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Processo n.º 1054/07
 
 2ª Secção
 Relator: Conselheiro João Cura Mariano
 
 
 
              Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
 
 
 Relatório
 A. requereu em 6-3-2007 aos serviços da Segurança Social que lhe fosse 
 concedido apoio judiciário, a fim de deduzir oposição em acção executiva, na 
 modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o 
 processo.
 
  
 Aqueles serviços, por decisão de 2-5-2007, concederam apoio judiciário ao 
 requerente, na modalidade de pagamento faseado da taxa de justiça e dos demais 
 encargos com o processo.
 
  
 O requerente impugnou esta decisão, concluindo pela revogação da decisão 
 impugnada e sua substituição por outra que lhe conceda apoio judiciário, na 
 modalidade de dispensa total de pagamento de taxa de justiça e outros encargos.
 
  
 Os serviços de Segurança Social mantiveram a decisão impugnada, tendo remetido o 
 processo para a 3ª Vara Cível do Porto.
 
  
 Aí foi concedido provimento à impugnação e revogada a decisão dos serviços da 
 Segurança Social, tendo-se concedido ao requerente o benefício de apoio 
 judiciário na modalidade peticionada, por decisão proferida em 4-7-2007.
 Na fundamentação desta decisão recusou-se a aplicação do disposto nos artigos 
 
 6.º a 10.º, da Portaria n.º 1085-A/2004 e do Anexo à Lei n.º 34/2004, na parte 
 em que obriga, em sede de impugnação judicial, que seja considerado para efeitos 
 do cálculo do rendimento relevante do requerente do benefício do apoio 
 judiciário, o rendimento do seu agregado familiar nos termos aí rigidamente 
 impostos, sem permitir em concreto aferir da real situação económica do 
 requerente em função dos seus rendimentos e encargos, por violação do direito ao 
 acesso ao direito e aos tribunais consagrado no artigo 20.º da Constituição da 
 República Portuguesa.
 
  
 O Ministério Público recorreu desta decisão para o Tribunal Constitucional, ao 
 abrigo da alínea a), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, nos seguintes termos:
 
 “Na douta decisão recorrida foi decidido recusar, com fundamento em 
 inconstitucionalidade material, a aplicação do anexo à Lei 34/2004 de 29/7, 
 conjugado com os artigos 6º a 10º da Portaria nº 1085-A/2004 de 31/8, alterada 
 pela Portaria 288/2005 de 21/3, na parte em que determina que seja considerado 
 para efeitos do cálculo do rendimento relevante do requerente o rendimento do 
 seu agregado familiar. Entendeu o tribunal que o referido dispositivo legal, por 
 não permitir aferir em concreto da real situação económica do requerente em 
 função dos seus rendimentos e encargos, viola o direito ao acesso ao direito e 
 aos tribunais consagrados no artº 20º da Constituição da República Portuguesa e, 
 em consequência, decidiu julgar procedente o recurso interposto e conceder ao 
 requerente o benefício de apoio judiciário na modalidade de total dispensa de 
 taxa de justiça e demais encargos com o processo.”.
 
  
 Concluiu as suas alegações da seguinte forma:
 
 “O acesso ao direito e aos tribunais não se configura, no nosso ordenamento 
 jurídico-constitucional, como mero direito a uma prestação social, traduzindo 
 antes um direito fundamental, ligado à efectividade da protecção jurídica e 
 dependente, em termos essenciais, dos critérios que delimitam e condicionam a 
 apreciação da insuficiência económica invocada pelo requerente. 
 Constitui restrição excessiva e desproporcionada a tal direito fundamental a 
 obrigatória, tabelar e rígida ponderação do “rendimento relevante” do agregado 
 familiar, exclusivamente em função dos índices e coeficientes estabelecidos nos 
 artigos 6º a 10º da Portaria nº 1085-A/04, em conexão com o Anexo à Lei nº 
 
 34/04, nomeadamente para a determinação dos valores adequados à satisfação das 
 
 “necessidades básicas” do agregado familiar, desvalorizando a amputação 
 patrimonial decorrente de penhora incidente sobre o vencimento do requerente e 
 do pagamento faseado de custas nos vários processos em que simultaneamente é 
 parte, conduzindo à possibilidade de denegação administrativa do apoio 
 judiciário, na modalidade pretendida, mesmo quando uma apreciação, casuística e 
 prudencial, das circunstâncias do caso revela manifestamente a existência de uma 
 situação de carência económica, inibidora do acesso ao direito e aos tribunais. 
 
