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Processo n.º 784/05
 
 2ª Secção
 Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
 
  
 
  
 Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 I. Relatório
 
 1.Em 18 de Setembro de 2003, A. foi submetida a julgamento no Tribunal Criminal 
 da Comarca do Porto e condenada, por um crime de ofensas corporais simples, 
 previsto e punido pelo artigo 142.º, n.º 1, do Código Penal de 1982, na pena de 
 
 120 dias de multa, à taxa diária de 4€ (quatro euros), num total de 480€ 
 
 (quatrocentos e oitenta euros), uma vez que o crime de ameaças pelo qual também 
 fora acusada foi amnistiado pela Lei n.º 29/99, de 12 de Maio. Foi também 
 condenada no pagamento à ofendida de €583,59 (quinhentos e oitenta e três euros 
 e cinquenta e nove cêntimos) a título de danos patrimoniais, e de €7.500,00 
 
 (sete mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais.
 A arguida recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, concluindo as alegações 
 que apresentou aduzindo, entre o mais, o seguinte:
 
 “(…)
 
 11.ª A fundamentação da sentença produzida é insuficiente, porquanto esta 
 deveria espelhar o teor e o sentido dos depoimentos que a arguida e as 
 testemunhas de defesa fizeram em audiência, valorando-os, positiva ou 
 negativamente, mas nunca deixando de os referir e de os examinar, ou de, pelo 
 menos, afirmar que nenhuma relevância tiveram, sem o que a sentença recorrida 
 não fez um exame crítico da prova produzida em audiência (art. 374.°, n.º 2, do 
 Código de Processo Penal), o que a torna nula nos termos do disposto no art. 
 
 379.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Penal.
 
 12.ª Aliás, o entendimento que se possa retirar do vertido nos artigos supra 
 citados no sentido de que o depoimento da arguida e das testemunhas não devem 
 ser referidos na sentença nem dos mesmos ser feita uma análise crítica é 
 violador do direito ao recurso e das garantias de defesa do arguido, violando 
 tal entendimento o vertido no art. 32.°, n.º 1, da Constituição da República 
 Portuguesa.”  
 O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 16 de Março de 2005, confirmou a 
 decisão recorrida, dizendo, para o que agora interessa, o seguinte:
 
 «(…)
 No nosso caso a decisão foi pródiga na fundamentação, aprofundando as razões que 
 determinaram a formação da convicção do tribunal acerca do acervo fáctico que 
 acolheu como assente. A motivação não se limita a enunciar e elencar os meios de 
 prova relevantes e decisivos, antes procedeu a uma análise crítica dessas 
 provas, de modo que possibilita, agora, um olhar retrospectivo, que reconstitua 
 o iter percorrido na decisão recorrida. Assim, estando em causa, no essencial, 
 conforme refere a recorrente no pórtico do recurso da decisão final, a acção 
 delituosa e o nexo de causalidade, temos que a decisão recorrida analisou e 
 reputou relevantes os depoimentos da assistente e das múltiplas testemunhas 
 interrogadas, pessoas das suas relações de amizade e vizinhas, o teor das 11 
 cassetes áudio juntas aos autos e que foram escutadas em audiência de 
 julgamento, bem como o teor dos documentos de fls. 40 a 44, 87 a 106, 305 e 306, 
 remetendo-se no mais para a pormenorizada motivação.  
 Da motivação resulta, e por aí fica a recorrente a saber, quais os factos 
 provados, as razões pelas quais o tribunal os deu como provados, permitindo à 
 arguida todos os meios de defesa. 
 O exame crítico basta-se com o fornecimento das informações suficientes a 
 permitir perceber o processo lógico que subjaz à formulação da convicção do 
 julgador, deixando ver a razão do apreço que cada um desses meios de prova 
 mereceu. No caso, o Ex.mº juiz motivou a sua decisão ao longo de três páginas, 
 retirando-se no essencial que determinante para o seu convencimento foi a 
 audição das cassetes contendo as gravações das chamadas, o depoimento da 
 ofendida, os depoimentos das testemunhas, sendo que estas disseram que a arguida 
 foi a autora dos telefonemas, pois conhecem a sua voz e algumas até atenderam o 
 telefone, que eram vizinhas e pessoas das relações da assistente e que a 
 ofendida ficou nervosa e ansiosa, o seu estado de saúde piorou, em consequência 
 da conduta da arguida. 
 Este exame crítico é suficiente para se concluir que a decisão recorrida 
 assentou na prova produzida e não é fruto de qualquer discricionariedade, 
 arbitrariedade ou de uma leitura caprichosa da prova por parte do julgador. Se 
 esse fosse o caso, o seu defensor, por certo, teria deitado mão de outro modo de 
 impugnação.»
 
