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Processo nº 891/06
 
 1ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria João Antunes
 
  
 
  
 
  
 
  
 Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
  
 
  
 I. Relatório
 
 1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que são 
 recorrentes A. e Marido e B. e Marido e recorrida C., foi interposto recurso 
 para o Tribunal Constitucional ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1, alínea 
 b), da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional 
 
 (LTC).
 
  
 
 2. Em 7 de Novembro de 2006, foi proferida decisão sumária no sentido de que não 
 podia conhecer-se do objecto do recurso em causa, com os seguintes fundamentos:
 
  
 
 «Estabelece a alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC que cabe recurso para o 
 Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja 
 inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo; tal suscitação 
 há-de ainda ter ocorrido “de modo processualmente adequado perante o tribunal 
 que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela 
 conhecer” (artigo 72º, nº 2, da LTC).
 As recorrentes, em cumprimento do disposto na parte final do nº 2 do artigo 
 
 75º-A da LTC, indicaram as peças processuais em que teriam suscitado a questão 
 de inconstitucionalidade que agora pretendem que o Tribunal aprecie.
 Porém, da análise de tais peças, designadamente de passos expressamente 
 referidos pelas recorrentes, resulta que, durante o processo, não foi suscitada 
 de forma adequada uma questão de inconstitucionalidade normativa, não chegando a 
 definir qual o concreto conteúdo normativo, retirado dos preceitos por si 
 indicados, que reputam inconstitucional (supra, ponto 2., i), LL. do Relatório).
 Ora, “quando se pretenda questionar a constitucionalidade de uma dada 
 interpretação normativa, é indispensável que a parte identifique expressamente 
 essa interpretação ou dimensão normativa, em termos de o Tribunal, no caso de a 
 vir a julgar inconstitucional, a poder enunciar na decisão, de modo a que os 
 respectivos destinatários e os operadores do direito em geral fiquem a saber que 
 essa norma não pode ser aplicada com tal sentido.
 Não é, deste modo, como vem reiteradamente decidindo o Tribunal Constitucional, 
 forma idónea e adequada de suscitar uma questão de inconstitucionalidade 
 normativa a simples invocação de que seria inconstitucional (…) certa ou certas 
 normas legais na interpretação que a decisão das instâncias lhes conferiu, não 
 suficientemente definida ou precisada pelo recorrente (…), cabendo sempre à 
 parte que pretende suscitar adequadamente uma questão de inconstitucionalidade 
 normativa o ónus de especificar qual é, no seu entendimento, o concreto sentido 
 com que tal norma ou normas foram realmente tomadas no caso concreto pela 
 decisão que se pretende impugnar perante o Tribunal Constitucional” (Lopes do 
 Rego, “O objecto idóneo dos recursos de fiscalização concreta da 
 constitucionalidade: as interpretações normativas sindicáveis pelo Tribunal 
 Constitucional”, Jurisprudência Constitucional, nº 3, 2004, p. 8).
 Não se verificando este pressuposto, que não é já suprível, não se justifica a 
 formulação do convite previsto no nº 6 do artigo 75º-A da LTC, apesar de, pelas 
 razões já expostas, o requerimento de interposição de recurso não observar o 
 disposto no nº 1 do mesmo preceito: não se indica ali, como não se indicou 
 durante o processo, qual a norma ou quais as normas que se pretende que o 
 Tribunal aprecie.
 Resta pois, pelo que fica exposto, concluir pela impossibilidade de conhecimento 
 do objecto do recurso, o que justifica a prolação da presente decisão sumária 
 
 (artigo 78º-A, nº 1, da LTC)».
 
  
 
 3. Desta decisão reclamaram as recorrentes para a conferência, ao abrigo do 
 disposto no nº 3 do artigo 78º-A da LTC, nos termos e com os fundamentos 
 seguintes:
 
  
 
 «1.º
 Na oposição oportunamente apresentada na 1.ª instância, apesar da 
 previsibilidade da violação do direito fundamental de propriedade dos 
 Recorrentes, não lhes era possível indicar qual a norma arguida de 
 inconstitucionalidade, dado que era forçosamente desconhecida a fundamentação 
 legal da sentença.
 
 2.°
 Na conclusão LL do recurso interposto para a Relação de Lisboa refere-se que são 
 arguidas de inconstitucionalidade as normas jurídicas constantes da conclusão 
 FF.
 
 3.º
 Nas conclusões seguintes, até final, expõem-se as razões que conduzem ao juízo 
 de inconstitucionalidade.
 