 
 Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade formulado 
 pela decisão recorrida. 
 
  
 
                                                       *
 Fundamentação
 
 1. Do objecto do recurso
 A decisão recorrida afastou a aplicação do disposto nos artigos 6.º a 10.º, da 
 Portaria n.º 1085-A/2004 e das normas constantes do Anexo à Lei n.º 34/2004, com 
 fundamento na sua inconstitucionalidade, por entender que estas normas impunham, 
 em sede de impugnação judicial da decisão dos serviços da segurança social, que 
 fosse considerado para efeitos do cálculo do rendimento relevante do requerente 
 do benefício do apoio judiciário, o rendimento do seu agregado familiar nos 
 termos aí rigidamente impostos, sem permitir em concreto aferir da real situação 
 económica do requerente em função dos seus verdadeiros rendimentos e encargos, o 
 que violava o direito ao acesso ao direito e aos tribunais consagrado no artigo 
 
 20.º, da Constituição da República Portuguesa.
 Consta do artigo 2.º, da Portaria n.º 1085-A/2004, que “o disposto na presente 
 portaria não prejudica a possibilidade de ser concretamente apreciada a situação 
 económica dos requerentes de protecção judiciária, nos termos previstos no n.º 
 
 2, do artigo 20.º, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho”.
 E este artigo 20.º, n.º 2, dispõe o seguinte:
 
 “Se os serviços da segurança social, perante um caso concreto, entenderem não 
 dever aplicar o resultado da apreciação efectuada nos termos do número anterior, 
 remetem o pedido, acompanhado de informação fundamentada, para uma comissão 
 constituída por um magistrado designado pelo Conselho Superior da Magistratura, 
 um magistrado do Ministério Público designado pelo Conselho Superior do 
 Ministério Público, um advogado designado pela Ordem dos Advogados e um 
 representante do Ministério da Justiça, a qual decide e remete tal decisão aos 
 serviços da segurança social.”
 Sustentou-se na decisão recorrida que o disposto no artigo 2.º, da Portaria n.º 
 
 1085-A/2004, apenas permitia afastar os critérios rígidos, tabelares e 
 matemáticos de determinação do rendimento relevante, para efeitos de concessão 
 de apoio judiciário, na fase administrativa do processo, não sendo tal 
 possibilidade extensível à fase de impugnação judicial.
 Não cabendo ao Tribunal Constitucional censurar esta interpretação efectuada no 
 plano infraconstitucional e tendo ela conformado a recusa de aplicação das 
 citadas normas é precisamente esta interpretação cuja constitucionalidade 
 importa verificar.
 Por outro lado, apesar da decisão recorrida referir que recusa a aplicação dos 
 citados preceitos legais por impedirem uma avaliação em concreto da real 
 situação económica do requerente, em função dos seus verdadeiros rendimentos e 
 encargos, no caso sub iudice, apenas estavam em causa os encargos do 
 requerente, uma vez que se pretendia a consideração da existência de penhoras no 
 vencimento deste e no do seu cônjuge. Tais penhoras devem ser encaradas não como 
 uma diminuição dos rendimentos, mas sim como um aumento dos encargos, uma vez 
 que com elas são satisfeitas dívidas do requerente.
 Assim, atenta a natureza instrumental do recurso constitucional, apenas deve ser 
 verificada a constitucionalidade dos referidos preceitos legais, na 
 interpretação de que não permitem em concreto aferir da real situação económica 
 do requerente, em função das suas despesas concretas.
 Os diplomas legais em causa, em especial as normas cuja aplicação se recusou, 
 sofreram alterações, mercê da publicação da Lei 47/2007, de 28 de Agosto, mas as 
 mesmas não assumem qualquer relevância no caso concreto, na medida em que só 
 entraram em vigor no dia 1 de Janeiro de 2008, não se aplicando aos 
 requerimentos de apoio judiciário apresentados até essa data (artigo 6.º).
 
