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Processo n.º 623/2007                                                     
 
 3ª Secção
 Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
 
  
 
  
 Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 I – RELATÓRIO
 
  
 
 1. Nos presentes autos, em que figura como recorrente A. e como recorridos o 
 Ministério Público e B., o primeiro reclamou do despacho do Tribunal da Relação 
 de Lisboa, que não admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional, interposto 
 ao abrigo do artigo 70º, nº 1, al. a), da Lei de Organização, Funcionamento e 
 Processo do Tribunal Constitucional, com fundamento em que a decisão recorrida 
 
 “não tinha, explícita ou implicitamente, recusado a aplicação de qualquer norma 
 com fundamento na sua inconstitucionalidade” (cfr. fls. 39)
 
  
 
 2. O recorrente reclamou, para o que agora releva, nos seguintes termos (cfr. 2 
 e seguintes dos autos):
 
 «…11º.
 O Venerando Tribunal da Relação recusou, após ter convidado o recorrente para 
 esclarecer a razão do recurso, a admissão do mesmo, entendendo que não tinha 
 justificação por não ter sido recusada a aplicação de qualquer norma com 
 fundamento na sua inconstitucionalidade. 
 
 12°.
 Com o devido respeito, sempre diremos que acreditamos que este despacho do 
 Venerando Desembargador que recusou a admissão do recurso teve como fundamento a 
 antiga redacção do artº. 280º. da C.R.P. na sua alínea a), diversamente do que 
 se entende que devia ter sido tido em conta, i.e., o artº. 70º. da L.O.TC., 
 tendo-lhe escapado uma singularidade que nos parece não apenas determinante no 
 modo como se deve ver o que o legislador quer, ao inverso do que parecia que ele 
 queria, abrindo agora a porta, porque necessário, a situações como esta em que 
 se encontra em causa a duvidosa constitucionalidade de uma norma que foi 
 aplicada com prejuízo da busca da verdade material e da Justiça. 
 
 13°.
 Com efeito, na al. a) do nº. 1 do artº. 70º. da L.O.T.C. (que é Lei especial) 
 pode ver-se que existe uma virgula a seguir à palavra norma, dando um novo 
 sentido ao normativo em que se inclui, sentido esse que possibilita o recurso ao 
 Tribunal Constitucional “ com fundamento em inconstitucionalidade” quando for 
 recusada a aplicação de qualquer norma. Por isso que está lá a vírgula, e bem 
 posto que a falta de aplicação de uma norma terá que ser sempre um acto 
 inconstitucional. E foi tácita e evidentemente recusada a aplicação da norma do 
 artº. 32º. da C.R.P., no seu nº. 1, com especial relevo para a parte final.»  
 
  
 Esta posição já tinha sido sustentada no requerimento de recurso para este 
 Tribunal junto do Tribunal da Relação de Lisboa (cfr. fls. 34 e 35 dos autos), 
 tendo sido reafirmada, após notificação para correcção de um eventual erro de 
 escrita (cfr. fls. 36 a 38).
 
  
 Não restam, portanto, quaisquer dúvidas de que é ao abrigo do artigo 70º, nº 1, 
 alínea a), da LTC que o recorrente fundamenta, quer o seu recurso, quer a sua 
 posterior reclamação para este Tribunal.
 
  
 
 3. O Ministério Público, notificado ao abrigo do artigo 77º, nº 2, LTC, veio 
 dizer o seguinte:
 
  
 
 «Sendo claro que não ocorreu qualquer desaplicação de normas com fundamento em 
 inconstitucionalidade, não poderia ter sido admitido o recurso, ao abrigo da al. 
 a) do nº 1 do artigo 70º da LTC, pelo que se nos afigura que deverá ser 
 indeferida a reclamação».
 
  
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
  
 II – FUNDAMENTAÇÃO
 
  
 
  
 
 4. Conferindo o n.º 1 do artigo 76º da LTC ao tribunal recorrido – in casu, o 
 Tribunal da Relação de Lisboa – o poder de apreciar a admissão de recurso, 
 entendeu aquele, como se viu, recusá-la. Do indeferimento do requerimento de 
 recurso para este Tribunal por parte do tribunal “a quo”, cabe reclamação para a 
 conferência, a que se refere o artigo 78ºA da LTC (cfr. artigo 77º, nº 1, da 
 LTC).
 
  
 Como já se disse, o reclamante invoca, como fundamento do seu recurso para este 
 Tribunal, o artigo 70º, nº 1, alínea a), da LTC, o qual foi objecto de uma 
 interpretação que, salvo o devido respeito, não tem qualquer correspondência no 
 texto constitucional nem em qualquer preceito legal.
 
  
 No fundo, o que o recorrente sustenta é que cabe genericamente recurso para o 
 Tribunal Constitucional de qualquer decisão judicial com fundamento em 
 inconstitucionalidade e, por isso, também do Acórdão do Tribunal da Relação de 
 Lisboa que rejeitou, por manifesta improcedência, o recurso por ele interposto 
 
 (cfr. fls. 13 e seguintes, maxime, fls. 32 dos autos), o qual não se debruçou 
 sobre qualquer questão de (in)constitucionalidade.
 
  
 
 5. Ora, o objecto do recurso, previsto no nº 1 da alínea a) do artigo 70º da 
 LTC, bem como os seus pressupostos objectivos de admissibilidade são bem outros. 
 Ele assenta precisamente na recusa de aplicação ou, dito de outro modo, na 
 desaplicação por parte do tribunal “a quo” de uma norma jurídica por a 
 considerar inconstitucional. E esse deve, obviamente, ser o fundamento da 
 desaplicação da norma, devendo constar da decisão, de modo expresso ou 
 implícito.
 
  
 Nas palavras de BLANCO DE MORAIS (in Justiça Constitucional, tomo II, Coimbra, 
 
 2005, pgs. 689 e 690), “o recurso é interposto de uma decisão de 
 inconstitucionalidade (…) proferida no caso concreto pelo juiz do tribunal 
 comum”, sendo “requisitos objectivos substanciais de interposição deste recurso: 
 
 
 i)                             que o juiz tenha efectivamente recusado a 
 aplicação, explícita ou implicitamente, de uma norma jurídica, a um caso 
 concreto;
 ii)                           que esta recusa se fundamente, necessariamente, na 
 inconstitucionalidade do acto normativo desaplicado (…).” . 
 
  
 
 6. No caso em apreço, nada na decisão recorrida aponta no sentido de que o 
 tribunal “a quo”, em algum momento, tenha equacionado sequer a hipótese de 
 inconstitucionalidade de qualquer norma jurídica quanto mais desaplicá-la ao 
 caso concreto.
 
  
 Nestes termos, deve julgar-se improcedente a presente reclamação.   
 
  
 
  
 III – DECISÃO
 
  
 Pelos fundamentos supra expostos, e ao abrigo do disposto no artigo 77º, nº 1, 
 conjugado com n.º 4 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na 
 redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se 
 indeferir a presente reclamação, confirmando o despacho recorrido de não 
 admissão do presente recurso.
 
  
 Custas devidas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC’s, nos 
 termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
 Lisboa, 14 de Junho de 2007
 Ana Maria Guerra Martins
 Vítor Gomes
 Gil Galvão