 2.A arguida apresentou então um requerimento dizendo que:
 
 «(…) vem, nos termos dos artigos 69.º, 70.º, n.º 1, alínea b), n.ºs 2 e 3, 75.º, 
 n.º 2, e 76.º, n.º 1, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, interpor recurso para 
 o Tribunal Constitucional.
 Com efeito, mostrando-se esgotados os recursos ordinários – o recurso é 
 admissível e tem a tramitação própria do recurso de apelação previsto pelo 
 Código de Processo Civil, por força do art. 69º citado.»
 Admitido o recurso no Tribunal a quo, foi proferido o despacho de 
 aperfeiçoamento previsto no n.º 6 do artigo 75.º-A da Lei do Tribunal 
 Constitucional. A recorrente respondeu nos seguintes termos:
 
 «O recurso de constitucionalidade vem interposto da interpretação que se extraiu 
 do disposto no art.° 374.°, n.° 2, e 379.°, n.° 1, al. a), do Código de Processo 
 Penal no sentido de que não é necessária a menção na sentença do teor do 
 depoimento da arguida e das testemunhas de defesa e, como tal, também não é 
 necessário o exame crítico dessa mesma prova. 
 Tal entendimento, no ver da recorrente, é inconstitucional por violação do 
 direito ao recurso e das garantias de defesa (cfr. o art.° 32.°, n.° 1, da 
 Constituição). 
 A invocação da inconstitucionalidade da interpretação de tais normas consta das 
 alegações de recurso da sentença e das conclusões 12.ª e 13.ª.»
 No Tribunal Constitucional, foi determinada a produção de alegações,
 
 “ficando o objecto do recurso circunscrito à apreciação da constitucionalidade 
 dos artigos 374.º, n.º 2, e 379º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal, 
 interpretados no sentido de que não é necessária a menção na sentença do teor do 
 depoimento da arguida e das testemunhas de defesa.”
 A recorrente produziu alegações, onde concluiu:
 
 «1.ª O acórdão recorrido não faz alusão expressa ao art.º 32.°, n.º 1, da 
 Constituição, que se acusa de violado pela interpretação que se fez do art.º 
 
 374.°, n.º 2, e 379.°, n.º 1, al. a), do Código de Processo Penal, mas ainda que 
 se considere que o tribunal recorrido não conheceu explicitamente da questão da 
 constitucionalidade da interpretação de tais normas – o que não se concede –, o 
 Tribunal Constitucional não está impedido de dela conhecer, porquanto “A 
 aplicação da norma tanto pode ser expressa com implícita (Acs. 88/86, 47/90, 
 
 253/93)”, sendo certo que “o não conhecimento por parte de um Tribunal da 
 inconstitucionalidade de uma norma, quando podia e devia fazê-lo, equivale a 
 aplicação implícita da mesma (Ac. 318/90)” – cfr. Breviário de Direito 
 Processual Constitucional, de Guilherme da Fonseca e Inês Domingos, 2.ª edição, 
 pág. 44 (nota 38) e 45. 
 
 2.ª A Constituição impõe que as sentenças sejam fundamentadas na forma prevista 
 na lei, mas a liberdade que desse modo é dada ao legislador ordinário não é 
 discricionária, uma vez que “um sistema de processo penal inspirado nos valores 
 democráticos não se compadece com decisões que hajam de impor-se apenas em razão 
 da autoridade de quem as profere, mas antes pela razão que lhes subjaz.” – cfr. 
 Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, tomo III, Editorial Verbo, 
 
 2000, pág. 293. 
 