  
 
 2. Do mérito do recurso
 Conforme facilmente se alcança, os direitos em geral e os direitos fundamentais 
 em particular, podem ser realizados ou afectados de modos muito diferenciados, 
 desde logo pela concreta conformação do regime processual do acesso ao Direito e 
 aos tribunais (vide JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, em “Constituição Portuguesa 
 Anotada”, tomo I, pág. 176, da ed. de 2005, da Coimbra Editora).
 Tendo essa evidência muito presente, o n.º 1, do artigo 20.º, da Constituição, 
 na redacção vigente, introduzida pela Revisão Constitucional de 1997, prescreve 
 que: 
 
 “A todos é assegurado o acesso ao Direito e aos tribunais para defesa dos seus 
 direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada 
 por insuficiência de meios económicos”.
 A jurisprudência constitucional sobre o conteúdo e alcance desta norma tem sido 
 abundante, não havendo assim margem para grandes originalidades e inovações 
 interpretativas, importando, por isso, recuperar algumas das suas notas mais 
 relevantes para assim melhor densificar o sentido da constitucionalização do 
 sistema de acesso ao Direito e aos tribunais.   
 Desde logo, importa ter presente as reflexões firmadas no Parecer n.º 8/78 da 
 Comissão Constitucional (publicado em Pareceres da Comissão Constitucional, 5. 
 Volume, pág. 3), nomeadamente: 
 
 “ (…) ao assegurar a todos o acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos, 
 o legislador constitucional reafirma o princípio geral da igualdade consignado 
 no n.º 1 do artigo 13.º.
 Mas indo além do mero reconhecimento de uma igualdade formal no acesso aos 
 tribunais, o n.º 1 do artigo 20.º, na sua parte final, propõe-se afastar neste 
 domínio a desigualdade real nascida da insuficiência de meios económicos, 
 determinando expressamente que tal insuficiência não pode constituir motivo de 
 denegação da justiça.
 Está assim o legislador constitucional a consagrar uma aplicação concreta do 
 princípio sancionado no n.º 2 do artigo 13.º, segundo o qual «ninguém pode ser 
 
 (…) privado de qualquer direito (…) em razão de (…) situação económica».
 Não se dirá, todavia, que do n.º 1 do artigo 20.º da Constituição decorre o 
 imperativo de uma justiça gratuita.
 O sentido do preceito, na sua parte final, será antes o de garantir uma 
 igualdade de oportunidades no acesso à justiça, independentemente da situação 
 económica dos interessados. 
 E tal igualdade pode assegurar-se por diferentes vias, que variarão consoante o 
 condicionalismo jurídico-económico definido para o acesso aos tribunais. Entre 
 os meios tradicionalmente dispostos em ordem a atingir esse objectivo conta-se, 
 como é sabido, o instituto de assistência judiciária, mas, ao lado deste, outros 
 institutos podem apontar-se ou vir a ser reconhecidos por lei.
 Será assim de concluir que haverá violação da parte final do n.º 1 do artigo 
 
 20.º da Constituição se e na medida em que na ordem jurídica portuguesa, tendo 
 em vista o sistema jurídico-económico aí em vigor para o acesso aos tribunais, 
 puder o cidadão, por falta de medidas legislativas adequadas, ver frustrado o 
 seu direito justiça, devido a insuficiência de meios económicos.”.
 
  
 Desenvolvendo um pouco mais esta linha argumentativa, o Acórdão do Tribunal 
 Constitucional n.º 433/87 (em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 10.º vol., 
 pág. 479), reforçaria que:  
 
 “A ideia de uma justiça gratuita tem-se, em geral, por utópica. Mas a 
 onerosidade dos processos constitui, de per si, um factor de forte incidência 
 discriminatória do acesso aos tribunais, pois que pode reduzir o respectivo 
 direito a uma pura ilusão para todos aqueles que, por falta de capacidade 
 económica, não possam suportar as despesas inerentes ao facto de estar em juízo.
 Sendo isto assim, o Estado de direito democrático não há-de contentar-se com 
 proclamar os direitos fundamentais dos cidadãos; designadamente, não lhe basta 
 afirmar que «a todos é assegurado o acesso aos tribunais para defesa dos seus 
 direitos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios 
 económicos» (cfr. artigo 20.º, n.º 2, da Constituição).  
 A mais do que isso, tem de preocupar-se com proporcionar a todos os meios 
 concretos do exercício de um tal direito, providenciando para que os litigantes 
 carecidos de meios económicos para a demanda se não vejam, por esse facto, 
 impedidos de defender em juízo os seus direitos, nem tão-pouco sejam colocados 
 em situação de inferioridade perante a contraparte com capacidade económica.” 
 