 4.º
 No requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional, os Recorrentes 
 indicaram que pretendem que sejam apreciadas por este tribunal as normas 
 contidas nos artigos 76.°, 79.º, 80.°, n.º 1 e 91.° do Código do Registo Predial 
 e, bem assim, que o mesmo recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 
 do artigo 70.° da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro.
 
 5.º
 Se o Tribunal Constitucional pretende que no próprio requerimento de recurso 
 seja especificado “o concreto sentido com que tal norma ou normas foram 
 realmente tomadas no caso concreto pela decisão que se pretende impugnar”, 
 então, tal interpretação será praeter legem, o que não é permitido na ordem 
 jurídica portuguesa, sob pena até de, sob a capa da interpretação, criar-se um 
 acto legislativo.
 
 6.°
 Mas mesmo admitindo tal interpretação, o mesmo requisito deveria seguir o mesmo 
 regime da omissão da norma arguida de inconstitucionalidade ou da norma 
 habilitante do recurso (n.º 5 do artigo 75.°-A da Lei n.º 28/82)».
 
  
 
 4. Notificada desta reclamação, a recorrida sustentou que deve ser mantida a 
 decisão sumária proferida.
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 II. Fundamentação
 A decisão que é objecto de reclamação concluiu pelo não conhecimento do objecto 
 do recurso interposto, com fundamento na não suscitação adequada, durante o 
 processo, das normas que as recorrentes pretendiam ver apreciadas, nomeadamente 
 por referência à conclusão LL do recurso interposto para a Relação de Lisboa, 
 agora destacada pelas reclamantes.
 Nesta conclusão do recurso interposto para o Tribunal da Relação de Lisboa, as 
 então recorrentes sustentaram que “a interpretação que a sentença dá às 
 disposições referidas na conclusão FF [os artigos 76.°, 79.º, 80.°, n.º 1, e 
 
 91.° do Código do Registo Predial] para fundamentar a decisão sob censura, é 
 inconstitucional por violar o direito fundamental de propriedade das Apelantes”, 
 o que não é suficiente para se poder dar como verificado o requisito da 
 suscitação adequada da questão de inconstitucionalidade normativa que se 
 pretende ver apreciada (artigo 70º, nº 1, e 72º, nº 2, da LTC).
 Reiterando o já dito na decisão sumária e a jurisprudência deste Tribunal, 
 diga-se que, quando “se suscita a inconstitucionalidade de uma determinada 
 interpretação de certa (ou de certas) normas jurídicas, necessário é que se 
 identifique essa interpretação em termos de o Tribunal, no caso de a vir a 
 julgar inconstitucional, a poder enunciar na decisão, de modo a que os 
 destinatários delas e os operadores do direito em geral fiquem a saber que essa 
 
 (ou essas) normas não podem ser aplicadas com um tal sentido” (Acórdão do 
 Tribunal Constitucional nº 106/99).
 Por não se poder dar como verificado o requisito da suscitação adequada da 
 questão de inconstitucionalidade normativa, a decisão sumária concluiu ainda que 
 não se justificava convidar as recorrentes a indicar a norma cuja 
 inconstitucionalidade pretendiam que este Tribunal apreciasse (cf. parte final 
 do nº 1 do artigo 75º-A da LTC). Com efeito, tratar-se-ia de acto inútil, uma 
 vez que, ainda que as recorrentes suprissem os requisitos do artigo 75º-A da 
 LTC, não se poderia dar como verificado um dos requisitos do recurso de 
 constitucionalidade interposto, o que justificaria sempre a prolação de decisão 
 de não conhecimento do objecto. Este Tribunal tem vindo a entender que o convite 
 previsto no nº 6 daquele artigo “apenas é admissível quando o vício de que 
 enferma o requerimento é susceptível de sanação, por deficiência do próprio 
 requerimento e não por falta de um pressuposto de admissibilidade do recurso” 
 
 (Acórdão nº 344/99, não publicado, e, no mesmo sentido, entre outros, Acórdãos 
 nºs 76/2000 e 99/2000, não publicados).
 Resta assim confirmar que as recorrentes não suscitaram durante o processo, de 
 forma adequada, uma questão de inconstitucionalidade normativa, não se podendo 
 dar como verificado um dos requisitos do recurso de constitucionalidade 
 interposto (artigo 70º, nº 1, alínea b), e 72º, nº 2, da LTC).
 
  
 III. Decisão
 Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, 
 confirmar a decisão reclamada no sentido do não conhecimento do objecto do 
 recurso.
 Custas pelas reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de 
 conta.
 Lisboa, 20 de Dezembro de 2006
 Maria João Antunes
 Rui Manuel Moura Ramos
 Artur Maurício