 3.ª A sentença deve conter uma concisa exposição dos motivos de facto e de 
 direito em que se baseia, com a indicação das provas que fundamentam a decisão e 
 a enunciação das razões pelas quais o tribunal não considera atendíveis as 
 provas contrárias, e a doutrina é unânime no sentido de que não basta a mera 
 indicação dos meios de prova. – cfr. Germano Marques da Silva, in Curso de 
 Processo Penal, tomo III, Editorial Verbo, 2000, pág. 293. 
 
 4.ª A fundamentação dos actos é imposta pelos sistemas democráticos com 
 finalidades várias: Permite a sindicância da legalidade do acto, por uma parte, 
 e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua 
 correcção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para 
 obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da 
 sua decisão, actuando por isso como meio de autodisciplina. 
 
 5.ª Além disso, “No actual sistema processual penal português, os tribunais de 
 recurso não podem substituir-se ao tribunal de julgamento em 1.ª instância na 
 apreciação directa da prova, mas podem e devem apreciar, nos termos do art.º 
 
 410.º, n.º 2, se o tribunal de 1.ª instância fez correcta aplicação dos 
 princípios jurídicos em matéria de prova; devem poder julgar em recurso se houve 
 ou não erro notório na apreciação da prova ou contradição insanável na 
 fundamentação. Para tanto, necessário se torna que a sentença indique a 
 motivação dos juízos em matéria de facto, para que o tribunal de recurso possa 
 apreciar da legalidade da decisão”, pois “A não se entender assim, teríamos que 
 o CPP frustraria o disposto no art.º 32.°, n.º 1, da Constituição, porque, no 
 rigor dos princípios, é «tão importante (...) reconhecer-se ao arguido o direito 
 de recorrer da solução que tenha sido encontrada para a questão de facto como da 
 solução que haja sido dada à questão de direito». – cfr. o ac. do Tribunal 
 Constitucional n.º 243/93, in DR, II série, de 2 de Junho de 1993, e ainda neste 
 mesmo sentido o acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido no âmbito do 
 Proc. 3668/04, da 4.ª Secção, o acórdão do STJ, de 17 de Março de 2004, 
 proferido no âmbito do Proc. 4026/03, da 3.ª Secção, publicado in Maia 
 Gonçalves, Código de Processo Penal anotado, 15.ª edição, 2005, pág. 744, e 
 ainda o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24 de Julho de 2003, 
 proferido no âmbito do proc. n.º 2881/03, da 5.ª Secção, publicado in SASTJ, n.º 
 
 73, 154, todos supra transcritos. 
 
 6.ª “A partir da indicação e exame das provas que serviram para formar a 
 convicção do tribunal, este enuncia as razões de ciência extraídas destas, o 
 porquê da opção por uma e não por outra das versões apresentadas se as houver, 
 os motivos da credibilidade em depoimentos, documentos ou exames que privilegiou 
 na sua convicção, em ordem a que um leitor atento e minimamente experimentado 
 fique ciente da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua 
 convicção” – cfr. o acórdão do STJ de 30/1/02, proferido no âmbito do Proc. n.º 
 
 3063/01, 3.ª Secção, in SASTJ, n.º 57, 69, e Maia Gonçalves, in Código de 
 Processo Penal anotado, 15.ª edição, 2005, pág. 743. 
 
 7.ª Não pode colher a tese do acórdão recorrido de que é praticamente 
 insindicável por via do recurso, tendo em conta a falta de imediação, a matéria 
 de facto assente, dado que o juiz do julgamento recolhe um sem número de 
 impressões que não ficam registadas em acta, mas apenas na sua mente, uma vez 
 que a fase de recurso é dominada pelo princípio da escrita, e é difícil, para 
 não dizer impossível, avaliar da credibilidade de um depoimento em contraponto 
 com outro diverso, sendo assim a matéria de facto torna-se, assim, 
 verdadeiramente intangível, se o depoimento das testemunhas de defesa e da 
 arguida não constarem da fundamentação da sentença. 
 