  
 Especificamente sobre a relevância dos encargos da lide para a generalidade dos 
 cidadãos e para os mais carenciados economicamente, o Acórdão do Tribunal 
 Constitucional n.º 352/91 (publicado em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 
 
 19.º vol., pág. 549) não deixou de afirmar que:   
 
 “ (…) o legislador pode, assim, exigir o pagamento de custas judiciais, sem que, 
 com isso, esteja a restringir o direito de acesso aos tribunais.  E, na fixação 
 do montante das custas, goza ele de grande liberdade, pois é a si que cabe optar 
 por uma justiça mais cara ou mais barata.
 Essa liberdade constitutiva do legislador tem, no entanto, um limite — limite 
 que é o de a justiça ser realmente acessível à generalidade dos cidadãos sem 
 terem que recorrer ao sistema de apoio judiciário.
 
 É que, o nosso ordenamento jurídico concebe o sistema de apoio judiciário como 
 algo que apenas visa garantir o acesso aos tribunais aos economicamente 
 carenciados, e não como um instrumento ao serviço também das pessoas de médios 
 rendimentos (salvo, naturalmente, se estas houverem de intervir em acções de 
 muito elevado valor).
 Na fixação das custas judiciais, há-de, pois, o legislador ter sempre na devida 
 conta o nível geral dos rendimentos dos cidadãos de modo a não tornar 
 incomportável para o comum das pessoas o custeio de uma demanda judicial, pois, 
 se tal suceder, se o acesso aos tribunais se tornar insuportável ou 
 especialmente gravoso, violar-se-á o direito em causa”.
 
  
 O conceito de insuficiência económica surge, assim, como um dos conceitos 
 nucleares do regime constitucional do acesso ao Direito e aos tribunais.
 O artigo 8.º, n.º 1, da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, determina que se 
 
 “encontra em situação de insuficiência económica aquele que, tendo em conta 
 factores de natureza económica e a respectiva capacidade contributiva, não tem 
 condições objectivas para suportar pontualmente os custos do processo.”
 Por força do disposto no n.º 5, do artigo 8.º, da Lei 34/2004, de 29 de Julho, 
 na redacção originária, a prova e a apreciação da insuficiência económica do 
 requerente da protecção jurídica devem ser feitas de acordo com os critérios 
 estabelecidos e publicados em anexo à referida lei.
 O Anexo da referida lei é composto pelas seguintes normas:
 
 «I – Apreciação da insuficiência económica
 
 1 – A insuficiência económica é apreciada da seguinte forma:
 a) O requerente cujo agregado familiar tem um rendimento relevante para efeitos 
 de protecção jurídica igual ou menor do que um quinto do salário mínimo nacional 
 não tem condições objectivas para suportar qualquer quantia relacionada com os 
 custos de um processo;
 b) O requerente cujo agregado familiar tem um rendimento relevante para efeitos 
 de protecção jurídica superior a um quinto e igual ou menor do que metade do 
 valor do salário mínimo nacional considera-se que tem condições objectivas para 
 suportar os custos da consulta jurídica e por conseguinte não deve beneficiar de 
 consulta jurídica gratuita, devendo, todavia, usufruir do benefício de apoio 
 judiciário;
 c) O requerente cujo agregado familiar tem um rendimento relevante para efeitos 
 de protecção jurídica superior a metade e igual ou menor do que duas vezes o 
 valor do salário mínimo nacional tem condições objectivas para suportar os 
 custos da consulta jurídica, mas não tem condições objectivas para suportar 
 pontualmente os custos de um processo e, por esse motivo, deve beneficiar do 
 apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado, previsto na alínea d) do nº 
 
 1 do artigo 16º da presente lei;
 d)…
 
 2 – Se o valor dos créditos depositados em contas bancárias e o montante de 
 valores mobiliários admitidos à negociação em mercado regulamentado de que o 
 requerente ou qualquer membro do seu agregado familiar sejam titulares forem 
 superiores a 40 vezes o valor do salário mínimo nacional, considera-se que o 
 requerente de protecção jurídica não se encontra em situação de insuficiência 
 económica, independentemente do valor do rendimento do agregado familiar.
 
