionalidade perante o tribunal superior para poder aceder ao Tribunal 
 Constitucional, na eventualidade de a sorte do recurso lhe vir a ser 
 desfavorável.
 Deste modo, a recorrente, que obtivera ganho de causa em primeira e segunda 
 instâncias, perante a pretensão da parte contrária, no recurso de revista, de 
 interpretação e aplicação do artigo 108.º do RAU com um sentido que reputa de 
 inconstitucional, tinha o ónus de colocar, no momento próprio, o Supremo 
 Tribunal de Justiça perante a necessidade de enfrentar a hipótese de desaplicar, 
 na solução do caso, com fundamento na sua desconformidade com a Constituição, 
 esse outro sentido do direito ordinário pertinente, ao abrigo dos poderes que o 
 artigo 204.º da Constituição atribuiu a todos os tribunais. O que teria de fazer 
 de modo claro e perceptível, isto é, de modo que esse Tribunal devesse saber que 
 tinha uma questão desta natureza para resolver, e que pudesse identificar 
 cabalmente a norma censurada e a regra ou princípio constitucional violado e a 
 razão de ser da incompatibilidade entre ambas. 
 O que exige, como o Tribunal Constitucional tem repetidamente afirmado, quando 
 seja questionada uma certa interpretação ou dimensão normativa de um determinado 
 preceito ou de um seu segmento, a indicação do exacto sentido normativo que se 
 considera inconstitucional. Como se disse, por exemplo, no Acórdão n.º 178/95 
 
 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 30º vol., pág. 1118.) tendo a questão de 
 constitucionalidade que ser suscitada de forma clara e perceptível (cfr., entre 
 outros, o Acórdão n.º 269/94, Diário da República, II Série, de 18 de Junho de 
 
 1994), impõe-se que, quando se questiona apenas uma certa interpretação de 
 determinada norma legal, se indique esse sentido (essa interpretação). E que 
 exige também um mínimo de argumentação destinada a demonstrar a desconformidade 
 entre o sentido normativo que se quer ver desaplicado e o parâmetro 
 constitucional que deve conduzir a repudiá‑lo.
 
  
 
    Ora, a recorrente limitou-se a afirmar secamente que “concluir de forma 
 diferente, seria fazer uma interpretação errada dessa disposição legal, violando 
 a disposição constitucional que consagra o direito à habitação (C.R.P., artº 65º 
 interpretado enquanto consagra o “direito negativo”, ou seja, o direito de 
 defesa da habitação”. Essa afirmação conclusiva, desprovida de um complemento de 
 argumentação centrada nas razões pelas quais deve entender-se que o preceito 
 constitucional invocado proíbe que a lei ordinária adopte um determinado 
 conceito de emigrante na arbitragem do conflito entre o senhorio que pretende a 
 casa para habitá-la e o inquilino com mais de 65 anos, não satisfaz a exigência 
 do n.º 2 do artigo 72.º da LTC. Com efeito, toda a argumentação da recorrente 
 nas contra-alegações perante o Supremo Tribunal de Justiça – aliás, também nas 
 alegações apresentadas no Tribunal Constitucional, esquecendo que é matéria que 
 não cabe ao Tribunal apreciar – se dirige a demonstrar o que deve entender-se 
 por emigrante para efeito do artigo 108.º do RAU, sem nada discorrer sobre as 
 razões pelas quais conclui que a solução diferente daquela que defende é 
 desconforme à Constituição. 
 
    Perante isto, o Tribunal considera que a questão de constitucionalidade não 
 foi suscitada, de modo processualmente adequado, antes de proferida a decisão 
 recorrida.
 
  
 
    E também é exacto, como se advertiu no despacho de fls. 260, que a alegada 
 violação do princípio da confiança e da segurança jurídicas se reporta a uma 
 questão nova, que implicaria a modificação ou ampliação do objecto do recurso e, 
 por isso, nunca poderia ser apreciada no presente recurso, ainda que ao seu 
 conhecimento não obstassem, de modo mais geral, as razões que antecedem. Com 
 efeito, essa alegada violação já não diz respeito ao conceito jurídico de 
 emigrante, considerando a relação entre os momentos de saída de Portugal e de 
 aquisição da nacionalidade portuguesa, mas a saber se o senhorio deve ter a 
 qualidade de emigrante logo à data da celebração do contrato de arrendamento 
 denunciado. Versa, pois, sobre um segmento normativo do artigo 108.º do RAU 
 diverso ou que não se esgota naquele que consiste na análise do conceito de 
 emigrante contra o qual a recorrente se insurgiu. Ora, além de não ter suscitado 
 relativamente a este segmento normativo qualquer questão de constitucionalidade 
 
 – aliás, nem sequer no plano do direito ordinário a recorrente colocou essa 
 questão perante o Supremo Tribunal de Justiça –, também não o incluiu no 
 requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, pelo que a 
 questão agora aditada nas alegações se traduz numa ampliação do objecto do 
 recurso, o que não seria permitido (artigo 684.º, n.º 3, do CPC). 
 
  
 
  
 
 5. Decisão
 
  
 Pelo exposto, decide-se não tomar conhecimento do objecto do recurso e condenar 
 a recorrente nas custas, fixando a taxa de justiça em 12 (doze) unidades de 
 conta.
 Lisboa, 28 de Novembro de 2006
 Vítor Gomes
 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
 Bravo Serra
 Gil Galvão
 Artur Maurício