 8.ª A convicção do tribunal é formada dialecticamente, querendo com isto 
 dizer-se que se “busca a verdade por meio de oposição e reconciliação de 
 contradições (lógicas ou históricas)” – cfr. “Moderno Dicionário da Língua 
 Portuguesa” – Círculo de Leitores, pág. 808. 
 
 9.ª Com efeito, já Hegel, ao afirmar que a dialéctica era o motor da história, 
 defendia que a verdade surgiria do confronto da “tese” com a “antítese” que iria 
 resultar numa “síntese”, pelo que se na fundamentação de uma sentença apenas 
 vemos espelhada a “tese”, mas já não a “antítese”, não se conseguirá discernir 
 qual o raciocínio lógico que serviu de base à conclusão (ou à síntese) a que se 
 chegou. 
 
 10.ª Nem se diga que o recorrente podia ter impugnado a decisão sobre a matéria 
 de facto nos termos do artigo 412.° do Código de Processo Penal, uma vez que 
 ocorreu a gravação da prova e que o defensor do recorrente deveria ter lançado 
 mão desse modo de impugnação se entendesse que a prova produzida seria fruto da 
 discricionariedade, arbitrariedade ou de uma leitura caprichosa da prova por 
 parte do julgador, desde logo porque é jurisprudência unânime dos Tribunais da 
 Relação que o direito ao segundo grau de recurso em matéria de facto não 
 corresponde a um segundo julgamento. 
 
 11.ª A faculdade que é atribuída às partes no processo penal de sindicar a 
 matéria de facto conforme o disposto no art.º 412.° do Código de Processo Penal, 
 em nada afecta o dever de fundamentar a sentença conforme o disposto no art.º 
 
 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, e 205.°, n.º 1, da Constituição. 
 
 12.ª No âmbito do Acórdão n.º 680/98 julgou-se inconstitucional a norma do n.º 2 
 do art.º 374.° do Código de Processo Penal de 1987, na interpretação segundo a 
 qual a fundamentação das decisões em matéria de facto se basta com a simples 
 enumeração dos meios de prova utilizados em primeira instância, não exigindo a 
 explicitação do processo de formação da convicção do Tribunal por violação do 
 dever de fundamentação das decisões dos Tribunais previsto no n.º 1 do art.º 
 
 205.° da Constituição, bem como quando conjugada com a norma das al.s b) e c) do 
 n.º 2 do art.º 410.° do mesmo Código, por violação do direito ao recurso 
 consagrado no art.º 32.° também da Constituição, sendo certo que o caso dos 
 autos em tudo se enquadra na decisão supra mencionada deste Tribunal. 
 
 13.ª É que não se mencionando na sentença sucintamente o teor do depoimento do 
 arguido e das testemunhas de defesa e, além disso, se não se fizer o seu exame 
 crítico, torna-se, do mesmo passo, impossível sindicar “o processo de formação 
 da convicção do Tribunal” e, por consequência, é comprimido o direito ao recurso 
 e das garantias de defesa. 
 
 14.ª Acresce que, como se expende nesse mesmo acórdão, “a fundamentação das 
 sentenças penais – especialmente das sentenças condenatórias, pela repercussão 
 que podem ter na esfera dos direitos, liberdades e garantias das pessoas – deve 
 ser susceptível de revelar os motivos que levaram a dar como provados certos 
 factos e não outros, sobretudo tendo em conta que o princípio geral em matéria 
 de avaliação das provas é o da sua livre apreciação pelo julgador (...)”, pelo 
 que através da fundamentação da sentença deverá poder-se aquilatar do porquê que 
 se tiveram por credíveis determinados meios de prova, mas também se deverá poder 
 aquilatar do que levou o Tribunal a descredibilizar ou a não atribuir relevância 
 a outros. 
 