 3 – Para os efeitos desta lei, considera-se que pertencem ao mesmo agregado 
 familiar as pessoas que vivam em economia comum com o requerente de protecção 
 jurídica
 
  
 Por seu turno, os artigos 6.º a 10.º, da Portaria n.º 1085-A/2004, com as 
 alterações introduzidas pela Portaria n.º 288/2005, de 21 de Março, que procede 
 
 à concretização dos critérios de prova e de apreciação da insuficiência 
 económica, têm o seguinte conteúdo:
 
 «SECÇÃO II
 Apreciação do requerimento
 Artigo 6.º
 Rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica
 
 1 — Para efeitos do disposto no anexo da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, o 
 rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica (YAP) é o montante que 
 resulta da diferença entre o valor do rendimento líquido completo do agregado 
 familiar (YC) e o valor da dedução relevante para efeitos de protecção jurídica 
 
 (A), ou seja, YAP = YC–A.
 
 2 — O rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica (YAP) é expresso 
 em múltiplos do salário mínimo nacional.
 Artigo 7.º
 Rendimento líquido completo do agregado familiar
 
 1 — O valor do rendimento líquido completo do agregado familiar (YC) resulta da 
 soma do valor da receita líquida do agregado familiar (Y) com o montante da 
 renda financeira implícita calculada com base nos activos patrimoniais do 
 agregado familiar (YR), ou seja, YC= Y+ YR.
 
 2 — Por receita líquida do agregado familiar (Y) entende-se o rendimento depois 
 da dedução do imposto sobre o rendimento, das contribuições obrigatórias dos 
 empregados para regimes de segurança social e das contribuições dos 
 empregadores para a segurança social.
 
 3 — O cálculo da renda financeira implícita é efectuado nos termos previstos no 
 artigo 10.º da presente portaria.
 Artigo 8.º
 Dedução relevante para efeitos de protecção jurídica
 
 1 — O valor da dedução relevante para efeitos de protecção jurídica (A) resulta 
 da soma do valor da dedução de encargos com necessidades básicas do agregado 
 familiar (D) com o montante da dedução de encargos com a habitação do agregado 
 familiar (H), ou seja, A = D + H.
 
 2 — O valor da dedução de encargos com necessidades básicas do agregado familiar 
 
 (D) resulta da aplicação da seguinte fórmula:
 em que n é o número de elementos do agregado familiar e d é o coeficiente de 
 dedução de despesas com necessidades básicas do agregado familiar, determinado 
 em função dos diversos escalões de rendimento, de acordo com o previsto no anexo 
 I.
 
 3 — O montante da dedução de encargos com a habitação do agregado familiar (H) 
 resulta da aplicação do coeficiente h ao valor do rendimento líquido completo do 
 agregado familiar (YC), ou seja, H = h×YC, em que h é determinado em função dos 
 diversos escalões de rendimento, de acordo com o previsto no anexo II.
 Artigo 9.º
 Cálculo do valor do rendimento relevante
 para efeitos de protecção jurídica
 O valor do rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica, especificado 
 nos artigos anteriores, é calculado através da fórmula prevista no anexo III 
 desta portaria. 
 Artigo 10.º
 Cálculo da renda financeira implícita
 
 1 — O montante da renda financeira implícita a que se refere o n.º 1 do artigo 
 
 7.º é calculado mediante a aplicação de uma taxa de juro de referência ao valor 
 dos activos patrimoniais do agregado familiar.
 
 2 — A taxa de juro de referência é a taxa EURIBOR a seis meses correspondente ao 
 valor médio verificado nos meses de Dezembro ou de Junho últimos, consoante o 
 requerimento de protecção jurídica seja apresentado, respectivamente, no 1.º ou 
 no 2.º semestre do ano civil em curso.
 
 3 — Entende-se por valor dos bens imóveis aquele que for mais elevado entre o 
 declarado pelo requerente no pedido de protecção jurídica, o inscrito na matriz 
 predial e o constante do documento que haja titulado a respectiva aquisição.
 
 4 — Quando se trate da casa de morada de família, no cálculo referido no n.º 1 
 apenas se contabiliza o valor daquela se for superior a € 100 000 e na estrita 
 medida desse excesso.
 
 5 — O valor das participações sociais e dos valores mobiliários é aquele que 
 resultar da cotação observada em bolsa no dia anterior ao da apresentação do 
 requerimento de protecção jurídica ou, na falta deste, o seu valor nominal.
 
 6 — Entende-se por valor dos veículos automóveis o respectivo valor de mercado».
 Da leitura conjugada destes preceitos resulta que com a Lei nº 34/2004, a 
 concessão de protecção jurídica a quem, tendo em conta factores de natureza 
 económica e a respectiva capacidade contributiva, não tem condições objectivas 
 para suportar pontualmente os custos de um processo (cfr. artigo 8.º, nº 1, da 
 Lei nº 34/2004), passou a depender do valor do rendimento relevante para 
 efeitos de protecção jurídica (artigos 8.º, n.º 5, e 20.º, nº 1, e ponto 1. do 
 Anexo da Lei nº 34/2004), o qual é calculado através da aplicação de fórmulas 
 matemáticas, constantes da lei.
 O preenchimento da situação de carência económica, merecedora de apoio 
 judiciário, deixou, assim, em regra, de ser efectuado casuisticamente pelo 
 decisor, perante o universo de circunstâncias do caso concreto, ou através do 
 funcionamento de presunções ilidíveis estabelecidas na lei, como sucedia nas 
 legislações anteriores à Lei n.º 34/2004, para resultar da aplicação rígida e 
 tabelar de fórmulas matemáticas, legislativamente consagradas, a determinados 
 dados do caso concreto.
 A esta mudança de opções legislativas não terá sido estranha a avaliação da 
 aplicação prática da anterior Lei n.º 30-E/2000 que havia atribuído aos serviços 
 de segurança social a apreciação dos pedidos de concessão de apoio judiciário, 
 retirando tal competência aos tribunais, os quais passaram apenas a julgar as 
 impugnações das decisões daquelas entidades administrativas.
 Na verdade, o Ministério da Justiça, autor da proposta que esteve na base desta 
 reforma legislativa no domínio do apoio judiciário, justificou esta mudança nos 
 seguintes termos:
 
 “O regime de apoio judiciário consagrado na Lei n.º 30-E/2000, de 20 de 
 Dezembro, não contemplava um conceito de insuficiência económica, propiciando 
 assim uma apreciação subjectiva (dependente da avaliação pessoal do jurista 
 encarregue da mesma) e geograficamente heterogénea dos pedidos de apoio 
 judiciário pela Segurança Social. Tal disparidade de procedimentos de avaliação 
 revelou-se uma fonte evidente de iniquidade do sistema de concessão de apoio 
 judiciário.
 Com a criação do critério de insuficiência económica pretendeu-se introduzir 
 maior rigor na concessão do benefício, uniformizando os critérios de concessão 
 do mesmo nos diversos centros decisores da Segurança Social. Tal critério de 
 concessão, por ser objectivo e transparente, permitirá a qualquer requerente 
 saber se tem ou não direito ao benefício e em que modalidade e medida.” (no site 
 
 www.mj.gov.pt).
 Nos termos da Portaria n.º 1085-A/2004, o rendimento relevante para efeitos de 
 protecção jurídica resulta da diferença entre o valor do rendimento líquido 
 completo do agregado familiar do requerente e o valor da soma dos encargos com 
 necessidades básicas do agregado familiar, com o montante da dedução de encargos 
 com a habitação do agregado familiar, traduzindo-se assim o conceito de 
 rendimento relevante para efeitos de apoio judiciário no rendimento disponível 
 permanente, ou seja, na fracção do rendimento do agregado familiar que não está 
 afecto a despesas, que pela sua natureza, são indispensáveis à sobrevivência do 
 requerente e seu agregado familiar.
 Concretizando um pouco mais os critérios legais aplicáveis à matéria em questão, 
 importa observar que as despesas consideradas como elegíveis correspondem a duas 
 categorias da classificação económica das despesas de consumo:
 a)     Despesas pessoais básicas, que incluem as efectuadas com alimentação, 
 vestuário e higiene.
 b)      Despesas com a habitação.
 O volume destas despesas é calculado através da aplicação de coeficientes de 
 dedução que variam em função do rendimento e que, no caso do coeficiente de 
 dedução das despesas pessoais, variam também em função do número de elementos 
 que constituem o agregado familiar.
 Os coeficientes de dedução das despesas são fixados em função da despesa média 
 anual por agregado familiar e segundo os escalões de rendimento líquido do 
 agregado familiar. 
 Uma vez que se trata de despesas com bens e serviços necessários, os 
 coeficientes são decrescentes em função do aumento do nível de rendimento, o que 
 confere um carácter progressivo ao critério de avaliação da insuficiência 
 económica, ou seja, o benefício médio concedido é decrescente com o rendimento.
 Os acima referidos propósitos de tornar a decisão de concessão de apoio 
 judiciário objectiva e uniforme, além de terem conduzido ao desprezo de despesas 
 correspondentes à satisfação de necessidades básicas de cariz não permanente, 
 como as despesas com saúde e educação, determinaram que o montante das despesas 
 a considerar seja um valor tabelado presumido, resultante da aplicação de um 
 coeficiente legalmente determinado ao valor do rendimento do agregado familiar 
 do requerente, não permitindo, assim, a ponderação de todas as despesas 
 efectivamente realizadas. 
 Este critério de avaliação das situações de insuficiência económica para efeito 
 de concessão de apoio judiciário, pela sua rigidez, permite que lhe possam 
 escapar situações de efectiva incapacidade económica para satisfazer os custos 
 com uma acção judicial (v.g. pessoas que tenham avultados gastos permanentes com 
 despesas médicas).
 Contudo, a própria Portaria n.º 1085-A/2004, ao mesmo tempo que prevê este 
 regime de apuramento das situações de insuficiência económica através da 
 aplicação rígida e tabelar de fórmulas matemáticas, não deixa ela própria de 
 admitir no respectivo artigo 2.º que “o disposto na presente portaria não 
 prejudica a possibilidade de ser concretamente apreciada a situação económica 
 dos requerentes de protecção judiciária, nos termos previstos no n.º 2, do 
 artigo 20.º, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho”.
 Este artigo 20.º, n.º 2, dispõe o seguinte:
 