 15.ª Assim, deve julgar-se inconstitucional a norma do art.º 374.°, n.º 2, e 
 
 379.°, n.º 1, al. a), do Código de Processo Penal, interpretados no sentido de 
 que não é necessária a menção na sentença do teor do depoimento do arguido e das 
 testemunhas de defesa e o seu exame crítico, por violação do dever de 
 fundamentação das decisões dos Tribunais, do direito ao recurso e das garantias 
 de defesa, insertos nos art.ºs 32.°, n.º 1, e 205.°, n.º 1, da Constituição.»
 O Ministério Público contra-alegou concluindo do seguinte modo:
 
 «Na ausência de um dos pressupostos para o conhecimento do mérito do recurso, 
 consistente em ter ocorrido uma interpretação e aplicação normativa alegadamente 
 desconforme à Constituição, tal como o recorrente as recorta, não deverá o 
 Tribunal Constitucional pronunciar-se sobre o mesmo.»
 B., assistente nos presentes autos, apresentou também contra-alegações, nas 
 quais sustentou, a final, que não deve «ser declarada inconstitucional a 
 interpretação dos art.ºs 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, al. a), do C.P.P., no 
 sentido de que, no caso dos autos, não é necessária a menção do teor do 
 depoimento da arguida e das testemunhas de defesa, por tal interpretação não 
 violar o dever de fundamentar as decisões dos tribunais nem colocar em causa os 
 direitos ao recurso e às garantias de defesa.»
 Cumpre apreciar e decidir. 
 II. Fundamentos
 
 3.O Ministério Público suscitou a questão prévia do não conhecimento do recurso, 
 por a interpretação impugnada pela recorrente não ter sido aplicada pela decisão 
 recorrida.
 Verifica-se, porém, que a decisão recorrida, apesar de ter analisado em pormenor 
 a forma como na decisão de primeira instância se motivara a decisão em matéria 
 de facto, efectivamente não mencionou especificamente o teor ou conteúdo dos 
 depoimentos da arguida e das testemunhas de defesa (mas apenas que estes 
 existiram e que foram considerados), o mesmo se verificando na decisão da 
 primeira instância. Esta conclusão resulta da leitura da respectiva 
 fundamentação (designadamente de fls. 376 a 379) e da própria transcrição do 
 acórdão de que se recorre, no ponto em que este se deteve sobre essa particular 
 questão, em que se lê:
 
 «(…) No caso o Ex.mo juiz motivou a sua decisão ao longo de três páginas, 
 retirando-se no essencial que determinante para o seu convencimento foi a 
 audição das cassetes contendo as gravações das chamadas, o depoimento da 
 ofendida, os depoimentos das testemunhas, sendo que estas disseram que a arguida 
 foi a autora dos telefonemas, pois conhecem a sua voz e algumas até atenderam o 
 telefone, que eram vizinhas e pessoas das relações da assistente e que a 
 ofendida ficou nervosa e ansiosa, o seu estado de saúde piorou, em consequência 
 da conduta da arguida.»
 A dimensão normativa impugnada foi, pois, aplicada pela decisão recorrida. Pelo 
 que improcede, portanto, a questão prévia suscitada, passando a tomar-se 
 conhecimento do presente recurso.
 
 4.Está em causa a conformidade constitucional da norma extraída dos artigos 
 
 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal, 
 interpretada no sentido de não impor menção específica na sentença (não só da 
 existência, mas) do teor ou conteúdo do depoimento da arguida e das testemunhas 
 de defesa – e não a segunda parte do artigo 374.º, n.º 2, do mesmo Código, norma 
 que versa sobre a valoração da prova produzida em julgamento ou a expressão 
 suficiente do seu exame crítico na fundamentação da decisão.
 Em particular, a dimensão normativa em causa é confrontada com o dever 
 constitucional de fundamentação das decisões judiciais, constante do artigo 
 
 205.º, n.º 1, da Constituição.
 Deste dever de fundamentação das decisões judiciais decorre que, nas decisões 
 sobre matéria de facto, é obrigatória a indicação das provas que serviram para 
 formar a convicção do tribunal. A imposição constitucional referida só fica 
 satisfeita com a explicitação das razões dessa decisão, feita pelo seu próprio 
 autor, em termos de habilitar o seu destinatário a, ciente dessas razões, se 
 conformar com a decisão ou impugná-la de forma consciente e eficiente. O exame 
 crítico das provas credibiliza a decisão, viabiliza o recurso e permite revelar 
 