 “Se os serviços da segurança social, perante um caso concreto, entenderem não 
 dever aplicar o resultado da apreciação efectuada nos termos do número anterior, 
 remetem o pedido, acompanhado de informação fundamentada, para uma comissão 
 constituída por um magistrado designado pelo Conselho Superior da Magistratura, 
 um magistrado do Ministério Público designado pelo Conselho Superior do 
 Ministério Público, um advogado designado pela Ordem dos Advogados e um 
 representante do Ministério da Justiça, a qual decide e remete tal decisão aos 
 serviços da segurança social.”
 Contudo, esta comissão nunca foi constituída, pelo que a possibilidade de 
 consideração da real situação económica do requerente de apoio judiciário na 
 fase administrativa do procedimento nunca foi utilizada.
 O tribunal recorrido, apesar de sustentar que, no caso em apreciação, se 
 justificava a ponderação de despesas concretas do requerente, afastando-se a 
 aplicação das tabelas matemáticas constantes da Portaria n.º 1085-A/2004, 
 entendeu não o fazer, com fundamento na utilização da faculdade prevista no 
 transcrito artigo 2.º desta Portaria, pelo que interpretou este normativo no 
 sentido do mesmo não poder ser aplicado pelo tribunal em sede de impugnação 
 judicial.
 Não existindo assim, na interpretação da decisão recorrida, uma cláusula de 
 salvaguarda que permita ao tribunal considerar todas as despesas relevantes do 
 requerente do apoio judiciário, evitando a denegação da concessão desse 
 benefício a quem apresente uma situação de real insuficiência económica, não se 
 encontra garantida a possibilidade das pessoas recorrerem aos serviços de 
 justiça para defenderem os seus direitos, sem impedimentos de natureza 
 económica, o que ofende o disposto no artigo 20.º, n.º 1, da C.R.P..
 Deste modo, conclui-se que as normas cuja aplicação foi recusada pelo tribunal 
 recorrido, na interpretação que este lhes conferiu, violam o disposto no artigo 
 
 20.º, da C.R.P., pelo que deve ser negado provimento ao recurso interposto.
 
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 Decisão
 Nestes termos, decide-se:
 a) Julgar inconstitucional por violação do direito de acesso aos tribunais, 
 consagrado no artigo 20.º, nº 1, da C.R.P., as normas constantes dos artigos 6.º 
 a 10.º, da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto, e do Anexo à Lei n.º 
 
 34/2004, de 29 de Julho, interpretadas no sentido de que determinam que seja 
 considerado, para efeitos do cálculo do rendimento relevante do requerente do 
 benefício de apoio judiciário, o rendimento do seu agregado familiar, nos termos 
 aí rigidamente impostos, sem permitir em concreto aferir da real situação 
 económica do requerente, em função das suas despesas concretas.
 b) Consequentemente, negar provimento ao recurso.
 
  
 
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 Sem custas.
 
  
 
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 Lisboa, 20 de Fevereiro de 2008
 João Cura Mariano
 Joaquim de Sousa Ribeiro
 Mário José de Araújo Torres
 Benjamim Rodrigues
 Rui Manuel Moura Ramos