 «o raciocínio lógico do tribunal relativamente à própria decisão», como foi 
 sublinhado já na Conferência Parlamentar sobre a Revisão do Código de Processo 
 Penal, em 7 de Maio de 1998 (cfr. intervenções de Luís Nunes de Almeida, Germano 
 Marques da Silva e Eduardo Maia Costa, entre outros, em Código de Processo Penal 
 
 – Processo Legislativo, vol. 2, tomo 2, ed. da Assembleia da República, 1999, 
 págs. 68, 85, 86, 90 e 95 e segs.). 
 Ocupando essa garantia de fundamentação das decisões judiciais um lugar central 
 no sistema de valores nos quais se deve inspirar a administração da justiça no 
 Estado democrático moderno (cfr. Michele Taruffo, “Notte sulla Garanzia 
 Costitutionale della Motivazione”, in Boletim da Faculdade de Direito, Coimbra, 
 vol. 55, 1979, págs. 29 e segs.). Ela deve ser susceptível, como se escreveu já 
 em Acórdão deste Tribunal, “de revelar os motivos que levaram a dar como 
 provados certos factos e não outros, sobretudo tendo em conta que o princípio 
 geral em matéria de avaliação das provas é o da livre apreciação pelo julgador, 
 devendo também indicar as razões de direito que conduziram à decisão 
 concretamente proferida” (cfr. o Acórdão n.º 680/98, publicado no Diário da 
 República, II Série, de 5 de Março de 1999). 
 A respeito da exigência constitucional de fundamentação das decisões judiciais, 
 pode ler-se também no Acórdão n.º 61/2006 (disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt):
 
 «[…]
 Foi a primeira revisão constitucional (1982) que, com a inserção do novo n.º 1 
 do então artigo 210.º da CRP, veio proclamar que “As decisões dos tribunais são 
 fundamentadas nos casos e nos termos previstos na lei”, formulação que, sem 
 alteração de redacção, transitou, com a segunda revisão constitucional (1989) 
 para o n.º 2 do artigo 208.º. A remissão para a lei, não apenas da modulação 
 dos termos, mas também da definição dos casos em que a fundamentação das 
 decisões dos tribunais era devida (muito embora sempre se entendesse que “a 
 discricionariedade legislativa nesta matéria não [era total], visto o dever de 
 fundamentação [ser] uma garantia integrante do próprio conceito de Estado de 
 direito democrático (cfr. art. 2.º), ao menos quanto às decisões judiciais que 
 tenham por objecto a solução da causa em juízo, como instrumento de ponderação e 
 legitimação da própria decisão judicial e de garantia do direito ao recurso”), 
 representando “a falta de consagração constitucional de um dever geral de 
 fundamentação das decisões judiciais”, surgia como “pouco congruente com o 
 princípio do Estado de direito”, para além de não se compreender que “a garantia 
 de fundamentação seja constitucionalmente menos exigente quanto às decisões 
 judiciais do que quanto aos actos administrativos (artigo 268.º, n.º 3)” (J. J. 
 Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 
 
 3.ª edição, Coimbra, 1993, pp. 798‑799) – preceito este último que impunha a 
 
 “fundamentação expressa” dos “actos administrativos (...) quando afectem 
 direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos”.
 Foi a revisão constitucional de 1997 que deu à norma em causa a sua localização 
 
 (artigo 205.º, n.º 1) e formulação (“As decisões dos tribunais que não sejam de 
 mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”) actuais. 
 Estabeleceu‑se, assim, com dignidade constitucional, a regra geral do dever de 
 fundamentação de todas as decisões judiciais, com a única excepção das de mero 
 expediente, remetendo‑se para a lei ordinária a definição, já não dos casos em 
 que a fundamentação é devida, mas tão‑só da forma de que se pode revestir.
 O alcance desta alteração foi salientado por este Tribunal, no Acórdão n.º 
 
 680/98, nos seguintes termos:
 
 “7. Dispõe a Constituição, no n.º 1 do artigo 205.º, que «as decisões dos 
 tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista 
 na lei». Este texto, resultante da Revisão Constitucional de 1997, veio 
 substituir o n.º 1 do artigo 208.º, que determinava que «as decisões dos 
 tribunais são fundamentadas nos casos e nos termos previstos na lei». A 
 Constituição revista deixa perceber uma intenção de alargamento do âmbito da 
 obrigação constitucionalmente imposta de fundamentação das decisões judiciais, 
 que passa a ser uma obrigação verdadeiramente geral, comum a todas as decisões 
 que não sejam de mero expediente, e de intensificação do respectivo conteúdo, já 
 que as decisões deixam de ser fundamentadas «nos termos previstos na lei» para 
 o serem «na forma prevista na lei». A alteração inculca, manifestamente, uma 
 menor margem de liberdade legislativa na conformação concreta do dever de 
 fundamentação.”
 Também o Acórdão n.º 147/2000 salientou que a “actual redacção do artigo 205.º, 
 n.º 1, imprimiu contornos mais precisos ao dever de fundamentação, pois, onde a 
 Constituição remetia para a lei os «casos» em que a fundamentação era exigível, 
 passou a concretizar‑se que ela se impõe em todas as decisões «que não sejam de 
 mero expediente», mantendo‑se apenas a remissão para a lei quanto à «forma» que 
 ela deve revestir”, acrescentando:
 
 “Este aprofundamento do dever de fundamentação das decisões judiciais reforça os 
 direitos dos cidadãos a um processo justo e equitativo, assegurando a melhor 
 ponderação dos juízos que afectam as partes, do mesmo passo que a elas permite 
 um controle mais perfeito da legalidade desses juízos com vista, designadamente, 
 
 à adopção, com melhor ciência, das estratégias de impugnação que julguem 
 adequadas.
 De todo o modo, a persistência daquela remessa para a lei faz com que o mandado 
 constitucional de fundamentação continue a ser um mandado aberto à actuação 
 constitutiva do legislador, a quem incumbirá definir a «forma» em que a 
 fundamentação se deve traduzir, sem que, contudo, ele possa esvaziar o sentido 
 
 útil daquele mandado (cfr. Acórdão nº 59/97, in Diário da República, II Série, 
 n.º 65, de 18 de Março de 1997) – qualquer que seja essa forma, ela terá sempre 
 que permitir o conhecimento das razões que motivam a decisão.
 
 […]
 Mas se a relevância da fundamentação das decisões judiciais é incontestável 
 como garantia integrante do conceito de Estado de direito democrático, ela 
 assume, no domínio do processo penal, uma função estruturante das garantias de 
 defesa dos arguidos, muito embora o texto constitucional não contenha qualquer 
 norma que disponha especificamente sobre a fundamentação das decisões judiciais 
 naquele domínio.”
 A exigência constitucional de fundamentação das decisões judiciais tem uma 
 função não apenas endoprocessual, mas também dirigida ao exterior do processo: 
 ela visa explicitar a ponderação que integrou o juízo decisório e permitir às 
 partes – no caso, ao arguido – o perfeito conhecimento das razões de facto e de 
 direito por que foi tomada uma decisão e não outra, em ordem a facultar-lhes a 
 possibilidade de optar pela reacção (impugnatória ou não) que entendam mais 
 adequada à defesa dos seus direitos (e por esta via, a obrigação de 
 fundamentação possibilita também, mediatamente, o exercício do direito ao 
 recurso que possa caber no caso). Mas a exigência de fundamentação visa também 
 possibilitar o próprio conhecimento pela comunidade das razões que levaram a uma 
 determinada decisão, e, pela via da exigência de lógica ou racionalidade da 
 fundamentação (contida na exigência de fundamentação), contribui também para a 
 própria legitimação da actividade decisória dos Tribunais.
 
 5.O tribunal do julgamento tem, pois, que explicitar as razões que o levaram a 
 convencer-se de que o arguido praticou os factos que deu como provados. 
 Importa, porém, notar que, como este Tribunal também já afirmou, “a 
 fundamentação não tem que ser uma espécie de assentada, em que o tribunal 
 reproduza os depoimentos de todas as pessoas ouvidas, ainda que de forma 
 sintética” (Acórdão n.º 258/2001, com texto integral disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt). Nem, por outro lado, a fundamentação tem de 
 obedecer a qualquer modelo único e uniforme, podendo (e devendo) variar de 
 acordo com as circunstâncias de cada caso e as razões que neste determinaram a 
 convicção do tribunal.
 Com o dever de fundamentação das decisões judiciais, a Constituição não impõe, 
 na verdade, um modelo único de fundamentação, com descrição ou, ainda mais, 
 transcrição, de todos os depoimentos apresentados no julgamento, ou a menção do 
 conteúdo de cada um deles. Estes depoimentos, mesmo quando são depoimentos da 
 arguida e das testemunhas de defesa, podem, com efeito, não ter sido decisivos 
 para a formação da convicção do tribunal, podendo então bastar que o tribunal 
 indique aqueles que o foram. Isto, sendo certo que, por um lado, o que está em 
 causa em sede de fundamentação das sentenças não é um princípio de paridade de 
 consideração e explicitação da prova produzida por todos os sujeitos 
 processuais, mas antes de explicitação do juízo decisório e das provas em que 
 este se baseou, e que, por outro lado, não compete ao Tribunal Constitucional 
 controlar a forma como concretamente o tribunal formou a sua convicção. Como se 
 referiu, não está, aliás, em causa no presente recurso o controlo do exame 
 crítico das provas feito na decisão em causa, nem uma admissão da mera elencagem 
 
 “tabelar” das provas produzidas.
 O que resulta da transcrição acima feita do teor da decisão recorrida, é, antes, 
 no que ora interessa, que o tribunal do julgamento se socorreu, para formar a 
 sua convicção, fundamentalmente da audição das cassetes contendo as gravações 
 das chamadas, do depoimento da ofendida e dos depoimentos das testemunhas, 
 remetendo‑se para a decisão da primeira instância: “o Ex.m.º juiz motivou a sua 
 decisão ao longo de três páginas, retirando-se no essencial que determinante 
 para o seu convencimento foi a audição das cassetes contendo as gravações das 
 chamadas, o depoimento da ofendida, os depoimentos das testemunhas”, dizendo-se 
 também aquilo que estas depuseram. Pelo que se entendeu que na sentença foram 
 efectivamente mencionadas as provas em que o tribunal se baseou, com indicação 
 da respectiva intervenção e teor do depoimento, apenas não se fazendo menção 
 específica do conteúdo dos depoimentos da arguida e das testemunhas de defesa. 
 Tal entendimento não pode, porém, só por si, considerar-se violador da exigência 
 de fundamentação das decisões judiciais (ou, mediatamente, das garantias de 
 defesa do arguido, incluindo o seu direito ao recurso).
 Conclui-se, deste modo, que a dimensão normativa dos artigos 374.º, n.º 2, e 
 
 379.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal impugnada nos presentes 
 autos não viola os artigos 32.º, n.º 1, e 205.º, n.º 1, da Constituição, pelo 
 que há que negar provimento ao presente recurso.
 III. Decisão
 Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
 a)                 Não julgar inconstitucional a norma dos artigos 374.º, n.º 2, 
 e 379.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal, interpretados no sentido 
 de que não é sempre necessária menção específica na sentença do conteúdo dos 
 depoimentos da arguida e das testemunhas de defesa;
 b)                 Negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida, 
 no que à questão de constitucionalidade respeita;
 c)                  Consequentemente, condenar a recorrente em custas, sendo a 
 taxa de justiça fixada em 20 (vinte) unidades de conta.
 
  
 Lisboa, 17 de Janeiro de 2007
 
  
 Paulo Mota Pinto
 Mário José de Araújo Torres
 Benjamim Rodrigues
 Maria Fernanda Palma
 Rui Manuel Moura Ramos